Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 445/2016-T
Data da decisão: 2017-04-18  Selo  
Valor do pedido: € 28.814,00
Tema: IS – verba 28.1 da TGIS; terreno para construção; ano 2015
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Decisão Arbitral

 

 

Autora / Requerente: A…, S.A.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante A.T.A.)

 

1. Relatório

Em 28-07-2016, a sociedade anónima A…, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua …, n.º…, …-… Porto, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o n.º…, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação do ato tributário de liquidação de Imposto de Selo relativo ao ano de 2015 e com referência aos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos … e …, da freguesia de ..., concelho do Porto, ambos descritos como terrenos para construção.

A Requerente alega que a liquidação em causa padece dos seguintes vícios:

(i)                 Erro quanto aos pressupostos;

(ii)               Violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva;

(iii)         Vício de fundamentação.

A Requerente começa por referir que o valor do terreno para construção corresponde a uma mera expectativa jurídica, que se traduz num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas caraterísticas e valor. E não estando nos terrenos em causa implementada qualquer construção, seja habitacional, destinada a serviços ou de outra natureza, não poderiam os terrenos estar sujeitos à liquidação de Imposto de Selo da verba 28.1 da TGIS, verificando-se um erro quanto aos pressupostos. A Requerente refere ainda as decisões do CAAD dos processos n.º 480/2015-T e 546/2014-T.

A Requerente alega que a introdução da verba 28.1 da TGIS na lei, num quadro de emergência nacional, pretendeu tributar os contribuintes titulares de capacidade contributiva acrescida, através da tributação de imóveis de luxo, donde se colhe que a realidade a tributar, segundo a Requerente, seria o conjunto dos prédios urbanos habitacionais e não outras realidades. E com o Orçamento de Estado para 2015, o legislador terá alargado a incidência objetiva do Imposto de Selo nos termos da verba 28.1 da TGIS aos terrenos para construção. De acordo com a Requerente, também neste caso o legislador pretendeu sujeitar unicamente a imposto, quando refere “terrenos para construção suja edificação autorizada ou prevista seja para habitação nos termos do Código do IMI”, as casas cuja construção se encontre aprovada ou prevista nos termos do Código do IMI.

Por outro lado, a Requerente entende que enquanto a titularidade de imóveis habitacionais de valor fiscal superior a um milhão de euros evidencia uma capacidade contributiva superior, legitimando um “imposto solidário”, tal não decorre da titularidade de imóveis por uma sociedade imobiliária que detém na sua esfera jurídica terrenos para construção que se destinam a realizar o seu objeto social e desenvolver atividade de promoção imobiliária, na medida em que não representa um património de luxo, e muito menos uma capacidade contributiva adicional ou excecional.

Conclui a Requerente afirmando que “a liquidação de imposto em causa, que tem por base terrenos para construção, para além de literalmente não observar o cumprimento das normas de incidência real, afeta claramente a ratio legis representada no aditamento introduzido à Tabela Geral também com a redação conferida pelo Orçamento de Estado de 2014”.

Quanto à violação dos princípios constitucionais, a Requerente refere que o princípio da capacidade contributiva implica igual imposto para os que tenham igual capacidade contributiva, e diferente imposto, para os que dispõem de diferente capacidade contributiva, embora na medida da diferença. E em sede fiscal, o que se pretenderá tributar é a capacidade contributiva evidenciada pelo sujeito passivo. Ao nível da tributação das empresas, por imposição constitucional, a mesma incide sobre o seu rendimento real, e não sobre uma mera expectativa jurídica, como se verifica nestes autos, segundo a Requerente.

Assim, para a Requerente, a tributação em Imposto de Selo nos termos da verba 28.1 da TGIS relativamente a bens de investimento revela uma clara violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva, devendo concluir-se pela ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo nos termos da verba 28.1 da TGIS. Sobre este assunto, a Requerente refere a decisão do CAAD do processo n.º 482/2015-T.

Relativamente ao vício de fundamentação alegado pela Requerente, a mesma refere que a AT “teria que invocar que estamos perante um terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

A Requerente alega que a fundamentação contida nas liquidações de Imposto de Selo em causa é inexistente, não permitindo ao contribuinte a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela AT. Refere também que a AT não considerou a realidade fáctica do prédio objeto da liquidação que ora se impugna, ou não identificou corretamente a incidência do imposto determinada pela lei alargando-a a realidades que nela não são incluídas.

Por fim, a Requerente pede a condenação da AT no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43º da LGT.

Foi designada como árbitro único, em 03-10-2016, Suzana Fernandes da Costa.

Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1, alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 19-10-2016.

A AT apresentou resposta, em 21-11-2016 (dentro do prazo legal para o efeito).

A AT começa por apresentar defesa por exceção, afirmando que se verifica incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação do pedido de declaração de inconstitucionalidade material da verba 28.1 da TGIS, por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto vertente do princípio da igualdade, conducente à absolvição da instância quanto ao pedido respetivo. Em relação às liquidações de Imposto de Selo objeto do pedido arbitral, a AT defende que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação controvertida deverá ser julgado improcedente, uma vez que a liquidação em crise consubstancia uma correta interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, já que o referido imóvel em causa é um “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”.

Em relação ao vício de falta de fundamentação alegado pela Requerente, a AT refere que as liquidações em causa não enfermam do referido vício, já que a Requerente ficou a conhecer a origem e o motivo das liquidações, o que foi liquidado, como e quais os motivos porque foram operadas as liquidações nos precisos modos em que o foram.

Quanto ao pedido da Requerente do pagamento de juros indemnizatórios, a Requerida entende que não se verificou qualquer erro dos serviços que possa sustentar o pedido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da LGT.

Em 29-11-2016 foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerente para, em 10 dias, se pronunciar sobre a possibilidade de dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

Em 06-12-2016, veio a Requerente juntar aos autos a nota de liquidação e o respetivo comprovativo do pagamento relativos à terceira prestação do imposto.

Foi proferido despacho em 14-02-2017, a designar o dia 03-03-2017 pelas 14:30 horas, para a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, uma vez que a Requerente não se pronunciou sobre o despacho de 29-11-2016.

Em 12-12-2016 foi junto aos autos um requerimento da Requerente no qual se pronunciou sobre a exceção, alegando que teria que improceder a exceção de incompetência absoluta em razão da matéria do Tribunal Arbitral.

Em 21-02-2017, foi proferido despacho a dar sem efeito a reunião agendada, e a ordenar a notificação das partes para, querendo, apresentarem alegações. No mesmo despacho, foi designado o dia 18-04-2017 para a prolação da decisão arbitral, e foi advertida a Requerente para proceder até àquela data, ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

A Requerente apresentou as suas alegações em 02-03-2017, tendo a Requerida enviado as suas em 10-03-2017.

A Requerente juntou a taxa arbitral subsequente em 22-03-2017.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias, além da exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação do pedido de declaração de inconstitucionalidade material da verba 28.1 da TGIS.

 

Da questão prévia da competência do Tribunal Arbitral

A Requerida alega na sua resposta que o Tribunal Arbitral é incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de declaração da inconstitucionalidade material da verba 28 da TGIS, por violação do princípio da capacidade contributiva enquanto vertente do princípio da igualdade, previsto no artigo 13º e 104º n.º 3 da CRP.

No entender deste tribunal, o que a Requerente pretende é a declaração de ilegalidade do ato de liquidação contestado, com base na inconstitucionalidade da norma que o sustenta. E esta conclusão sobre o objeto dos presentes autos resulta evidente do pedido inicial da Requerente: “(…) apresentar o seu pedido de pronúncia arbitral para apreciação da legalidade dos actos tributários de liquidação do Imposto de Selo (IS) previsto na Verba 28 da TGIS relativa ao ano de 2015 (…)”.

O CAAD já se pronunciou sobre esta questão, nomeadamente na decisão arbitral do processo n.º 385/2015-T, a que aderimos.

Assim, entendemos que a Requerente não pretende que este tribunal se substitua ao Tribunal Constitucional e declare inconstitucional a verba 28.1 da TGIS, pretendendo, sim, que este tribunal, no âmbito dos poderes que lhe são reconhecidos legalmente, julgue a norma em causa inconstitucional, recusando, assim, a sua aplicação ao caso concreto. Não podendo a norma ser aplicada, em concreto, o ato tributário que resulta da execução da mesma será, consequentemente, ilegal e, como tal, anulável.

O que está em causa nos presentes autos é, pois, a legalidade do ato de liquidação, sendo que para poder decidir, este tribunal terá que, necessariamente e por impositivo constitucional (artigo 204.º da CRP), avaliar da conformidade constitucional das normas que juridicamente o sustentam.

Face ao exposto, considera-se improcedente a invocada incompetência deste tribunal.

 

2. Matéria de facto

2. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.    A Requerente A…, S.A., em 2015, era proprietária do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo…, da freguesia de…, concelho do Porto, com o valor patrimonial tributário de 1.382.230,00 €, descrito como terreno para construção, conforme caderneta predial junta ao pedido arbitral como documento 7.

2.    A Requerente era também, em 2015, proprietária do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo…, da freguesia de …, concelho do Porto, com o valor patrimonial tributário de 1.499.170,00 €, descrito como terreno para construção, conforme caderneta predial junta ao pedido arbitral como documento 8.

3.    A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto de Selo n.º 2016…, referente ao ano de 2015, no valor de 13.822,30 €, a pagar em três prestações (abril, julho e novembro), relativa ao artigo …, conforme liquidação junta ao pedido arbitral como documento 1.

4.    A Requerente foi ainda notificada da liquidação de Imposto de Selo n.º 2016…, referente ao ano de 2015, no valor de 14.991,70 €, a pagar em três prestações (abril, julho e novembro), relativa ao artigo …, conforme liquidação junta ao pedido arbitral como documento 2.

5.    A Requerente procedeu ao pagamento das três prestações das duas liquidações acima referidas, conforme documentos 3 a 6 junto ao pedido arbitral, e documento junto aos autos em 06-12-2016.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos e nos factos admitidos por acordo.

 

2.3. Factos que não se consideram provados:

Não se encontra junto aos autos qualquer suporte documental que ateste que os atos em crise foram praticados tendo por objeto prédios com projetos aprovados para a construção ou quaisquer outros títulos constitutivos do direito de construir para habitação.

 

3. Matéria de direito:

3.1.Objeto e âmbito do presente processo

Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se o imóvel em causa, sendo um terreno para construção, está ou não sujeito a Imposto de Selo previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2014).

Sobre esta mesma questão já se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do CAAD proferidos nos processos número 460/2016-T, 447/2016-T, 312/2016-T, 290/2016-T, 156/2016-T e 467/2015-T.

Comecemos por analisar o vício material, invocado pela Requerente, de violação da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, que, a verificar-se, afastará definitivamente a possibilidade de impor à Requerente um novo ato tributário praticado ao abrigo daquela mesma norma. Além disso, e tal como se refere na decisão do CAAD do processo n.º 522/2015-T, só importará proceder à apreciação da questão da inconstitucionalidade da verba 28.1 se e na medida em que a interpretação e concretização da solução normativa resultante da mencionada verba envolver a subsunção à respetiva previsão legal da situação sub judice.

 

3.2. Da delimitação do âmbito de incidência objetiva da verba 28.1 da TGIS

Importa desde logo elencar as normas jurídicas relevantes à data de ocorrência dos factos.

A sujeição a Imposto de Selo dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da verba 28 à TGIS, efetuado pelo artigo 4º da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1– Por prédio com afetação habitacional – 1%

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.

A referida lei aditou ainda o n.º 7 do artigo 23º do Código do Imposto de Selo, que refere que “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”. Foi também aditado o n.º 2 do artigo 67º que dispõe que “as matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.

Posteriormente, a Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2014) veio alterar a redação da verba 28.1 da TGIS, em vigor a partir de 1 de janeiro de 2014, passando a mesma a dispor o seguinte:

“28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”.

O artigo 2º do Código do IMI refere-se ao conceito de prédio:

“1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”

Por sua vez, o artigo 4º define o que são prédios urbanos:

“Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como prédios rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”

Determina, por sua vez, o artigo 6º que:

“1 – Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados nas zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos” (…).

Quanto ao VPT dos terrenos para construção, vejamos o que refere o artigo 45º do Código do IMI.

“1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respetiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente. (Aditado pela Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro).”

Por último, atente-se nas normas sobre a interpretação das leis, fundamentais para que se possa compreender o alcance do conceito de prédio com afetação habitacional.

O artigo 11º da LGT determina que:

“1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender -se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica”.

E o artigo 9.º do Código Civil refere que:

“1. A interpretação não deve cingir -se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de cor respondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

Sobre a interpretação da lei, vejamos o que é referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 53/2013-T: “A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre actos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global. (…)

Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar coerência legislativa na solução adoptada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

Com efeito, verificamos que a redação da verba 28.1, quer a primeira quer a dada pela Lei do Orçamento de Estado para 2014, possui um cariz fulcralmente remissivo, pois o respetivo conteúdo regulativo relevante depende das normas legais constantes do Código do IMI.

Na verdade, seja quanto à incidência objetiva, com a referência a “prédios urbanos” e ao “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”, seja quanto à fixação da matéria coletável, com a referência ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, a verba 28 da TGIS resulta de uma remissão geral para o Código do IMI. Esse aspeto resulta reforçado pelo n.º 2 do art. 67.º do Código do Imposto de Selo, que determina que às matérias não reguladas no Código do Imposto de Selo respeitantes à verba 28 da TGIS aplica-se, subsidiariamente, o disposto no Código do IMI.

Segundo o teor literal da verba 28.1 da TGIS, com a redação dada pela Lei do Orçamento de Estado para 2014, estão sujeitos a esta norma de incidência tributária os prédios urbanos de VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, que sejam prédios habitacionais ou terrenos para construção com edificação, autorizada ou prevista, para habitação.

De acordo com o artigo 6º n.º 2 do Código do IMI, são habitacionais os edifícios ou construções licenciadas pelos municípios para esse fim, ou na falta de licença, que tenham como destino normal essa utilização.

Quanto aos terrenos para construção, vejamos o que refere a decisão do CAAD do processo n.º 467/2015-T:

“Diz a nova redacção da verba 28.1 da TGIS (dada, como se disse, pelo art. 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31/12) o seguinte: “Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

A questão essencial que, neste contexto, se coloca, é a saber se, fazendo uso das palavras da ora Requerente, “sem [...] aquela previsão ou expectativa de «edificação para habitação» [...] concretizada”, se poderá aceitar a aplicação do imposto do Selo aqui em análise (vd. artigos 83.º a 86.º do Pedido).

Para responder à referida questão, afigura-se como particularmente útil a ponderação do seguinte:

“No que se refere a terrenos para construção, quer estejam, ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma [CIMI], devem, como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida: - licença para operação de loteamento; - licença de construção; - autorização para operação de loteamento; - autorização de construção; - admitida comunicação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como; - aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para esse efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituada pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no art. 875.º CC.” [vd. ANTÓNIO SANTOS ROCHA / EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS – Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotados e Comentados). Coimbra, Almedina, 2015, p. 44]”.

Em face dos requisitos acima citados – com os quais aqui se concorda, por traduzirem e explicitarem quais as exigências legais e administrativas necessárias à consideração de quaisquer terrenos para construção como terrenos abrangidos pela verba 28.1 da TGIS – verifica-se que, no caso ora em análise, os terrenos em causa não preenchem nenhum deles.

Com efeito, e como se disse em sede de prova, não foi junto aos presentes autos qualquer suporte documental que ateste que os atos em crise foram praticados tendo por objeto prédios com projetos aprovados para a construção (ainda sem ou já com as referidas licenças e autorizações de construção), ou prédios que se localizem em zona onde esteja prevista a construção para a habitação (com as mencionadas comunicações prévias ou informações prévias em vigor favoráveis à realização de operações de loteamento ou de construção). Não tendo sido feita essa demonstração, não se poderá considerar que os terrenos ora em causa têm edificação, autorizada ou prevista, para habitação, nos termos do Código do IMI. 

Regressando ao acórdão que vimos seguindo, “Importa, ainda, salientar que, embora os prédios aqui em causa estejam matricialmente inscritos como sendo “terrenos para construção”, tal não legitima a aplicação automática da verba 28.1 da TGIS, uma vez que, como parece resultar óbvio, a mera inscrição matricial não constitui, por si só, demonstração de que um prédio tem uma edificação para habitação prevista.

Prova do que acabou de se dizer é o facto de, como também referem ANTÓNIO SANTOS ROCHA e EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS (ob. cit., p. 46), “os imóveis situados em zonas urbanizadas ou incluídas em áreas abrangidas por planos de urbanização já aprovados [...] apenas deve[re]m ser considerados como terrenos para construção quando, por acção desencadeada pelo respectivo proprietário, se verifiquem, em alternativa, a emissão de qualquer daqueles documentos [«concessão de licenças, autorizações de construção ou loteamento, comunicações ou informações prévias favoráveis para o mesmo desiderato»]”.

“Acrescentam os mesmos autores (vd. ibidem) – reforçando o entendimento, já aqui expresso, segundo o qual, sem licenças ou autorizações de construção, a mera inscrição dos imóveis como terrenos para construção não legitima, por si, a aplicação da verba 28.1 da TGIS –, em abono da sua posição, o seguinte:

“Os imóveis já descritos na matriz como terrenos para construção, relativamente aos quais se verifique a caducidade do loteamento, da licença ou autorização de construção, e nos quais não tenha, sequer, sido iniciada qualquer operação de edificação, devem, por via do instituto da caducidade, recuperar a natureza anterior”.

“No mesmo sentido, veja-se, igualmente, JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES, (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo. Coimbra, Almedina, 3.ª ed., 2015, págs. 110 a 112): “O direito a construir não está ínsito no direito de propriedade, mas só nasce ex novo no património do proprietário quando um ato administrativo da entidade pública competente reconhece e autoriza o proprietário a construir ou a lotear. [...] só quando esse direito se constitui na esfera jurídica do proprietário é que o Código do IMI estabelece que estamos perante um terreno para construção. Sendo esse ato constitutivo praticado pela entidade pública a requerimento do proprietário, então a classificação de um prédio como terreno para construção depende sempre da vontade do proprietário.”

“Em síntese, afigura-se claro, no caso que se vem tratando, que a incidência do imposto aos terrenos para construção não se pode materializar com a mera inscrição dos mesmos, como tais, na matriz, mas antes, e de forma decisiva, pela verificação da efectiva potencialidade de edificação nos referidos terrenos (a qual deve ser apurada in casu e revelada através da existência dos documentos supra descritos). O mesmo é dizer, por outras palavras, que a incidência do imposto, para efeitos do disposto na verba 28.1, só se materializa com a verificação da “afectação efectiva”, para utilizar a feliz expressão de JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES (ob. cit., p. 507).

“Sem essa demonstração da efectiva potencialidade de edificação – que, como se disse, não ocorreu no caso aqui em análise –, não se mostram cumpridos os propósitos subjacentes à nova redacção do texto legal da verba 28.1 da TGIS, razão pela qual se conclui que as liquidações em causa incorrem no erro invocado pela Requerente (vd. artigo 92.º da Petição).”

Acompanhando este Tribunal Arbitral, integralmente e sem reservas, tal entendimento, não resta se não declarar-se procedente o entendimento da Requerente quanto à questão referida, e ficar prejudicado, em face do disposto no artigo 124.º do CPPT, ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT, o conhecimento de demais alegações da Requerente (não havendo, em face desta decisão, qualquer prejuízo para a mais estável ou eficaz tutela dos interesses da mesma).    

No entanto, analisemos se se verifica a violação dos princípios constitucionais alegados pela Requerente.

A análise da conformidade da verba 28 da TGIS com os princípios constitucionais da igualdade e ao seu corolário, o princípio da capacidade contributiva, deve ser analisada à luz do que se deixou referido.

Importará, neste sentido, analisar o disposto nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da CRP.

O artigo 13.º da CRP, que estabelece o princípio da igualdade, impõe o seguinte: “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, e “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.

Este princípio é interpretado de forma constante como um limite ao arbítrio e à discricionariedade.

Como referido, quer na doutrina, quer na jurisprudência, o princípio da igualdade manifesta-se em três dimensões (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed, Vol. I, Coimbra, 2007, p. 339): “a) proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; b) proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias (...); c) obrigação de diferenciação como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (...)”.

Este princípio é interpretado e definido não como uma proibição ao tratamento diferenciado, mas como uma proibição de arbitrariedade e de ausência de racional económico nas diferenças estabelecidas, tal como é referido na decisão do CAAD do processo n.º 493/2015-T.

De acordo com a interpretação sufragada supra, a tributação de terrenos para construção sem qualquer edificação, autorizada ou prevista, para habitação, não se encontra abrangida pela norma de incidência; logo, a sua tributação viola o princípio da igualdade, mais concretamente nos seus corolários de capacidade contributiva e proporcionalidade fiscal.

Quanto ao princípio da igualdade, concluímos, como no acórdão do CAAD n.º 218/2013-T, dizendo que “a liquidação de Imposto de Selo ora em apreciação viola manifestamente o princípio da igualdade fiscal previsto no artigo 13º da RCP, porque: i) é baseada numa norma que trata contribuintes que se encontram em situações idênticas de forma bem diferente, não sendo a medida da diferença aferida pela sua real capacidade contributiva; ii) é baseado numa solução legal arbitrária desprovida de qualquer fundamento racional.”

O princípio da igualdade fiscal determina que se deva tratar fiscalmente de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente.

Como refere o acórdão CAAD do processo n.º 218/2013-T, “O princípio da igualdade fiscal tem por base o princípio geral da igualdade previsto no artigo 13º da CRP, dele resultando o princípio da capacidade contributiva que, por imperativo constitucional, é o pressuposto e o critério da tributação.”

Afirma o Professor Casalta Nabais que o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo “a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério — o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5.ª edição, Coimbra, 2009, pág. 151 -152).

 

4. Dos juros indemnizatórios

 

A Requerente refere que procedeu ao pagamento das liquidações em causa nos presentes autos, e requer o reembolso da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT).

O artigo 43º n.º 1 da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 4 do art. 61.º do CPPT que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Nos presentes autos, verifica-se que a ilegalidade da liquidação controvertida, por erro nos pressupostos de direito, é imputável à AT por ter procedido à incorreta interpretação e aplicação da disposição legal constante da verba 28.1 da TGIS.

Assim, a Requerente tem direito, em conformidade com o disposto nos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago e aos juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos arts. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados desde a data do pagamento do imposto, à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que serão incluídos.

 

5. Decisão

Em face do exposto, determina-se:

a)    Julgar improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral;

b)   Julgar procedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo n.º 2016 … no valor de 13.822,30 € e n.º 2016 … no valor de 14.991,70 €;

Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente o valor do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efetuado até à data do integral reembolso do mesmo.

 

6. Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 315º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 28.814,00 €.

 

7. Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, devidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

Lisboa, 18 de abril de 2017.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.

A juíz arbitro

 

Suzana Fernandes da Costa