Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 457/2016-T
Data da decisão: 2017-03-06  Selo  
Valor do pedido: € 15.518,40
Tema: Imposto do Selo - Verba 28.1 TGIS – Propriedade Total; juros indemnizatórios
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Requerente: A…, SA

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

 

 

Decisão Arbitral

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

A)    As Partes e a Constituição do tribunal Arbitral

 

  1. A…, SA., contribuinte fiscal n.º…, com sede na … n.º…, …, Lisboa (doravante designada por “Requerente”), requereu a constituição de Tribunal Arbitral coletivo, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnação e declaração da ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (IS), emitidas em aplicação do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) referentes ao ano de 2015, no montante global de €15.518,40, pretendendo a sua anulação, com referência ao prédio urbano sito na Freguesia de …, Concelho de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão, sob o nº…, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … .
  2. No presente pedido arbitral a Requerente impugna as seguintes liquidações de Imposto do Selo, previsto na verba 28.1 da TGIS, referentes ao ano de 2015, a seguir discriminadas:

 

 Liquidações de Imposto do Selo n.ºs 2016…, no valor de €2.296,10; 2016…, no valor de €1.959,70; 2016…, no valor de €1.777,90; 2016…, no valor de €1.976,30; 2016…, no valor de €1.777,90; 2016…, no valor de €1.976,30; 2016…, no valor de €1.777,90; 2016…, no valor de €1.976,30

 

O montante global de imposto liquidado é de €15.518,40, o qual foi integralmente pago pela Requerente. Estas liquidações encontram-se devidamente identificadas e juntas aos autos, e atestado o respetivo comprovativo de pagamento.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado pela Requerente em 28-07-2016, foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 29-07-2016. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, em 03-10-2016, a ora signatária como árbitro e constituir o Tribunal Arbitral singular. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 19-10-2016. Em 26-10-2016 foi proferido despacho arbitral, para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT.

 

  1. Em 24-11-2016 a Requerida veio juntar aos autos a sua resposta e o respetivo Processo Administrativo (PA), que se dão por integralmente reproduzidos. Na sua resposta, a Requerida entende que as questões em discussão nos autos são meramente de direito e que, por isso, não vê qualquer interesse na produção da prova testemunhal indicada, podendo ser dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT. Em 22-12-2016 foi proferido despacho arbitral para que a Requerente se pronunciasse sobre a dispensa requerida pela AT, sobre o interesse em manter a inquirição das testemunhas indicadas e requerida dispensa de realização da reunião. Em 03-01-2017 a Requerente pronuncia-se favoravelmente a essa dispensa. Assim, por despacho arbitral proferido em 05-01-2017, nos termos do disposto nos artigos 16.º, alínea c), 19º e 29º, nº2 do RJAT, foi dispensada a realização da aludida reunião, fixado prazo para alegações e fixada data para prolação de decisão arbitral até 28-02-2017, o qual veio a ser prorrogado por mais quinze dias. Foi, ainda, notificada a Requerente para efetuar o pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

 

B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:

 

 

  1. A Requerente formula o presente pedido de pronúncia arbitral pugnando pela ilegalidade das liquidações de IS, determinadas ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, conforme consta do pedido arbitral, as quais são referentes ao prédio urbano, com fim habitacional, supra identificado, que se encontra em regime de propriedade total (ou vertical). Está em causa um prédio urbano para habitação, inacabado, que ainda não se encontra habitado, por força do processo de insolvência da empresa construtora e anterior proprietária, tendo a Requerente adquirido o prédio no âmbito desse mesmo processo e que aguarda autorização camarária para a constituição da propriedade horizontal. Enquanto isso, a situação jurídica do prédio é a de propriedade total, constituído por oito frações ou unidades suscetíveis de utilização independente. Sobre este prédio, a AT procedeu à liquidação de Imposto do selo, nos termos da verba 28.1 da TGIS, tendo como referência o valor patrimonial tributário (VPT) total, correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão independente, o qual ascende a €1.551.840,00. Em conformidade com este entendimento o IS devido, no ano de 2015, para o prédio supra descrito, é de €15.518,40.

 

Todas as liquidações emitidas, foram pagas pela Requerente, as quais se encontram devidamente identificadas e juntas aos autos, bem assim como os comprovativos de pagamento, constante das próprias liquidações, conforme carimbo dos serviços que atestam o respetivo pagamento.

 

  1. Em síntese, para fundamentar o seu pedido alega a Requerente que é ilegal a liquidação de IS sobre a soma do VPT das divisões suscetíveis de utilização independente que integram o prédio, em regime de propriedade total ou vertical, identificado nos autos. Deve considerar-se que a incidência do IS prevista na verba 28.1 da TGIS se deve aferir em função – e apenas em função – de cada divisão suscetível de utilização independente e não do prédio em que estas se integram. Assim sendo, tendo em conta que o VPT atribuído a cada uma das partes ou divisões suscetíveis de utilização independente afetas a habitação é inferior a €1.000.000, não estão sujeitas a IS, nos termos da verba 28.1 da TGIS, pelo que as liquidações impugnadas devem ser julgadas ilegais, por violação do disposto na referida verba 28.1 da TGIS, bem assim como nos artigos 23.º, n.º 7, do Código do IS e nos artigos 6.º, 7.º, n.º 2, alínea d) e 12.º, n.º 3 do Código do IMI, estes últimos aplicáveis ex vi do artigo 67.º, n.º 2, do Código do IS.

Invoca, ainda, em defesa deste entendimento numerosa jurisprudência arbitral, confirmada pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores e, ainda, pelo entendimento que o Tribunal Constitucional tem vindo a assumir em torno do principio da igualdade e da capacidade contributiva. Alega, pois, a ilegalidade e inconstitucionalidade subjacente ao entendimento da AT que conduziu às liquidações impugnadas.

Conclui peticionando a anulação de todas as liquidações de imposto impugnadas, com todas as consequências legais, nomeadamente, nos termos do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT), o processamento do reembolso do montante pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

 

C – A RESPOSTA DA REQUERIDA

 

  1. A Requerida AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual alegou, em síntese, que as liquidações impugnadas não padecem que qualquer ilegalidade, nem de inconstitucionalidade, e que são a consequência direta da aplicação direta da norma legal, que se traduz em elementos objetivos, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária. Alega que a AT se limitou ao cumprimento e nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2 da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba n.º 28 à TGIS, com a alteração efetuada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31/12 e cuja respetiva norma de incidência refere prédios urbanos, avaliados nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), com VPT igual ou superior a €1.000.000,00 e, nos termos do seu n.º 28.1, com afetação habilitacional. Invoca, ainda, o disposto no artigo 44.º, n.º 5, do Código do Imposto do Selo (CIS) e que à luz do conceito de prédio definido no artigo 2.º, n.º 1 do CIMI se infere que, um «prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente» é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por frações autónomas, ou seja, por vários prédios. Conclui que as liquidações impugnadas são legais e que não são devidos juros indemnizatórios por não existir qualquer erro imputável aos serviços, que se limitaram ao estrito cumprimento da norma legal. Por último, quanto às questões de inconstitucionalidade invocadas pela Requerente a AT responde, invocando a jurisprudência do Tribunal Constitucional, vertida nos Acórdãos nº 542/14, de 11-11-2015 e nº 51/2014, de 16-12-2015, nos quais se decidiu, nos casos em concreto, não declarar inconstitucional a norma de incidência constante da verba 28.1 da TGIS.

Conclui pugnando pela legalidade das liquidações de IS impugnadas e pela improcedência do pedido arbitral.

 

 

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

 

  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos do artigo 2.º, nº1, alínea a) do RJAT. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º nº2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

 

  1. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

  1. Tendo em conta o processo administrativo tributário, a prova documental junto aos autos, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a compreensão da decisão, que se fixa como segue.

 

 

III – Matéria de facto

 

 

A)    Factos Provados

 

 

  1. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
  1. A Requerente é proprietária do prédio urbano sito em…, Lote …, freguesia de…, Concelho de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão, sob o nº…, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…;
  2. À data do facto tributário em causa, a Requerente era proprietária deste imóvel, que adquiriu por escritura de compra e venda outorgada em 20-12-2013, tendo a Requerente adquirido o prédio no âmbito de um processo de insolvência do construtor originário, como resulta do documento nº 3 junto em anexo ao pedido arbitral;
  3. O prédio em causa encontra-se em propriedade total e é composto por rés-do-chão, 1º, 2º e 3º andares, com duas frações independentes por cada andar (esquerdo e direito), destinados a habitação;
  4. Sobre este prédio a AT liquidou IS, com referência ao ano de 2015, nos termos da verba 28.1 da TGIS, considerando o VPT total calculado com base no somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão independente com afetação habitacional, o qual é €1.551.840,00, logo superior a €1.000.000,00;
  5. As liquidações impugnadas somam o valor total de €15.518,40, conforme a seguir se discrimina:

                                                              i.      Liquidação nº 2016…, no valor de €2.296,10;

                                                            ii.      Liquidação nº 2016…, no valor de €1.959,70;

                                                          iii.      Liquidação nº 2016…, no valor de €1.777,90;

                                                          iv.      Liquidação nº 2016…, no valor de €1.976,30;

                                                            v.      Liquidação nº 2016…, no valor de €1.777,90;

                                                          vi.      Liquidação nº 2016…, no valor de €1.976,30;

                                                        vii.      Liquidação nº 2016…, no valor de €1.777,90;

                                                      viii.      Liquidação nº 2016…, no valor de €1.976,30.

 

f) Para efeitos de IMI cada parte ou divisão suscetível de utilização independente tem um VPT individual atribuído, fixado em valores que oscilam entre o valor mínimo de €177.790,00 e máximo de €229.610,00, como consta da respetiva caderneta predial junta aos autos, que se dá por integralmente reproduzida;

g) O prédio foi adquirido pela Requerente ainda inacabado e aguarda a correspondente licença camarária para poder ser constituída a correspondente propriedade horizontal.

h) A Requerente pagou todas as liquidações de IS impugnadas.

 

 

B)    FACTOS NÃO PROVADOS

 

 

  1. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

 

C)    FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

 

 

  1. Os factos dados como provados têm base na prova documental que as partes juntaram ao presente processo. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, devendo selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e art.º 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT]. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT]. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.

 

 

IV – DO DIREITO

 

 

  1. Fixada, nos termos sobreditos, a matéria de facto, importa conhecer da questão de direito suscitada pela Requerente, a qual consiste em apreciar os termos da configuração da incidência subjetiva do IS previsto na verba 28 da TGIS, no caso concreto do prédio descrito nos presentes autos.

Trata-se de um prédio em regime de propriedade total (ou vertical), compostos por diversos andares, com divisões ou partes suscetíveis de utilização independente, para habitação. Assim vem descrito na Caderneta Predial e, independentemente de se encontrar a aguardar a emissão da necessária autorização camarária para constituição de propriedade horizontal, o que releva é a sua natureza jurídica à data do facto tributário.

 

  1. Em causa nos autos está, em primeira linha, a questão de saber se um prédio em propriedade total (ou vertical), constituído por divisões suscetíveis de utilização independente, cujo VPT foi determinado separadamente, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, alínea b) do CIMI, está(ão) sujeito(s) à incidência de IS, por força da previsão da verba 28.1 da TGIS, sobre o somatório dos VPT daquelas divisões, quando nenhuma das referidas divisões possua um VPT superior a €1.000.000,00, mas a soma dos respetivos VPT exceda este montante.

 

  1. Do quadro argumentativo exposto pelas partes, conclui-se que para a AT, o critério de determinação da incidência do IS, previsto na verba 28.1 da TGIS, dos prédios em propriedade total (ou vertical), com andares e divisões com utilização independente com afetação habitacional, corresponde ao somatório dos respetivos VPT atribuídos às partes ou divisões. Foi este entendimento que conduziu às liquidações de IS aqui impugnadas e que a Requerente contesta, por entender que tal juízo é ilegal, o que motivou a apresentação do presente pedido de constituição de Tribunal arbitral.

Esta questão foi já objeto de apreciação recorrente em sede arbitral, sendo consistente a jurisprudência no sentido de uma resposta negativa, podendo ver-se, a título exemplificativo, as decisões proferidas nos processos n.º 48/2013-T, 49/2013-T, 50/2013-T, 53/2013-T, 132/2013-T, 181/2013, 183/2013-T 248/2013-T e 280/2013-T, 30/2014-T, 497/2014-T, 575/2014-T, entre outras. E, com relevância acrescida para a decisão do caso em apreço nos autos, releva a recente decisão arbitral nº 740/2014-T, na qual foi decidida idêntica questão de direito e de facto, referente ao IS liquidado a este mesmo prédio, com referência ao ano de 2014. Aderimos, sem dúvida, à jurisprudência vertida nas decisões arbitrais supra referidas, as quais são meramente exemplificativas do sentido de decisão que tem vindo a ser seguida sobre esta mesma questão.

 

Acresce que, no mesmo sentido já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo (STA), em Acórdão de 09-09-2015, em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Francisco Rothes, no qual se decidiu:

 

“I - Relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000.

II - Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.” [1]

 

  1. Não obstante o supra exposto, a Requerida AT tem vindo a manter o entendimento plasmado nos presentes autos, pugnando por uma interpretação assente em conceitos formais, nomeadamente no que respeita ao conceito de prédio para efeitos de incidência do IS.

Ora, sobre a questão fundamental em apreço dir-se-á que o primeiro limite da interpretação é a letra da lei, mas não o único. A tarefa interpretativa exige algo mais, ou seja, a partir do texto da norma impõe-se a descoberta da “ratio legis” subjacente, “tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal” [2], dito de outro modo “o jurista há-de ter sempre diante dos olhos o escopo da lei, quer dizer, o resultado prático que ela se propõe conseguir”.[3] Nesta conformidade, a questão centra-se na interpretação da norma de incidência, tal como se encontra expressa na previsão legal das verbas 28 e 28.1 da TGIS, referindo-se à “propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos, com afetação habitacional (28.1) cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI seja igual ou superior a 1 000 000,00 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”.

Ora, parece que tal disposição legal não acolhe o entendimento perfilhado pela AT, insistente e recorrentemente, segundo o qual quanto aos prédios “com afetação habitacional” em propriedade vertical, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, o VPT sobre o qual deve incidir a taxa de IS, deve ser o VPT total, correspondente ao somatório dos VPT atribuídos individualmente a cada fração, parte ou divisão independente. Tal entendimento é, desde logo, contrariado pela própria letra da lei, quando inequivocamente remete para a aplicação dos princípios vigentes em sede de IMI, o que significa que a incidência para efeitos de IS – verbas 28 e 28.1 da TGIS – deverá incidir sobre cada andar ou divisão suscetível de utilização independente (à semelhança do que acontece com os prédios em regime de propriedade horizontal), tal qual sucede em sede de IMI.

É que, para efeitos do IMI, cada parte ou divisão suscetível de utilização independente é, como sabemos, tributada individualmente, em função do VPT individual atribuído para este efeito. A remissão para o CIMI, que o legislador introduziu, expressa e inequivocamente, na letra da lei (verbas 28 e 28.1 da TGIS) só pode ter um significado, o qual não oferece dúvida: é esse mesmo VPT (individual, de cada parte ou divisão independente) a referência para efeitos de incidência do IS consagrado nas verbas 28 e 28.1 da TGIS.

 

  1.  A este propósito, recorde-se a fundamentação contida na Decisão arbitral n.º 280/2013-T, particularmente sintética e precisa e à qual se adere:

“A questão de direito a resolver em primeiro lugar é saber se de acordo com o disposto na verba 28.1 da TGIS se deverá ou não considerar o somatório do VPT de cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, uma vez que nenhuma delas tem valor igual ou superior a €1000000,00;

Tendo em conta que o CIS remete para o CIMI a regulação do conceito de prédio e das matérias não reguladas quanto à verba 28 da TGIS (nº 6 do artigo 1º e nº2 do artigo 67º ambos do CIS), é no CIMI que teremos de observar os conceitos que nos permitam dirimir a questão; (sublinhado nosso)

O conceito generalista de prédio consta no artigo 2º do CIMI. No artigo 3º do mesmo diploma o legislador, usando critérios de afectação e localização estabeleceu o conceito de prédios rústicos, vindo depois, numa classificação pela negativa, no seu artigo 4º, estabelecer que prédios urbanos serão todos os que não devam ser classificados como rústicos;

No nº 2 do artigo 5º do mesmo Código o legislador estabelece o conceito de prédios mistos que serão aqueles em que existam realidades económicas rústicas e urbanas distintas e não haja subordinação de uma à outra;

O artigo 6º do citado CIMI divide os prédios urbanos em: habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros;

No caso concreto estamos em presença de prédio urbano com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional e outras com afectação comercial, trata-se de um prédio com partes enquadráveis na divisão habitacionais da alínea a) do nº 1 do artigo 6º e com partes enquadráveis na alínea b) do mesmo nº e artigo, mas de forma alguma será um prédio misto no conceito estabelecido no já citado artigo 5º do CIMI;

Cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente que compõem o imóvel em questão, preenche o conceito de prédio estabelecido no artigo 2º do CIMI, elas são física e economicamente independentes e fazem parte do património de pessoa colectiva;

Aliás a AT ao expurgar o VPT das partes ou divisões com afectação diversa da habitacional, para efeitos de tributação em IS, mais não fez do que usar o critério definido no nº 4 do artigo 2º do CIMI para os prédios no regime de propriedade horizontal;

Dito de outro modo, a AT, para fazer esse expurgo, considerou que as partes ou divisões susceptíveis de utilização independente eram verdadeiras partes autónomas de prédio em propriedade vertical preenchendo o conceito de prédio;

E mais não fez do que observar o que dispõe o nº 3 do artigo 12º do CIMI: “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial.

Igualmente a AT ao fazer a tributação em IMI fê-lo tributando separadamente o VPT de cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente;

A AT utilizou igual critério na tributação em IS, ao fazer o seu cálculo sobre o VPT de cada uma das partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, só que a final considerou o VPT global, verificando ser superior a €1000000,00 e somou os valores de IS apurado unitariamente;

Mas este procedimento não tem suporte legal, uma vez que, nenhuma das partes ou divisões com utilização independente com afectação habitacional, preenchendo cada uma delas o conceito de prédio enunciado no artº 2º do CIMI, tem um VPT igual ou superior a € 1000000,00, requisito exigível para haver tributação em IS;

Fazer a tributação em IS considerando o VPT global do prédio, mesmo expurgado do VPT das partes ou divisões não afectas à habitação, como pretende a requerida, não encontra suporte no CIMI, conforme remissão do nº2 do artigo 67º do CIS;

Nem se diga que há uma diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, face a um imóvel em propriedade horizontal. Na verdade, ela não existe em IMI tal como não poderá existir em IS, uma vez que, como já se disse, a legislação aplicável é a mesma;

Nesta perspectiva e considerando que nenhuma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente com destino ou afectação habitacional tem VPT igual ou superior a €1.000.000,00 forçoso é concluir que os actos de liquidação do IS são ilegais por não ter sido observado as condições definidas na verba 28 da TGIS.”

 

  1. Idêntico entendimento resulta do Acórdão do STA, de 09-09-2015, já supracitado, pelo que a tese defendida pela AT não pode vingar.

Uma leitura adequada da amplitude da previsão da norma de incidência das verbas 28 e 28.1 da TGIS, face ao que o n.º 7 do artigo 23.º do CIS permite concluir quanto à determinação da matéria coletável e sequente operação de liquidação do imposto que: “Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.”

 

Ora, dispõe, ainda, o n.º 3 do artigo 11.º da LGT: “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”.

 

  1. No caso em apreço, a correta interpretação da norma jurídica contida nas verbas 28 e 28.1 da TGIS, deve atender-se à “substância económica dos factos tributários” para se concretizarem adequadamente as “necessárias adaptações das regras contidas no CIMI”, para a adequada apreciação da matéria de direito em discussão. Não esquecendo o respeito pela “unidade do sistema jurídico”, o qual se impõe, desde logo, pela coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica”. Este é, sem dúvida, um fator determinante para uma correta interpretação da norma jurídica. Ora, o legislador expressou de forma coerente o seu pensamento nesta matéria, ao introduzir uma remissão abrangente para os princípios contidos no CIMI.

 

  1. A delimitação do alcance da norma de incidência deste novo tributo deve seguir a orientação da letra e do espirito da lei. Num primeiro plano, deve atender-se, pois, ao disposto expressamente nas verbas 28 e 28.1 da TGIS, com as “necessárias adaptações das regras contidas no CIMI”, como resulta do disposto no n.º 7, do artigo 23.º, do CIS. Importa, ainda, ter em conta que a sujeição a IS dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da verba 28 da TGIS, efetuada pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29/10, que tipificou os seguintes factos tributários:

 

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares e sejam residentes em país, território ou região, sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

 

  1. A Lei 55-A/2012 nada diz quanto à qualificação dos conceitos em presença, nomeadamente, quanto ao conceito de “prédio com afectação habitacional.” Mas dispõe o artigo 67.º, n.º 2 do CIS, aditado pela referida Lei, que “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.(sublinhado nosso)

 

A norma de incidência refere-se, pois, a prédios urbanos, cujo conceito é o que resulta do disposto no artigo 2.º do CIMI, obedecendo a determinação do VPT, aos termos do disposto no artigo 38.º e seguintes do mesmo código. Consultado o CIMI verifica-se que o seu artigo 6.º apenas indica as diferentes espécies de prédios urbanos, entre os quais menciona os habitacionais (vd. alínea a) do n.º 1), esclarecendo no n.º 2 do mesmo artigo que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”

Dos normativos referidos podemos concluir que, do ponto de vista do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio (é indiferente que se encontre em propriedade vertical ou horizontal) mas sim a sua utilização normal, o fim a que efetivamente se destina o prédio.

 

  1.  Resulta assim que, para o legislador a situação do prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não relevou, pois que nenhuma referência ou distinção é efetuada entre uns e outros. Idêntica conclusão se extrai da remissão que o legislador introduziu em matéria de IS para o CIMI. Ora, este imposto estabelece como critério para os prédios em propriedade vertical a atribuição de um VPT a cada uma das partes ou divisões independentes. O que releva é, pois, a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização, ou seja, “com afectação habitacional”.

Utilizando o critério que a própria lei introduziu no artigo 67.º, n.º 2 do CIS, “às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.”

Do disposto no n.º 4 do artigo 2.º do CIMI, resulta que “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.” Acrescentando ainda o n.º 3 do artigo 12.º do CIMI que Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual determina também o respectivo valor patrimonial tributário”.

 

  1. Assim, o entendimento adotado pela AT afigura-se desconforme à letra e ao espirito da norma, pelo que as liquidações impugnadas estão inquinadas por vício de violação de lei, por manifesto erro quanto aos pressupostos de facto e de direito. Acresce que, esta solução é a que resulta da aplicação dos próprios normativos infraconstitucionais, pelo que, a alegada inconstitucionalidade não releva para a decisão de direito, como aliás se extrai da jurisprudência constitucional invocada pela AT, supracitada nos presentes autos.

Assim, o que está em causa é a interpretação que a AT faz da norma de incidência, a qual não está de acordo com o estabelecido na norma de incidência. Acresce que o resultado prático dessa interpretação, preconizada pela AT, conduziria, por exemplo, à tributação de um prédio em propriedade vertical por força do somatório dos valores individuais das suas partes ou divisões independentes (como sucede no caso dos autos) sendo que, se estivesse constituído em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações seria tributada. Acresce que, pelo entendimento da AT seriamos levados a tributar andares ou divisões (frações) suscetíveis de utilização independente de valores modestos (exemplo dos autos) sabendo que o mesmo legislador excluiu da tributação frações de prédios constituídos em regime de propriedade horizontal, ainda que cada fração tivesse um VPT de €999.999,00. Tal interpretação, além de absurda, é totalmente contrária ao propósito que levou o legislador a inserir a verba 28 a TGIS. Dito de outro modo, também o elemento histórico nos conduz a um entendimento diverso do que vem defendido pela AT. [4]

 

  1.  O recurso à ratio legis e aos princípios de interpretação supra expostos, apontam no sentido oposto ao que vem defendido pela Requerida. Se o prédio em causa nos presentes autos se encontrasse já constituído em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do imposto. E, como já se disse, o pensamento do legislador expresso na norma de incidência, ao remeter para a aplicação do CIMI, foi claro e inequívoco, seguindo o princípio da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal e da uniformidade do sistema jurídico.

 

  1.  Por último, acrescentar-se-á apenas isto: ainda que, hipoteticamente, fosse concedível que nos casos de prédios em propriedade total (ou vertical), constituídos por divisões suscetíveis de utilização independente, se pudesse considerar exigível IS pela totalidade do prédio, se atingido o valor fixado na verba 28.1 da TGIS, sempre tal valor haveria de ser fixado autonomamente, através de uma avaliação própria, e não através da soma dos valores em que cada uma das partes suscetíveis de utilização independente foi, autonomamente avaliada. Efetivamente, e como é bom de ver, o “valor de mercado” do todo, não será necessariamente – e não o será, por regra – igual à soma das partes, sendo consabidamente mais fácil e lucrativa (o que até constituirá parte do fundamento económico do instituto da propriedade horizontal) a venda “às partes” do que a venda global do todo, desde logo pelo alargamento de mercado, que o preço substancialmente mais baixo das partes em relação ao todo aporta. Aliás, será este acréscimo de valor económico decorrente da divisão, que justificará uma avaliação independente de cada parte autónoma do prédio em propriedade total, de modo a assegurar que não haja menos receita fiscal, em sede de IMI e IMT, pelo facto de a divisão do prédio não ter correspondência jurídica na forma de propriedade horizontal. Dito de outro modo, a partição do prédio acarreta sempre um acréscimo de valor do todo, uma vez que o valor “de mercado” do todo será, (pelo menos) por regra, inferior ao valor “de mercado” das partes, separadamente. Pelo que, no limite, caso a AT pretendesse, legitimamente, aplicar a verba 28.1 da TGIS a um prédio em propriedade total (ou vertical), constituído por divisões suscetíveis de utilização independente, sempre estaria obrigada a uma avaliação do mesmo como um todo (que fosse uma aproximação credível ao seu valor “de mercado” por “grosso”) e não como soma das partes (a “retalho”), desde logo porque, estas não são suscetíveis de ser, de forma válida, colocadas no “mercado” separadamente.

 

  1. Retornando ao caso dos presentes autos o prédio em causa encontra-se em propriedade vertical e contêm andares e divisões com utilização independente, destinados a habitação, como ficou provado. Dado que nenhuma das partes independentes destinadas a habitação tem valor patrimonial igual ou superior a €1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do IS previsto na verba 28.1 da TGIS.

 

  1. Assim, não apresentando a AT, e não se descortinando oficiosamente qualquer motivo para divergir fundadamente da jurisprudência arbitral citada, bem assim como da jurisprudência do STA já mencionada, com as adendas acima formuladas, adere-se, sem mais considerações, à jurisprudência citada, julgando procedente o pedido arbitral formulado no presente processo.

 

 

V - Juros indemnizatórios

 

  1. Cumula a Requerente, com o pedido anulatório dos atos tributários objeto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

Face à procedência do pedido anulatório, deverá ser restituído à Requerente os valores pagos, relativamente aos atos tributários anulados. No caso em apreço, é manifesto que a ilegalidade dos atos de liquidação, cuja quantia a Requerente pagou, é imputável à AT, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT. Os juros indemnizatórios são devidos, desde a data dos pagamentos que se mostrem efetuados, e calculados com base no respetivo valor, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).

 

  1. De harmonia com o disposto na alínea b) do art.º 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art.º 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT e em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

 

  1. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art.º 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art.º 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

 

Assim, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade e consequente anulação dos atos de liquidação impugnados, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos art.ºs. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, na parte correspondente à correção que foi considerada ilegal.

 

Deverá, pois, a AT dar execução à presente decisão arbitral, nos termos do art.º 24.º, n.º 1, do RJAT, e restituir à Requerente os valores pagos acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

Os juros indemnizatórios são devidos desde as datas dos pagamentos efetuados até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art.º 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

VI - DECISÃO

       Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

 

a)      Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular todas as liquidações objeto dos presentes autos;

b)       Condenar a AT a restituir à Requerente os valores de imposto do selo pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, a contar da data em que foi efetuado o pagamento até integral restituição;

c)      Condenar a AT nas custas do processo, no montante de €918,00.

 

VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em €15.518,40, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela parte vencida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

   

Notifique.

Lisboa, 6 de março de 2017

O Tribunal Arbitral,

 

________________________

(Maria do Rosário Anjos)

 

 



[1] Vd. Ac. STA, de 09-09-2015, proferido no processo n.º 047/15, disponível in www.dgsi.pt)

[2] Neste sentido, vd. BAPTISTA MACHADO (1983) Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina Coimbra, págs. 181 e ss.

[3] Neste sentido, vd. FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis – traduzido por Manuel A. Domingues de Andrade (1978) 3ª edição, Arménio Amado – Editor Sucessor, Coimbra, pág.137 e ss. Ou ainda, no mesmo sentido, vd. Manuel a. Domingues de Andrade, in Ensaio sobre a teoria da interpretação das Leis. Colecção Stvdivm, Temas Filosóficos, Jurídicos e Sociais (1978) 3ª edição, Arménio Amado – Editor Sucessor, Coimbra, pág. 23 e ss.

[4] Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei n.º 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, n.º 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012. A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”