Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 461/2016-T
Data da decisão: 2017-03-27  Selo  
Valor do pedido: € 201.381,20
Tema: IS (Imposto de Selo) – Verba 28.1 TGIS – Terrenos para construção.
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Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros, Juiz Dr. José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. Paulino Brilhante Santos e Dr. Nuno Maldonado Sousa designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 19 de Outubro de 2016 (despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD de 19 de Outubro de 2016), acordam no seguinte:

 

I.          RELATÓRIO

 

1.             Em 28 de Julho de 2016, a sociedade “A…, S.A.” pessoa colectiva número…, com sede na Av. … n.º…, …, …-… Lisboa, em representação de “B…– Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”, com o número de pessoa colectiva…, (doravante abreviadamente identificado por Requerente), nos termos do disposto nos artigos 2.º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante abreviadamente designado por RJAT), formula pedido de pronúncia arbitral da declaração de ilegalidade de actos de liquidação de Imposto do Selo – verba 28.1 da TGIS, relativo ao ano de 2015, efectuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante abreviadamente identificada como a “Autoridade Requerida”), respeitantes aos documentos de cobrança n.ºs 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016…, relativos aos prédios urbanos com os artigos matriciais…, …, … e … da freguesia de …, concelho de … e distrito de Setúbal, no montante total de € 201.381,20.

 

2.             A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), os signatários foram designados pelo Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Colectivo, tendo a nomeação sido aceite no prazo e demais termos legalmente previstos.

 

3.             Em 03 de Outubro de 2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

4.             Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 19 de Outubro de 2016.

 

5.             Deste modo, importa ter em conta que a Requerente sustentou, em síntese, o seu pedido da seguinte forma:

5.1    A Requerente no âmbito da sua actvidade, é proprietária de diversos prédios, incluindo prédios habitacionais, comerciais e terrenos para construção.

5.2    Nesse âmbito, foi a Requerente notificada dos actos de liquidação de Imposto do Selo n.ºs 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016…, relativos aos prédios urbanos com os artigos matriciais…, …, … e … da freguesia de …, concelho de … e distrito de Setúbal (Docs. 1 a 16).

5.3    Refere a Requerente que as liquidações de Imposto do Selo em apreço, todas referentes ao ano 2015, resultam alegadamente da aplicação do artigo 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo (CIS), conjugado com a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) e com o artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, a qual prevê a tributação da “Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI - por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” — com nova redacção conferida à verba.

5.4    E conforme resulta das cadernetas prediais dos imóveis em análise, objecto das liquidações sub judice, os mesmos estavam inscritos na matriz como “terreno para construção” (Docs. 13 a 16).

5.5    Entende a Requerente que os prédios inscritos na respectiva matriz como terrenos para construção não podem ser subsumíveis no conceito de “prédios com afectação habitacional” e, por conseguinte, não se encontram incluídos no âmbito de incidência objectiva da verba 28 da TGIS.

5.6    Pelo que as referidas normas nunca poderiam ter sido aplicadas aos prédios sub judice — inscritos na matriz como “terrenos para construção” — encontrando-se assim as liquidações de Imposto de Selo em apreço desprovidas de fundamento legal.

5.7    Não obstante não concordar com as Liquidações de Imposto do Selo descritas, a Requerente procedeu ao respectivo pagamento integral (Doc. 17).

A) A verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo:

5.8     A Requerente prossegue referindo que, entre outras alterações, a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro de 2012, aditou à TGIS a verba 28, nos termos da qual o Imposto do Selo passou a incidir sobre a “propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000”.

5.9    Refere a Requerente que através da verba 28 da TGIS, o Governo pretendeu instituir uma “tributação especial” que incide apenas sobre prédios urbanos de valor superior a um milhão de euros, visando promover um “sistema fiscal mais equitativo”, em que os contribuintes “são chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva”.

5.10Do ponto de vista teleológico, a referida verba visou tributar a riqueza e a capacidade económica dos contribuintes.

5.11Porém, alega a Requerente que a tributação alcançada com referência aos prédios inscritos na matriz como “terrenos para construção” — a ser conforme com as disposições constitucionais, o que questiona, ainda que a título subsidiário — não pode ter aplicação na situação de facto sub judice.

B) A verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo: a inaplicabilidade da tributação na situação de facto sub judice – da necessária efectiva edificação, autorizada ou prevista, para habitação

5.12Prossegue a Requerente referindo que a verba 28.1 da TGIS, na sua actual redacção, prevê a tributação de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000.

5.13A tributação dos prédios em apreço, no entendimento do Requerente, resultou das alterações introduzidas pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de Dezembro, tendo entrado em vigor em 1 de Janeiro de 2014, ainda que a Autoridade Requerida, ao abrigo da anterior redacção da verba, tenha tributado, sem fundamento legal, os terrenos para construção com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000.

5.14Sublinha a Requerente que o facto tributário relevante para aplicação do Imposto do Selo assenta na titularidade de um direito real sobre o prédio, no valor patrimonial tributário do prédio e numa “edificação autorizada ou prevista para habitação”.

5.15Pelo que a tributação em análise apenas poderá ser aplicada nas situações em que tenha sido autorizada ou prevista a efectiva edificação do terreno no caso concreto e que tal edificação se destine a habitação.

5.16Ao contrário do entendimento da Autoridade Requerida, a Requerente entende que a mera inscrição matricial do prédio como “terreno para construção”, não legitima a aplicação da verba 28 da TGIS, devendo antes ser objecto de uma análise prévia que permita concluir se existe, face a cada terreno, uma efectiva edificação autorizada ou prevista para habitação.

5.17Acrescenta ainda a Requerente que para aplicação da verba 28 da TGIS, afigura-se sempre necessário a existência de um processo administrativo associado à construção e uma licença/autorização de construção bem como um projecto destinado a habitação conforme determina o artigo 6.º, n.º 3 do Código do IMI.

5.18E pelo facto de um terreno para construção estar inserido numa área em que de acordo com o respectivo Plano Director Municipal é possível construir, e que tais construções podem ser destinadas a habitação, não pode gerar, só por si, a aplicação da verba 28 da IGIS e que a mera expectativa (ou mesmo possibilidade jurídica) de num terreno vir a ser edificado um prédio urbano com afectação habitacional, não é suficiente para configurar um facto tributário subsumível na verba em análise — nem a redacção da norma o permitiria.

5.19Reforça a Requerente que de acordo com a intenção expressa do legislador, a tributação especial prevista na verba 28.1 da TGIS apenas poderá ser aplicada a terrenos para construção nas situações em que exista uma edificação, autorizada ou prevista, para habitação.

5.20E que no que respeita aos prédios em causa no presente pedido, os mesmos não tinham em 2015 — e não têm actualmente — uma edificação, autorizada ou prevista para habitação, conforme exigido pela verba 28.1 da TGIS, ou seja, não tinham nem têm qualquer licença/autorização de construção (válidas) ou qualquer projecto (aprovado) não estando assim verificados os pressupostos para aplicação da verba 28.1 da TGIS.

5.21Concluindo a Requerente que as liquidações de Imposto do Selo sub judice se afiguram manifestamente ilegais, por erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo as mesmas ser prontamente anuladas.

C) Da propriedade de imóveis: a “consequência” inevitável da actividade da Requerente

 

5.22Acrescenta ainda a Requerente que atenta a actividade que desenvolve é proprietária de múltiplos imóveis que se destinam apenas a ser (re)vendidos, o que não poderá representar uma capacidade contributiva superior da Requerente, como pretende a Autoridade Requerida, que possa a legitimar a imposição de um “imposto solidário” como o decorrente da verba 28.1 da TGIS, para além do facto de não se encontram verificados os princípios subjacentes à tributação em análise.

D) A título subsidiário — A verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo: a sua inconstitucionalidade quando aplicada a “terrenos para construção”

5.23A título subsidiário alega o Requerente que a tributação especial prevista na verba 28.1 da TGIS, quando aplicada a terrenos para construção é contrária ao princípio basilar da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e contrária ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no artigo 104.º, n.º 3 do mesmo diploma.

5.24Refere a Requerente que o princípio da igualdade, basilar num Estado de direito, traduz a proibição de quaisquer discriminações no tratamento de situações iguais e a admissão da desigualdade de tratamento de situações desiguais.

5.25E que relativamente à igualdade fiscal, a capacidade contributiva assume-se como um elemento essencial a ponderar porque a efectiva igualdade de tratamento fiscal dos contribuintes depende da existência de uma tributação idêntica para capacidades contributivas idênticas.

5.26Prossegue a Requerente afirmando que o princípio da igualdade previsto no artigo 5.º da Lei Geral Tributária (”LGT”) determina expressamente que “a tributação visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e promove a justiça social, a igualdade de oportunidades e as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento”, sendo que “a tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material” e que a ideia base da capacidade contributiva encontra-se reforçada no artigo 55.º da LGT como parâmetro norteador de toda a actividade da Autoridade Tributária e Aduaneira, vinculada à necessidade de exercer as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes.

5.27E, em especial, em matéria de tributação do património, o artigo 104.º, n.º 3 da CRP prevê uma regra essencial: “a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”.

5.28Entende assim a Requerente que está constitucionalmente vedada ao legislador ordinário a criação de normas de modo arbitrário, devendo as mesmas ser submetidas aos ditames de igualação e de discriminação positiva e que a verba 28 da TGIS e a tributação especial resultante da mesma, promovem um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, em manifesta violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.

5.29No entendimento da Requerente, a tributação consagrada na verba 28.1 da TGIS exclui de forma arbitrária uma parcela significativa do património imobiliário de elevado valor atentando contra o princípio da igualdade, uma vez que o facto tributário relevante restringe-se apenas a uma parcela do património imobiliário de valor superior a € 1.000.000 estando excluído do âmbito da tributação todo o restante património de elevado valor que se encontre afecto ou destinado a outros fins.

5.30Alega a Requerente que a verba 28 distingue diferentes utilizações e destinações, tributando apenas os prédios afectos à habitação e os terrenos destinados a construção para habitação, excluindo os prédios com outras afectações que, independentemente do respectivo valor patrimonial tributário, não são objecto desta tributação.

5.31Ao abrigo do princípio da igualdade fiscal, alicerçado no princípio da capacidade contributiva, não poderá o legislador seleccionar, arbitrariamente, determinados prédios que devam ser objecto de tributação e deixar de tributar outros.

5.32A este propósito a Requerente faz referência à jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente Acórdão n.º 47/2010 ao referir que: “só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo Legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, perceptíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medido da diferença, se prosseguem” e à jurisprudência do Tribunal Arbitral, nomeadamente aos Processos n.ºs 218/2013-T e 744/2014-T, ao fazerem referência à violação do referido princípio da igualdade.

5.33Acrescenta ainda a Requerente que, esta tributação especial, nos moldes em que foi implementada, ao incidir sobre prédios urbanos isoladamente considerados, não logra “penalizar” ou “agravar” os proprietários que detenham múltiplos prédios urbanos de valor unitário inferior a € 1.000.000 mas que no total perfaçam um valor muito superior, e que, como tal, demonstram uma capacidade contributiva superior.

5.34Concluí a Requerente que a tributação especial, em sede de Imposto do Selo, incidente sobre os prédios com afectação habitacional de valor superior a € 1.000.000, introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, viola, pela forma como foi formulada, o princípio constitucional da igualdade tributária e o seu corolário traduzido no princípio da capacidade contributiva.

5.35Pelo que, deverá assim proceder, com fundamento na violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, o presente pedido de anulação dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo e, em consequência, ser desaplicada, no caso concreto, a verba 28 da TGIS, por manifesta inconstitucionalidade sendo em consequência anulados os actos tributários sub judice.

5.36Alega ainda a Requerente que a verba 28 da TGIS colide com o princípio constitucional da igualdade tributária ao determinar uma manifesta situação de dupla tributação.

5.37Atenta a aplicação da verba 28 da TGIS, alega a Requerente que a titularidade de um direito real é simultaneamente tributada em Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), artigo 1.º do Código do IMI e em Imposto do Selo, incidindo ambos os impostos sobre a mesma realidade.

5.38Ainda relativamente à inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, alega a Requerente que no que respeita a terrenos para construção, a referida norma não prevê qualquer limitação à sua aplicação em função do valor das habitações autorizadas ou previstas apenas dependendo do valor patrimonial tributário do terreno.

5.39Considerando assim a Requerente que a verba 28.1 da TGIS deve ser julgada materialmente inconstitucional por ofensa do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, por se pretender aplicar a terrenos para construção com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000, para os quais a construção autorizada ou prevista não inclui qualquer imóvel com valor patrimonial tributário igual ou superior àquele.

5.40Concluindo a Requerente que resulta demonstrado que a verba 28 da TGIS é manifestamente contrária ao princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado, e como tal deve a mesma, ao abrigo do artigo 204.º da CRP, ser desaplicada no caso concreto.

5.41E, consequentemente devem as liquidações de Imposto do Selo sub judice, conquanto decorrentes da aplicação daquela verba, ser anuladas, com todos os efeitos legais.

5.42Suscita a Requerente por último que a jurisprudência vertida pelo Tribunal Constitucional relacionada com a verba 28.1 da TGIS e a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente no Acordão n.º 590/2015, de 11 de Novembro, e no Acordão n.º 692/2015, de 16 de Dezembro de 2015, não poderá ser transposta para a situação dos presentes autos por ser manifestamente distinta das situações analisadas pelo referido douto Tribunal uma vez que respeita à apreciação da (in)constitucionalidade da norma quando aplicada a prédios habitacionais e não a terrenos para construção. 

5.43Termina peticionando pelo reembolso do pagamento das liquidações de Imposto de Selo em análise por manifestamente ilegais e, em consequência, pelo pagamento de juros indemnizatórios.

6.             Na sua Resposta, a Autoridade Requerida invocou, em síntese, o seguinte:

6.1    A Autoridade Requerida apresentou a sua defesa por impugnação começando por referir que o que está em causa são liquidações que resultam da aplicação directa da norma legal, e que se traduz em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária.

6.2    Refere a Autoridade Requerida que consultada a certidão do teor do prédio urbano que está na base da presente liquidação, verifica-se que os terrenos para construção estão afectos à habitação, constando tal afectação das respectivas matrizes, e por isso estão sujeitos a Imposto de Selo, aplicando-se-lhe por conseguinte, o coeficiente de afectação previsto no artigo 41º do CIMI.

6.3    A Lei 55-A/2012 de 29 de Outubro, veio alterar o artigo 1.º do CIS e aditar à TGIS a verba 28, passando a abranger na sua incidência a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000.

6.4    Incidindo assim o Imposto de Selo sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na tabela geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

6.5    Continua a Autoridade Requerida referindo que “Não existindo em sede de IS definição do que se entende por ‘prédio urbano’, ‘terreno para construção’ e ‘afectação habitacional’ é necessário recorrer subsidiariamente ao CIMI para obter uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no artigo 67º, n.º 2 do CIS na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10”.

6.6     Remete para o disposto no n.º 1 do artigo 2º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 6º ambos do CIMI e sustenta que a noção de prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, uma vez que a finalidade da avaliação do imóvel é incorporar-lhe valor, constituindo um facto de distinção determinante – coeficiente - para efeitos de avaliação”.

6.7     A Autoridade Requerida considera que o legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos terrenos para construção, como resulta da expressão “valor das edificações autorizadas” a que se refere o artigo 45º, n.º 2 do CIMI e aplicando-lhe por conseguinte o coeficiente de afectação que vem previsto no artigo 41º do CIMI.

6.8     Faz ainda referência ao Acórdão nº 04950/11, de 14/12/2012, do TCA Sul, concluindo que “a consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada, valendo neste sentido a seguinte ordem de considerações:

a) na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exacto sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, de acordo com o disposto no art.º 9.º do Código Civil, ex vi art.º 11.º da Lei Geral Tributária (LGT);

b) o artigo 67.º, n.º 2, do CIS, manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIMI;

c) a afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;

d) a própria verba 28 da TGIS remete para a expressão ‘prédios com afectação habitacional’, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art.º 6.º do CIMI.”

6.9    Fiscalmente os imóveis são terrenos para construção tal como identificados nas cadernetas prediais, foram adquiridos nessa qualidade e assim estão predialmente classificados e, por isso, entende a Autoridade Requerida que se tratam de prédios urbanos com vocação habitacional.

6.10As cadernetas prediais são claríssimas ao definir para os lotes de terreno para construção em causa, a respectiva área de implantação do edifício e de construção considerando assim a Autoridade Requerida estar patente a afectação habitacional dos edifícios.

6.11Por um lado, defende a Autoridade Requerida, o legislador não refere "prédios destinados a habitação", tendo optado pela noção "afetação habitacional". Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6º, n.º 1, alínea a) do CIMI; por outro lado, a lei fiscal considera como elemento integrante para efeitos de avaliação dos terrenos para construção o valor da área de implantação, o qual varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas com base no projecto de urbanização e de construção.

6.12Considera ainda que nos termos do artigo 77.º do Regime Jurídico de Urbanização e da Edificação (RJUE), o alvará de licença para a realização de operações urbanísticas deverá conter, entre outros elementos, o número de lotes e a indicação da área de localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos, número de fogos de cada um dos lotes, com especificação dos fogos destinados a habitações a custos controlados.

6.13Muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção.

6.14Prossegue a Autoridade Requerida referindo que a determinação do VPT dos terrenos para construção tem como pressuposto a determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas, para o que se deve, nos termos disposto no artigo 38° do CIMI, atender à afectação dessas mesmas edificações e resultando clara a aplicação do coeficiente de afetação para efeitos de apuramento do VPT dos terrenos para construção, é sintomático que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS (na redacção anterior) não pode ser ignorada.

6.15Entende a Autoridade Requerida que só se concebe por mero exercício académico, que pudesse ser de outro modo se o legislador, no objectivo original da referida verba, tivesse adotado a definição prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 6.º do CIMI (“prédios urbanos habitacionais”), em vez de se referir a “prédios urbanos com afetação habitacional”, expressão distinta e mais ampla, reveladora da intenção de integrar, na norma de incidência subjectiva, outras realidades, para além daquela.

6.16No que diz respeito ao regime jurídico da urbanização e edificação sustenta que o mesmo tem como pressuposto as edificações já construídas, tendo sido essa a intenção do legislador atendendo ao artigo 77.º do RJUE que no entendimento da Autoridade Requerida, em respeito pelo princípio da equidade social na austeridade, no conceito de prédios urbanos estão integrados os terrenos para construção com afectação habitacional.

6.17Sustenta ainda a Autoridade Requerida que “numa interpretação muito cingida à letra da lei, poderia retirar-se do texto o sentido que a Requerente pretende dar-lhe, mas como a nossa jurisprudência tem declarado, não é essa a melhor interpretação da lei, sendo que na tarefa hermenêutica, o elemento literal, constituindo ponto de partida e limite para extrair o sentido da norma, não constitui o elemento decisivo, nem sequer o mais importante, papel que está reservado à ‘unidade do sistema’, nos termos do n.º 2 do artigo 9º do CC.

6.18Alega ainda que, na interpretação da lei, para além do referido elemento gramatical, há ainda que atender ao elemento lógico, exigindo este, designadamente, que se considere o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma (elemento teleológico), designadamente a fim de perscrutar a sua natureza e o seu âmbito temporal de relevância, e atender ao lugar que aí ocupa a norma interpretada (elemento sistemático), sendo que apenas da conjugação de todos esses elementos interpretativos surgirá o verdadeiro sentido daquela norma, cf. Baptista Machado, Introdução ao discurso Legitimador, Almedina 1983, páginas 182 e 189.”

6.19E que o Orçamento de Estado para 2014, Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, artigo 194.º prova o seu entendimento.

6.20Acrescenta ainda que contrariamente ao alegado pela Requerente, e conforme se pode comprovar pela consulta de fls. 65 a 70 do processo administrativo, consta de forma inequívoca que os prédios “destinam-se a habitação” - aditamento n.º 2 ao Alvará de Loteamento n.º …/10- com obras de urbanização, emitido pela Câmara Municipal de … .

6.21Relativamente à violação do princípio da dupla tributação alegado pela Requerente considera a Autoridade Requerida não haver dupla tributação uma vez que a tributação em sede de IMI e em sede de Imposto do Selo são tributos diferentes.

6.22Da actividade prosseguida pela Requerente entende a Autoridade Requerida que o Tribunal Arbitral não deverá aferir ou discutir da bondade da medida legislativa e do seu alcance, devendo cingir-se à sua apreciação na vertente da sua conformação com o texto constitucional, referindo a este propósito os Acordãos do Tribunal Constitucional n.ºs 563/96, de 16 de Maio e 187/2013 de 5 de Abril.

6.23Relativamente à inconstitucionalidade das liquidações alegada pela Requerente, começa a Autoridade Requerida por referir que o princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no artigo 13.º, da CRP e a vinculação das autoridades administrativas ao referido princípio encontra consagração no artigo 266.º, nº.2, do diploma fundamental.

6.24A este respeito faz também referência ao artigo 104.º, n.º 3 da CRP ao prescrever que a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.

6.25No entanto, referindo-se ao n.º 3 do artigoº 104.º da CRP, alega que previne a doutrina que o princípio da igualdade, no que concerne ao património tem que ser interpretado com alguma parcimónia, no sentido que que não envolve um particular e autónomo conteúdo jurídico do princípio da igualdade no âmbito da tributação sobre o património, pelo que se deverão aplicar os critérios concretizadores genericamente adoptados para o princípio da igualdade.

6.26As decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui nos interessa, assinalam correctamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, i.e., as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante, fazendo alusão aos acórdãos n.ºs 197/2013, de 9 de Abril, 593/96, de 16 de Maio e 528/2012, de 7 de Novembro.

6.27   Considera evidente a Autoridade Requerida que a verba 28.1 é uma norma conforme a Constituição da República Portuguesa em que o legislador definiu um pressuposto económico, constitucionalmente válido, como manifestação da capacidade contributiva (cujos destinatários têm efectivamente uma especial capacidade contributiva em face do critério adoptado) exigida para o pagamento deste imposto.

6.28O facto de o legislador estabelecer um valor (€1.000.000) como critério delimitativo da incidência do imposto, abaixo do qual não se preenche a previsão da norma tributária, constitui uma legítima escolha do legislador quanto à fixação do âmbito material dos “imóveis habitacionais de luxo” que se pretende tributar de modo mais gravoso, até porque qualquer outro valor de grandeza análoga assumiria, do mesmo modo, um carácter artificial que é conatural a qualquer fixação quantitativa de um nível ou limite.

6.29Ressalvando que não compete à Autoridade Requerida, no exercício das suas funções, tecer considerandos acerca da alegada inconstitucionalidade (mas inexistente) da norma ínsita na verba 28.1 TGIS, atendendo à sua plena vinculação à lei, não considera que da mesma resulte a violação dos princípios da proporcionalidade, da legalidade, da confiança dos cidadãos e da capacidade contributiva.

6.30A este respeito faz ainda menção ao contexto histórico e cronológico que presidiu à criação da verba 28.1 da TGIS referindo que a referida verba surgiu num contexto excepcional e de evidentes dificuldades que o País, em especial, as contas públicas e que o ano de 2012 ficou marcado como um ano particularmente gravoso em termos de medidas de contenção orçamental, visando os titulares de rendimento do trabalho, o que esteve indubitavelmente na origem não só da criação da verba 28.1 TGIS, como da previsão de um facto tributário adicional, como forma de repartição equitativa dos sacrifícios, contexto que obrigou a medidas extraordinárias de arrecadação de mais receita fiscal.

6.31E mencionou ainda a Proposta de Lei n.º 96/XII e o Relatório que acompanhou a Proposta de Orçamento de Estado para o ano de 2013.

6.32Para a Autoridade Requerida é claro que o legislador tributário considerou que a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio habitacional ou de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse habitação, de VPT igual ou superior a € 1.000.000 representava uma manifestação de riqueza e era suscetível, por si só, de revelar significativa capacidade contributiva, fazendo, por isso, incidir a verba 28.1 da TGIS sobre a posse de determinado tipo de prédios, por contraposição aos rendimentos do trabalho e de pensões, já atingidos por outras medidas fiscais (e não só).

6.33Sendo certo que a capacidade contributiva para além do rendimento e da utilização de bens também se exprime, nos termos da lei, através da titularidade de património (cf. n.º 1, do artigo 4.° da LGT).

6.34Julgamos, portanto, legitimada a opção por este mecanismo de obtenção da receita, dado que tal medida é aplicável de forma indistinta a todos e quaisquer titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a € 1.000.000 incidindo sobre a riqueza consubstanciada e manifestada no valor dos imóveis.

6.35Conclui a Autoridade Requerida afirmando que efectivamente a realidade fáctico-jurídica selecionada pelo legislador para constituir a base da incidência do imposto é o prédio em si considerado, em atenção à sua afectação e ao seu valor patrimonial tributário, não o património predial global dos sujeitos passivos.

6.36Afirma que “a referência ao prédio individualmente considerado resulta axiomaticamente do recorte e do conteúdo jurídicos próprios desta regulação objecto da verba 28.1 da TGIS, de onde logo se observa que se trata de uma tributação analítica sobre certos e determinados prédios urbanos cuja matéria colectável é dada pelo valor patrimonial tributário de cada prédio”,

6.37Isso resulta desde logo i. da referência dessa verba 28.1 TGIS a “por prédio com afetação habitacional’’; ii. evidencia-se ainda pelo disposto no n.º 7 do art.º 23.º do CIS que estabelece que o“imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral’’ “é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira’’; iii. confirma-se, por fim, com a remissão, determinada pelo n.º 2 do art.º 67.º do CIS, para o disposto no CIMI, sabido que o “imposto municipal sobre imóveis (IMI) incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português’’ (cf. art.º. 1.º e art.º 2.° do CIMI) e que “o imposto é devido pelo proprietário do prédio’’ (art.º 8.º, n.º 1 do CIMI, sem prejuízo do disposto no n.º 2 quanto ao usufrutuário e superficiário).

6.38Pelo que conclui que os actos tributários em causa não violaram qualquer princípio legal, devendo,  assim ser mantidos.

 

7.             Nenhuma das partes apresentou alegações.

 

II.          SANEAMENTO

 

8.             O Tribunal Arbitral é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

9.             As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

10.         Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe agora, conhecer do mérito do pedido.

 

 

 

III.         QUESTÕES A DECIDIR

 

11.         Vêm colocadas ao Tribunal Arbitral as seguintes questões a decidir nos termos atrás descritos:

11.1Alegado vício de falta de fundamentação de facto e de direito das liquidações de Imposto do Selo;

11.2Alegada dupla tributação em sede de IMI e IS;

11.3Alegada inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade. 

 

IV.         MATÉRIA DE FACTO

 

12.         Para provar os factos alegados, a Requerente apresentou a seguinte prova documental:

12.1Documentos de cobrança das 1ª, 2ª e 3ª prestações (Abril, Julho e Novembro de 2016), documentos n.ºs 2016…, 2016… e 2016…, relativos ao prédio urbano artigo … da freguesia do … (Docs. 1 a 3);

12.2Documentos de cobrança das 1ª, 2ª e 3ª prestações (Abril, Julho e Novembro de 2016), documentos n.ºs 2016…, 2016… e 2016…, relativos ao prédio urbano artigo … da freguesia do … (Docs. 4 a 6);

12.3Documentos de cobrança das 1ª, 2ª e 3ª prestações (Abril, Julho e Novembro de 2016), documentos n.ºs 2016…, 2016… e 2016…, relativos ao prédio urbano artigo … da freguesia do … (Docs. 7 a 9);

12.4Documentos de cobrança das 1ª, 2ª e 3ª prestações (Abril, Julho  e Novenbro de 2016), documentos n.ºs 2016…, 2016… e 2016…, relativos ao prédio urbano artigo … da freguesia do …(Docs. 10 a 12);

12.5Caderneta Predial Urbana referente ao prédio urbano artigo … (Doc. 13);

12.6Caderneta Predial Urbana referente ao prédio urbano artigo … (Doc. 14);

12.7Caderneta Predial Urbana referente ao prédio urbano artigo … (Doc. 15);

12.8Caderneta Predial Urbana referente ao prédio urbano artigo … (Doc. 16);

12.9Comprovativo de pagamento respeitantes aos documentos de cobrança n.ºs 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016…, relativos aos prédios urbanos com os artigos matriciais…, …, … e … da freguesia de …, concelho de … e distrito de Setúbal.

 

13.         A Autoridade Recorrida juntou o processo administrativo.

 

14.         Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a Decisão Arbitral a proferir, com base na prova documental junta aos autos:

 

14.1A Requerente foi notificada dos documentos de cobrança das 1ª, 2ª e 3ª prestações de imposto de selo liquidado nos termos do artigo 28.1, da TGIS (Abril, Julho e Novembro de 2016), documentos n.ºs 2016…, 2016… e 2016…, relativos ao prédio urbano artigo… da freguesia do … (Docs. 1 a 3);

14.2A Requerente foi notificada dos documentos de cobrança das 1ª, 2ª e 3ª prestações de imposto de selo liquidado nos termos do artigo 28.1, da TGIS (Abril, Julho e Novembro de 2016), documentos n.ºs 2016…, 2016… e 2016…, relativos ao prédio urbano artigo … da freguesia do … (Docs. 4 a 6);

14.3A Requerente foi notificada dos documentos de cobrança das 1ª, 2ª e 3ª prestações de imposto de selo liquidado nos termos do artigo 28.1 da TGIS (Abril, Julho e Novembro de 2016), documentos n.ºs 2016…, 2016… e 2016…, relativos ao prédio urbano artigo … da freguesia do … (Docs. 7 a 9);

14.4A Requerente foi notificada dos documentos de cobrança das 1ª, 2ª e 3ª prestações de imposto de selo liquidado nos termos do artigo 28.1, da TGIS (Abril e Julho de 2016), documentos n.ºs 2016…, 2016… e 2016…, relativos ao prédio urbano artigo … da freguesia do … (Docs. 10 a 12);

14.5Os imóveis em análise nos presentes autos, objecto das liquidações sub judice, estão inscritos na matriz como “terreno para construção”. (Docs. 13 a 16).

14.6A Requerente procedeu ao pagamento dos documentos de cobrança respeitantes aos documentos de cobrança n.ºs 2016…, 2016…, 2016…, 2016 …, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016…, relativos aos prédios urbanos com os artigos matriciais…, …, … e … da freguesia de …, concelho de… e distrito de Setúbal, no montante total de € 201.381,20 (Documento n.º 17).

14.7Nos terrenos mencionados é possível vir a ser autorizada a construção de edifícios destinados a habitação ou a outros fins;

14.8A requerente não apresentou nem tinha pendente em 2015 qualquer pedido de licenciamento de construção de edificações nos sobreditos terrenos;

14.9Não existe aprovado nem existia em 2015 qualquer projeto ou licença de construção para os terrenos mencionados.

 

15.         Não há factos não provados com relevância para a Decisão Arbitral a proferir.

 

V.         DO DIREITO APLICÁVEL

            O Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei nº 150/99, de 11 de setembro, iniciou a sua vigência em março de 2000, sendo significativamente alterado pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro, que o republicou. Com a reforma da tributação do património operada em 2003, o Imposto do Selo passou a configurar-se sobretudo como um imposto sobre as operações que, independentemente da sua materialização, revelam rendimento e riqueza, aplicando-se a uma “multiplicidade heterogénea de factos ou atos”, sem “um traço comum que lhes confira identidade” (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, pág. 453). Essa capacidade de acolher no seu seio tributações de diferente natureza criou caminho a que o legislador fiscal lhe fosse atribuindo um papel complementar de outros impostos.

            Como apontam J. SILVÉRIO DIAS MATEUS e L. CORVELO DE FREITAS (Os Impostos Sobre  o Património Imobiliário – O Imposto de Selo, pg 251, Lisboa 2005) “ o imposto de selo configura-se como meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abrangidas pela incidência de quaisquer outros impostos. Não revestindo a natureza de tributação de sobreposição, este imposto tende a assumir uma função residual preenchendo espaços deixados em aberto pela tributação do rendimento e do consumo”.

            A Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu um conjunto de alterações nos diplomas codificadores de três impostos – IRS, IRC e Imposto do Selo – assim como na Lei Geral Tributária, entre as quais a norma ora em análise, todas norteadas à obtenção suplementar de receita fiscal e, em geral, a contrariar o desequilíbrio orçamental. Assim, invocando os princípios da equidade social e justiça fiscal, foi agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, introduziram-se medidas de reforço de combate à fraude e evasão fiscal, através do reforço do regime aplicável às manifestações de fortuna dos sujeitos passivos e às transferências de e para paraísos fiscais, a que se somou a introdução, no âmbito do Imposto do Selo, da tributação de situações jurídicas (expressão aditada ao nº 1 do artigo 1º do Código do Imposto do Selo), que se entendeu capazes de suportar esforço fiscal acrescido, distribuindo desse modo mais equitativamente o sacrifício para atingir a consolidação orçamental exigido aos contribuintes.

            Assim, com o aditamento da verba n.º 28 à Tabela Geral do Imposto do Selo pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, foi sujeita a este imposto uma situação jurídica, consubstanciada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio urbano com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a €1.000.000,00, fazendo recair sobre tal valor a taxa de 1%.

            A redação da verba 28.1. sofreu alteração posterior, por via da Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro, passando a ampliar a incidência do Imposto do Selo, à taxa de 1%, a  “(…)prédio urbano ou (por) terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

            A incidência do Imposto do Selo, marcada, alias, pela heterogeneidade, remete, no que concerne a elementos essenciais da liquidação do tributo, mormente quanto aos critérios normativos definidores do valor patrimonial a considerar, para a regulação constante do Código do IMI, assegurando, ou pelo menos, promovendo, um certo grau de sintonia entre os vários corpos legislativos no âmbito da tributação do património. A doutrina atribui-lhe mesmo a condição de “taxa adicional do IMI”, dirigido a “discriminar os prédios de mais elevado valor patrimonial e sujeitá-los a um regime fiscal mais gravoso que os restantes” (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 504), explicando a criação de um novo facto sujeito a Imposto do Selo, para além da heterogeneidade que  reveste este imposto, pela necessidade de aumentar as receitas fiscais do Estado, uma vez que a receita do IMI reverte a favor dos municípios e o Imposto do Selo é uma receita do Estado (ob. cit., pág. 506).

            A tributação decorrente da norma de incidência alojada na verba nº 28 assume a natureza de imposto parcelar  (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afeto à habitação, calculando o respetivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante. Não constitui imposto geral sobre o património, ou mesmo imposto sobre todo o património imobiliário, em termos de fundar uma comparação radicada numa ótica de personalização do imposto e a partir de base que atenda a todo o património do sujeito tributário.

            Da aplicação conjunta do n.º 4 do art. 2.º do Código do Imposto do Selo e n.º 1 do art. 8.º do CIMI, conclui-se que o facto tributário a que se refere a verba 28.1 da TGIS se verifica a 31 de Dezembro de cada ano. Nessa medida, a relação juridico-tributária será fixada em função da legislação em vigor nessa mesma data, independentemente de alterações posteriores que possam estar em vigor na data da liquidação do imposto. Assim sendo, o Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS referente ao ano de 2015, a liquidar em 2016, deverá ser calculado e fixado de acordo com a redação da norma, introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, com a redação que lhe foi dada pela LOE/2014 (Lei nº 83-C/2013).

 

            Recorde-se a redação original da verba 28, da TGIS:

            28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

            28.1 Por prédio com afetação habitacional ----------------------------------------------- 1%

            28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças............................................................................................................................7,5%

 

            Esta redação (original) foi objeto de vários litígios que opuseram a AT e os contribuintes, proprietários de terrenos para construção tendo o STA entendido, v. g., no Acórdão proferido no processo n.º 048/14, de 09.04.2014, que “(...)não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI (subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba nº 28 da Tabela Geral) uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afetação habitacional( (...)”

            Na verdade, o conceito de “prédio (urbano) com afetação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objetiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redação àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objetiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI. Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha nem a questão ora nos interessa abordar –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros).

            Aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República da respetiva referiu o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (cfr. Diário da Assembleia da República, I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32)  que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades. O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs. 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).

            Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redação daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indireta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI). Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afetação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

            Na verdade, referindo-se aos prédios urbanos, o n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, distingue diversas espécies, dividindo-os em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros, de acordo com os seguintes critérios: «habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços» – os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um desses fins (cfr. artigo 6.º, n.º 2 do CIMI); «terrenos para construção», os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos» (cfr. artigo 6.º, n.º 3 do CIMI, na redação da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12); «Outros», são como tal considerados os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem sejam classificados como prédio rústicos, de acordo com o respetivo conceito legal, e ainda os edifícios e construções licenciados, ou na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os acima referidos (cfr. artigo 6.º, n.º 4 do CIMI).

            Fazendo incidir a tributação sobre prédios urbanos «com afetação habitacional», o legislador não estabelece na verdade, no Código do Imposto do Selo, qualquer conceito específico que para o efeito deva ser considerado, antes remetendo a aplicação do regime de tributação dos prédios a que se refere aquela Verba 28 para as normas do CIMI, que estabelece clara distinção entre prédios habitacionais e terrenos para construção, sendo os primeiros assim  classificados em função da respectiva licença autárquica, ou, não existindo esta, em decorrência do uso normal e os segundos são definidos em função da sua potencialidade legal.

            A esta luz, um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida, incluindo a destinada habitação - não preenche por si só o requisito previsto nos pontos 28. e 28.1, da TGIS (redação do DL nº 7/2015), ou seja, o de que “(...) a edificação “autorizada ou prevista, seja para habitação (...)”.

            Na verdade, reportando-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com afetação habitacional, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se, como se viu anteriormente, que na mesma se contenha uma potencialidade futura, juntamente com outras, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

            A expressão «com afetação habitacional» inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente.

            Por outro lado, não pode também ser acolhido o entendimento de que o conceito de "afetação habitacional" decorre da norma do artigo 45.º do CIMI, porquanto esta se refere às regras aplicáveis na determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção estabelecendo que este é o que resulta do valor da área de implantação do edifício a construir adicionado do terreno adjacente à implantação. Na fixação do valor daquela área considera-se uma percentagem, variável entre 15% e 45%, do valor das edificações autorizadas ou previstas.

            Por outro lado ainda, nada na lei permite concluir que o legislador do imposto do selo tenha pretendido alargar, para efeitos da incidência deste tributo, às espécies previstas no n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, sendo que a aplicação de um coeficiente de afetação se reporta a um dos elementos a considerar na avaliação no terreno, ou seja, na determinação do valor das edificações autorizados ou previstas.

            Independentemente de, na determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas para um terreno para construção, se dever ou não considerar um coeficiente de afetação, admite-se, por ser óbvio e do conhecimento geral, que o valor de um terreno é determinantemente influenciado pelo tipo e características dessas edificações. Porém, é matéria que extravasa a questão sobre que incide o presente pedido de pronúncia arbitral.

            Nas condições referidas, a circunstância de, para um determinado terreno para construção, estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação, ou a qualquer outra finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser como tal considerado.

            Como tal, resultando do artigo 6.º do CIMI uma clara distinção entre, por um lado, prédios urbanos habitacionais e, por outro lado, terrenos para construção, não podem estes últimos ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como «prédios com afetação habitacional».

            Aliás, neste sentido se tem orientado a constante e uniforme jurisprudência arbitral anterior à nova redação da verba 28, da TGIS introduzida pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, tendo desta (redação) a previsão de que a tributação em causa passou a incidir, à taxa de 1%, sobre prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

            Esta alteração à Tabela Geral do Imposto do Selo, introduzida pelo artigo 194.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que adita à verba 28.1., da mesma Tabela, a referência a “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” e, em consequência, determina a incidência do imposto do selo, nos termos previstos nas verbas 28. e 28.1, sobre a propriedade de terrenos para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação e cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00, não se traduz numa alteração normativa que justifique alteração substancial do entendimento que anteriormente à nova redação dessa norma vinha sendo seguido pela Jurisprudência (sublinhado nosso).

 

            Subsunção

            Ora, em face da prova produzida, resulta claro que nos terrenos em causa podem vir a ser autorizadas construções a afetar a habitação ou a outros fins.     Ou seja: sendo os fins habitacionais apenas uma das potencialidades das construções a eventualmente autorizar ou erigir nos terrenos, sem se demonstrar que existem vigentes à data da liquidação concretos licenciamentos ou projetos aprovados para aqueles fins (habitacionais), acarreta a exclusão da tributação dos prédios à luz do artigo 28., da TGIS [aliás, atualmente revogado pela Lei nº 42/2016 – Lei do Orçamento do Estado para 2017 – artigo 210º-2, sendo de alguma modo sucedânea da norma revogada, os atuais artigos 135º-A e seguintes, do CIMI, inseridos no novo capítulo desse Código com a epígrafe “adicional ao imposto municipal sobre imóveis”].

            As liquidações sub juditio enfermam assim de erro sobre os pressupostos de facto de direito.

            Nesta linha essencial de orientação, estão, tal como se referiu, entre outras as decisões proferidas pelos Tribunais Arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, nos processos nºs 522/2015-T, 532/2015-T, 467/2015-T (citando diversos acórdãos do STA), 578/2015-T, 642/2015-T, 551/2015-T, 2016/2016-T e 412/2016-T, quase todas publicadas no site do CAAD (www.caad.org.pt).

 

VI.      Questões de conhecimento prejudicado

            Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

            Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação objeto do presente processo – pedido principal -, por vício de violação de lei que impede a renovação dos atos, fica prejudicado o conhecimento de outros vícios imputados pela Requerente, designadamente as inconstitucionalidades emergentes de eventual violação dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade fiscal (artigos 13º e 104º, da Constituição e 5º e 55º, da LGT)

             Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

            Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente ao atos cuja declaração de ilegalidade pediu.

            Ou seja: em face da solução dada à questão relativa ao conceito de “prédio com afetação habitacional/terreno para construção com afetação habitacional”, fica prejudicado o conhecimento das questões de constitucionalidade colocadas pela Requerente.

 

VII. Juros indemnizatórios

            De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

            Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

            O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

            Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

            É essa a situação do caso em apreço, ou seja, a AT restituirá o imposto pago, com pagamento de juros indemnizatórios nos termos expostos, determinando a AT o montante a restituir à Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem), sendo os juros indemnizatórios devidos desde as data dos pagamentos ora julgados indevidos até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

VII.  Decisão

Termos em que  decide este Tribunal Arbitral:

            a) Julgar totalmente procedente o pedido;

            b) Declarar, em consequência, a ilegalidade das liquidações de imposto de selo objeto do pedido;

            c) Anular os documentos de cobrança números 2016…, 2016… e 2016…, relativos ao prédio urbano artigo… da freguesia do…; n.ºs 2016…, 2016 … e 2016…, relativos ao prédio urbano artigo … da freguesia do …; n.ºs 2016…, 2016… e 2016…, relativos ao prédio urbano artigo … da freguesia do … e n.ºs 2016…, 2016… e 2016…, relativos ao prédio urbano artigo … da freguesia do… .

            e) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição das importâncias pagas respeitantes às sobreditas liquidações e documentos de cobrança, com juros indemnizatórios nos termos supra expostos e

            d) Condenar ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas deste processo.

 

Valor do processo

            Fixa-se o valor do processo em € 201.381,20, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Custas

            Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.284,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

  • Notifique-se.

Lisboa, 27 de março de 2017

 

O Tribunal Arbitral,

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

 

 

Paulino Brilhante Santos

(Árbitro Adjunto)

 

 

Nuno Maldonado Sousa

 (Árbitro Adjunto)