Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 16/2012-T
Data da decisão: 2012-06-11  IRC  
Valor do pedido: € 10.300,49
Tema: Derrama
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PROC. 16/2012 - T


 

DECISÃO ARBITRAL


 

RELATÓRIO

…, SGPS, S.A., pessoa colectiva n.º … , com sede na …, rua …, n.º ..., …, veio ao abrigo do disposto no artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (Regime da Arbitragem em Matéria Tributária)) e do artigo 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição do Tribunal arbitral com vista à declaração da ilegalidade parcial do acto tributário de liquidação de IRC de 2010, formalizada pela nota emitida com o n.º …, de … de Julho de 2011, relativa ao exercício de 2010, na parte correspondente à Derrama e à determinação do respetivo reembolso à requerente acrescida de juros Indemnizatórios.

 

A pretensão foi apresentada pela requerente na qualidade de sociedade dominante e responsável pela autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) dum grupo ao qual, no exercício de 2010, foi aplicável o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades. Tal grupo era composto pela requerente e pelas sociedades seguintes:

- …, S.A.;

- … – …, S.A.;

- … – …, S.A.;

- … – …, S.A.;

-…, SGPS, S.A.;

- … – …, Lda.;

- … – … , S.A.;

- … , S.A.;

Resumidamente, são os seguintes os fundamentos do pedido de declaração de ilegalidade parcial deduzidos:

-A liquidação em questão baseia-se num entendimento do art. 14º, nº 1 da Lei da Finanças Locais, adoptado pela autoridade tributária, de que a requerente discorda.

-Tal interpretação vertida no ofício-circulado nº 20132, de 14 de Abril de 2008, vai no sentido de considerar que, no caso das sociedade sujeitas a Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (doravante “RETGS”) “A derrama municipal deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma das sociedades na sua declaração, sendo preenchido, também individualmente, o anexo A, se for caso disso. O somatório das derramas municipais assim calculadas será indicado no campo 364 do quadro 10 da correspondente declaração do Grupo, competindo o respectivo pagamento à sociedade dominante (…)”.

-Segundo este entendimento o cálculo da derrama municipal seria efetuado com base no lucro tributável de cada uma das sociedades do grupo e não com base no lucro tributável do grupo.

-Esta conclusão não resulta do art. 14º da nova Lei das Finanças Locais, a qual apenas vem estabelecer que a derrama municipal deverá incidir sobre o lucro tributável dos sujeitos passivos (ao invés da sua colecta), em nada mais se distinguindo face ao regime anteriormente em vigor (art. 18º da Lei nº 42/98, de 6 de Agosto).

-No cálculo da derrama municipal apenas deverá ser considerado relevante o lucro tributável do grupo sujeito ao “RETGS”.

-Apesar de não concordar com o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “ATA”), a requerente viu-se obrigada a efectuar o cálculo da derrama municipal de acordo com o mesmo, devido à circunstância do sistema electrónico da Direcção-Geral dos Impostos, através das qual são entregues as declarações modelo 22 do IRC, apenas permitir a entrega das mesmas se a derrama municipal for apurada com base em tal entendimento, tendo posteriormente apresentado reclamação graciosa contra o acto de liquidação em apreço, solicitando o reembolso do montante de 10.300,49 €, acrescida de juros indemnizatórios.

-O ofício-circulado não constitui fonte de direito, sendo apenas uma resolução administrativa de eficácia meramente interna pelo que não pode ser invocada como fundamento do indeferimento da pretensão da requerente.

Foi designado árbitro o signatário Marcolino Pisão Pedreiro, que aceitou o encargo, tendo sido constituído o Tribunal Arbitral em reunião na sede do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) ocorrida em 5.03.2012.

Notificada a Autoridade Tributária para o efeito, veio a Autoridade Tributária juntar o processo administrativo e apresentar a sua resposta.

Na mesma veio a AT invocar as exceções de incompetência do Tribunal arbitral por não vinculação dos Municípios à jurisdição do CAAD, ilegitimidade passiva da Autoridade Tributária e ainda, dependente da resposta a esta questão, subsidiariamente, requerer a intervenção principal provocada dos Municípios de Lisboa, Odivelas e Oeiras.

Defende-se ainda, subsidiariamente por impugnação, sustentando, em síntese:

- A lei das Finanças Locais aprovada pela Lei nº 2/2007 de 15 de janeiro conferiu à derrama uma verdadeira autonomia face ao IRC, que todavia acolhe ainda a partilha de alguns elementos do IRC, ao nível da incidência, sujeição e determinação do lucro tributável, mas já exclui a influência dos prejuízos fiscais (reportáveis em sede de IRC).

- Esta autonomia desatende a quaisquer regimes especiais de tributação de IRC para efeitos de incidência ou sujeição a derrama.

-No caso concreto das sociedades que integrem o perímetro de um grupo de sociedades a que seja aplicável o RETGS, inexistia qualquer dimensão legal que condicione a derrama a só incidir sobre o “lucro tributável do grupo” e não sobre o “lucro tributável” de cada uma das sociedades individualmente considerado.

-O legislador havia consagrado expressamente uma definição legal de “lucro tributável” no CIRC, que a lei fiscal acolheu para ser a base de incidência da derrama.

-Não existe qualquer disposição legal que dê por não sujeitos ou isentos os lucros tributáveis das sociedades que integrem o perímetro dos grupos a que seja aplicado o RETGS.

- Só esta interpretação do acervo legal que enforma este imposto – a derrama- é que permite concretizar o papel que a derrama assume, enquanto instrumento de execução de desígnios constitucionalmente consagrados.

- Aderir à posição assumida pelo Acórdão do STA de 2 de Fevereiro de 2011 seria denegar a concretização dos desígnios constitucionalmente consagrados, e legitimar o reforço das assimetrias entre Municípios, o que é contrário à lei fundamental.

- Esse foi aliás o leitmotiv que conduziu à alteração legislativa concretizada pela Lei nº 64-B/2011 de 30 de Dezembro – Lei de Orçamento de Estado para 2012 – que procedeu à alteração do art. 14º da Lei nº 2/2007, aí passando a consagrar expressamente que «[q]uando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual das de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115º do Código do IRC».


 

Notificada para responder às excepções invocadas pela AT, veio a requerente pronunciar-se, sustentando, em síntese:

- Na derrama não é possível delimitar uma relação jurídico-tributária estritamente entre o sujeito passivo e o município enquanto único sujeito ativo e que a entidade responsável pelas diversas competências previstas no CPPT é, sem exceção, a Autoridade Tributária e Aduaneira, decorrendo tal constatação de a derrama ser liquidada em conjunto com o imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Coletivas (“IRC”) e o respetivo apuramento encontrar-se dependente do apuramento do lucro tributável dos sujeitos passivos em sede de IRC.

- Que no que concerne à derrama é a “ATA” a entidade responsável pela publicação dos modelos de declaração periódica de rendimentos sujeitos a IRC, bem como da preparação e divulgação das respetivas instruções de preenchimento os quais contemplam de igual modo as liquidações de IRC e de derrama.

- Que também é a ATA a entidade responsável pela correção e liquidação oficiosa da derrama eventualmente em falta e bem assim apreciação dos requerimentos submetidos pelos contribuintes em sede de procedimento administrativo, como reclamações graciosas, pedidos de revisão do ato tributário e recursos hierárquicos.

- Que é ainda a ATA a responsável pela apreciação dos pedidos de informação vinculativa e respetiva publicação no seu endereço online, publicação dos respetivos esclarecimentos prestados aos contribuintes, tendo no âmbito desta competência emitido o Ofício-Circulado nº 20132, de 14 de Abril de 2008, que está na génese da questão discutida nos autos.

-Que é ostensivo que é a ATA que administra a derrama municipal, (não se limitando a “meras funções de arrecadação de receita”), sendo as competências para tal cometidas nomeadamente pela Lei das Finanças Locais, nos termos da qual os Municípios deverão comunicar a esta entidade a deliberação relativa à decisão de cobrança da derrama em determinado exercício, sendo o produto da derrama transferido para os municípios após o respetivo apuramento por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira.

-Em rigor os municípios limitam-se a ser os credores do produto obtido através da cobrança da derrama municipal, sendo que a sua intervenção se reduz à decisão e aplicar derrama em determinado ano e determinar a respetiva taxa, conforme o disposto no artigo 14º da Lei das Finanças Locais, mas a competência tributária pertence à ATA.

- Que nas diversas ações intentadas nos Tribunais Administrativos e Fiscais relativas à forma de cálculo da derrama no âmbito do RETGS, tem sido sempre a ATA a parte demandada, sem que esta tenha arguido a sua ilegitimidade ou esta exceção tenha sequer sido invocada pelo próprio tribunal.

-Que o artigo 4º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 64-B/2011, de 31 de Dezembro, remete a regulamentação da vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais para a Portaria nº 112-A/2011.

-Que o artigo 2º da Portaria em apreço, nos termos da qual os organismos integrantes da DGCI e da DGAEIC se encontram vinculados à jurisdição dos tribunais arbitrais “que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida”.

- Sendo a “ATA” responsável pela administração da derrama municipal é de concluir que enquanto responsável pela administração da derrama se encontra vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais.

-A ATA possui legitimidade passiva para ser demandada no presente processo arbitral e a sua vinculação abrange as matérias relativas ao apuramento e liquidação da derrama, devendo ser julgadas improcedentes as exceções invocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira na sua resposta.

Notificada da pronúncia da requerente, veio ainda a “ATA” responder à mesma sustentando, em síntese:

- Conceber que “os municípios limitam-se a ser os destinatários do produto obtido através da cobrança da derrama municipal”, é esquecer a natureza do imposto não estadual que consubstancia uma verdadeira receita autónoma dos municípios.

- A relação jurídica substancial constitui-se entre os sujeitos passivos e os vários municípios onde é gerado o respetivo rendimento, sendo a ATA inteiramente alheia a essa relação, só intervindo quando se verificam os pressupostos subjetivos e objetivos de apuramento do montante do imposto a pagar.

- Qualquer decisão de fundo acerca da forma de apuramento da derrama só produzirá efeitos quando os municípios “prejudicados potenciais” com a mesma, uma vez que são estes os verdadeiros possuidores de um verdadeiro interesse jurídico direto forem chamados à demanda.

-Qualquer outro entendimento afetará o princípio constitucional da autonomia local e a Carta Europeia da Autonomia Local aprovada em 1985 pelo Conselho da Europa.


 


 

MATÉRIA DE FACTO ASSENTE

Dão-se como provados os seguintes factos:

1- A requerente era, para efeitos do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, sociedade dominante de grupo por si composto bem como pelas sociedades seguintes:

- … – …, S.A.;

- …, S.A.;

-… , S.A.;

-… , S.A.;

- …, SGPS, S.A.;

- …, Lda.;

- …, S.A.;

-…, S.A.;

2- No exercício de 2010, para efeitos de IRC, foi aplicável a este grupo o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades.

3- Em … de Maio de 2011, a requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 do IRC, referente ao exercício de 2010, do grupo de sociedades de que é dominante.

4- De acordo com esta declaração de rendimentos, no exercício em causa o grupo apurou uma matéria coletável não isenta no valor de 22.270.141,44 €, IRC liquidado no valor de 5.565.972,86 € e derrama municipal no valor de 344.354,38 €.

5- No seguimento do ato de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2010 respeitante ao exercício de 2010, a requerente foi notificada, a … de julho de 2011, da nota de liquidação nº … de 4 de julho.

6- Tendo surgido dúvidas sobre a interpretação do art. 14º, nº 1 da Lei nº 2/2007 de 15 de janeiro, a Direção dos Serviços do IRC emitiu, em 14.04.2008, o ofício circulado nº 20132, onde se preconiza que, no caso das sociedades sujeitas ao RETGS “a derrama municipal deverá ser calculada e indicada individualmente por cada uma das sociedades na sua declaração, sendo preenchido, também individualmente, o anexo A, se for caso disso. O somatório das derramas municipais assim indicadas será indicado no campo 364 do quadro 10 da correspondente declaração do Grupo, competindo o respectivo pagamento à sociedade dominante”.

7-O sistema eletrónico da Direcção-Geral dos Impostos, através do qual são entregues as declarações Modelo 22 do IRC, apenas permite a entrega dessas declarações se a derrama municipal for apurada com base no entendimento preconizado no referido ofício circulado.

8- A requerente efetuou o cálculo da derrama municipal, na declaração referida em 4), com base no entendimento preconizado no ofício-circulado, mencionado nos números em 6) e 7) da matéria se facto.

9- Por não concordar com aquela forma de cálculo para o apuramento da derrama municipal, a requerente apresentou reclamação graciosa contra o ato de liquidação em apreço, solicitando o reembolso do montante de 10.300,49 €, referente à derrama municipal paga em excesso, acrescida de juros indemnizatórios.

10-Em … de Novembro de 2011, a requerente foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa, tendo sido invocado como fundamento para o indeferimento, a vinculação dos serviços da Administração Fiscal às instruções contidas no ofício-circulado nº 20132 no que respeita à fórmula de cálculo da derrama municipal.

11- O montante de 10.300,49 € corresponde ao valor de liquidação a mais decorrente do entendimento vertido no ofício-circulado nº 20132, por comparação com o valor que resultaria do entendimento preconizado pela requerente

Para o julgamento da matéria de facto foram relevaram os documentos juntos aos autos pela requerente, bem como os emergentes do processo administrativo e ainda as posições das partes nas suas peças processuais, sendo de salientar que das mesmas não resultou qualquer discordância relativamente aos factos invocados no requerimento inicial, cingindo-se a discordância das partes apenas a matéria de direito.


 


 

Questões prévias a decidir:

- Incompetência do Tribunal Arbitral

- Ilegitimidade passiva da “ATA”

- Intervenção provocada dos Municípios.


 


 

INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL


 

Nos termos da alínea a) do nº 1, do artigo 2º do Dec.-Lei nº 10/2011 de 20 de janeiro a competência dos Tribunais arbitrais compreende a apreciação da ilegalidade de atos de liquidação de tributos e de autoliquidação dos mesmos (e ainda de retenção na fonte e de pagamento por conta).Nos termos do art. 4º, nº 1 do mesmo diploma “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça”. De acordo com o art. 2º da Portaria nº 112-A/2011 de 22 de março a DGCI e a DGAIEC (atual ATA) “vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida referidas no nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro”

A competência do tribunal arbitral está, assim, dependente de ser a derrama um imposto administrado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Vejamos.

Dispõe o art. 14º da, nº 1 da Lei nº 2/2007 de 15 de janeiro (Lei das Finanças Locais, doravante “LFL”) que “Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a titulo principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território”. O nº 8 do mesmo artigo estabelece que “A deliberação a que se refere o nº 1 deve ser comunicada por via electrónica pela câmara municipal à Direcção-Geral dos Impostos até ao dia 31 de Dezembro do ano anterior ao da cobrança por parte dos serviços competentes do Estado”

Por sua vez estabelece o nº 9 que “Caso a comunicação a que se refere o número anterior seja recebida para além do prazo nele estabelecido, não há lugar à liquidação e cobrança da derrama” e o nº 9 que “O produto da derrama paga é transferido para os municípios até ao último dia do mês seguinte ao do respectivo apuramento pela Direcção-Geral dos Impostos.”.

Daqui decorre que a competência para a administração da liquidação e cobrança cabe à “ATA”.

Esta competência compreende-se à luz do princípio dum princípio geral de racionalização e eficiência vertido no artigo 267º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa, uma vez que a derrama é um imposto dependente do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas coletivas, na medida em que incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento deste imposto.

Daqui decorre que a liquidação do imposto segue o regime do CIRC em regra por autoliquidação do sujeito passivo, nos termos do art. 89º, al. a) deste Código ou por liquidação da “ATA”, nos termos da al. b) do mesmo artigo.

É ainda a “ATA” que tem competência para proceder a liquidações adicionais, liquidações correctivas e anulação total ou parcial do IRC, designadamente em função de alterações de alterações ao lucro tributável dos sujeitos passivos, nos termos dos artigos 99º, 100º e 103º do CIRC, alterações que não podem deixar de se refletir na liquidação da derrama uma vez que esta incide precisamente sobre o lucro tributável do sujeito passivo em sede de IRC, e é liquidada conjuntamente com este imposto.

A competência para a decisão das reclamações graciosas da liquidação ou da autoliquidação de IRC são ainda da competência da ATA nos termos do art. 137º do CIRC e do art. 75º do CPPT, o mesmo sucedendo com a decisão sobre o eventual recurso hierárquica da decisão que indefira a a reclamação graciosa (art. 76º, nº 1 do CPPT)

Por razões de coerência sistemática, eficiência e de garantias dos sujeitos passivos, não pode deixar de se reconhecer que todos estes meios processuais são aplicável à derrama nos termos em que são aplicáveis ao IRC.

Entender o contrário seria admitir que estando em causa a determinação do lucro tributável dum sujeito passivo, necessariamente relevante para efeitos quer de IRC e de derrama municipal, a competência para a decisão de tal questão (a mesma questão) pertencessem a entidades diferentes, entendimento que não é aceitável, nem é defendido pela “ATA”

Termos em que se declara competente para a presente ação o tribunal arbitral, julgando-se, assim, improcedente, a exceção de incompetência suscitada.


 

ILEGITIMIDADE PASSIVA DA “ATA”


 

Com escreve Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao artigo 9º do CPPT “Como se conclui deste nº 4 deste artigo 9º, todas as pessoas que têm legitimidade para intervir no procedimento tributário têm também legitimidade para intervir no processo judicial tributário” (CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO Anotado e Comentado, áreas Editora, 2006, Vol. I, pag. 116).

Ora, admitindo-se que a competência para o procedimento em questão pertence à “ATA”, como acima se julga ter demonstrado (e como a “ATA” aceitou porquanto se considerou competente para a decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa que precedeu o pedido de constituição do tribunal arbitral), não pode deixar de se concluir que é à “ATA” que pertence, em exclusivo, a legitimidade passiva para a presente lide processual.

Na verdade são actos da “ATA” que estão em causa na relação jurídica processual (a liquidação e o indeferimento da reclamação graciosa). Por outro lado, a impugnação judicial ou arbitral que se lhe seguir constitui a continuação da impugnação do ato tributário já iniciada na fase administrativa.

Reconhendo-se à “ATA” legitimidade para liquidar e revogar os actos tributários de liquidação, não pode deixar de se lhe reconhecer a mesma legitimidade para sustentar em sede judicial ou arbitral a legalidade de tais liquidações.

Nesta medida, os Municípios, que não têm legitimidade para liquidar o imposto, nem para rever ou corrigir liquidações não têm legitimidade passiva para a acção de impugnação ou para o processo arbitral.

Do mesmo modo, parece-nos contraditória a posição da “ATA”, ao considerar-se competente para decidir a reclamação graciosa incidente sobre a autoliquidação do imposto e não se considerar parte legítima para intervir no processo em que tal decisão é sindicada.

Ainda que os Municípios sejam os titulares da receita da derrama imposto, não pode deixar de se entender que os mesmos são, por força da lei e duma competência própria, de direito publico e portanto, inalienável e irrenunciável “representados“ para todos os efeitos pela “ATA”, não só para efeitos de liquidação do imposto e sua revisão, correção ou anulação, mas também para efeitos de defesa da legalidade da liquidação no processo judicial ou arbitral tributário, não sendo lícito ao Município interferir ou condicionar a “ATA” no exercício destas tarefas. Ou seja, os Municípios não têm competência no procedimento tributário e mesmo que se entenda que são sujeitos ativos do imposto, o exercício efetivo dos poderes inerentes a tal qualidade cabem, em exclusivo, à “ATA”.

Tal entendimento não afeta o princípio da autonomia local. Deste princípio decorre a autonomia financeira das autarquias que exige que “ (…) a vida financeira das autarquias não fique dependente de actos discricionários do poder central” (J.J. Gomes Canotilho-Vital Moreira, CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA PORTUGUESA ANOTADA, Coimbra Editora, 4ª edição revista, 2006, Vol. II, p. 729). Esta autonomia não é minimamente posta em causa pelos poderes da “ATA” na medida em que esta na sua atuação está vinculada à lei, não exercendo poderes discricionários.

No sentido da competência do Tribunal arbitral e da legitimidade da “ATA”, em litígios em que se levantam questões idênticas, foram também as decisões proferidas nos processos 19/2011-T, 2/2012-T, 1/2012-T, 24/2011-T e 10/2011-T.


 

Termos em que se declara que a “ATA” detêm, em exclusivo, legitimidade passiva na presente ação, julgando-se improcedente a invocada exceção de ilegitimidade desta entidade.


 

- INTERVENÇÃO PROVOCADA DOS MUNICÍPIOS.

Pelas razões acima aduzidas, e na medida em que a legitimidade passiva pertence em exclusiva à “ATA”, indefere-se o pedido de intervenção provocada dos Municípios.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art.º1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

 

 

DO MÉRITO DA IMPUGNAÇÃO

 

 

Relativamente ao mérito de pedido, coloca-se como questão a decidir a alegada ilegalidade do ato de liquidação da derrama municipal relativa ao exercício de 2010, cujo sujeito passivo é a requerente como sociedade dominante do Grupo acima identificado, na parte correspondente ao montante de € 10.300,49, por força de em tal liquidação ter sido tomado em conta o lucro tributável individual de cada uma das sociedades que integram o Grupo, sujeito ao RETGS e não do lucro tributável do grupo.

 

Trata-se, apenas e tão-só da questão de saber se na liquidação da derrama deve:

 

-Ser tomada conta o lucro tributável individual de cada uma das sociedades que integram o Grupo (posição da “ATA”) ou,

- Ser tomada em conta o lucro tributável global do grupo.

 

Na sequência de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem sido também orientação pacífica no “CAAD” que a solução correta é a que preconiza a tomada em conta o lucro tributável global do grupo, como emerge das decisões proferidas nos processos 19/2011-T, 2/2012-T, 1/2012-T e 24/2011-T (disponíveis no site do “CAAD”).

 

Concorda-se com esta orientação já adotada no acórdão de 2 de Fevereiro de 2011 do Supremo Tribunal Administrativo (Processo nº 909/2010) onde se pode ler que “prevendo o CIRC, nos seus art.ºs 69.º a 71º, um regime especial de tributação dos grupos de sociedades, situação em que se encontra a impugnante, ora recorrida, e tendo esta optado, como a lei lhe faculta, pela aplicação desse regime para determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo, a determinação do lucro tributável, para efeitos de IRC, é apurada através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações individuais das sociedades que pertencem ao grupo. E, assim determinado o lucro tributável para efeitos de IRC, está necessariamente encontrada a base de incidência da derrama”.

Também no acórdão de 22 de junho de 2011 (Processo nº 309/2011) do mesmo Tribunal se escreve que “de acordo com o actual regime da derrama que resulta da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei 2/2007, de 15 de Janeiro, a derrama passou a incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC. Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama deve incidir sobre o lucro tributável do grupo e não sobre o lucro individual de cada uma das sociedades”.

 

 

E para o caso sub judice não releva que a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012), tenha vindo alterar a redacção do n.º 8 do art.º 14.º, da LFL, passando desta a constar que “quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a derrama incide sobre o lucro tributável individual de cada uma das sociedades do grupo, sem prejuízo do disposto no artigo 115.º do Código do IRC”, pois como foi decidido no processo 19/2011-T do CAAD:

 

A aplicação da redacção actual do n.º 8 do art.º 14.º da Lei das Finanças Locais à autoliquidação de derrama municipal referente ao exercício de (…) consubstanciaria uma retroactividade autêntica, qua tale proibida pelo supra-citado n.º 3 do art.º 103.º da CRP.

 

Questão esta da eventual interpretação conforme a Constituição, que nem sequer chega a colocar-se, atenta a natureza inovadora, que não interpretativa do n.º 8 do art.º 14.º, da Lei das Finanças Locais, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei do Orçamento do Estado para 2012, conforme ficou já assente supra.” (também neste sentido a decisão proferida no processo 1/2012-T e, em sentido próximo, com fundamento na proibição da retroactividade da lei fiscal a decisão proferida no processo 24/2011-T)

 

 

Assim sendo, conclui-se que que a liquidação impugnada padece do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, sendo, assim, ilegal.

 

Dos juros indemnizatórios.

A requerente peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios.

Nos termos do disposto nos artigo 61.º do CPPT e 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios, a serem contados desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respectiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (artigo 61.º, nºs 2 a 5, do CPPT), cuja taxa deve ser apurada de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 43.º da LGT.


 


 

DECISÃO:

 

Em face do exposto, decide-se:

 

- julgar procedente e provada a impugnação;

- anular o ato de autoliquidação e cobrança da derrama municipal sub judice relativa ao exercício de 2010, de que foi sujeito passivo a ora requerente na parte correspondente ao montante de € 10.300,49 (dez mil e trezentos euros e quarenta e nove cêntimos) com base em vício de violação de lei;

- condenar a requerida a devolver à requerente esse quantia indevidamente liquidada e paga, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios já vencidos relativos ao período que mediou entre a data do pagamento do imposto anulando até data da instauração do presente processo, bem como no pagamento dos juros indemnizatórios vincendos a contar desta última data até ao integral reembolso, nos termos dos nºs 2 a 5 do artigo 61.º do CPPT e à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 43.º da LGT.


 

CUSTAS, CALCULADAS EM CONFORMIDADE COM A TABELA I DO REGULAMENTO DE CUSTAS DOS PROCESSOS DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA EM FUNÇÃO DO VALOR DO PEDIDO, A CARGO DA REQUERIDA NOS TERMOS DO ART.º 4º, N.º 1 DO MESMO REGULAMENTO E DOS ART.ºS 6º, N.º 2 ALÍNEA A) E 22º, N.º 4 DO RJAT E QUE FIXO EM 918,00 €.

 

Notifique.

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa Tributária, 8 de junho de 2012

 

O Árbitro


 

Marcolino Pisão Pedreiro