Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 24/2012-T
Data da decisão: 2012-12-21  IRC  
Valor do pedido: € 182.620,00
Tema: Aplicação da lei no tempo e acréscimo dos resultados financeiros
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CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 24/2012

Tema: IRC, SGPS, EBF


 


 

DECISÃO ARBITRAL


 

Requerente: A ... – , S.G.P.S.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”)


 

  1. RELATÓRIO


 

  1. A sociedade A... –, S.G.P.S., S.A. (adiante designada por Requerente), com sede... Lisboa, apresentou, em 26 de Janeiro de 2012, pedido de decisão arbitral e consequente constituição de Tribunal Arbitral, ao Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”).

 

  1. A pretensão deduzida tem em vista a anulação parcial do ato de liquidação de IRC n.º 2009 …, de 20/07/2009, da Direcção-Geral dos Impostos, hoje Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “AT”), relativo ao exercício de 2006, e demais consequências legais, nomeadamente a integração do montante de €664.071,78, correspondente a encargos financeiros suportados, na rubrica custos dedutíveis. A Requerente encontra-se enquadrada, para efeitos de IRC, no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (de ora em diante, RETGS), como sociedade dominante, pelo exercício da atividade de Sociedade Gestora de Participações Sociais não Financeiras, tendo sido notificada através da Carta Aviso n.º …de 1 de Fevereiro de 2008, de que iria ser dado início a uma ação inspetiva, de âmbito geral, relativa ao exercício de 2006. Na sequência de tal inspeção, que teve início a 24/03/2008 e terminou a 19/02/2009, a Requerente foi notificada do Relatório com as respetivas conclusões que determinaram uma correção à matéria coletável de €4.657.777,82, a qual não determinou imposto a pagar por haver prejuízos dedutíveis. A Requerente pretende a anulação do ato tributário em apreço com base, quer na violação das regras de aplicação da lei no tempo, quer na errada valoração do momento do acréscimo dos resultados financeiros, assim como pelo método de cálculo utilizado pela AT para apurar os encargos financeiros não dedutíveis.


 

  1. O ato tributário em apreço foi objeto de impugnação judicial, deduzida a 03/11/2009, que correu termos na 1.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o n.º …BELRS, nos termos dos artigos 57.º da LGT e 102.º do CPPT. À data da apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral, a referida impugnação judicial encontrava-se pendente de decisão há mais de dois anos.

 

  1. A Requerente optou por não designar árbitro. Em consequência, foi constituído o Tribunal Arbitral, na sede do CAAD, em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 2 e n.º 3 do art.º 6.º do Regime Jurídico de Arbitragem Tributária (“RJAT”), tendo sido designados, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, nos termos e prazos legalmente previstos, o coletivo de árbitros composto por: Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, na qualidade de árbitro presidente; Dr. Luís Oliveira e Professor Doutor João Ricardo Catarino, na qualidade de árbitros-adjuntos (cfr. ata de constituição do tribunal arbitral que se encontra junta aos autos e aqui se dá por reproduzida).

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

  1. Alega, em síntese, a Requerente, o seguinte:

  2. As correções efetuadas pela AT padecem dos vícios de violação da Constituição e da lei, por desconsiderarem uma apreciação concreta dos níveis de endividamento e de investimento realizados pela Requerente;

  3. De 2003 a 2005, o endividamento da Requerente era inferior aos empréstimos em que figurava como mutuante;

  4. Em 31 de Dezembro de 2005, o endividamento da Requerente ascendia a €38.467.543,00, canalizados para empréstimos remunerados a empresas participadas, no montante de €65.836.194,00, essencialmente empréstimos subordinados concedidos à B..., SL, suficientes para anular/alocar os referidos empréstimos de €38.467.543,00;

  5. Donde se conclui que as aquisições de partes de capital efetuadas antes de 31 de Dezembro de 2005 foram financiadas com capitais próprios e todos os mútuos contratados antes dessa data não tiveram como propósito a aquisição de participações sociais, pelo que as participações sociais adquiridas antes de 2006 não devem ser consideradas para o cálculo dos encargos financeiros não dedutíveis;

  6. No exercício de 2006, os níveis de financiamento da Requerente aumentaram significativamente, de €38.467.543,00 para €395.386.250,00;

  7. No exercício de 2006 foi contabilizado na rubrica outros empréstimos obtidos (instrumentos derivados) o valor de €66.263.756,00, o qual não diz respeito verdadeiramente a financiamento obtido mas antes à celebração de dois instrumentos financeiros derivados, através dos quais a A ... adquiriu o direito de compra de 31 345 487 ações da C ...:

  8. D …, relativo à aquisição de 22 636 987 ações;

  9. C ... Total Return Swap, celebrado com o E … relativo à aquisição de 8 708 500 ações;

  10. Está em causa a celebração de dois contratos através dos quais a A ... adquiriu o direito a comprar no futuro determinadas participações sociais por um preço pré determinável, beneficiando a contraparte de uma posição inversa, i.e., do direito de vender à A ... as mesmas participações sociais pelo mesmo preço, sendo que a celebração dos referidos contratos não implicou a cedência de quaisquer fundos à A ..., nem lhe conferiu o direito a gozar antecipadamente de quaisquer direitos jurídicos (como os direitos de voto) ou económicos (como os dividendos);

  11. No apuramento do lucro tributável, relativo ao exercício de 2006, a A ... não acresceu os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, uma vez que a dedutibilidade dos referidos encargos apenas se encontra excluída quando esteja em causa a aplicação do regime de benefício fiscal previsto no n.º 2 do artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (atual artigo 32.º);

  12. Não tendo realizado qualquer transmissão de partes de capital geradora de resultados (positivos ou negativos) excluídos de tributação nos termos do referido regime, a A ... absteve-se de aplicar a regra especial de benefício fiscal estabelecida no artigo 31.º do EBF, aplicando as regras gerais de dedutibilidade de encargos financeiros estabelecidas no Código do IRC;

  13. A AT procedeu à correção de €664.071,78, por ter considerado que a A ... deveria ter acrescido ao resultado líquido do exercício, para efeitos de apuramento do lucro tributável, a parte relativa a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital que considerou não serem dedutíveis, nos termos do artigo 31.º do EBF (atual artigo 32.º);

  14. A A ... não concorda com a aplicação pela Autoridade Tributária dos critérios da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, em virtude de esta ter considerado que o novo regime relativo aos encargos financeiros é aplicável nos períodos de tributação iniciados após 1 de Janeiro de 2003, ainda que relativos a financiamentos contraídos antes daquela data;

  15. A Requerente não aceita a fórmula de cálculo utilizada pela AT, de afetação dos encargos financeiros às participações sociais (conforme Circular 7/2004), defendendo que esse deve ser um método de afetação direta ou específica e salienta a possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria;

  16. Defende que essa imputação deverá ser efetuada com base numa fórmula que consiste em: 1) imputar os passivos remunerados das SGPS aos empréstimos remunerados concedidos às empresas participadas e a outros investimentos geradores de juros; 2) afetar o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao custo de aquisição;

  17. Contestando a Requerente, por consequência, especificamente a aplicação no tempo do regime, o momento do acréscimo dos encargos financeiros e o método de cálculo dos encargos financeiros não dedutíveis e imputando à correção os vícios de violação da Constituição e da lei;

  18. No que à aplicação no tempo respeita, a Requerente entende que o novo regime não se aplica aos encargos vencidos após 1 de Janeiro de 2003 mas que respeitem a contratos de mútuo celebrados em data anterior e à aquisições de participações adquiridas anteriormente àquela data, argumentando que a lei fiscal não pode ir alterando os seus pressupostos de forma a tornar ainda mais incerta do que hoje já é, em cenários de forte instabilidade económica e financeira, a gestão de uma sociedade;

  19. Sendo forçoso considerar que o legislador, ao eleger como princípio fundamental da tributação, a tributação de acordo com a capacidade contributiva e de acordo com o rendimento real e ao conceder sistematicamente benefícios fiscais às SGPS, tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade;

  20. Já que, segundo invoca, não existem razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa, concluindo no sentido de que a desconsideração fiscal dos encargos financeiros apenas poderá operar para o futuro;

  21. No que respeita ao momento em que deve realizar-se o acréscimo dos encargos financeiros, a Requerente defende que os encargos financeiros só não serão custo fiscal em caso de realização de mais-valias ou menos-valias com a transmissão onerosa da participação social adquirida com o recurso a capitais alheios e que originou os referidos encargos;

  22. Já quanto ao método de cálculo dos encargos financeiros não dedutíveis, não deve ser considerado procedente na medida em que o apuramento do montante de encargos financeiros considerados não dedutíveis foi efetuado por mera remissão para a fórmula de cálculo estabelecida por Circular, a qual vem desenvolver o conteúdo de norma de incidência tributária, criando métodos de determinação indireta da matéria coletável que consubstanciam o estabelecimento de presunções inilidíveis, em manifesta violação do princípio da legalidade tributária e da tributação segundo o lucro real.

 

  1. Regularmente notificada, e decorrido o prazo para revogação voluntária do ato impugnado, a AT respondeu à impugnação, defendendo, a manutenção do ato de liquidação, e alegando, em síntese, o seguinte:

 

  • Em causa está a qualificação dos dois contratos celebrados para compra de ações da C..., discutindo-se se deverão ou não ser incluídos no passivo da empresa, para efeitos de aplicação do antigo art.31º do EBF;

  • A norma do art. 31º do EBF pressupõe uma correspondência entre os investimentos, neste caso em partes de capital, e os passivos associados à sua aquisição, sendo que esses passivos poderão ter uma duração superior a um exercício;

  • Sendo assim, é facilmente compreensível que as SGPS tenham dificuldades em identificar exatamente que fundos canalizaram para um ou outro investimento, ou as origens destes para pagar contas correntes ou conceder financiamentos, na medida em que poderão ter origens diversas, tais como o recebimento de dividendos, remuneração de prestações de serviços, juros de empréstimos concedidos desde logo por causa da natureza fungível do dinheiro e da dificuldade que daí resulta em imputar diretamente determinada verba à aquisição daquelas partes sociais em concreto;

  • O artigo 23.º do CIRC obriga à necessidade de comprovação da indispensabilidade dos custos incorridos para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora e que, em resultado disso, não sendo possível, na grande maioria das situações, efetuar uma imputação específica dos empréstimos contraídos e, consequentemente, de identificar o valor dos juros bancários e/ou de outros encargos financeiros correspondentes a tais empréstimos, nunca seria de aceitar a contabilização como custos dos juros alegadamente suportados (Ac. de 12 de Julho de 2006, Processo 186/06);

  • A Circular 7/2004 de 30.03 da DSIRC, ao reconhecer “(…) a extrema dificuldade de utilização(…) de um método de afetação direta ou específica (…)”, de resto reconhecida pela própria A ..., tenta obviar às dificuldades de imputação rigorosa entretanto surgidas veio estabelecer um critério, que entendeu ser válido e o mais próximo da realidade empresarial;

  • Na linha, de resto, segundo a própria AT, com o que Tiago Caiado Guerreiro defende ao afirmar que “(…)os recursos das SGPS deverão ser analítica e discriminadamente aplicados, isto é, cada recurso ”financeiro” das SGPS, de acordo com a sua natureza (capital social, empréstimos, etc), deve ser devidamente definido e a sua aplicação devidamente discriminada e justificada, nomeadamente em termos económicos, estratégicos, etc.(…)” ( in “Fiscalidade – o novo regime jurídico-fiscal das SGPS, Revista da Ordem dos ROC, nº26 );

  • Tal Circular veio estabelecer que para determinar quais os encargos financeiros suportados a imputar a cada aquisição de partes sociais, se deveria utilizar uma fórmula deste teor: “(…) os passivos remunerados das SGPS (…) deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição”;

  • A Requerente elaborou um mapa, obedecendo aos critérios supra definidos e aplicando as regras da referida Circular, após solicitação dos inspetores no decurso do procedimento inspetivo, apurando os montantes a desconsiderar no apuramento do seu lucro tributável pelo que, segundo a AT a correção proposta não carece de fundamentação;

  • No que diz respeito ao momento a partir do qual a regra do art.31º do EBF é aplicável, a AT veio defender que é a própria Lei do OE para 2003 que define, no artigo 38.º, que este novo regime se aplica às mais e menos-valias apuradas a partir de 01 de Janeiro de 2003;

  • No que respeita ao momento da definição do regime aplicável ou da contabilização do encargo, a AT condescende ser admissível que no fim de cada exercício em que tenha ocorrido a aquisição de partes sociais e o início do suporte dos encargos financeiros a ela inerentes, não seja possível ao sujeito passivo determinar se esses encargos irão ou não ser considerados para a formação do lucro tributável, nomeadamente porque desconhece se a titularidade da participação será detida por mais de um ano ou não;

  • E que, sendo assim, deverá o contribuinte optar por um critério geral de não dedutibilidade;

  • A não ser assim isso implicaria a entrega de declarações de substituição de todos os anos anteriores em que aqueles montantes ali foram inscritos, podendo, em última análise, incluir exercícios caducados;

  • Pelo que conclui no sentido da improcedência, na sua totalidade, dos argumentos aduzidos pela Requerente com vista à anulação (parcial) do ato de liquidação sob apreço.

 

  1. Ouvidas as testemunhas e não havendo outras provas a produzir, decidiram os árbitros, nos termos do art.º 18.º, n.º 1, alínea a), do referido Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, o prosseguimento do processo, prescindindo as partes de alegações orais, apresentando, por acordo, as suas alegações por escrito.

Ambas as partes exerceram esse direito reafirmando, em síntese, a posição já expressa nos articulados.

 

  1. O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). O processo não enferma de nulidades que o invalidem.

 

Cumpre, pois, apreciar e decidir.

 

  1. QUESTÕES A DECIDIR

Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados e nas alegações escritas apresentadas, e em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 660.º do Código de Processo Civil (“CPC”), a questão central a dirimir por este tribunal arbitral consiste em saber se o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2009…, de 2009.07.20, da autoria do Ministério das Finanças e da Administração Pública, Direção Geral dos Impostos, hoje Autoridade Tributária (AT), relativo ao exercício de 2006, padece dos vícios de violação da Constituição e da lei (artigos 26.º e 143.º da petição), o que adiante se examinará após a descrição da matéria de facto.


 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

  1. Tendo em vista a decisão da questão controvertida, o Tribunal Arbitral procede primeiramente ao julgamento da matéria de facto relevante para a pronúncia. O Tribunal julga a matéria de facto de acordo com o princípio da livre apreciação da prova em relação àquelas que não tenham valor legalmente tabelado, consagrado no art.º 655.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo arbitral por força do disposto nos artigos 29.º, n.º 1, alínea e), do DL. n.º 10/2011, e tendo em conta regras estabelecidas, em processo tributário, nos artigos 110.º, n.º 7, e 115.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Em relação às provas de valor legal tabelado, categoria em que se inserem os documentos autênticos, seguir-se-á a regra estabelecida na lei para esse tipo de provas, sendo a daqueles fixada no art.º 371.º, n.º 1, do Código Civil. O Tribunal entende o princípio da livre apreciação das provas de valor não tabelado num sentido de vinculação legal institucional às regras objetivas da técnica, da ciência, da razão ou da experiência comum.

 

  1. Analisadas as provas produzidas nos autos e pelas razões sucintamente indicadas em relação a cada item entre parênteses, o Tribunal Arbitral dá como provada a seguinte matéria de facto, com relevância expectável para a decisão da causa:


 

  1. Na sequência de uma inspeção tributária realizada à Requerente, cujo relatório junto aos autos lhe foi notificado e cujo teor se considera adquirido para o processo, a AT procedeu à liquidação n.º 2009 …, de 2009.07.20 relativa a IRC respeitante ao exercício de 2006, com base em diversas correções de natureza técnica (posição concordante das partes, relatório final de inspeção junto aos autos, nota da liquidação junta aos autos-demonstração de liquidação do IRC e dos juros compensatórios);

  2. A Requerente apresentou impugnação judicial em processo que correu termos na 3.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, com o n.º …BELRS mas que não chegou a ser objeto de decisão final;

  3. Foi-lhe efetuada uma correção relativa a variação patrimonial positiva não refletida no resultado tributável, no montante de 3 582 535,00€, (fls. 22 e segs. do relatório de exame) aceite pela Requerente;

  4. E uma segunda relativa encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital no montante de 664 071,78€, (fls. 25 e segs. do relatório de exame), não aceite pela Requerente;

  5. Bem como uma terceira relativa a invocada inobservância do princípio da livre concorrência no montante de €410 817,23 (fls. 27 e segs. do relatório de exame) aceite pela Requerente;

  6. E uma quarta correção respeitante a reintegrações e amortizações não aceites como custo no montante de €353,81 (fls. 39 e segs. do relatório de exame) igualmente aceite pela Requerente;

  7. A AT efetuou, relativamente à segunda correção supra identificada, uma correção ao lucro tributável no montante de €664.071,78 por entender que a Requerente no apuramento do seu lucro tributável relativo ao exercício de 2006 deveria ter acrescido os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital que, nos termos do n.º 2 do artigo 31.º do EBF (atual artigo 32.º do EBF), de acordo com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 108/32008, de 26/6, não concorrem para o apuramento do lucro tributável;

  8. Porquanto, no entendimento AT, o referido artigo 32.º do EBF, aditado pelo artigo 37.º da Lei n.º 32.-B/2002 de 30 de dezembro, refere que as mais-valias e as menos valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por um período não inferior a um ano, e bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades;

  9. E que, atendendo a que com fundamento no n.º 2 do artigo 31.º do EBF, os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não concorrem para a formação do lucro tributável, a Autoridade Tributária aplicou a Circular 7/2004, de 30 de março, nos termos da qual o novo regime é aplicável nos períodos de tributação iniciados após 1 de janeiro de 2003, ainda que relativos a financiamentos contraídos antes daquela data;

  10. A afetação dos encargos financeiros às participações sociais foi efetuada com base na metodologia fixada na Circular 7/2004, de 30 de Março, imputando em primeiro lugar os passivos remunerados da SGPS aos empréstimos remunerados concedidos às empresas participadas e a outros investimentos geradores de juros; e afetando o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao custo de aquisição;

  11. A AT constata ainda a fls. 28 do relatório de exame que a Requerente, seguindo os procedimentos enunciados na referida Circular, apurou o montante de €664.071,78 de encargos não dedutíveis em 2006, embora não os tenha acrescido à declaração de rendimentos modelo 22, valor esse que a AT corrigiu conforme cálculos evidenciados no anexo 2 ao relatório de exame.

 

  1. Não existe matéria de facto relevante para a decisão da causa dada como não provada.

 

 

  1. DECISÃO

 

  1. Sintetiza a Requerente nas suas alegações escritas, as seguintes questões de direito a decidir:

  2. Pode a nova regra de desconsideração de encargos financeiros estabelecida pela Lei do OE de 2003 ser aplicada a encargos financeiros derivados de obrigações de financiamento assumidas antes da sua entrada em vigor?

  3. Qual o momento determinante para a aferição da não dedutibilidade dos encargos financeiros associados ao benefício fiscal em referência?

  4. Pode uma Circular dispor quanto a regras de incidência? Isto é, como devem ser calculados os encargos financeiros alocáveis à aquisição de participações sociais?”

Estas três questões decorrem da interpretação e aplicação, pela AT, do benefício fiscal constante do n.º 2 do artigo 31.º do EBF, que fundamentaram as correções efetuadas ao IRC da Requerente. No entendimento da Requerente, a Circular n.º 7/2004 de 30 de março, ao dispor quanto a regras de incidência, é inconstitucional.

 

  1. A AT sustenta que, em cumprimento do entendimento plasmado na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, não aceitou €664.071,78 relativos a encargos financeiros imputáveis à aquisição de partes de capital, que no apuramento do lucro tributável referente ao exercício de 2006 a Requerente não acresceu os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, e que pelo artigo 31.º do EBF (na redação dada pela Lei 32-B/2002, de 30 de dezembro) tais encargos não deveriam ter concorrido para o apuramento do lucro tributável da sociedade e do grupo. O artigo 38.º da Lei 32-B/2002 estabeleceu que aquele regime do artigo 31.º do EBF é aplicável às mais e menos-valias realizadas nos períodos de tributação que se iniciaram após 1/1/2003. Defende a AT que a referida Circular estabeleceu um critério válido para fazer cumprir a lei.

 

  1. Antes do mais, há que refletir sobre a legalidade da Circular n.º 7/2004, de 30 de março.

Em termos gerais, as circulares consistem em orientações administrativas de carácter genérico, segundo as quais o poder executivo procede a uma interpretação de normas tributárias. Assim, pelo n.º 1 do artigo 55.º do CPPT, estas orientações genéricas visam a uniformização da interpretação e aplicação das normas tributárias pelos serviços. Sendo que, pelo n.º 2 do mesmo artigo, quando emitidas pelo dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário a quem ele tiver delegado essa competência, vinculam a Autoridade Tributária. O n.º 3 do mesmo preceito ressalva a sua aplicação exclusiva à Autoridade Tributária que procedeu à sua emissão.

E as instruções genéricas contidas em Circular não podem ser mais do que isso: meras instruções, que apenas vinculam a administração. Por outro lado, as relações jurídico-tributárias encontram-se hoje reguladas nos termos na Lei Geral Tributária, doravante a LGT (vd. art.º 1º), sendo-lhes aplicável, de acordo com o plasmado no art.º 2º desse mesmo diploma, sucessivamente e dependente das matérias:

1º- A própria LGT;

2º-O Código de Processo Tributário e os demais códigos e leis tributárias, incluindo a lei geral sobre infrações tributárias e o Estatuto dos Benefícios Fiscais;

3º-O Código do Procedimento Administrativo e demais legislação administrativa;

4º-O Código Civil e o Código de Processo Civil.

Isto significa que em parte alguma da LGT se estabelece que as circulares da Autoridade Tributária se aplicam às relações que esta entidade estabelece com os administrados.

A este propósito citam-se Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao já referido art.º 2º in “Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 3ª edição”, que a lei geral tributária visa, como regra, regular exaustivamente as matérias de que trata – juros de mora, responsabilidade subsidiária, fixação de matéria coletável por métodos indiretos, etc., etc. De modo que, qualquer futura alteração nestas matérias, ou deve ser introduzida na própria lei geral ou deve ser vista pelo legislador como uma verdadeira derrogação externa a esta e, como tal, devidamente ponderada e assinalada.

Importante é ainda para o tema em apreço, analisar o regime interpretativo das normas fiscais, o qual encontra sede no art.º 11º da LGT, importando em especial para o caso presente o estatuído nos n.ºs 1 e 4. Assim: 1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis. E n.º 4 As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica.

A este propósito escrevem os autores que temos vindo a seguir (em anotação 1 ao art.º 11º da LGT) que Assim, não se pode, na interpretação, transcender a linguagem, a construção linguística (sintático-formal) para afirmar um significado que não resulte expresso.

E afirma Martins Alfaro (“Revista de Doutrina Tributária”, 3º trimestre de 2004) em nossa opinião, em função do enquadramento normativo que lhes foi conferido pela LGT e pelo CPPT, as orientações administrativas genéricas apenas poderão conter comandos ou enunciados (“statements”) densificadores que sejam operativos em relação aos seus exclusivos destinatários (de um ponto de vista jurídico): os serviços integrados na administração tributária que emitiu a orientação.

E mais adiante: Já quando a parte ou a totalidade da atividade densificadora manifestada nas orientações administrativas genéricas tiver como destinatários os particulares, seja por via explícita, seja porque a densificação só pode operar-se mediante atos do particular e não mediante atos da Administração, entendemos que a orientação genérica é ilegal. Ora, no caso em apreço, a Circular tem perante a lei que visa integrar um caráter derrogatório, criando uma situação tributável com efeitos retroativos. Ora, tal caráter torna a Circular inconstitucional face ao art.º 103º, n.º 2 (relativo á proibição de criação de impostos retroativos) e ao art.º 112º, que consagra o princípio da precedência da lei.


 

Alega a Requerente que a determinação, de forma geral e abstrata, por mera Circular (do método de apuramento dos encargos suportados por SGPS, no âmbito da aquisição das partes de capital detidas, nomeadamente quando os encargos não são afetados de forma direta/específica), por ter consequências claras ao nível da incidência do imposto, viola a reserva de lei formal da Assembleia da República, ferindo os artigos 103.º, n.º 2 e n.º 3 e 165.º, n.º 1 alínea i) da Constituição.

Por seu turno, a AT admite que, num contexto de dificuldade interpretativa como aquele que se subsume ao caso em análise, “por um lado para dar cumprimento à lei” (…) “e, por outro lado, para tentar obviar às dificuldades entretanto surgidas, foi emitida pela DSIRC a Circular 7/2004 de 30.03”. Nessa Circular, que expressamente reconhece “a extrema dificuldade de utilização de um método de afectação directa ou específica”, “e porque é necessário fazer cumprir a lei”, “veio estabelecer um critério, que entendeu ser válido e o mais próximo da realidade empresarial”. A Circular vem dizer que, para determinar quais os encargos financeiros suportados a imputar a cada aquisição de partes sociais, se deveria utilizar uma fórmula deste teor: “os passivos remunerados das SGPS (…) deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição”.

 

A questão que se coloca é de saber se pela Circular 7/2004 da Direção de Serviços de IRC se limitou a interpretar a lei tributária ou se, indo para além da lei, através de uma interpretação extensiva do regime previsto no artigo 31.º do EBF, o desvirtuou, material e formalmente, criando uma nova norma de incidência fiscal, em violação dos artigos 103.º, n.º 2 e n.º 3 e 165.º n.º 1 alínea i) da Constituição.

Analisando o conteúdo da Circular, temos que os seus pontos 6 e 7 dispõem, respetivamente, sobre o exercício em que deverão ser feitas as correções fiscais dos encargos financeiros e o método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros às participações sociais. Isto como interpretação do n.º 2 do artigo 31.º do EBF, na redação dada pela Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro.

Diz a letra do referido artigo 31.º, sob a epígrafe Sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) e sociedades de capital de risco (SCR), o seguinte:

As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS e pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”

 

Por seu turno, o ponto 6 da Circular, dispõe que:

Relativamente ao exercício em que deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, os encargos financeiros, dever-se-á proceder, no exercício a que os mesmos disserem respeito, à correcção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de virem a beneficiar do regime especial estabelecido no n.º 2 do art. 31 do EBF, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a aplicação do regime especial de tributação das mais-valias. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores”.

 

E o ponto 7 estatui que:

Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição”.

 

Visto o teor da Circular sob censura, cumpre apreciar e decidir.

 

O artigo 31.º, n.º 2 do EBF é omisso na explicitação quer do exercício em que deverão ser feitas as correções fiscais, quer do método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros às participações sociais.

O que a lei permite e aquilo que a Constituição impõe à Autoridade Tributária é que na interpretação que faz das normas tributárias se limite a emitir orientações genéricas que preencham conceitos. Extravasa, portanto, a competência da Autoridade Tributária o acrescer de exigências ou a densificação de conceitos, através dos quais se verifica a incidência de imposto. Ato que, a verificar-se, consubstancia, como já acima se deixou expresso, o exercício da função legislativa sob um encapotamento de uma interpretação extensiva da lei.

 

Assim, a Circular n.º 7/2004, ao fixar critérios e métodos, através dos quais se verifica a incidência de imposto, é, na medida em que a sua aplicação reveste eficácia externa, nomeadamente em liquidações corretivas de imposto, inconstitucional, por violação do princípio da legalidade plasmado no artigo 103.º, e da reserva de lei formal constante do artigo 165.º, n.º 1 alínea i), ambos da Constituição. Isto não obstante a mera ilegalidade que sempre resultaria do confronto entre aquela Circular e o artigo 8.º da Lei Geral Tributária.

 

É a própria AT que reconhece, no artigo 73.º da sua contestação “…em casos particulares e de difícil concretização, existir necessidade de recorrer a certos critérios para garantir que essa tributação se verifique”.

O que equivale a conferir o valor de lei à fórmula definida pela Circular, pela Autoridade Tributária.

 

A AT tem o dever de fazer cumprir as normas tributárias, não de as concretizar e, através do uso da integração analógica ou da interpretação extensiva, densificar normas de incidência fiscal, sob o argumento de tornar efetivo o seu cumprimento.

É ilegítima a regulação da incidência de imposto operada pela Circular 7/2004 porque, de uma forma abusiva e no uso do seu poder que é administrativo, maxime executivo, e não legislativo, densifica a estatuição do artigo 31.º, n.º 2, impondo-a, com eficácia externa e vinculativa, aos contribuintes. O que equivale a afirmar-se que esta Circular padece do vício de uma inconstitucionalidade formal, porque violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei da Assembleia da República, tal como previstos nos artigos 165.º, n.º 1 alínea i) e 103.º, n.º 2 da Constituição, e no artigo 8.º, n.º 1 da LGT, bem como do princípio da precedência da lei consagrado no art.º 112º.

 

 

Vai neste sentido a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul e do Supremo Tribunal Administrativo, num caso semelhante relativa à Circular 19/89. Assim, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, proferido no âmbito do processo 02312/08, refere que “a Circular além de ser ilegal por falta de habilitação legal para interpretar extensivamente normas de incidência tributária, seria ilegal, por abusiva desvirtuação de norma comunitária e respectiva transposição ilegal. Nesse sentido, também a referida Circular, ao limitar a norma de incidência seria inconstitucional por violação do disposto no art.° 165.°, n.° 1, alínea i) e no art.° 103.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, ferindo o princípio da separação dos poderes, haveria a Administração Fiscal usurpado as funções do legislador”. Também no mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no processo 0202/08: “Assim, é de concluir que a referida Circular n.º 19/89, no ponto em apreço, é material e organicamente inconstitucional, pois contém uma regra de incidência objectiva de IVA que não foi criada por diploma emanado da Assembleia da República, em matéria que se insere na reserva relativa de competência legislativa da desta (arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, na redacção vidente, a que correspondem os arts. 106.º, n.º 2, e 168.º, n.º 1, alínea i), respectivamente, nas redacções de 1982 e 1989.”

 

Vai também no mesmo sentido João Taborda da Gama, que qualifica como ilegal a concretização, pela Circular n.º 7/2004, do artigo 32.º do EBF, nomeadamente quanto à dedutibilidade de encargos financeiros das SGPS (in Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, Volume III, Coimbra Editora, Setembro de 2011).

 

Considerando, como faz a Requerente, que o artigo 32.º, n.º 3 do EBF consagra o princípio da indedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais que beneficiem de um regime fiscal de isenção para as mais-valias, o mesmo artigo, ao não dispor quanto à forma como se devem concretizar os encargos financeiros associados a estas aquisições, na sua formulação, enquanto norma fiscal, é omisso. Contudo, não cabe ao poder administrativo completar a norma fiscal, por imperativo constitucional, atendendo nomeadamente à reserva de lei formal e ao princípio da legalidade tributária.

Por outro lado, a Autoridade Tributária não pode criar normas fiscais, ou sequer preencher as lacunas da lei, como resulta de outro imperativo, já não constitucional, mas dele decorrente, o artigo 11.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária, ao dispor que “as lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica”.

 

A Circular, ao concretizar a previsão omissa do artigo 32.º do EBF, procede à determinação de incidência de IRC, mais concretamente a exacta medida de dedutibilidade dos gastos suportados pelo contribuinte – medida essa que afecta a medida da tributação do contribuinte. Por esse motivo, a Autoridade Tributária substitui-se ao legislador, desenvolvendo, com carácter inovatório, uma previsão normativa incompleta ou omissa.

A concretização de uma norma de incidência fiscal incompleta ou omissa é feita pelo legislador, por lei da Assembleia da República.

 

Ora, resulta da matéria de facto:

  • Que, atendendo a que com fundamento no n.º 2 do artigo 31.º do EBF, os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não concorrem para a formação do lucro tributável, a Autoridade Tributária aplicou a Circular 7/2004, de 30 de março, nos termos da qual o novo regime é aplicável nos períodos de tributação iniciados após 1 de janeiro de 2003, ainda que relativos a financiamentos contraídos antes daquela data;

  • A afetação dos encargos financeiros às participações sociais foi efetuada com base na metodologia fixada na Circular 7/2004, de 30 de Março, imputando em primeiro lugar os passivos remunerados da SGPS aos empréstimos remunerados concedidos às empresas participadas e a outros investimentos geradores de juros; e afetando o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao custo de aquisição;

 

  1. Em consequência, deve considerar-se que a liquidação de IRC impugnada, efetuada com base na metodologia fixada nessa Circular enferma de vício de violação da Constituição e da lei, na medida em que o apuramento do montante de encargos financeiros não dedutíveis foi efectuado por remissão para uma Circular, a qual, ao desenvolver o conteúdo de uma norma de incidência tributária, viola o princípio da legalidade tributária, o que e justifica a anulação parcial do ato de liquidação de IRC acima identificado, nos termos do artigo 135.º do CPA.

  2. Pelo decidido fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no presente recurso jurisdicional, cfr. n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil.

  3. Em face do exposto, acordam os árbitros que constituem o presente coletivo arbitral em julgar procedente o pedido da Requerente, declarando a ilegalidade da liquidação sub judice e a consequente anulação parcial do ato tributário em causa.


 

Fixa-se o valor da causa em €182.620,00.


 

Custas pela Requerida, cfr. artigos 12.º n.º 2 e 22.º n.º 4 do RJAT e 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.


 

Lisboa, 21 dezembro de 2012


 

Os Árbitros


 

Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros 
Dr. Luís M. S. Oliveira
Prof. Doutor João Catarino