Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 488/2016-T
Data da decisão: 2017-03-20  Selo  
Valor do pedido: € 6.500,00
Tema: Imposto de Selo - Aquisição de imóvel por usucapião.
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Decisão Arbitral

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 2.08.2016, os  Requerentes, A…, divorciada, com o  número  de identificação fiscal…, residente na rua …, nº…, …, …, em …; B…, viúvo, com o  número  de identificação fiscal…, residente na Rua…, nº…, em … e C…, casada, com o  número  de identificação fiscal  …, residente na rua …, nº…, …, …, em …, requereram ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação  das seguintes liquidações de imposto de selo, efetuadas com fundamento em aquisição de imóvel  por usucapião:

1)Tendo como sujeito passivo a primeira Requerente, com base na matéria coletável de 32.242,12 €, a liquidação no valor de 3.224,21 €, a pagar em dez prestações mensais de 322,43 € cada qual, com data limite de pagamento da primeira prestação em 30.09.2015, com a possibilidade de a Requerente beneficiar de desconto no valor de 435,27 € em caso de pronto pagamento.

2)Tendo como sujeito passivo o segundo Requerente, com base na matéria coletável de 24.181,59 €, a liquidação no valor de 2.418,16 €, a pagar em dez prestações mensais, sendo a primeira de 241,87 € e as restantes nove de 241,81 €, cada qual, com data limite de pagamento da primeira prestação em 30.09.2015, com a possibilidade de a Requerente beneficiar de desconto no valor de 326,44 €, em caso de pronto pagamento.

3)Tendo como sujeito passivo a terceira Requerente com base na matéria coletável de 8.060,53 €, a liquidação no valor de 806,05 €, a pagar na totalidade até 30.09.2015.

Os Requerentes peticionam, ainda, a declaração de ilegalidade do indeferimento tácito das reclamações graciosas que apresentaram contra as referidas liquidações.

 

A primeira e o segundo Requerentes, alegando terem já pago prestações das liquidações que lhe foram efetuadas peticionam, ainda, o reembolso de tais quantias, acrescidas de juros indemnizatórios.

A terceira Requerente, alegando ter pago a totalidade do imposto que lhe foi liquidado pede, ainda, o reembolso da quantia em causa, acrescida dos respetivos juros indemnizatórios.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 04-11-2016.

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese e no essencial, os seguintes:

 

  1. No ano de 1991, por escritura publica de compra e venda a primeira e segundo Requerentes, e respetivos cônjuges, adquiriram em comum, dois terços de um prédio rústico designado por … na Freguesia de …, concelho de … inscrito na respetiva matriz cadastral sob o artigo …, da secção … a ….

 

  1. Por esta aquisição foi liquidado imposto de sisa, pela Repartição de Finanças de … .

 

  1. A terceira autora adquiriu o direito de propriedade no ano de 2015, por sucessão hereditária por óbito de sua mãe D… .

 

  1. Logo no ano de 1991, os 1º e 2ª autores e demais comproprietários do prédio do prédio em causa, procederam à divisão do mesmo, verbalmente.

 

  1. No dia 6.05.2015, os Requerentes realizaram uma escritura pública de justificação e divisão do prédio por usucapião.

 

  1. A Requerida em notificação de 29 de Janeiro de 2016 veio reconhecer os Requerentes como titulares inscritos do art. ..., secção …-… e que a desanexação requerida deu origem à inscrição de dois novos prédios.

 

  1. Ainda em data anterior (Agosto de 2015) a AT notificou os Requerentes da Liquidação de imposto de selo relativo à “transmissão gratuita” com referência a “aquisição por usucapião”.

 

  1. Os Requerentes não podem aceitar pagar novamente imposto pela aquisição da propriedade quando na verdade aquilo que tinham justificado por escritura pública era uma divisão, sendo certo que não necessitavam de qualquer justificação para o direito de propriedade, titulado pela escritura publica de compra e venda oponível erga omnes, e inscrito no Registo Predial.

 

  1. Os autores adquiriram validamente o direito de propriedade por escritura publica de compra e venda, conforme decorre da aplicação do disposto nos artigos 874º e 875º do Código Civil e por essa razão não podiam adquirir uma parte da terra que já era sua pelo que não houve qualquer transmissão gratuita, por via da escritura de justificação pelo que as liquidações são ilegais e, em consequência, devem ser anuladas.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

  1. Os ora Requerentes anteriormente à escritura pública de justificação por usucapião, eram comproprietários em comum e sem determinação de parte ou direito do prédio original.

 

  1. que não se pode confundir com a “aquisição” da propriedade plena do novo prédio

desanexado do original.

 

  1. Esta escritura pública de justificação por usucapião foi o facto jurídico relevante que originou as liquidações ora impugnadas.

 

  1. Os Requerentes ao lançar mão de uma escritura pública de justificação por usucapião a fim de proceder à divisão de coisa comum, obtiveram a autonomização de um prédio novo que ficou descrito na Matriz predial com o n.º… da Secção … a …, freguesia de …– …, donde resultaram novos direitos e obrigações da propriedade plena, diversa da compropriedade em que se encontravam em referência ao artigo … da mesma secção e freguesia.

 

  1. Atento o seu carácter originário, as aquisições por usucapião nunca são verdadeiras

transmissões, pois o usucapiente não sucede nos direitos dum qualquer anterior titular do direito de propriedade (bem como de qualquer outro direito real do gozo) sobre o bem adquirido por usucapião.

 

  1. Daí que a aquisição por usucapião nunca seja considerada como gratuita nem como onerosa, como decorrência do seu carácter originário e não derivado, dado não ser necessário ter subjacente qualquer fonte contratual.

 

  1. Ora, a partir da entrada em vigor do Código de Imposto de Selos, as aquisições por usucapião passaram a ser tributadas, porque incluídas nas respetivas regras de incidência objetiva (n° 1 do art. 1° conjugado com a parte final da alínea a) do n" 3 do mesmo preceito, do Código em causa) e, com base na alínea r) do art. 5° do mesmo Código, o momento do nascimento da obrigação de Imposto ocorreu, in casu, na data da escritura de justificação ou seja, em 26/05/2015.

 

  1. Ou seja, o legislador "ficcionou" a aquisição por usucapião como transmissão gratuita de um bem, pois incluiu-a nesta categoria jurídica, ideia que é reforçada com o disposto na verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

  1. Em suma, o ato em crise não padece de qualquer ilegalidade.

 

 

5. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

As partes apresentaram alegações escritas em que, no essencial, reiteraram as posições e os argumentos já apresentados no pedido de pronúncia arbitral e na resposta.

 

6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

7. Cumpre solucionar as seguintes questões:

  1. Se os atos de liquidação sub judice padecem do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto ou  de direito.
  2. Se, em caso de anulação das liquidações, deve ser a Requerida condenada a restituir à requerente os montantes alegadamente pagos com juros indemnizatórios à taxa legal.

 

 

II – A matéria de facto relevante

 

8. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. No dia 5.02.1991, por escritura publica de compra e venda celebrada no … Cartório Notarial de …, E… e mulher A…, casados no regime da comunhão de adquiridos e B… e mulher D…, também casados no regime da comunhão de adquiridos  compraram, em comum, pelo preço de trinta e seis milhões e quinhentos mil escudos a F…, G… e mulher, H… e a I… e mulher J…, dois terços indivisos de um prédio rústico , com a área total de trezentos e seis hectares, três mil cento e cinquenta metros quadrados, sito ao … na Freguesia de…, concelho de …, inscrito na respetiva matriz cadastral sob o artigo …, da secção … a …, com o valor patrimonial correspondente à fração de cinco milhões cento e treze mil  e noventa e dois escudos.

 

  1. Por esta aquisição foi liquidado imposto de sisa, pela Repartição de Finanças de … .

 

  1. No dia 6.05.2015, no Cartório Notarial de …, A…, divorciada, B…, viúvo e C…, casada sob o regime da comunhão de adquiridos com K…, outorgaram em escritura de justificação notarial, em que declararam que, com exclusão de outrem, são legítimos possuidores, na proporção de metade para A… e de metade para B… e  C…, em comum e sem determinação de parte ou direito do prédio rústico sito em “…” ou “…” ou “…”, freguesia de …, concelho de …,  com a área de um milhão oitocentos e setenta e seis mil cento e cinquenta metros quadrados, inscrito na matriz sob parte do artigo …, secção …-…, e que logo no ano de 1991 a A… e E…, então seu marido e B… e sua mulher D…, entretanto falecida e demais comproprietários do prédio do prédios rústico inscrito na matriz sob o artigo…, secção …-…, procederam entre si e de comum acordo à divisão e demarcação do prédio objeto da escritura da justificação, e que, assim, desde o ano de 1990, que A… e seu marido, e ela após a data do seu divórcio e A… e sua mulher D…, até ao falecimento desta em cuja posse acederam os seus herdeiros B…, seu viúvo e C…, sua filha, vinham possuindo o identificado prédio, não em regime de compropriedade mas sim exercendo a posse sobre o imóvel objeto da escritura de justificação, sem interrupção, sem violência e sem oposição de quem quer que seja, ostensivamente, à vista e com conhecimento de toda a gente, traduzida em atos materiais de fruição, agindo sempre por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade e que esta posse em nome próprio, pacífica, contínua, pública e de boa fé, há mais de vinte anos, o que conduziu à aquisição do prédio já dividido por usucapião, que invocaram, pois dada a forma de divisão verbal não tinham os justificantes documento comprovativo da mesma, nem possibilidade de a obter pelos meios extrajudiciais normais.

 

  1. Com referência à da escritura de justificação identificada, os Requerentes efetuaram para efeitos de imposto de selo as participações números …, … e … (1ª Requerente, 2º e 3ª, respetivamente) tendo na sequência das mesmas a Requerida efetuado, em 10.07.2015, com fundamento em aquisição por usucapião, as seguintes liquidações de imposto de selo:

1-Tendo como sujeito passivo a primeira Requerente, com base na matéria coletável de 32.242,12 €, a liquidação no valor de 3.224,21 €, a pagar em dez prestações mensais de 322,43 €, com data limite de pagamento da primeira prestação em 30.09.2015, com a possibilidade de a Requerente beneficiar de desconto no valor de 435,27 € em caso de pronto pagamento.

2-Tendo como sujeito passivo o segundo Requerente, com base na matéria coletável de 24.181,59 €, a liquidação no valor de 2.418,16 €, a pagar em dez prestações mensais, sendo a primeira de 241,87 € e as restantes nove de 241,81 €, cada qual, com data limite de pagamento da primeira  prestação em 30.09.2015, com a possibilidade de a Requerente beneficiar de desconto no valor de 326,44 €, em caso de pronto pagamento.

3-Tendo como sujeito passivo a terceira Requerente com base na matéria coletável de 8.060,53 €, a liquidação no valor   de 806,05 €, a pagar na totalidade até 30.09.2015.

 

  1. Em 25.01.2016 as 1ª e 3ª Requerentes apresentaram reclamação graciosa contra as liquidações que lhe foram efetuadas.

 

  1. Em 27.01.2016 o 2º Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação que lhe foi efetuada.

 

  1. Em 16.02.2016 a Requerida notificou os Requerentes do projeto de indeferimento das reclamações graciosas.

 

  1. Em 2.03.2016, os Requerentes exerceram o direito de audição relativamente ao projeto de indeferimento das reclamações graciosas.

 

  1. Até à data de apresentação do pedido de pronúncia arbitral os Requerentes não foram notificados da decisão das reclamações graciosas.

 

  1. A primeira Requerente, não tendo optado por pagar a pronto o valor da liquidação, pagou duas prestações da mesma, em 29.09.2015 e 27.03.2016, no valor de 322,43 e 322,42€, respetivamente.

 

  1. O segundo Requerente, não tendo optado por pagar a pronto o valor da liquidação, pagou três prestações da mesma, em 28.09.2015, 31.03.2016 e 18.02.2017, no valor de 241,87 primeira e 241,81€, as segunda e terceira.

 

  1. A terceira Requerente pagou em 30.09.2015, a totalidade do imposto no valor de 806,05 €.

 

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados

 

9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram objeto de qualquer impugnação pelas partes, designadamente as escrituras publicas identificadas, notificações das liquidações impugnadas, copias das reclamações graciosas, notificações do projeto de indeferimento das mesmas, documento comprovativo do exercício do direito de audição prévia pelos Requerentes e documentos comprovativos dos pagamentos.

 

-III- O Direito aplicável

 

O artigo 1º do Código de Imposto de selo (doravante “CIS”) estabelece o seguinte:

1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.

2 – (…).

3 - Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto:

a) Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião;

 

Por sua vez, a verba 1.2 da tabela geral do imposto do selo tem a seguinte redação:

Aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião, a acrescer, sendo caso disso, à da verba 1.1 sobre o valor 10%

 

 

 

 

Por outro lado, no art. 5º do CIS, determina o seguinte:


1 - A obrigação tributária considera-se constituída:

(…)

r) Nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial, for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial;

Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2.05.2012, proc. 0746/11[1]:

“quando o legislador veio, no art. 1º, nº 3, do CIS, dizer que para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral são consideradas transmissões gratuitas, designadamente a “aquisição por usucapião”, não ignorava que a usucapião não consubstancia uma aquisição translativa da propriedade, nem quis alterar essa natureza. O objectivo do legislador, visando alargar a base de incidência objectiva do imposto, foi o de equiparar, para efeitos de imposto de selo, a usucapião às transmissões gratuitas. Trata-se, por conseguinte, de uma ficção legal para efeitos fiscais.”

 

Pode também ler-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9.07.2014, proc. 0269/14[2]:

“A usucapião é uma aquisição originária do direito de propriedade reconhecida àqueles que tiverem durante um lapso de tempo a posse do bem imóvel – artº 1287º do Código Civil –“

 

No caso dos autos, por escritura celebrada em 1991 E… e mulher A…, casados no regime da comunhão de adquiridos e B… e mulher D…, casados no regime da comunhão de adquiridos compraram, em comum, por compra, dois terços indivisos de um prédio rústico, com a área total de trezentos e seis hectares, três mil cento e cinquenta metros quadrados, sito ao … na Freguesia de …, concelho de …, inscrito na respetiva matriz cadastral sob o artigo …, da secção … a … .

 

Por outro lado, os ora Requerentes, por escritura de justificação notarial celebrada em 2015, com fundamento em usucapião, que expressamente invocaram naquele ato notarial para efeitos aquisitivos, tornaram-se proprietários,  na proporção de metade para A… e de metade para B… e  C… em comum e sem determinação de parte ou direito dum prédio rústico sito em “…” ou “…” ou “…”, freguesia de …, concelho de …,  com a área de um milhão oitocentos e setenta e seis mil cento e cinquenta metros quadrados, inscrito na matriz sob parte do artigo…, secção … -… .

 

Os Requerentes sustentam que  já haviam adquirido validamente o direito de propriedade do prédio rústico objeto da escritura de justificação notarial, pela escritura  publica de compra e venda celebrada em 1991, conforme, no seu entender, decorre da aplicação do disposto nos artigos 874º e 875º do Código Civil e por essa razão não podiam adquirir pela escritura de justificação notarial outorgada em 2015, uma parte da terra que já era sua  pelo que, na sua perspetiva, não ocorreu o facto tributário previsto no art. 1º, nºs 1 e 3, do Código de Imposto de Selo e verba 1.2 da respetiva tabela geral.

 

Vejamos.

Objetivamente, o imóvel e o direito transmitido pela escritura pública de compra e venda celebrada em 1991 não coincide com o imóvel e o direito de propriedade objeto da escritura de justificação outorgada em 2015.

Na verdade, o imóvel objeto da escritura de compra e venda foi um prédio rústico, com a área total de trezentos e seis hectares, três mil cento e cinquenta metros quadrados e o direito transmitido foi dois terços indivisos do mesmo. O imóvel objeto da escritura de justificação notarial por usucapião foi um prédio rústico com a área de milhão oitocentos e setenta e seis mil cento e cinquenta metros quadrados (187,615 hectares) e o direito aí constituído foi a totalidade do mesmo para os justificantes e não, obviamente, dois terços, conforme havia sido adquirido através da escritura publica de compra e venda celebrada em 1991)

Assim, manifestamente, não se está perante o mesmo direito. De resto só assim se compreende a necessidade de recorrer à aquisição por usucapião titulada pela escritura  pública  de justificação celebrada no ano de  2015. Por esta  os Requerentes adquiriram, juridicamente,  um direito   de que anteriormente, obviamente, não eram  titulares, quer na perspetiva do imóvel em si, quer na perspetiva da alíquota que detêm sobre o mesmo.[3]

Assim sendo, falece a argumentação dos Requerentes, não podendo a pretensão anulatória dos Requerente deixar de improceder.

 

Acresce que, independentemente das razões que se acabam de expor, uma outra razão que que se prende com a não coincidência parcial entre as pessoas que adquiram os direitos objeto da escritura de 1991 e as que adquiriram os direitos objeto da escritura de justificação de 2015, sempre fazia soçobrar a tese de que o direito justificado já havia sido adquirido pelos justificantes pela escritura de compra de 1991 e consequentemente, à improcedência da pretensão dos Requerentes.

 

Com efeito, na escritura de compra e venda de 1991 intervieram como compradores E… e mulher A…, casados no regime da comunhão de adquiridos pelo que o direito adquirido, quer por força da intervenção na escritura, quer por força do regime de bens, ingressou na esfera jurídica de ambos.

Diferentemente, na escritura de justificação só interveio como justificante A…, no estado civil de divorciada. Também por esta razão carece de sustentação a tese de que o direito justificado já existia na esfera jurídica dos Requerentes face à escritura de compra e venda uma vez que, à luz daquela escritura, metade do direito adquirido pertencia em comum a ambos os cônjuges e, diferentemente, pela escritura de justificação a E… não foi atribuído qualquer direito.[4]

 

Improcedendo a pretensão anulatória dos Requerente, improcedem, em consequência os pedidos de restituição dos impostos pagos, bem como de juros indemnizatórios.

 

-IV- Decisão

 

Assim, decide o Tribunal arbitral julgar totalmente  improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

 

Valor da ação: 6.500 € (seis mil e quinhentos euros) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pelos Requerentes, no valor de 612 € (seiscentos e doze euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, CAAD, 20.03.2017

 

 

O Árbitro

 

Marcolino Pisão Pedreiro

                       

 



[1] Consultável em www.dgsi.pt.

[2] Também consultável em www.dgsi.pt.

[3] Os factos dos  autos são, pois, diversos  da matéria de facto no processo sobre que incidiu o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 18.09.2014 (proc. 00635/07.0BEBRG), mencionado pelos Requerentes, onde se pode ler” quando em 03/02/2006 os Recorrentes outorgam uma escritura pública de justificação, não poderiam adquirir novamente o mesmo direito de propriedade por usucapião, uma vez que o direito de propriedade já havia sido adquirido anteriormente por compra e venda. Aliás, nem foi esse o objectivo da outorga da escritura, mas tão-somente reatar o trato sucessivo e proceder ao registo do prédio a seu favor para efeitos do art. 34.º do Código do Registo Predial.

O que se realmente pretendeu, e que aliás também resulta da escritura pública de 03/02/2006, e de resto é dado como provado nos autos, foi “[ú]nica e exclusivamente com o fim de reatar o trato sucessivo e proceder ao registo a seu favor, junto da Conservatória do Registo Predial…”.

Torna-se, aliás, necessário distinguir os casos de justificação por usucapião para obtenção de primeira inscrição no registo (como é o caso dos autos) ou para estabelecimento de novo trato sucessivo, dos casos em que se trata apenas de reatar o trato sucessivo (caso do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 18.09.2014)  pois, como escreve Fernando Neto Ferreirinha “Aos notários incumbe apenas, como dissemos, liquidar o imposto do selo do n.º 15.1 da Tabela na altura da realização da escritura, nada tendo a ver com a liquidação do selo desta verba n.º 1.2., a que só estão sujeitos os justificantes das escrituras para obter a primeira inscrição ou para estabelecimento de novo trato sucessivo, com invocação da usucapião, não os justificantes das escrituras para reatamento do trato sucessivo.”( Trabalho apresentado no Congresso de Direitos Reais, realizado na Faculdade de Direito de Coimbra, em 28 e 29 de Novembro de 2003, no âmbito das  Comemorações dos 35 Anos do Código Civil,  https://www.google.pt/?gws_rd=ssl#q=reatamento+do+trato+sucessivo&*)

 

[4] Refira-se que o ato de justificação notarial não constitui juridicamente uma divisão. A escritura em causa, constitui titulo aquisitivo por usucapião do prédio rústico prédio rústico sito em “…” ou “…” ou “…”, freguesia de …, concelho de …, com a área de um milhão oitocentos e setenta e seis mil cento e cinquenta metros quadrados, inscrito na matriz sob parte do artigo…, secção …-… para os Requerentes, mas não o constitui para os demais comproprietários do primitivo prédio rústico, relativamente à parte remanescente. Nem tal poderia ocorrer dado que nem todos os demais comproprietários intervieram na escritura mas apenas uma o fez e na mera qualidade de declarante.

De resto, caso se estivesse perante uma divisão, tal constituiria facto tributário para efeitos de IMT face ao art. 2º, nº 5, al. c) do Código do Imposto Municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, a que, evidentemente, não é feita qualquer referência no ato notarial em questão.