Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 476/2016-T
Data da decisão: 2017-01-24  Selo  
Valor do pedido: € 111.387,04
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. José Nunes Barata e Dr. André Bacelar Gonçalves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 04-11--2016, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

            A… - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, NIPC…, gerido e representado por B…, S.A., com sede em Lisboa, na …, nº… –…, …-… Lisboa, com o número único de matrícula e pessoa colectiva …, doravante designado como “Requerente”, veio nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 alínea a), e 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, diploma que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ("RJAT"), apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral para apreciação da legalidade das liquidações de imposto do selo (IS), referentes ao ano de imposto de 2015, no valor total de 111.387,04€, que respeitam a três prédios urbanos propriedade do Fundo, que são parcelas de terreno para construção sitas nos concelhos de Loulé, freguesia de … e ainda em Cascais, freguesia de união de freguesias de … e …, a saber: notas de liquidação n.º 2016…, no valor de 50.807,67 € e 2016…, no valor de 48.224,97 € (…) e nota de liquidação n.º 2016…, no valor de 12.354,40 € (… e …).

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 05-09-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 19-10-2016, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 04-11-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando excepções de incompetência material do Tribunal Arbitral e/ou impropriedade do meio utilizado, por entender, em suma, que o Tribunal Arbitral não pode apreciar as questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente nem por pronunciar-se sobre o valor patrimonial dos prédios, que entende que a Requerente quer sindicar. Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende a improcedência dos pedidos.

Por despacho de 13-012016 foi dispensada a realização de reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações.

A Requerente apresentou alegações e a Autoridade Tributária e Aduaneira veio dizer que não as pretendia apresentar.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar prioritariamente as questões de incompetência suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

2. Questão da incompetência do tribunal arbitral para apreciar as questões de inconstitucionalidade suscitadas ou da impropriedade do meio processual utilizado

 

O artigo 204.º da CRP estabelece que «nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados».

Na mesma linha, o artigo 2.º, n.º 2, do ETAF de 2015, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, estabelece que «nos feitos submetidos a julgamento, os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados».

Destas normas decorre que todos os tribunais, inclusivamente os tribunais arbitrais (previstos no artigo 209.º, n.º 2, da CRP) são competentes para apreciar a inconstitucionalidade das normas que tenham de ser aplicadas nas suas decisões.

«Como garantes da constituição, os tribunais são todos iguais e todos têm o mesmo peso na fiscalização judicial da constitucionalidade. Precisamente por isso, no âmbito da actividade jurisdicional, eles têm, em razão da sua competência, o dever de examinar se as normas relevantes para a decisão da questão substituída à sua apreciação estão ou não em conformidade com as normas e princípios constitucionais. Por outras palavras: a questão ou questões constitucionais que se colocam na decisão do caso a resolver pelos tribunais devem ser por eles conhecidas e respondidas». «Um corolário lógico de todas estas dimensões do dever de exame de actos normativos eventualmente aplicáveis nos feitos submetidos a julgamentos é o da garantia de uma decisão judicial em conformidade com a constituição no caso concreto («feito»). A garantia desta decisão judicial pode e obter-se através de vários esquemas processuais, mas, no direito constitucional português, ela pressupõe que o juiz da causa examine e conheça a questão de inconstitucionalidade e decida o caso em consonância com o juízo por ele feito sobre esta questão». ( [1] )

Trata-se da fiscalização concreta da inconstitucionalidade, prevista no artigo 280.º da CRP, de natureza incidental, a ter lugar no processo em que as questões são suscitadas e com efeito a ele restritos, que difere da fiscalização abstracta, a que se refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, que é da exclusiva competência do Tribunal Constitucional, através de meio processual próprio, nos termos do artigo 281.º da CRP.

Por outro lado, a circunstância de o princípio da legalidade obstar a que a Administração Tributária fiscalize a inconstitucionalidade das normas a aplica e esteja obrigada a aplicar normas inconstitucionais «a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante violação de normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP)» ( [2] ), o que é corolário do princípio da separação dos poderes, não implica que os tribunais tenham idêntico impedimento de fiscalização da constitucionalidade das normas que devam ser aplicadas nas suas decisões, pois é a própria Constituição, em concretização desse mesmo princípio da separação dos poderes, que atribui aos tribunais o poder/dever de efectuarem tal fiscalização dos actos normativos praticados pelos órgãos com poder legislativo.

No caso em apreço, como resulta do teor literal dos pedidos formulados, as questões de inconstitucionalidade e desaplicação da norma da verba 28.1. da TGIS são suscitadas com natureza incidental [pedido formulado na alínea a) do petitório], como pressuposto dos pedidos de anulação dos actos tributários impugnados [pedido b)] e de restituição dos valores arrecadados acrescidos de juros [pedido c)].

Por isso, não é pedida a este Tribunal Arbitral a fiscalização abstracta da constitucionalidade, que visa a sua declaração de ilegalidade sem conexão com qualquer acto Administrativo ou tributário que só é permitida ao Tribunal Constitucional em processo próprio, mas sim uma pronúncia de natureza incidental, conexionada com actos tributários determinados, que todos os tribunais devem fazer, mesmo oficiosamente, por força do artigo 204.º da CRP, relativamente a todas as normas que devam aplicar e sobre cuja constitucionalidade se suscitem dúvidas.

A violação da Constituição pelas normas aplicadas num acto tributário constitui ilegalidade e este Tribunal Arbitral que tem competência para apreciar todas as questões de legalidade de actos de liquidação, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, pelo que tem necessariamente competência para apreciar as questões de inconstitucionalidade suscitadas, com efeitos restritos ao presente processo.

Na verdade, a violação da Constituição por um acto de liquidação constitui uma ilegalidade geradora de vício que o afecta ( [3] ) e, por isso, é susceptível de ser apreciada em processo arbitral, como qualquer outra, pois o artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do RJAT não afasta das competências dos tribunais arbitrais a declaração de tais ilegalidades.

Por outro lado, sendo claro que o processo de impugnação judicial é meio processual adequado para a apreciação de ilegalidades derivadas da aplicação de normas inconstitucionais ( [4] ) e sendo, em princípio, o processo arbitral um meio alternativo ao processo de impugnação judicial (artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 3 de Abril), também poderá no processo arbitral ser efectuada essa apreciação quando não exista norma especial que restrinja que afaste a sua competência.

Improcedem, assim, estas excepções de incompetência e/ou inidoneidade do meio processual.

 

3. Questão da incompetência por estar em causa apreciação da avaliação de prédios ou a determinação da natureza de prédio

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente por a Requerente pretender «que em face da liquidação seja sindicada a avaliação do prédio em causa que consubstancia o facto tributário que se subsume à liquidação de imposto de selo em causa».

Entende a Requerente que «a natureza de um prédio (que é aquilo que mediata ou imediatamente pretende ver aqui questionado a Requerente) não é passível de ser discutida em sede arbitral, para tal existem procedimentos próprios constantes no normativo jurídico-fiscal, ademais, e como já vem ante referido, a natureza do prédio está fixada documentalmente nos autos» e que «os factos sobre os quais a Requerente pretende agora questionar, sem que o tenha feito tempestivamente e em sede própria, deixando precludir todos os prazos que tinha ao seu dispor, estão sedimentados na ordem jurídica».

Porém, a Requerente pede apenas que se declare a ilegalidade das liquidações e não de quaisquer actos de avaliação dos prédios em causa.

Na verdade, a Requerente não pretende que os prédios, em vez de terem o valor que consta das matrizes prediais, tenham qualquer outro, nem pede a correcção destas.

Por outro lado, a verba 28.1 nem sequer utiliza o conceito de «terrenos para construção com afectação habitacional» que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere constar das cadernetas prediais e considera ser insindicável, pois refere, antes, «terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI», o que é um conceito autónomo, especificamente utilizado nesta norma da TGIS.

Isto é, no que concerne aos «terrenos para construção com afectação habitacional» definida na respectiva matriz, a que se reporta a Autoridade Tributária e Aduaneira, não está em causa no presente processo saber devem ou não ser avaliados como tendo tal afectação, mas sim apurar se a verba 28.1 tem como objectivo tributar em Imposto do Selo terrenos com as características que se demonstre que têm os referidos nos autos.

Por outro lado, é manifesto que a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem razão ao defender que não podem ser apreciadas em processo arbitral impugnações de actos que fixam valores patrimoniais, pois no artigo 2.º, n.º 2, alínea b), do RJAT prevê-se expressamente a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para «a declaração de ilegalidade ... de actos de fixação de valores patrimoniais».

Por isso, se a Requerente pretendesse impugnar actos de avaliação dos prédios, o que não acontece, o Tribunal Arbitral seria materialmente competente.

E ainda, se a Requerente pretendesse impugnar actos de avaliação, seria também clara a adequação do processo de impugnação judicial, pois é o meio próprio para impugnar actos de fixação de valores patrimoniais ou de correcções de inscrições matriciais, como decorre da inserção do artigo 134.º do CPPT no seu Capítulo II do Título III, referente ao processo de impugnação judicial. Isto é, o campo do processo de impugnação judicial não é definido apenas pela alínea a), do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, mas abrange (além de impugnação de vários outros actos), «a impugnação dos actos de fixação de valores patrimoniais», referida na alínea f) do mesmo número.

Por isso, sendo o processo arbitral um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, quanto à impugnação dos actos indicados no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, com as excepções previstas na Portaria n-.º 112-A/2011, de 22 de Março, é claro que não há qualquer obstáculo à apreciação da legalidade de actos de avaliação de imóveis.

Pela mesma razão de não estar em causa a impugnação de acto de fixação de valores patrimoniais, não tinham que ser utilizados previamente quaisquer meios graciosos previstos no procedimento de avaliação, a que se refere o n.º 7 do artigo 134.º do CPPT.

De qualquer modo, não pedindo a Requerente que seja declarada a ilegalidade de qualquer acto de fixação de valores patrimoniais nem a correcção de matrizes, improcede esta excepção de incompetência.

 

 

4. Matéria de facto

 

4.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  • O A…- FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO tem como actividade a urbanização de imóveis sitos em …, no concelho de Loulé, e em Cascais;
  • O A… era proprietário à data de 31-12-2015 dos seguintes prédios urbanos – terrenos para construção:

– artigo …, com o valor patrimonial tributário actual de 5.080.766,67 €, situado na freguesia de …, concelho de Loulé;

– artigo …, com o valor patrimonial tributário actual de 4.822.497,13 €, situado na freguesia de …, concelho de Loulé;

– artigo …, com o valor patrimonial tributário actual de 1.235.440,00 € (ex- artº … freguesia de…) situado na União de freguesias de … e … (ex.- freguesia de…) (Documentos n.ºs 4, 5 e 6, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

  • Os prédios urbanos de …- terrenos para construção -, não se encontravam construídos ou em construção à data de 31-12-2015, nem resultam de qualquer loteamento prévio de parcelas;
  • A Câmara Municipal de … não emitiu até 31-12-2015, qualquer despacho ou deliberação final do pedido de loteamento dos prédios urbanos de … ali pendente sob o nº …/… /2004;
  • O prédio urbano de …- terreno para construção - não se encontrava construído ou em construção na data de 31-12-2015, nem resulta de qualquer loteamento prévio de parcelas;
  • A Câmara Municipal de … não emitiu até 31-12-2015, qualquer despacho ou deliberação final de qualquer pedido de operação urbanística (informação prévia, licenciamento, comunicação prévia) e por maioria de razão, qualquer alvará de loteamento ou construção, referente ao prédio urbano de … ora em causa, de que decorra a permissão para qualquer operação urbanística;
  •  O A… foi notificado das liquidações de Imposto do Selo (IS) respeitantes ao ano de imposto de 2015, para os prédios em causa, as quais constam das notas de liquidação n.º 2016…, no valor de 50.807,67 € e 2016…, no valor de 48.224,97 € (…) e nota de liquidação n.º 2016…, no valor de 12.354,40 € (u. … e …), num total de 111.387,04€ (documentos n.ºs 1 a 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  • Em todas as liquidações se indica como data limite de pagamento voluntário Abril de 2016;
  • Em Abril de 2016, a Requerente pagou as primeiras prestações das liquidações referidas (documentos n.ºs 7 a 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  • O A… foi notificado para pagar as segundas e terceiras prestações das liquidações referidas, sendo indicadas nas notificações como datas limite de pagamento Julho de 2016, para as segundas prestações e Novembro de 2016 para as terceiras prestações (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral e documentos apresentados em 03-01-2017, cujos teores se dão como reproduzidos);
  • Em Julho de 2016, o A… pagou as segundas prestações das liquidações referidas (documentos apresentados em 04-01-2017);
  •  Em Outubro de 2016, o A… pagou as terceiras prestações das liquidações referidas (documentos apresentados em 03-01-2017);
  • Do sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira constam as fichas de avaliação juntas com a sua Resposta, cujos teores se dão como reproduzidos, em que se refere, além do mais, relativamente aos «ELEMENTOS DE TERRENO PARA CONSTRUÇÃO» o seguinte:

Prédio com o artigo matricial …

Prédio com o artigo matricial n.º …

 Prédio com o artigo matricial n.º …

 

  • Nas cadernetas prediais dos três prédios referidos, cujas cópias foram juntas com a Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira e cujos teores se dão como reproduzidos, é indicado, além do mais o «Tipo de coeficiente de localização: Habitação»;
  • Na declaração Modelo 1 de IMI apresentada para inscrição do prédio com o artigo matricial n.º…, que foi junta com a Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira e cujo teor se dá como reproduzido, refere-se nos «Documentos anexos», o seguinte:

  • Na declaração Modelo 1 de IMI apresentada para inscrição do prédio com o artigo matricial n.º…, que foi junta com a Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira e cujo teor se dá como reproduzido, refere-se nos «Documentos anexos», o seguinte:

  •  Na declaração Modelo 1 de IMI apresentada para inscrição do prédio com o artigo matricial n.º…, que foi junta com a Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira e cujo teor se dá como reproduzido, refere-se nos «Documentos anexos», o seguinte:

  • Em 08-03-2016, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

 

2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, com a Resposta e requerimentos posteriores apresentados pela Requerente.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não juntou aos autos processo administrativo.

 

2.3. Factos não provados

 

Não se apurou que exista, quanto aos prédios com os artigos matriciais n.ºs … e … exista qualquer acto ou documento definindo as características dos edifícios que poderão ser construídos nos terrenos, designadamente o fim a que se destinam.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito

 

O primeiro vício que a Requerente imputa às liquidações impugnadas é o de enfermar de vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

As liquidações de Imposto do Selo impugnadas são referentes ao ano de 2015 e têm por fundamento a verba 28.1 da TGIS.

A verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, vigente no ano de 2015, estabelece o seguinte:

 

28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 

28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %

 

 Como se vê pelo texto destas normas vigente em 2015, há erro da Autoridade Tributária e Aduaneira ao pretender definir o âmbito de incidência desta verba 28 da TGIS com utilização do conceito de «prédios com afectação habitacional», que era utilizado na verba 28. da TGIS na redacção inicial, introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, mas não tem correspondência nos textos vigentes.

Por outro lado, no que concerne a terrenos para construção, que é o que interessa no caso em apreço, o âmbito de incidência é actualmente definido através do conceito de «terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI», que não tem qualquer correspondência textual com aquele conceito de «afectação» (nem se entrevê que a possa ter materialmente, pois um terreno, só por si, não está, por natureza afecto a habitação, só a podendo ter um hipotético prédio que nele seja construído).

Na verdade, como bem defende a Requerente, o CIMI¸ para que remete a parte final daquela verba 28.1 da TGIS, trata a avaliação dos terrenos para construção por referência a uma aptidão futura de construção, nunca utilizando a expressão «afectação», valorizando os terrenos em função de um destino futuro e hipotético, computando a área de implantação e da área do terreno livre da edificação que venha a ser possível, recorrendo para esse cálculo aos elementos referidos no artigo 37.º do CIMI (que são alvará de loteamento e, caso não exista loteamento, alvará de licença de construção, projecto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva) e, no caso deste último documento, quando nele apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.

Por isso, não tem suporte na legislação vigente procurar definir a incidência daquela verba 28.1, no que concerne a terrenos para construção, através de uma imaginária correspondência de referências a «afectação» utilizadas na TGIS e no CIMI.

Por outro lado, embora a Autoridade Tributária e Aduaneira afirme que «foram os titulares dos prédios à data quem requereram as avaliações declarando os prédios em causa como terrenos para construção com afectação habitacional (vide Doc. 2 a Doc. 7)», o certo é que não apresentou qualquer desses hipotéticos requerimentos, e, dos nove documentos que juntou com a sua Resposta, apenas as três declarações Modelo 1 de IMI terão sido emitidas pelos titulares dos prédios e em nenhuma delas se faz qualquer referência a afectação habitacional dos terrenos.

Para além disso, como se vê pelos «documentos anexos» que se referem em cada uma dessas declarações modelo 1, apenas na referente ao prédio com o artigo matricial 13009 se faz referência a ter sido apresentado um «Projecto ou Viabilidade Construtiva», mas também sem indicação do destino da construção projectada.

As referências que na verba 28.1 e no artigo 45.º, n.º 2, do CIMI se fazem a edificações previstas, para além das autorizadas, permitem concluir que não será imprescindível que exista já um acto administrativo de aprovação de um projecto de construção (o que constituirá «autorização»), bastando que esteja prevista uma construção com características determinadas, pelo menos quanto à área de implantação do edifício a construir e seu destino.

Não há nestas normas da TGIS e do CIMI indicação do que deve entender-se por «edificação prevista», mas, no artigo 37.º, n.º 3, deste último refere-se que «em relação aos terrenos para construção, deve ser apresentada fotocópia do alvará de loteamento, que deve ser substituída, caso não exista loteamento, por fotocópia do alvará de licença de construção, projecto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva».

Tendo em conta os documentos exigidos para ser efectuada a avaliação de terrenos para construção, indicados no artigo 37.º, n.º 3, do CIMI, para que remete o artigo 45.º, n.º 5, conclui-se que apenas se pode falar de construção autorizada ou prevista quando o «edifício a construir», a que se refere o n.º 1 do artigo 45.º, esteja definido em alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projecto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva. Na verdade, será apenas nestas situações que haverá consistência jurídica em prever a realização futura de construção com características determinadas, pois mesmo na situação prevista na parte final do n.º 3 do artigo 45.º, em que se atende às «áreas médias de construção da zona envolvente», a avaliação não tem ínsito qualquer juízo sobre a previsibilidade da concreta construção que será possível edificar.

No caso em apreço, perante a afirmação da Requerente de que «nenhum dos imóveis sobre os quais incidiram as liquidações impugnadas têm em vigor qualquer “licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção”, nem foi sido expressamente declarado no título aquisitivo que se destinariam a habitação», pelo que não será possível afirmar que a “(...) edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”, a Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou qualquer documento de um dos tipos referidos em que tivesse sido baseada a sua conclusão de que os prédios tinham autorizadas ou previstas construções para habitação.

Sendo a possibilidade de construção de edifícios para habitação invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira como fundamento dos actos de liquidação é sobre ela que recai o ónus da prova desse facto, como se conclui do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, que estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».

Assim, a dúvida sobre a existência ou não da possibilidade de construção de habitações nos terrenos em causa tem de ser valorada processualmente em favor do Requerente, conduzindo à anulação dos actos praticados, como impõe o n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

Pelo exposto, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto a este primeiro vício imputado pelo Requerente às liquidações impugnadas, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justifica a sua anulação [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

 

 

3.2. Questões de conhecimento prejudicado


            Sendo de anular as liquidações impugnadas com fundamento no primeiro vício que lhes é imputado pela Requerente, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC), o conhecimento dos restantes vícios arguidos.

 

 

4. Pedido de juros indemnizatórios

 

 

A Requerente pagou todas as prestações das quantias liquidadas e pede juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, há lugar a pagamento de juros indemnizatórios, pois as liquidações e os erros que as afectam são imputáveis à Administração Tributária, que, por sua iniciativa, as praticou sem suporte legal.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 24.º, n.º 5, do RJAT, 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, a determinar pela Autoridade Tributária e Aduaneira em execução do presente acórdão.

Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva contados, relativamente a cada pagamento que efectuou, com base no respectivo valor e no período que decorrer entre a data em que foi efectuado cada pagamento e o reembolso da quantia paga, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.ºs 2, 3, 4 e 5, do CPPT, e artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2.  Declarar a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo n.ºs 2016 …, 2016 … e 2016 …, no valor global de 111.387,04 €;
  3. Anular as referidas liquidações de Imposto do Selo;
  4. Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los ao Requerente calculados sobre cada uma das quantias pagas e desde a data em que ocorreu o respectivo pagamento até ao seu reembolso.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 111.387,04.

 

 

7. Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 24-01-2017

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

(José Nunes Barata)

 

 

 

(André Bacelar Gonçalves)

 

 

 



[1] J.J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, II volume, página 519.

[2] Como tem entendido uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se, entre outros, pelo acórdão de 04-03-2015, processo n.º 01529/14.

[3] O vício será anulabilidade ou nulidade (neste caso quando afecte o núcleo essencial de um direito fundamental) como tem entendido uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo: acórdãos de 04-03-1998, processo n.º 019305, BMJ n.º 475, 380; de 8-7-1998, processo n.º 022201; de 30-6-1999, processo n.º 022251; de 02-05-2001, processo n.º 25696, AD n.º 484, 492; de 10-4-2002, processo n.º 026390, AP-DR de 08-03-2004, 988; de 11-10-2006, processo n.º 0676/06.

[4] Como sempre entendeu o Supremo Tribunal Administrativo e se constata em todos os processos citados na nota anterior.