Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 477/2016-T
Data da decisão: 2017-07-10  Selo  
Valor do pedido: € 55.755,50
Tema: IS –Terreno para construção
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Decisão Arbitral

 

 

 

I.              RELATÓRIO

A…, S.A., pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua …, n.º…, …, …, …-… Lisboa, apresentou, em 29/07/2016, um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, (doravante designado pedido inicial ou abreviadamente P.I.) nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

A Requerente pede a declaração de ilegalidade e de inconstitucionalidade e a anulação do acto de liquidação de Imposto do Selo n.º 2016…, com referência ao ano de 2015, pela aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, (doravante, TGIS), que incidiu sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º U-… da Freguesia de …, concelho de ..., no montante total de € 55.755,50.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 05/09/2016 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 19/10/2016 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 04/11/2016.

Por despacho de 11/11/2016 foi ordenada a notificação do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira para juntar o processo administrativo, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

Em 23/11/2016 a Requerente requereu a junção aos autos do comprovativo de pagamento da terceira prestação do acto de liquidação impugnado.

A Requerida apresentou resposta em 16/12/2016 e juntou o Processo Avaliativo do prédio sobre o qual incidiu a tributação em apreço nos autos, tendo pedido a dispensa de envio do Processo Administrativo (adiante PAT) e da realização da reunião referida no artigo 18.º do RJAT.

Em 28/12/2016, a Requerida requereu a junção aos autos do acórdão n.º 692/2016, proferido pelo Tribunal Constitucional em 14/12/2016, no âmbito dos autos de recurso de constitucionalidade n.º 346/16, com origem na decisão do CAAD, proferida no processo n.º 527/2015-T, com a qual a ora Requerente não se conformou e cuja situação de facto e de direito em apreço é em tudo idêntica à dos presentes autos.

Em 17/04/2017 a Requerente veio opor-se ao pedido apresentado pela Requerida em 16/12/2016 de dispensa de junção do PAT, requereu a dispensa de realização da reunião referida no artigo 18.º do RJAT e que lhe fosse mantida a possibilidade de alegar em face do teor da resposta e da documentação junta pela Requerida. Requereu ainda o prosseguimento dos autos e a fixação de data para a prolação da decisão arbitral.

Por despacho de 27/04/2017 foram as partes notificadas da dispensa da reunião a que alude o artigo 18.º, n.º 1 do RJAT, por não terem sido invocadas excepções e da prorrogação do prazo para prolação da decisão arbitral, por dois meses, nos termos do disposto no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT. Foram ainda notificadas para alegações sucessivas.

A Requerente apresentou alegações em 22/05/2017 e a Requerida em 08/06/2017.

São, sumariamente, as seguintes as alegações da Requerente:

A Requerente defende que os actos de liquidação e as respectivas notas de cobrança são ilegais por violação da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pedindo a sua anulação pelo Tribunal Arbitral.

Sustenta que a Autoridade Tributária faz uma errada interpretação do conceito de “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” e que a norma de incidência não se aplica apenas pelo facto de os imóveis estarem inscritos na matriz como terrenos para construção, sendo também necessário o licenciamento municipal que consigne o destino “habitação” para o referido prédio. Socorre-se também a Requerente do conceito civilista de prédio urbano para sustentar a sua tese.

A Requerente cita diversos acórdãos do Tribunal Central Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo e do CAAD para sustentar a sua posição, pese embora referentes a situações de tributação de exercícios anteriores à entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013 de 31/12.

Invoca ainda que a norma constante do artigo 194.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013 de 31/12), que estabelece que o Imposto do Selo incide sobre prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI (cfr. verba 28.1 da TGIS) é inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito democrático na vertente do sub-princípio da tutela da confiança e da proporcionalidade, bem como do princípio da igualdade e proibição da retroactividade da lei fiscal, em concreto dos artigos 2.º, 13.º e 103.º da Constituição da República Portuguesa.

Entende também que os actos de liquidação são ilegais, pois enfermam de falta de fundamentação e de falta de audiência prévia.

Termina pedindo juros indemnizatórios, por considerar que os actos de liquidação impugnados enfermam de erros manifestos dos serviços.

Sumariamente a Requerida invoca, quanto aos fundamentos em que a Requerente assenta o pedido arbitral de anulação dos actos que as liquidações impugnadas foram emitidas de acordo com a informação que consta da caderneta predial e que não foi questionada pela Requerente (terreno para construção) e resultam da aplicação directa da norma legal que é clara.

Defende que após a entrada em vigor da redação da verba 28.1 introduzida pela Lei 83-C/2013, de 31/12 ficou claro que a verba se aplica a terrenos para construção: a) para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção; b) e ainda para aqueles que assim tenham sido declarados no titulo aquisitivo.

Sustenta ainda que estando correcta a liquidação, não são devidos juros indemnizatórios.

Em concreto sobre a violação dos princípios constitucionais invocados pela Requerente, a Requerida invoca diversos acórdãos do Tribunal Constitucional que não julgaram inconstitucional a norma da verba 28.1 da TGIS, com a redação introduzida pela Lei 83-C/2013 de 31/12 (Acórdãos n.ºs 590/2015, 692/2015, 620/2015 e 568/2016) bem como a decisão arbitral proferida no processo n.º 527/2015-T, em 11/04/2016, no qual foi Requerente a ora Requerente, sendo em tudo idêntica a situação controvertida, a causa de pedir e o pedido.

A Requerida citou ainda os acórdãos do Tribunal Constitucional proferidos em processos em que era Recorrente a ora Requerente e nos quais foi negado provimento aos recursos por esta apresentados (cfr. Decisão sumária n.º 677/2016 de 26/10/2016 proferida no processo n.º 346/16, com origem na decisão do CAAD proferida no processo n.º 527/2015-T e Acórdão n.º 692/2016, proferido em 14/12/2016).

A Requerida citou diversas decisões arbitrais singulares e colectivas, proferidas em processos com objecto idêntico aos dos presentes autos e que também concluíram que não é inconstitucional a norma constante da verba 28.1 da TGIS (decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 517/2015-T, n.º 515/2015-T, n.º 495/2015-T).

Quanto à invocada falta de fundamentação a Requerida sustenta que os actos de liquidação e respectivas notas de cobrança se encontram fundamentados, tendo sido dado cumprimento ao disposto no artigo 77.º da LGT, uma vez que tratando-se de actos em massa a fundamentação deve ser adequada, não devendo ser exigido o mesmo rigor formal que se exige a outros actos administrativos. Conclui que atendendo ao pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente é manifesto que o ónus da fundamentação foi cumprido.

No que respeita à falta de audiência prévia a Requerida sustenta que no caso dos autos a AT estava dispensada de notificar a Requerente para o exercício do direito de audição prévia, nos termos do disposto no artigo 60.º, n.º 2 da LGT.

Conclui defendendo a improcedência do pedido de pronuncia arbitral e do pedido de pagamento de juros indemnizatórios, por considerar quer não houve erro imputável aos serviços, já que os actos de liquidação foram praticados em decorrência da aplicação da lei ao facto tributário.

 

II.         SANEADOR

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi tempestivamente apresentado (cfr. artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente (cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT conjugado com o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do mesmo diploma).

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e a cumulação de pedidos é admissível (cfr. artigos. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Fixa-se à causa o valor de 55.755,50 indicado pela Requerente, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC).

Cumpre apreciar o mérito dos pedidos.

 

III.    FUNDAMENTAÇÃO

 

A.    Dos Factos provados

 

Não há matéria factual alegada controvertida estando designadamente provados os seguintes factos essenciais para o julgamento da causa:

 

1.)    A Requerente tem como objecto social a aquisição, promoção ou exploração de empreendimentos imobiliários, incluindo designadamente, o desenvolvimento, execução e comercialização de empreendimentos imobiliários e/ou turísticos, reabilitação, construção ou reconstrução, loteamentos e urbanizações, a aquisição de imoveis, seu arrendamento, exploração onerosa por outras formas, sua valorização, o arrendamento de imoveis ou a compra e venda de imoveis, bem como a revenda dos adquiridos para esse fim.

2.)    A Requerente tem como actividade a exploração de alguns prédios edificados e a promoção do desenvolvimento futuro de um terreno que detém na “…”, freguesia de…, no concelho de ....

3.)    Para esse terreno a Requerente apresentou, em 20/09/2013, o Modelo 1 de IMI com o n.º de registo…, procedendo à anexação de diversos artigos urbanos – terrenos para construção – de que era proprietário no local, com 36.646 m2 (Documento n.º 2 do P.I.).

4.)    A Requerente era proprietária à data de 31/12/2015 do prédio urbano – terreno para construção – objecto do acto de liquidação ora em causa, situado na freguesia de…, concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U-…, com o VPT actual de € 5.575.550,00 (Documento n.º 2 do P.I.).

5.)    O terreno para construção da Requerente, ora em apreço, tem a afectação, autorizada ou prevista, para habitação (Documento n.º 3 do P.I. e processo avaliativo anexo à resposta da Requerida).

6.)    O prédio a que se reporta o artigo predial urbano em causa, propriedade da Requerente, não se encontrava construído ou em construção à data de 31/12/2015.

7.)    O prédio em que se insere o artigo em causa forma um perímetro contínuo, situando-se na zona sul da …, correspondendo ao designado “Lote AL8” do Plano de Urbanização da … (…), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 160/2003 (DR, I-S-B, n.º 233, de 8/10/2003), tal como alterado até à data.

8.)    O prédio da Requerente é abrangido ainda pelo PDM de ... (versão alterada para compatibilização com o PROTAL, - aviso 5374/2008, DR, IIS, n.º 41, de 27/2/2008, pág. 7929).

9.)    O prédio da Requerente é abrangido, ainda, pelo PROTAL, aprovado pela Resolução de Conselho de Ministros (RCM) 102/2007, DE 24/5, publicada no Diário da República, n.º 149, de 3 de Agosto de 2007.

10.)    E também pelo POOC – Plano de Ordenamento da Orla Costeira Vilamoura/Vila Real de Sto António, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros 103/2005, publicada no DR, I-Série B, n.º 121, de 27 de Junho de 2005.

11.)    A Requerente foi notificada dos actos de liquidação de Imposto do Selo respeitantes ao ano de imposto de 2015, para o prédio em causa, a qual apurou um montante a pagar de 55.755,50€em três prestações (Documentos n.º 4 e 5 do P.I. e Documento junto ao requerimento de 23/11/2016 da Requerente).

12.)    A Requerente não foi notificada antes da liquidação para exercer o direito de audição prévia previsto no artigo 60.º da LGT.

13.)    A Requerente pagou as 1ª, 2ª e 3ª prestações da liquidação impugnada, respectivamente as notas de cobrança 2016 …, 2016 … e 2016…, em 26/04/2016, 19/07/2016 e 22/01/2016, no valor de 18.585,18€, 18.585,16 e € 18.585,16, num total de 55.755,50 (Documentos n.º 4 e 5 do P.I. e Documento junto ao requerimento de 23/11/2016 da Requerente).

 

B.     Dos Factos essenciais não provados

 

Não há factos, alegados ou de conhecimento oficioso, relevantes para a decisão e não provados.

 

C.    Da Motivação

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral relativamente aos factos provados, relevaram os elementos documentais a que se faz alusão supra nos diversos pontos e, em geral, todos os demais documentos juntos aos autos, tudo analisado de forma crítica e em conjugação com os articulados em que se surpreende a inexistência de controvérsia quanto aos factos alegados.

 

D.    Do Direito

 

Questões a decidir:

 

Em síntese e se bem entendemos, são as seguintes as questões a apreciar e decidir.

1)      Os actos impugnados enfermam de ilegalidade por falta de fundamentação?

2)      A Autoridade Tributária violou o direito de audição prévia ao emitir os actos de liquidação impugnados, sem previamente notificar a Requerente para exercer o referido direito?

3)       A verba 28.1 da TGIS, na parte em que sujeita a Imposto do Selo os “terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%” é aplicável ao prédio da Requerente?

4)      A verba 28.1 da TGIS, na parte em que sujeita a Imposto do Selo os “terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%” é inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito democrático na vertente do sub-princípio da tutela da confiança e da proporcionalidade, bem como do princípio da igualdade e proibição da retroactividade da lei fiscal?

 

Vejamos então:

 

1)      Os actos impugnados enfermam de ilegalidade por falta de fundamentação?

A exigência legal de fundamentação dos actos em matéria tributária está prevista no n.º 1 do artigo 77.º da LGT que dispõe que “a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”, estabelecendo o n.º 2 da referida norma que “a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”

Consultados os actos de liquidação em apreço nos presentes autos constatamos que os mesmos contêm informação sobre o imposto (Imposto do Selo), período a que respeita o imposto (2015), norma de incidência (verba 28.1 da TGIS), identificação do prédio (município, freguesia e artigo matricial), identificação do sujeito passivo, valor patrimonial tributário, taxa aplicada, valor da colecta e indicação dos meios de defesa.

Ora, entende este Tribunal que para o tipo de actos em causa nos presentes autos, considerados quer pela doutrina quer pela jurisprudência como actos em massa, a fundamentação apresentada pela AT é adequada à complexidade dos mesmos, cumprindo os objectivos do legislador tributário. O Supremo Tribunal Administrativo já decidiu neste sentido num processo em que se discutia a falta de fundamentação de um acto de liquidação de IRC, tendo concluído sumariamente que II - A liquidação em IRC, porque feita centenas de milhares de vezes em cada ano, constitui "um acto de massa" e, porque assim é, tudo aconselha a que não se exija de tais actos o mesmo rigor formal que se deve exigir dos outros actos administrativos que se destinam a situações específicas individualizadas.

III - Deste modo, e desde que seja clara a identificação da entidade que praticou o acto e que o modo como essa prática ocorreu não se traduza em qualquer diminuição de garantias do contribuinte deve concluir-se pela sua legalidade.”

Com efeito, atenta a ratio da norma, que é a de possibilitar ao administrado (destinatário do acto) a possibilidade de formar um juízo que lhe permita decidir conformar-se com o acto ou sindicá-lo, entende o Tribunal que os actos ora em apreço cumprem com tal desiderato, pois um destinatário normal (o bonus pater familiae), confrontado com os referidos actos, está na posse das razões de facto e de direito que determinaram a AT a emitir os mesmos, pelo que se encontra assegurado o seu direito de sindicar os actos administrativa ou judicialmente, se assim entender.

Aliás, o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente evidencia que a mesma compreendeu o processo cognoscitivo e valorativo percorrido pela AT na prática dos actos impugnados, pelo que, acompanhando a jurisprudência citada pela Requerida (cfr. Acórdão do STA proferido no processo n.º 0105/12, de 30/01/2013) Não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do acto e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido, não invocando, sequer, tal vício.”

Pelo que se conclui pela improcedência do pedido de declaração de ilegalidade por vício de falta de fundamentação assacado pela Requerente aos actos impugnados.

 

2)      A Autoridade Tributária violou o direito de audição prévia ao emitir os actos de liquidação impugnados, sem previamente notificar a Requerente para exercer o referido direito?

 

Quanto a este vício a Requerente refere apenas, no artigo 106.º do seu P.I. que “As liquidações impugnadas enfermam ainda de falta de audiência prévia da impugnante em momento anterior à sua prática, determinante da sua ilegalidade (art.º 60.º/1/a) da LGT).”

Pese embora sem aprofundar as razões de facto e de direito pelas quais considera que os actos impugnados enfermam deste vício, tendo sido suscitado o mesmo deverá ser apreciado pelo Tribunal.

O princípio constitucionalmente consagrado (cfr. Artigo 267.º, n.º 5 da CRP) da participação dos administrados na formação das decisões administrativas que lhe digam respeito encontra-se, em matéria tributária, previsto no artigo 60.º da LGT, estabelecendo o seu n.º 1, alínea a) o direito de o contribuinte exercer a audição prévia antes da liquidação de impostos.

A Requerida sustenta que o n.º 2 do referido normativo dispensa a referida audição em duas situações - a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.” - que se aplicam aos actos de liquidação objecto dos presentes autos.

Para tanto faz apelo a uma decisão Arbitral e acolhe uma interpretação que este Tribunal considera não ter aderência ao texto, nem à ratio, nem ao espírito do sistema em que a norma se integra, senão vejamos.

Com efeito, o Tribunal considera que a entrega de uma declaração Modelo 1 de IMI para inscrição do prédio na matriz e sua avaliação, não pode considerar-se como uma declaração apresentada pelo contribuinte para efeitos de tributação em Imposto do Selo, nos termos da verba 28.1 da TGIS, susceptível de enquadrar a situação dos autos na alínea a) do n.º 2 do artigo 60.º.

Acresce que também a alínea b) não é aplicável ao caso dos autos, pois a Requerente não foi notificada para apresentar qualquer declaração em falta, não estando por isso preenchido um dos pressupostos nos quais a norma assenta.

Termos em que a AT estava obrigada a notificar a Requerente para o exercício do direito de audição prévia, o que nos termos do disposto nos artigos 133.º e 135.º do Código de Procedimento Administrativo, conjugados e aplicáveis por força das remissões operadas pelo artigo 2.º, alínea d) do CPPT e 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT, determinaria a anulação dos actos impugnados.

No entanto, atento o princípio do aproveitamento dos actos, entende o Tribunal que a preterição do dever de audição, no caso dos presentes autos, degrada-se em formalidade não essencial, não determinando a anulação dos actos.

Conforme referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao artigo 60.º da LGT e vem sustentando a jurisprudência dos tribunais judiciais e arbitrais, “nem sempre a omissão da audiência conduzirá à anulação, designadamente não a justificando nos casos em que se apure no processo contencioso que, se ela tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade apresentar elementos novos nem deixou de pronunciar-se sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final, ou acabou por ter oportunidade de pronunciar-se, em procedimento de segundo grau, sobre questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau”.

Ora, conforme resulta do probatório, não há factualidade controvertida, nem é invocado pela Requerente qualquer erro sobre o cálculo do Imposto ou sobre a base de incidência do mesmo (o VPT), estando apenas em discussão matéria de direito, que ainda que tivesse sido invocada em audiência prévia não seria susceptível de alterar o sentido da decisão. 

Neste sentido do aproveitamento dos actos numa situação idêntica à dos presentes autos, em que se discutia a falta de audiência prévia antes da liquidação de IS ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, foi proferida decisão arbitral, no processo n.º 320/2014-T, com a qual o Tribunal concorda e para cuja fundamentação remete.

Porque o princípio da participação tem consagração constitucional, importa ainda referir que o Tribunal Constitucional, no acórdão 594/2008, de 10/12/2008 não julgou inconstitucional a interpretação dos artigos 100.º e 133.º, n.º 1 do CPA, no sentido de não ser a audiência prévia elemento essencial do acto administrativo, gerando a sua falta a nulidade deste acto.

Assim, porque no caso dos autos o Tribunal não tem dúvidas sobre a irrelevância do direito de audiência sobre o conteúdo decisório dos actos de liquidação do Imposto do Selo impugnados, conclui que a preterição desta formalidade não é essencial, pelo que não determina a anulação dos actos.

Termos em que improcede o pedido de anulação por preterição de formalidade legal essencial formulado pela Requerente.

 

3)      A verba 28.1 da TGIS, na parte em que sujeita a Imposto do Selo os “terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%” é aplicável ao prédio da Requerente?

 

A Requerente defende que os actos de liquidação e as respectivas notas de cobrança são ilegais por violação da Verba 28.1 da TGIS, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por entender que a Autoridade Tributária fez uma errada interpretação do conceito de “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” e que a norma de incidência não se aplica apenas pelo facto de os imóveis estarem inscritos na matriz como terrenos para construção, sendo também necessário o licenciamento municipal que consigne o destino “habitação” para o referido prédio.

A Requerente cita diversos acórdãos do Tribunal Central Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo e do CAAD para sustentar a sua posição, pese embora referentes a situações de tributação de exercícios anteriores à entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013 de 31/12, o que, como veremos, retira qualquer semelhança às situações de facto objecto de análise. Com efeito, toda a jurisprudência citada foi produzida quanto a factos tributários anteriores a 2014, altura em que a norma de incidência delimitava a sujeição a “prédios com afectação habitacional”.

Ora, a alteração legislativa operada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, o âmbito de incidência da Verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo foi alargado, passando a abranger os terrenos para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

 De acordo com as regras sobre interpretação constantes do artigo 11.º da LGT, será necessário socorrer-nos do conceito de “terreno para construção” constante do Código do IMI (CIMI). O CIMI define terrenos para construção como os terrenos situados, dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operações de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente, os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos (cfr. artigo 6.º, n.º 3). 

Decorre, por seu turno, dos artigos 45.º do CIMI, conjugado com o artigo 40.º-A do mesmo diploma que a afectação do terreno para construção é relevante para efeitos de cálculo do valor patrimonial tributário desse terreno. Assim, é em função da afectação, autorizada ou prevista, que se define o valor da área de implantação (cfr. artigo 45.º, n.º 2 do IMI), que varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

Do exposto, temos que concluir, como na decisão arbitral no processo n.º 527/2015-T que «o facto de na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção se levar em conta a afectação para determinação do respectivo valor da área de implantação (cf. artigo 45.º, n.º 1 e 2 do CIMI) leva à delimitação da norma de incidência prevista na Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, não apenas em função do tipo de prédio urbano em causa (terreno para construção) mas também em função da sua afectação: habitação (artigo 40.º-A, n.º 1 do Código do IMI), comércio ou serviços (artigo 40.º-A, n.º 2 do Código do IMI), indústria (artigo 40.º-A, n.º 3 do Código do IMI) ou estacionamento (artigo 40.º-A, n.º 4 do Código do IMI), por remição do artigo 40.º-A, n.º 5 e artigo 45.º do Código do IMI”» e assim, a expressão “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação” deve ser interpretada no sentido de abranger os terrenos para construção, cuja afectação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

Vejamos. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 45.º do CIMI “o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação” e com o n.º 2 do mesmo preceito, o valor da área de implantação “varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas”. Ora, tanto no cálculo do valor da área de implantação, como no cálculo do valor da área adjacente, é utilizado como parâmetro o coeficiente de afectação, previsto no artigo 41.º do Código do IMI.

Ora, no caso concreto, sendo o prédio da Requerente um terreno para construção cuja afectação, autorizada ou prevista, é habitação o mesmo cabe no âmbito de incidência da norma prevista na Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, sendo aplicável ao prédio de que a Requerente é proprietária.

Termos em que este Tribunal entende que os terrenos para construção, cuja afectação, autorizada ou prevista, seja para habitação e que tenham valor patrimonial tributário igual ao superior a € 1 000 000, como é o terreno para construção ora em apreço, estão abrangidos pela norma de incidência constante da Verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, pelo que improcede a alegação da Requerente nesta parte.

 

4)      A verba 28.1 da TGIS, na parte em que sujeita a Imposto do Selo os “terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%” é inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito democrático na vertente do sub-princípio da tutela da confiança e da proporcionalidade, bem como do princípio da igualdade e proibição da retroactividade da lei fiscal?

 

Sustenta a Requerente a inconstitucionalidade da norma de incidência por violação do princípio do Estado de Direito democrático na vertente do sub-princípio da tutela da confiança e da proporcionalidade, bem como do princípio da igualdade e proibição da retroactividade da lei fiscal. Vejamos se lhe assiste razão.

São já inúmeras as decisões do Tribunal Constitucional sobre as questões de constitucionalidade levantadas pela Requerente, havendo também decisões arbitrais sobre esta matéria.

Mas para além de jurisprudência em casos semelhantes ao da Requerente, foram proferidas pelo Tribunal Arbitral e pelo Tribunal Constitucional, decisões sobre a mesma situação que agora este Tribunal é chamado a pronunciar-se, quanto à mesma Requerente, ao mesmo prédio, ao mesmo imposto, sendo apenas diferente o ano a que o IS respeita, sendo que as decisões acima referidas se reportam ao exercício de 2014 e o que agora se aprecia é o exercício de 2015. Tratam-se, portanto, de decisões proferidas ao abrigo da mesma legislação. Quanto aos fundamentos jurídicos invocados pela Requerente são também idênticos.

Assim, em homenagem ao princípio da economia processual, o Tribunal remete para a decisão arbitral, proferida no processo n.º 527/2015-T, em 11/04/2016, para a Decisão Sumária n.º 677/2016 do Tribunal Constitucional e para o Acórdão n.º 692/2016, proferido pelo Tribunal Constitucional, em 14/12/2016, que confirmou não considerar inconstitucional a verba 28.1 da TGIS, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, para os fundamentos das quais remete na íntegra, transcrevendo apenas a decisão arbitral por considerar que a mesma contém a análise de todos os fundamentos invocados pela Requerente a respeito da sindicada inconstitucionalidade:

A propósito do princípio da tutela da confiança sustenta a Requerente, socorrendo-se de jurisprudência do Tribunal Constitucional (cf. Acórdão n.º 128/2009) – que o mesmo importa a verificação de requisitos cumulativos, a saber: “(i) em primeiro lugar,  que  o  Estado  (mormente  o  legislador)  tenha  encetado  comportamentos  capazes  de  gerar  nos  privados «expectativas» de continuidade; (ii) depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; (iii) em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual; (iv) por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativas”.

O princípio da tutela da confiança legítima, decorrente do princípio do Estado de Direito Democrático constante do artigo 2.º da Constituição, postula “uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e segurança jurídica nos direitos das pessoas e na expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade da tutela jurídica (Acórdão n.º 237/98 do Tribunal Constitucional). 

Como vem sendo afirmado pelo Tribunal Constitucional, tal princípio não obsta a liberdade de conformação do legislador democraticamente legitimado e o princípio da autoreversibilidade das leis (Acórdãos n.ºs 287/90, 128/09 e 564/12 do Tribunal Constitucional).

A este propósito a Recorrente sustenta que os sujeitos passivos empresariais como é o caso do impugnante, que tem as suas receitas decorrentes da exploração dos imóveis (“rendas”) ligadas a contratos em execução, fizeram os seus planos e não podiam contar legitimamente com a introdução de um novo facto tributário no ano civil e exercício de 2014.

Porém, esta posição não merece acolhimento.

Por um lado, não se encontra razão para sustentar que o Estado, através da Administração Fiscal, haja permitido a criação de expectativa de que os terrenos para construção, cuja edificação, prevista ou autorizada, seja para habitação iriam permanecer fora do âmbito de incidência da Verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo. Aliás, a evolução legislativa operada com a introdução da Verba 28.1. em 2012 da taxa de 1% para prédios afectos à habitação e a interpretação que Administração Tributária vinha fazendo daquela norma sustentando que a mesma se aplicava aos terrenos para construção (interpretação esta rejeitada pelos Tribunais) aponta mesmo no sentido oposto. Seria expectável que o legislador viesse estender o âmbito de incidência da norma aos terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse a habitação, tal como vinha sendo a interpretação da Administração Tributária.

Em segundo lugar, não se encontra no contexto factual subjectivo alegado pela Requerente fundamento para considerar que a mesma modelou a sua actividade e investimento no pressuposto da continuação de que os terrenos para construção ficariam fora do âmbito de incidência da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

Por último, cumpre evidenciar que – como referido nos vários acórdão do Tribunal Constitucional - a norma em causa, insere-se num conjunto de medida todas norteadas à obtenção suplementar de receita fiscal e, em geral a contrariar o desequilíbrio orçamental. Assim, invocando os princípios da equidade social e justiça fiscal (cf. Acórdão n.º 590/2015).

Quanto à questão de saber se a Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, bem como o princípio da igualdade e proibição de retroactividade da lei fiscal (artigos 2.º, 13.º e 103.º da CRP).

Cumpre antes de mais salientar que uma parte da questão colocada pela Requerente foi já apreciada em vários processos, tanto no âmbito da Arbitragem Tributária (cf. decisão proferida no âmbito do processo número 505/105-T, entre outros), bem como ter presente o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/15, de 11 de Novembro de 2015 que já se pronunciou sobre a inconstitucionalidade da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, posteriormente, alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 Dezembro.

Sobre esta matéria sustenta a Requerente que a normação questionada merece censura constitucional por violação do princípio da igualdade sempre que se “tratem os contribuintes (destinatários das normas) que estejam em situações materiais idênticas de forma claramente diferente, não sendo a diferença medida ou aferida pela sua real capacidade contributiva, ou sempre que as normas se baseiem índices de capacidade contributiva ou soluções arbitrárias ou desprovidas de qualquer fundamento racional perceptível (proibição de arbitrariedade)".

Na óptica da Recorrente tal decorreria, entre outras, das seguintes situações:

·         “como  compaginar  a capacidade   contributiva  dos  sujeitos passivos  (SP), com  o  VPT de  um  imóvel  individualmente considerado, vs.  a  soma  dos  VPT dos  diferentes  imóveis  dos  mesmos  SP, que  pode  exceder   a referida  marca  de  1M€; ou ainda, (iii) o fundamento racional e/ou perceptível, do motivo pelo qual seriam considerados prédios (construídos ou não) afectos actual ou potencialmente a um determinado destino (habitação), vs. a exclusão  da tributação  do mesmo  tipos de imóveis,  afectos a outros fins (v.g. escritórios, armazéns, indústria, equipamentos públicos ou privados).”

·         “qual  o  motivo de discriminação ou de consagração da incidência sobre imóveis "afectos a habitação" (construídos ou não),   versus a exclusão da tributação do mesmo tipo de prédios - urbanos - quando estes tenham afectações de terciário, comércio, equipamento, indústria, ou quaisquer outras".  

·         “não  se vê como fundamentar a discriminação  positiva  por  via  da  não  sujeição dos  sujeitos  passivos  titulares  do  direito  relevante sobre  os prédios urbanos  com  “com   afectaçãonão “habitacional” supramencionados que não conduza a uma intolerável iniquidade, ou não revele que, afinal, estamos perante uma norma injusta, irracional e arbitrária". 

·         “não  se vê qual  a razão  ou  fundamento ou  por que  via  passará o  juízo  de constitucionalidade a tributação  em  sede  desta  Verba  28.1.   de uma pequena empresa construtora, que  por  mero  acaso  apenas tivesse  no  seu  activo  um  único  lote de terreno destinado pelo alvará de loteamento a construção de edifício exclusivamente habitacional, versus a mesma empresa que, por mero acaso, tivesse o activo apenas composto de um lote para construção de um centro comercial";  

·         “se tributaria nesta  sede a mesma pequena empresa construtora, que por mero acaso apenas tivesse no seu activo um único lote de terreno destinado pelo alvará de loteamento a construção  de  edifício exclusivamente habitacional, versus uma grande promotora imobiliária, ou um fundo de investimento imobiliário, que não seja tributado, apesar de apenas deter no seu activo a parcela de terreno destinada à construção do maior centro comercial de Portugal? Ou a maior "torre" de escritórios de Portugal? Ou a parcela destinada à construção do hotel (equipamento privado) de maior luxo de Portugal? Ou uma parcela destinada à construção de um estádio de futebol? ou de um campo de golfe?"  

O princípio da igualdade tributária enquanto corolário do princípio da igualdade ínsito no artigo 13.º da Constituição pode ser traduzido na ideia de que se deve tratar “de modo igual o que é igual e de modo diferente o que é diferente”, podendo as suas implicações em matéria fiscal ser encontradas nos artigos 103.º e 104.º da Constituição (cf. Acórdão n.º 620/2015).

Sobre o princípio da capacidade contributiva, tem sido entendimento do Tribunal Constitucional o seguinte (Acórdãos n.ºs 601/04, 542/03, 84/03, entre outros): “O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação.”, entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos - dos 'impostos fiscais' mais precisamente - se deverá fazer segundo a capacidade económica ou 'capacidade de gastar' (-) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício)».

O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adoptadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará «a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo».

Por outro lado, o Tribunal tem também considerado que o princípio da capacidade contributiva tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal (cf. Acórdão n.º 142/04).

O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adoptar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema.

Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira, está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional.

A tributação da propriedade de prédios urbanos habitacionais e, mais recentemente, de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, de VPT igual ou superior a € 1 000 000,00 “enquanto medida fiscal dirigida a afectar mais intensamente os titulares de direitos reais de gozo sobre prédios urbanos de vocação habitacional e de mais alto valor, ao alcance apenas dos detentores de força económica elevada”, revela uma inequívoca capacidade contributiva, por se reportar a prédios de valor bastante superior ao da generalidade dos prédios urbanos com afetação habitacional, ainda que potencial, “susceptível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade” – (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, de 11 de Novembro).

Por outro lado, como consta da fundamentação do mesmo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 590/2015, que aqui se segue, o facto de o Imposto do Selo da Verba 28.1, da TGIS, incidir sobre a propriedade concentrada num imóvel de VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, deixando de tributar patrimónios de valor por vezes muito mais elevado, mas em que nenhum dos imóveis que o integram atinja aquele VPT: “(…) A tributação decorrente da norma de incidência alojada na Verba nº 28 assume a natureza de imposto parcelar (assim, JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afecto à habitação, calculando o respectivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante. Não constitui imposto geral sobre o património, ou mesmo imposto sobre todo o património imobiliário, em termos de fundar uma comparação radicada numa óptica de personalização do imposto e a partir de base que atenda a todo o património do sujeito tributário. (…) Cabe referir que a Constituição não impõe ao legislador a criação de um imposto geral sobre o património, atribuindo à tributação sobre o património a função de contribuir para a igualdade entre os cidadãos (artigo 104º, nº 3, da Constituição), sendo o legislador livre quanto à solução a adoptar (…)”.

No caso em análise, o legislador considerou que sobre os terrenos para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação deveria incidir a “taxa de luxo”, no âmbito do esforço de consolidação orçamental. Pretendeu-se com a referida tributação repartir os sacrifícios exigidos aos proprietários de prédios habitacionais e terrenos para construção de elevado valor com aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho.

A criação deste novo facto tributário ocorreu ainda no contexto de crise económica e de grave crise nas finanças públicas, com o propósito de aumentar as receitas fiscais do Estado, através da tributação daqueles que revelam maiores indicadores de riqueza.

Na verdade, através da Verba 28.1. pretende-se tributar a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo que, pelo seu valor bastante superior ao da generalidade dos prédios urbanos, revela maiores indicadores de riqueza, susceptível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento.” – (Vide proposta de Lei n.º 96/XII).

A opção pela tributação de prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção cuja edificação seja para habitação e não de prédios rústicos ou destinados ao comércio resulta de uma opção de política económica, assente na ideia de que a penalização de prédios com afectação económica contribuiria para o agravamento da situação económica do país.

Como ensina José Maria Fernandes Pires, “a aplicação do imposto aos prédios com afectação a habitação e a terrenos para construção em que esteja prevista ou aprovada a construção de habitação, revela a intenção de não onerar o sector produtivo e as empresas em geral. Na verdade, os prédios afectos a actividades empresariais, nomeadamente comércio, serviços ou actividade industrial, podem alcançar um valor superior a um milhão com relativa facilidade, sem que esse facto possa revelar uma relevância em termos de riqueza idêntica à que revelam os que têm afectação à habitação com o referido valor.

Deste modo, consta-se que os factos tributários contemplados pela Verba 28.1 da TGIS não foram escolhidos de forma arbitrária, sendo a sua opção justificada pelo contexto político-económico subjacente.

Não colhe, assim, o argumento da Requerente de que a norma de incidência aqui em discussão viola o princípio da igualdade. Pelas razões expostas acima, este Tribunal também não considera que se encontre beliscado o princípio da capacidade contributiva pela exclusão de outros prédios, para além dos contemplados na norma, que revelam igual capacidade contributiva.  Igualmente, não se vislumbra que haja violação do princípio da capacidade contributiva pelo facto da incidência do IS ser efectuada imóvel a imóvel ou “à unidade”, atentas as motivações do Legislador e uma vez que não existe nenhum imposto global sobre o património, que imponha outro tipo de ponderação.” (cfr. páginas 10 a 17 da decisão arbitral proferida no processo n.º 527/2015-T)

 

Acompanhando a decisão arbitral acima transcrita não restam pois quaisquer dúvidas a este Tribunal sobre a bondade da interpretação que tem vindo a ser acolhida unanimemente pela jurisprudência arbitral e, em especial, pelo  Tribunal Constitucional sobre a norma de incidência constante do artigo 28.1 da TGIS, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, pelo que no caso dos autos não pode este Tribunal recusar a aplicação da referida norma com fundamento na sua inconstitucionalidade como pretende a Requerente.

Assim, sendo o prédio urbano da Requerente um terreno para construção com afectação, prevista ou autorizada, para habitação, deverá ser aplicada a referida norma, que não padece do vício de inconstitucionalidade que lhe é assacado pela Requerente.

Termos em que, também nesta parte, improcede o pedido da Requerente. 

 

Nestes termos e com a fundamentação supra, decide-se:

Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

Custas: O montante das custas é fixado em 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois  euros) ao abrigo do disposto no artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT e 527.º do CPC.

  

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de Julho de 2017

A Árbitro,

 

Susana Soutelinho