Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 469/2016-T
Data da decisão: 2017-06-27  Selo  
Valor do pedido: € 15.231,68
Tema: IS - divisões de prédio em propriedade total
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Pedido  

A…, LDA, contribuinte nº…, com sede na Av. … … …, …-… Lisboa, apresentou, em 29-07-2016, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2º e no art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, com vista a:

 

¾    A declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo sobre as divisões com afetação habitacional do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana com o nº…, freguesia de…, concelho de Lisboa, relativas ao ano 2015, e que se encontram identificadas através dos respetivos documentos de cobrança com os números 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016… e 2016… .

 

A Impugnante alega, no essencial e com relevância para a decisão da causa, o seguinte:

 

-        O prédio em causa, de que a Impugnante é proprietária, é formado por 12 divisões com utilização independente, das quais duas têm afetação a comércio/serviços, tendo as restantes afetação habitacional.

-        Sobre o VPT de cada divisão, a Administração Tributária liquidou o imposto do selo previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).

-        De acordo verba 28.1 da TGIS, há lugar ao imposto aí estabelecido quando se verifique a conjugação de dois pressupostos:

i)                   A afetação habitacional do prédio

ii)                 O valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.

-        O legislador, ao criar esta verba, pretendeu não tributar o património imobiliário por si só, mas o património imobiliário de elevado valor ou luxo, motivo pelo qual a verba em causa incide apenas sobre prédios com afetação habitacional e não sobre prédios com afetação mista.

-        Ora, no caso em apreço, sendo o prédio propriedade de pessoa coletiva, a sua afetação habitacional apenas poderá ter lugar caso o mesmo seja arrendado, não estando em causa o seu uso como uma exteriorização de riqueza ou luxo, motivo pelo qual o mesmo se encontra fora do escopo da verba 28.1 da TGIS.

-        Decorre ainda da proposta de Lei nº 96/XII que o legislador pretendeu com esta inovação legislativa e em atenção aos princípios da equidade social e da justiça fiscal, que contribuintes titulares de propriedades de elevado valor e destinadas a habitação contribuíssem de forma mais intensa.

-        (citando a decisão arbitral no proc. 132/2013-T) “Ora, se tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a ‘habitação’ – seja ela ‘casa’, ‘fração autónoma’ ou parte de prédio com utilização independente/unidade autónoma – porque se supõe uma capacidade contributiva acima da média e, nessa medida se justifica a necessidade de realização de um esforço contributivo adicional, pouco sentido faria passar a desconsiderar os apuramentos ‘unidade a unidade’ quando só através do somatório dos VPTs das mesmas (porque detidas pelo indivíduo) é que se superaria o milhão de euros”.

-        No caso em apreço o prédio tem uma afetação mista, tendo afetação habitacional dez das doze divisões com utilização independente, motivo pelo qual o mesmo se encontra fora do escopo e da incidência da verba 28.1 da TGIS.

-        O facto de o prédio se encontrar em propriedade vertical não horizontal não poderá por si só ser um indicador de maior capacidade contributiva.

-        À inscrição matricial de imóveis em propriedade vertical, ainda que constituídos por diferentes divisões com utilização independente, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) aplicam-se as mesmas regras de inscrição de imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo assim o respetivo Imposto Municipal sobre Imóveis e o Imposto do Selo liquidados individualmente em relação a cada uma das divisões.

-        O art. 67º do Código do Imposto do Selo (CIS) (dispunha) que, em todas as matérias não reguladas pelo mesmo, e no que concerne à verba 28, dever-se-á aplicar subsidiariamente o CIMI.

-        Tanto do art. 2º do CIMI, que define o conceito de prédio, como do art. 38º do mesmo diploma, relativo à determinação do VPT, não resulta qualquer destrinça quanto à situação resgistral do prédio, ie se este se encontra ou não em propriedade horizontal.

-        Ora (citando a decisão arbitral no proc. 132/2013-T) “não faz sentido distinguir na lei aquilo que a própria lei não distingue (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus). Acresce que distinguir, neste contexto, entre prédios constituídos em propriedade horizontal e em propriedade total seria uma “inovação” sem um suporte legal associado, até porque, como se tem aqui afirmado, nada denuncia, nem na verba 28, nem no disposto no CIMI, uma justificação para essa particular diferenciação”.

-        A própria AT, em sede de notas de liquidação aqui impugnadas, assumiu isso mesmo, ao declarar como valor total sujeito a imposto apenas o VPT relativo às divisões com afetação habitacional com utilização independente que integram o prédio, com exclusão das demais.

-        A verdade é que a AT emitiu notas de liquidação para cada divisão suscetível de utilização independente com afetação habitacional, tal como faria se o prédio estivesse constituído em propriedade horizontal, no entanto, para efeitos de incidência teve em conta o VPT global do prédio, em vez de considerar o VPT de cada fração.

-        No entanto e tendo em conta que o prédio integra divisões com utilização independente, a sujeição a imposto do selo deveria ter sido determinada, não pelo VPT global do prédio mas sim pelo VPT dessas divisões.

-        Até porque é precisamente ao VPT constante da matriz que a lei manda atender para determinar a incidência do imposto do selo da verba 28.1 da TGIS.

-        Sendo o VPT constante na matriz de cada uma destas frações inferior a 1.000.000,00 euros, não deverá incidir qualquer imposto do selo da verba 28.1 sobre as mesmas.

-        (Citando de novo a decisão arbitral no proc. 132/2013-T): “O processo uniforme que se impõe é, assim, o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afetação habitacional possua um VPT superior a 1.000.000,00 euros.

-        A discriminação operada pela AT no caso em apreço não tem fundamento, sendo atentatória de princípios de legalidade e justiça fiscal, arbitrária e ilegal, uma vez que o legislador não pode tratar situações iguais de forma diferente.

-        Se o prédio se encontrasse em propriedade horizontal nenhuma das suas frações habitacionais sofreria incidência do novo imposto.

-        Se do nº 1 do art. 4º da LGT decorre que os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, sendo esta revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património, e se em nada releva a forma jurídica como o sujeito passivo detém o seu património imobiliário, ou seja, se este se encontra em propriedade horizontal ou total, concentrado ou disperso, não poderão estes aspetos formais ser critérios de capacidade contributiva nem critério legítimo de tributação.

 

  1. Resposta da Requerida

Na sua Resposta, a Requerida alega, resumidamente, o seguinte:

-        A interpretação que a Impugnante defende da verba 28.1 da TGIS, de que, quando o prédio é composto por partes suscetíveis de utilização independente, a sujeição a imposto deverá ser determinada, não em função do VPT do prédio mas em função do VPT de cada fração, não tem correspondência com a letra da lei;

-        Também a não tem com o sentido dessa norma legal que, segundo o autor do pedido de pronúncia arbitral, seria a sujeição a imposto, não dos prédios propriamente ditos, mas das habitações aí existentes.

-        Caso a sujeição de cada habitação ao imposto do selo da verba 28 da Tabela Geral devesse ser determinada em função das demais habitações do prédio, como está subjacente à liquidação impugnada, o facto tributário deixaria de ser o valor patrimonial tributário susceptível de ser imputado a cada habitação, mas o valor patrimonial tributário integral de cada prédio urbano.

-        A concentração em cada prédio de habitações independentes não é, assim, susceptível de desencadear a incidência do imposto de selo sobre cada uma delas.

-        Como não pode justificar essa incidência a concentração da titularidade na mesma pessoa de um conjunto de prédios com afectação habitacional, constituídos ou não em regime de propriedade horizontal.

-        A forma jurídica da propriedade dos prédios urbanos, horizontal ou vertical, não é susceptível de, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, corolário lógico do princípio da igualdade a que se refere o art. 13º da Constituição da Republica (C.R.P.), se projectar na incidência do imposto de selo da verba 28.1 da Tabela Geral.

-        A verba 28 da Tabela Geral dispõe recair imposto de selo sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (C.I.M.I.), seja igual ou superior a € 1 000 000,00.

-        Segundo a verba 28.1., em caso de prédios urbanos com afectação habitacional, o imposto recai sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de imposto municipal sobre imóveis (IMI).

-        Segundo o art. 2º, nº 4, do Código do Imposto do Selo, são sujeitos passivos do imposto os sujeitos passivos de IMI, nos termos do art. 8º do C.I.M.I..

-        Segundo o art. 3º, nº 3, alínea u), do C.I.M.I., é igualmente sobre os sujeitos passivos referidos no art. 8º do C.I.M.I. que recai o encargo do imposto do selo.

-        Resulta dessas normas legais o facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. consistir na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (C.I.M.I.), seja igual ou superior a € 1 000 000,00.

-        O valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente.

-        Não se vislumbra, assim, como as liquidações de IS impugnadas possam ter violado o teor literal da verba 28.1 da Tabela Geral.

-        O art. 80º, nº 2, do C.I.M.I. declara que, salvo o disposto nos arts. 84º e 92º, a cada prédio corresponde um único artigo inscrito na matriz.

-        O princípio de que a cada prédio corresponde um só artigo matricial apenas é excecionado relativamente aos prédios mistos em que, segundo o referido art. 84º, cada uma das partes distintas é inscrita na matriz na parte que lhe competir e relativamente aos prédios constituídos em propriedade horizontal em que, apesar de, nos termos do art. 2º, nº 4, do C.I.M.I., cada fracção autónoma ser havida como constituindo um prédio, a cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde uma só inscrição matricial.

-        O prédio urbano não estava constituído em regime de propriedade horizontal à data do facto tributário do imposto do selo – 31 de Dezembro de 2013 -, caso em que cada uma das fracções autónomas seria havida como prédio urbano, incluindo para efeitos da sujeição ao imposto do selo da verba 28.1. da Tabela Geral, mas em regime de propriedade vertical.

-        Dispõe, no entanto, como consta da respectiva matriz predial, de andares ou divisões independentes, avaliadas nos termos do art. 12º, nº 3, do C.I.M.I, que diz que cada andar ou prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina igualmente o respectivo valor patrimonial tributário sobre o qual é liquidado IMI.

-        Tal norma legal releva, deste modo, para efeitos da inscrição na matriz predial, a autonomia que, dentro do mesmo prédio, pode ser atribuída a cada uma das suas partes, económica e funcionalmente independentes.

-        Nesse caso, a inscrição matricial deve fazer referência a cada uma das partes e também ao valor patrimonial correspondente a cada uma delas, apurado separadamente nos termos dos arts. 37º e seguintes do C.I.M.I..

-        A unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é, no entanto, afetada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente.

-        Tal prédio não deixa de ser um apenas, não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às fracções autónomas em regime de propriedade horizontal.

-        Sem prejuízo do regime de compropriedade, quando for o caso, a sua titularidade não pode ser atribuída a mais de um proprietário.

-        No presente caso, o valor patrimonial tributário de que depende a incidência do imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral tinha de ser, como foi, o valor patrimonial global do prédio e não o de cada uma das suas partes independentes.

-        O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afecta igualmente a aplicação do art. 28º, nº 1, da Tabela Geral.

-        É o que resulta de o facto determinante da aplicação dessa verba da Tabela Geral ser o valor patrimonial total do prédio e não separadamente o de cada uma das suas parcelas.

-        A inscrição matricial de cada parte susceptível de utilização independente não é autónoma, por matriz, mas consta de uma descrição na matriz do prédio na sua totalidade.

-        As normas de procedimentos de avaliação, sobre inscrição matricial, e ainda as normas sobre a liquidação das partes susceptíveis de utilização independente, não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime de propriedade vertical, sob pena de se incorrer nos vícios de ilegalidade e inconstitucionalidade.

-        Outra interpretação violaria a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no art. 103º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.).

 

 

3.                             Tramitação subsequente

 

3.1.            Requerimento subsequente da Impugnante

Em 03.01.2017, a Impugnante apresentou requerimento em que dava conta dos seguintes factos:

-        Em 09.12.2015 foi celebrada escritura de constituição de propriedade horizontal do prédio sobre o qual incidiram as liquidações impugnadas.

-        Em 15.12.2015 foi entregue declaração modelo 1 do IMI com cópia da escritura.

-        O averbamento da constituição da propriedade horizontal no registo predial foi efetuada em 12.01.2016.

E alegava com base nos mesmos factos:

-        Apesar de a escritura de propriedade horizontal ter sido registada apenas em janeiro de 2016, tendo sido constituída a propriedade horizontal antes de 31 de dezembro de 2015, ano a que diz respeito o imposto, e tendo sido entregue o modelo 1 ainda em 2015, deve o imposto relativo a 2015 ser liquidado considerando o prédio já constituído em propriedade horizontal.

-        Isto já que o registo da constituição de propriedade horizontal tem efeito meramente declarativo.

Este requerimento foi notificado à Requerida a quem foi concedido prazo para, querendo, se pronunciar sobre o mesmo.

A Requerida não se pronunciou.

 

3.2.            Reunião prevista no art. 18º do RJAT

Por despacho de 06.05.2016, tendo obtido previamente a concordância das Partes, o Tribunal determinou a dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, em vista da desnecessidade desta.

 

II – SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 14-11-2016, tendo sido o árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respetivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, nº 1, als. a) e b) do RJAT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD).

As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

III – QUESTÕES A DECIDIR

 

São questões a decidir:

-        A admissibilidade da modificação da causa de pedir, a fim de se poder considerar como fundamento da invalidade das liquidações o facto de o prédio já se encontrar em regime de propriedade horizontal em 31.12.2015.

-        A incidência do imposto da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo sobre divisões de prédio urbano em propriedade total, com afetação habitacional e suscetíveis de utilização independente e como tal consideradas na matriz predial tributária.

 

IV – FACTOS PROVADOS

 

São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão:

-          A Impugnante era, à data do facto tributário, proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, freguesia de…, concelho de Lisboa;

-          O prédio descrito encontra-se descrito na matriz predial tributária como prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente;

-          O prédio é composto por 12 divisões com utilização independente das quais, uma tem afetação comercial, uma tem afetação a serviços e as restantes têm afetação habitacional;

-          O valor patrimonial tributário do prédio é de 2.923.710,00 euros;

-          O valor considerado pela AT- Autoridade Tributária e Aduaneira como estando sujeito a imposto é de 2.284.750,00 euros;

-          A AT- Autoridade Tributária e Aduaneira liquidou imposto do selo sobre os valores patrimoniais tributários dos andares ou partes suscetíveis de utilização independente com afectação habitacional, à taxa de 1%, ao abrigo do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) relativamente ao ano de 2015;

-          Nenhuma das divisões do prédio tem valor patrimonial tributário igual ou superior a um milhão de euros;

 

V - FUNDAMENTAÇÃO  

 

1.      Admissibilidade da modificação da causa de pedir

Através do requerimento dirigido ao Tribunal em 3.1.2017, a Impugnante requereu uma modificação da causa de pedir.

Passava a pedir a anulação das liquidações impugnadas não já com base no argumento de que a decisão sobre incidência da verba 28.1 da TGIS a um prédio em propriedade total deve ter por base o valor patrimonial tributário de cada divisão com utilização independente e afetação habitacional (e não o valor patrimonial tributário total do prédio ou o somatório dos VPT das divisões com afetação habitacional) mas com base no facto de o prédio sobre o qual incidiram as liquidações impugnadas se encontrar em propriedade horizontal em 31 de dezembro de 2015.

A modificação da causa de pedir é uma modificação objetiva da instância.

O princípio fundamental nesta matéria é o da estabilidade da instância, consagrado no art. 260º do CPC, de acordo com o qual “Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.” Pelo que só nas situações expressamente previstas na lei são de admitir modificações da causa de pedir.

Sobre a admissibilidade desta modificação o RJAT nada diz, pelo que serão de aplicar, por remissão do art. 29º, o Código do Processo nos Tribunais Administrativos e o Código de Processo Civil.

O CPTA, nomeadamente no seu art. 63.º, refere-se à ampliação da instância em situações muito restritas que não se verificam no caso dos autos.

No entanto, o Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que, no âmbito de um processo nos tribunais administrativos, para além das situações previstas no art. 63º do CPTA, é admissível a modificação da causa de pedir também nas situações previstas no art. 265º do Código de Processo Civil (cfr. acórdãos do STA de 29-06-2011, proc. nº 30/11 e de 25-03-2004, proc. nº 8/04).

Assim, no acórdão de 29-06-2011, proc. nº 30/11, o Tribunal diz: “É admissível, em processo de impugnação judicial, a ampliação do pedido e da causa de pedir, nos termos do disposto no artigo 63.º do CPTA, ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, sempre que se verifiquem factos supervenientes para o impugnante que lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia conhecer no momento da apresentação da petição inicial, assim permitindo ao impugnante invocar novos factos ou imputar novos vícios ao acto impugnado.”

Ora, não é o que se verifica no caso sub judice.

Tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em julho de 2016, era do conhecimento da Impugnante que ela própria outorgara escritura de constituição da propriedade horizontal do prédio em dezembro de 2015.

Não é, por conseguinte, de admitir a requerida modificação da causa de pedir, por respeito ao princípio da estabilidade da instância, pelo que o Tribunal não pronunciará sobre a causa de pedir modificada.

 

2.      A incidência do imposto da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo sobre divisões de prédio urbano em propriedade total, com afetação habitacional e suscetíveis de utilização independente e como tal consideradas na matriz predial tributária

A questão de fundo que há que apreciar e decidir é a de saber se o imposto da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo incide sobre divisões de prédio urbano em propriedade total, com afetação habitacional susceptíveis de utilização independente e como tal consideradas na matriz predial tributária.

Sobre esta mesma questão o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou diversas vezes, encontrando-se firmada a doutrina de que, tratando-se de um prédio em propriedade vertical, a incidência objectiva do Imposto do Selo deve ser determinada, não pelo valor patrimonial tributário resultante do somatório do valor patrimonial tributário de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo valor patrimonial tributário atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.

 A fundamentação desta doutrina pode encontrar-se num dos primeiros acórdãos que o Supremo Tribunal proferiu sobre esta matéria, em 09-09-2015, no processo n.º 47/15. Neste aresto, que tomamos como base da nossa decisão nos presentes autos, profere aquele Tribunal:

«O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação –, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária – em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.”

Prossegue o Tribunal:

 “(…)A presente temática está, desde logo por força do artigo 67.º, n.º 2 do Código do IS, sujeita às normas do Código do IMI,  - «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI».

Como tal, e como já tantas vezes se mencionou, no entendimento do presente tribunal, o mecanismo para o apuramento do VPT relevante para efeitos da aludida verba, é o que se encontra estatuído no Código do IMI.

Ora, o artigo 12.º, n.º 3 do Código do IMI estabelece que «cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário».

Desvalorizando o legislador, nos termos anteriormente mencionados, qualquer prévia constituição de propriedade horizontal ou vertical.

Com efeito, para este (legislador), o que releva é a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização.

Refira-se que a própria ATA parece concordar com o critério exposto, razão pela qual as liquidações que a própria emite são muito claras nos seus elementos essenciais, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT de cada um dos andares e as liquidações individualizadas.

Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.

Assim, só haveria lugar a incidência de IS (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.

Não podendo a ATA considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de IMI (e, tal como anteriormente mencionado, este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à Verba n.º 28 da TGIS).

Em conclusão, o regime jurídico actual não impõe a obrigação de constituição de propriedade horizontal, pelo que a actuação da ATA traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal.

De facto, não pode a ATA distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.

No caso em apreço, o[s] prédio[s] em causa encontrava[m]-se, à data relevante dos factos, constituído[s] em propriedade total e tinha[m] […] fracções com utilização independente, como resulta dos documentos […].

Dado que nenhuma dessas fracções tem valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000,00, como resulta dos documentos juntos aos autos, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência.”

Consideramos que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo explanada no aresto citado assenta em fundamentos corretos, pelo que entendemos dever aplicá-la ao caso sub judice, sem qualquer reserva.

No âmbito do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), o legislador estabeleceu claramente, no artigo 12.º, n.º 2 do CIMI, que as partes de prédio com utilização independente são avaliadas separadamente, sendo esse valor tomado como base da liquidação de imposto.

No âmbito do Imposto do Selo, o artigo 13.º, n.º 1 do respectivo código dispõe que “o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI”.

Portanto, parece claro que o legislador pretendeu que fosse considerado o valor patrimonial tributário das partes com utilização independente para efeitos de delimitação da incidência objectiva do imposto.

A AT - Autoridade Tributária e Aduaneira parece conformar a sua atuação com este entendimento, ao emitir atos de liquidação de Imposto do Selo individualizados em relação a cada parte com utilização independente.

Acresce que, de acordo com o artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas deve reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Ora, o elemento subjetivo da interpretação, a retirar dos elementos históricos que são sobejamente conhecidos nesta matéria, e que são parcialmente reproduzidos no acórdão do STA citado, indica claramente a intenção do legislador de submeter a tributação unidades habitacionais (“casas de habitação”) de elevado valor. Unidades habitacionais são as partes suscetíveis de utilização independente e não o prédio na sua totalidade.

Sem esta interpretação, a norma da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo seria completamente arbitrária, iníqua e destituída de racionalidade.

Em consonância com todos os elementos interpretativos mencionados, deve considerar-se que, estando-se perante um prédio em propriedade total formado por partes suscetíveis de utilização independente, só há lugar a incidência de imposto do selo (no âmbito da Verba n.º 28 da TGIS) se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentar um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000,00 de euros.

Por todo o exposto, cumpre concluir que as liquidações de imposto de selo impugnadas são ilegais, por violação da lei de imposto, ao incidirem sobre partes independentes de prédios em propriedade total mas tomando por base o valor patrimonial tributário da soma das mesmas partes e quando nenhuma dessas partes tem um valor patrimonial tributário igual ou superior a 1.000.000,00 de euros.

 

 

VII - DECISÃO

 

Pelos fundamentos expostos, decide-se julgar inteiramente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, declarando-se a invalidade, por violação de lei, e anulando-se os atos de liquidação de Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS, referentes ao ano de 2015 e respeitantes às divisões habitacionais do prédio urbano descrito na matriz predial urbana sob o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana com o nº…, freguesia de …, concelho de Lisboa, relativas ao ano 2015, e que se encontram identificadas através dos respetivos documentos de cobrança com os números 2016…, 2016…, 2016 …, 2016 …, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016 …, 2016…, 2016…, 2016 … e 2016… .

 

Valor da utilidade económica do processo: Fixa-se o valor da utilidade económica do processo em 15.231,68 euros.

 

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

 

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 27 de Junho de 2017

 

 

 

O Árbitro

 

 

 

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(Nina Teresa Sousa Santos Aguiar)