Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 480/2016-T
Data da decisão: 2017-04-08  IRC  
Valor do pedido: € 2.349.145,69
Tema: IRC - Dedutibilidade de custos. Encargos financeiros.
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Os árbitros Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente), Dr. Fernando de Jesus Amado dos Santos (Vogal) e Dra. Cristina Aragão Seia (Vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Colectivo, decidiram o seguinte:

 

1. Relatório

 

A…, Lda (adiante designada por Requerente), pessoa colectiva nº…, com sede no…, …, …, em…, veio, ao abrigo do artigo 2º nº 1, alínea a) e dos artigos 10º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista:

- a apreciação da legalidade e anulação dos actos tributários de Liquidação Adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) com o nº 2013…, no montante de € 2.442.865,29 (doc. 1 junto com o pedido arbitral), de Demonstração de Liquidação de Juros com o nº 2013… e de Demonstração de Acerto de Contas nº 2013…, que, depois de corrigida, deu origem a imposto a pagar no valor de € 2.349.145,69, referente ao exercício de 2011 (docs 2 e 3 juntos com pedido arbitral);

 

- a apreciação da legalidade e anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deles apresentada;

- a apreciação da legalidade e anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto do indeferimento da mesma reclamação graciosa; e

- a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 01.08.2016.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na al. a) do nº 2 do art. 6º e da alínea b) do nº 1 do art. 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a Sra. Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, o Sr. Dr. Fernando de Jesus Amado dos Santos e o Sr. Professor Doutor Carlos Lobo como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 03.10.2016, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do art. 11º, nº 1, als a) e b) do RJAT e dos arts 6º e 7º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do art. 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 04.11.2016.

Devidamente notificada, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido, defendendo-se apenas por impugnação.

Por despacho de 11.01.2017 foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

Foi fixado o dia 4 de Maio para a prolação da decisão final.

A 26.01.2017, foi proferido pelo Sr Presidente do Conselho Deontologico do CAAD despacho de substituição do Sr. Prof. Doutor Carlos Lobo, que renunciou às funções de árbitro adjunto, pela Sra. Dra. Cristina Aragão Seia.

Nos termos do previsto no n.º 3 do art. 9.º do RJAT, entendeu-se não se justificar a repetição de quaisquer actos processuais, prosseguindo a instância os seus demais e regulares termos.

As partes apresentaram alegações escritas, pronunciando-se sobre a prova oferecida, reiterando e desenvolvendo as respetivas posições jurídicas.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2º, nº 1, al. a), e 10º, nº 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4º e 10º, nº 2, do mesmo diploma e art. 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não há excepções nem há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e documentos juntos com o pedido de pronuncia arbitral, consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    A Requerente, A…, Lda (NIPC….), é uma sociedade por quotas que, de acordo com a certidão permanente junta com o processo administrativo, tem por objecto “a consultoria e prestação de serviços empresariais nas áreas de gestão administrativa, financeira e de pessoal, contabilidade, informática, investigação cientifica, formação profissional, a comercialização de aparelhos, utensílios e produtos destinados ao sector de prestação de cuidados de saúde e a elaboração de estudos e prestação de cuidados médicos em todas as especialidades, bem como a prestação de serviços conexos ou afins”;

b)   A Requerente teve como designações anteriores B…, Lda (até julho de 2008) e C…, Lda (até dezembro 2008);

c)    Até 25 de junho de 2007, esta sociedade era detida pela D…, SA e pela E…, SA, não tendo praticamente actividade desde que iniciou;

d)   A 26 de junho de 2007, estas sociedades alienaram as suas quotas na Requerente, então B…, à sociedade F…, SARL;

e)    A F…, SARL (NIPC….), com sede no Luxemburgo, posteriormente designada G…, SARL, é detida por uma sociedade de capital de risco denominada H…, com sede em Inglaterra, e serviu como veículo para a aquisição do Grupo I…, no ano de 2007, informação esta que consta de um pedido efetuado pela H… à Autoridade da Concorrência da Comissão Europeia no âmbito da aquisição do grupo I… (anexo 7 ao Relatório de Inspecção Tributária).

f)    No dia da referida aquisição, a F…, SARL procedeu ao aumento de capital da B…, passando este de € 5.000,00 para € 40.901.711,00, conforme certidão permanente do Registo Comercial e Acta n.º 13 (doc. 6 junto com o Pedido Arbitral), aumento este realizado, de acordo com a referida certidão, em numerário;

g)   Em 28 de junho de 2007, a entidade B… procedeu à emissão de um empréstimo obrigacionista, no valor de € 81.700.000,00, totalmente subscrito pela sócia única, F…, SARL (anexo 9 ao Relatório da Inspecção Tributária);

h)   Para tanto foi deliberado em 27 de junho de 2007, conforme Acta n.º 14 da sociedade B…(anexo 10 ao Relatório da Inspecção Tributária e documento n.º 7 junto com o Pedido Arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), que, atendendo às necessidades de capitalização que a sociedade teria que fazer face às transacções que se propunha realizar e tendo a intenção de proceder ao pagamento do preço ao abrigo do contrato de cessão de quotas representando a totalidade do capital social da sociedade J…, mais tarde designada K…, Lda (NIPC…), procederiam à emissão de um empréstimo obrigacionista no montante de € 81.700.000,00, o qual seria totalmente subscrito pela sócia única (F…, SARL);

i)        Para a realização do empréstimo obrigacionista, tiveram ainda intervenção a L…, S.A., que procedeu ao pagamento de juros à sociedade subscritora F…, SARL e a M…, SA, que procedeu ao registo deste empréstimo;

j)       Através da análise à contabilidade, a AT constatou que os € 81.700.000,00 nunca deram entrada nas contas da entidade, constando este montante como dívidas de terceiros por contrapartida de empréstimos;

k)   Em 1 de agosto de 2007, a k…, Lda (NIPC….), antes designada J…, é adquirida pela Requerente pelo montante de € 122.611.711,00 (anexo 4 ao Relatório da Inspecção Tributária).

l)       Esta operação de aquisição foi registada na contabilidade por uma transferência de saldos devedores — dívidas de terceiros (sócios pelo aumento de capital e pelo empréstimo obrigacionista) para investimentos financeiros em vez de uma saída de disponibilidades, pelo que a AT concluiu que os meios monetários relativos ao aumento de capital como ao empréstimo obrigacionista nunca deram entrada nas contas da B… (anexo 11 ao Relatório da Inspecção Tributária);

m) Relativamente aos juros, tal como decorre da contabilidade dos anos de 2007 e 2008, foram pagos através da L…, S.A., pela K…, sociedade adquirida através daquele empréstimo (anexo 12 ao Relatório da Inspecção Tributária) não tendo a B… qualquer actividade operacional, servindo apenas como veículo para aquela aquisição;

n)   Estes mesmos juros pagos à entidade F… não foram sujeitos a imposto em Portugal nos termos do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro;

o)   Nos dois anos em que foi efetuada a análise à contabilidade da B… no âmbito das Ordens de Serviços n.ºs OI2010…/…,  a AT constatou que não teve resultados operacionais de relevo, apresentando prejuízos decorrentes dos resultados financeiros negativos derivados do empréstimo obrigacionista, que eram pagos pela A… (entidade adquirida pela B…);

p)   A 10 de dezembro de 2007, a F…, SARL procedeu a um novo aumento de capital da B…, passando este de € 40.901.711,00, para € 57.773.878.00, conforme certidão permanente do Registo Comercial e Acta nº 16 (doc. 12 junto com o Pedido Arbitral), aumento este realizado, segundo a referida certidão, em numerário;

q)   Em julho de 2008, a sociedade B…, Lda altera a sua firma para C…, Lda. (doravante C…), alterando igualmente a sede, anteriormente na zona franca da Madeira, estabelecendo-se em Sintra, na sede atual;

r)    Em dezembro de 2008, a C…, por fusão, incorpora a sua participada K…, Lda (NIPC …), participação esta adquirida em agosto de 2007, passando a adoptar a designação atual, que era a designação da participada, assumindo as funções e objectivos sociais desta (anexo 6 ao Relatório da Inspecção Tributária);

s)    Por via dessa fusão, a Requerente passou a ser titular directa de uma série de empresas no ramo da saúde (nomeadamente diálise);

t)     A K…, Lda (NIPC…), detinha a totalidade do capital das seguintes entidades:

1.N…, S.A., NIPC…;

2.O…, Lda, NIPC…;

3.P…, Lda, NIPC…;

4.Q…, Lda, NIPC…;

5.R…, S.A., NIPC…;

6.S…, S.A., NIPC…;

7.T…, S.A., NIPC…;

8.U…, S.A. NIPC…;

9.V…, Lda, NIPC…;

10.W…, Lda, NIPC…;

11.X…, S.A., NIPC…;

12.Y…, S.A., NIPC…;

13.Z…, S.A., NIPC…;

14.AA…, S.A., NIPC…;

 

u)   Detinha ainda parcialmente o capital da sociedade BB…, LDA, com o NIPC…;

v)   Em dezembro de 2009, a Requerente (já A…, Lda – NIPC…) procedeu à fusão, por incorporação, com as empresas do grupo, passando a partir dessa data a dedicar-se à prestação de serviços médicos;

w) Com a operação de fusão, todo o património da incorporada, K…, foi transferido para a sua incorporante, C…;

x)   E, com a referida incorporação, todos os activos e passivos ficaram englobados numa mesma entidade, passando a entidade incorporada, que gerava os proveitos e/ou ganhos a suportar os encargos estabelecidos entre a sociedade F… e a sociedade B…, decorrentes do empréstimo obrigacionista contraído para aquisição da sociedade K… (J…);

y)   A K…, Lda (NIPC…) cessou a sua actividade devido à fusão por incorporação com a Requerente (certidão permanente da Conservatória do Registo Comercial - anexo 5 ao Relatório da Inspecção Tributária);

z)    Foi realizada uma acção de inspecção externa à Requerente ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI2013…, OI2013… e OI2013…, de 06/03/2013;

aa)                  A referida inspecção tinha por objecto os exercícios de 2009, 2010 e 2011, sendo que era de âmbito geral para o período de tributação de 2009 e, para os restantes, designadamente para o período de 2011 objecto do presente pedido, de âmbito parcial, incidindo sobre IRC.

bb)                  A Requerente, nos exercícios em causa, exerceu a actividade de “Actividades de contabilidade e auditoria; consultoria fiscal", CAE 69200 (até 27.01.2010) e desde 28.01.2010 está inscrita pela actividade de “Actividades de prática médica de clínica especializada, em ambulatório" - CAE 86220, tendo como objecto secundário “Actividades de contabilidade e auditoria: consultoria fiscal" - CAE 69200.

cc)                  No âmbito da acção de inspecção a AT apurou que nos anos de 2009, 2010 e 2011, a Requerente suportou e inscreveu na sua contabilidade custos (juros) com empréstimo obrigacionista e suprimentos, custos estes que a AT  entendeu não estarem relacionados com a sua actividade empresarial, nem servirem à manutenção da sua fonte produtora de rendimentos, tendo antes aproveitado a um terceiro (G…, SARL, anterior F…, SARL), pelo que entendeu que esses custos não deviam ser aceites para efeitos da cálculo do resultado fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 23º do Código do IRC;

dd)                  O montante de juros contabilizados e pagos à sociedade mãe na sociedade atual é de cerca de € 8,5 M, em todos os exercícios analisados pela AT;

ee)                  Em 10 de outubro de 2014, a Requerente foi notificada pela AT para comprovar a indispensabilidade dos custos e/ou gastos incorridos com os juros suportados com o empréstimo obrigacionista para a obtenção dos proveitos (anexo 13 ao Relatório da Inspecção Tributária );

ff)  A Requerente respondeu à notificação em 18 de outubro de 2014, dizendo, em suma, o seguinte:

“• Em 2007, a H… acordou a aquisição de parte do negócio do grupo I… dedicada à prestação de cuidados de saúde renal em diversas jurisdições;

• Para tal, constituiu uma sociedade com sede no Luxemburgo (G… SARL) com a finalidade de adquirir ou constituir sociedades em cada uma das jurisdições em que a J… possuía actividade com o propósito de concretizar a aquisição das sociedades do grupo I… ou ainda caso fosse possível adquirir os activos e passivos dessas mesmas entidades.

• Em Portugal, aquela operação traduziu-se na aquisição da sociedade J… pela B…, pois era nesta sociedade quê sé encontrava o alvo da B… (clínicas de diálise).

• Para tal a G… SARL dotou a empresa portuguesa de capital e divida com a finalidade proceder à aquisição da J… .

Esta via foi escolhida, entre outras razões, por se adequar às melhores práticas internacionais, por incutir disciplina financeira pela pressão que exerce sobre os resultados, e a saída de capitais via dívida ser mais simples que a distribuição de dividendos.

Era intenção do grupo A… a aquisição das clinicas e não as sociedades, o que na jurisdição Portuguesa não é possível em face das regras próprias das Administrações Regionais de Saúde.

• Também foi intenção do grupo simplificar a estrutura das participações que detinha, o que fez através de uma reorganização bifásica.

• Esta reorganização passou, em primeiro lugar, pela fusão da J… na A… (ex-B…) e, em segundo lugar, procedeu-se à fusão das restantes entidades na A…, que teve de obter o aval das Administrações Regionais de Saúde.

• As duas fusões, independentemente de terem acontecido em datas distintas, reportaram-se à data de 1 de janeiro de 2009.

• De um ponto de vista económico-financeiro a fusão trouxe benefícios económicos para o Grupo e, consequentemente, para a Economia Nacional.

• Relativamente à dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com o empréstimo obrigacionista subscrito pela casa-mãe:

"Em suma, por forma a atestar a indispensabilidade de um determinado gasto para a geração de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, deverá verificar-se:

• O enquadramento do gasto no âmbito da actividade do sujeito passivo e não de qualquer outra entidade, ainda que dele relacionada;

• Uma conexão entre o gasto e o proveito sujeito a imposto, ainda que de forma indireta;

• O gasto deverá ter, na sua origem e na sua causa, o interesse específico da empresa ou, dito de outra forma, deverá obedecer a critérios de racionalidade económica face aos objectivos estatutários e atender à razoabilidade e à fundamentação das decisões de gestão no momento e nas circunstâncias em que são tomadas."

• Quanto a dedutibilidade dos encargos financeiros, em data anterior à fusão, o empréstimo foi contraído para aquisição da J…, o que não era alheio de todo ao objecto social da empresa.

Os encargos financeiros "foram incorridos na estrita prossecução da actividade da Exponente ... e em seu beneficio único e exclusivo" e sem esse financiamento não teria condições de concretizar a aquisição da J…, "aquisição essa que, juntamente com a subsequente gestão das respetivas partes de capital, constituíram uma parte importante da actividade da Exponente em momento anterior à fusão."

Sem aquela aquisição, "ver-se-ia potencialmente privada de um conjunto de rendimentos" e que não usufruiu do disposto no artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais relativamente às mais-valias e menos-valias realizadas, pelo que os encargos financeiros suportados cumpriam as condições para serem considerados como indispensáveis para a geração de proveitos.

Relativamente ao período após fusão, não sê poderá questionar a indispensabilidade dos gastos uma vez que (i) estão diretamente relacionados com a actividade do sujeito passivo, bem como com o seu objecto social, (ii) contribuem para a geração de rendimento sujeito a imposto e (iii) são manifestamente indispensáveis.

•O objecto social da A… passou a ser o seguinte: "1 — Consultoria e prestação de serviços empresariais nas áreas de gestão administrativa, financeira e de pessoal, contabilidade, informática, investigação científica, formação profissional, a comercialização de aparelhos, utensílios e produtos destinados ao setor de prestação de cuidados de saúde e a elaboração de estudos e prestação de cuidados médicos em todas as especialidades, bem como a prestação e serviços conexos ou afins. 2 - As actividades constantes do objecto social poderão ser desenvolvidas, total ou parcialmente, de modo indireto, mediante a titularidade de ações ou participações de e em sociedades com objecto idêntico ou análogo", mantendo até à actualidade;

• Esta alteração de actividade teve como objectivo acomodar as actividades desenvolvidas pelas sociedades incorporadas, passando a A… a desenvolver, por via da fusão, todas as actividades desenvolvidas pelas sociedades incorporadas.

• Assim, "a fusão da J… na Exponente não resultou no desaparecimento de nenhum activo na esfera desta última (nomeadamente partes de capital) que tenham estado na origem do empréstimo obrigacionista que gerou encargos financeiros, mas sim na conversão daquele activo no conjunto de activos e passivos que aqueles títulos já representavam."

• E como tal os encargos financeiros "enquadraram-se forçosamente na actividade da Exponente após a fusão, i. e., destinaram-se, em substância, a financiar a aquisição do património suficiente e necessário para o desenvolvimento, na sua esfera, da actividade de prestação de cuidados de diálise anteriormente desenvolvida pelas subsidiárias, a titulo individual."

• Relativamente à indispensabilidade dos gastos, refere que "sem o empréstimo obrigacionista a Exponente não teria "adquirido" os activos e passivos, nomeadamente as unidades de cuidado de negócio de prestação de cuidados de saúde ... as quais são, de facto, a fonte de rendimento sujeito a imposto - primordial da Exponente em momento posterior à fusão."

• "A actividade desenvolvida pela Exponente, após a fusão, incluía a prestação de cuidados de saúde, com recurso aos meios humanos e materiais, bem como os activos e passivos, das entidades incorporadas, a qual se enquadra plenamente no seu objecto social;

Sem o financiamento em apreço, a aquisição da J… não teria sido possível e, sem ele, a subsequente fusão, que permitiu à então Exponente desenvolver a sua actividade geradora de proveito sujeito a imposto;

• Na verdade, o financiamento em apreço pode ser encarado como se destinando, desde o início, à aquisição dos activos e passivos que compõem a globalidade do património das sociedades incorporadas ...;

• Com efeito, a fusão não deve ser encarada como representando uma alteração à realidade económica consolidada da sociedade incorporante e incorporadas, já que a mesma se mantém intacta;

• Não ocorreu, em qualquer momento, qualquer confusão entre os encargos financeiros suportados pela Exponente e a actividade de terceiros."

 

gg)                  A Requerente foi notificada em 11.11.2013 do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, tendo exercido o seu direito de resposta em audição prévia, mediante requerimento enviado em 28.11.2013.

hh)                  Em 09.12.2013 a Requerente foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária.

ii)   De acordo com o Relatório de Inspecção Tributária, cujo teor se dá por reproduzido, a AT procedeu a duas correcções de natureza distintas, argumentando da seguinte forma:

1.   Gastos suportados com o empréstimo obrigacionista:

“III. 1.4 - Da análise à operação e correções propostas

III.1.4.1 - Custos com empréstimo obrigacionista

Com a incorporação da K…, Lda. (NIPC…), na sua empresa mãe C…, Lda. (NIPC…), todos os activos e passivos se englobaram numa única entidade, passando os cash-flow libertos pela actividade e património da entidade incorporada a suportar os encargos decorrentes do empréstimo obrigacionista celebrado entre a F… e a B…, empréstimo (este) que veio a permitir a aquisição da sociedade J… .

O mesmo é dizer que, com a fusão, os [cash-flow] libertos pela actividade da sociedade incorporada passaram a suportar os custos com a sua própria aquisição.

Ora, dispõe o artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC que:

(...) No caso concreto temos que os custos com a aquisição da sociedade J… (posteriormente K…, Lda.), que haviam sido incorridos pela B… (posteriormente C…, Lda.), por via da fusão, passaram a ser suportados pelos cash-flows gerados pela entidade adquirida.

Com a fusão, a actividade desenvolvida pela sociedade incorporante passou a corresponder integralmente à actividade que já vinha sendo exercida pela sociedade incorporada, sendo que o empréstimo obtido pela B… teve como único objectivo a obtenção de capital para aquisição da J… .

A C… (antiga B…) apenas surgiu como veículo para concretizar a aquisição da J… à K…, Lda. (antiga J…).

Aquando da Fusão, a C… (antiga B…) assumiu a denominação da A…, Lda, o que na prática traduziu, tão só e apenas, [n]o cancelamento do registo do sujeito passivo com o NIPC e registo n.º… .

Não obstante o cancelamento do registo do sujeito passivo…, é a K…, Lda. (antiga J…), a sociedade que prossegue a sua actividade anterior, agora sob o NIPC … e não a C…, já que esta sociedade nada acresceu ao objecto prosseguido pela K…, Lda. (antiga J…), e que teve por epílogo a adopcão da firma A…, Lda.

Os custos objecto de análise apenas serviram para a redução do resultado fiscal da sociedade resultante das fusões, não se tendo alcançado qualquer efeito positivo em termos financeiros.

Em conclusão, a utilização do veículo (B…) da forma descrita, permitiu que o custo de financiamento que seria suportado pela empresa luxemburguesa (F… S.A.R.L., atual G…, S.A.R.L.), numa aquisição direta, [passassem] a ser suportados pelo património da sociedade operacional (A…), sendo integralmente deduzidos ao resultado desta, após a incorporação do seu património na sociedade veículo, com o respetivo impacto a nível fiscal (EBITDA), conforme análise efetuada no ponto “II - 3.5.2 Balanço e Demonstração de Resultados”.

Em relação a uma estrutura de negócio com contornos comparáveis ao caso em análise, já o Centro de Arbitragem Administrativa (criado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro) teve a possibilidade de se pronunciar, no Processo n.º 14/2011-T, que teve como árbitros o Dr. João Menezes Leitão, a Professora Doutora Ana Paula Dourado e o Juiz Conselheiro Domingos Brandão de Pinho, este último como árbitro-presidente.

(...)

No caso da A… os custos suportados com o empréstimo obrigacionista não estão relacionados com a sua actividade empresarial, nem serviram à manutenção da fonte produtora de rendimentos. Tais custos, embora inscritos na sua contabilidade, não beneficiam a sua actividade nem o respetivo interesse empresarial, mas antes aproveitam a um terceiro G…, S.A.R.L., anterior F… S.A.R.L.), não sendo aceites para efeitos de cálculo do resultado fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC.

Deste modo, ao lucro/prejuízo fiscal declarado pelo sujeito passivo iremos corrigir o montante dos juros relativos ao empréstimo obrigacionista, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC e atendendo à jurisprudência que se pronunciou sobre esta matéria, conforme atrás referido.

Os montantes por exercício destes custos/gastos financeiros são os seguintes (conforme documentos juntos no anexo 15, de 2 folhas):

 

Exercicios                        2009                            2010                                 2011

Encargos financeiros 8.119.618,34         8.451.184,17             8.498.138,97

 

Nota: estes valores correspondem aos custos/gastos financeiros efectivos de cada exercício, englobando os valores dos encargos pagos e referentes a cada exercício (conta “691121 – juros suportados/juros pagos”), adicionados dos ajustamentos referentes à especialização dos custos (conta “691129 – juros a pagar”).”

 

2.   Encargos com suprimentos

111.1.4.2 - Encargos com Suprimentos

Nos termos das alíneas j), k) e l) do ponto III.1.2, temos que relativamente aos juros, tal como decorre da contabilidade do sujeito passivo dos anos de 2007 e 2008, os mesmos foram pagos através da L…, S.A., pela entidade J…, sociedade adquirida através daquele empréstimo, porque a B… nunca teve uma actividade operacional, conforme já anteriormente descrito e como evidenciam as operações registadas na contabilidade da entidade e refletidos nos balancetes analíticos dos exercícios de 2007 e 2008 da B… (cfr. anexo 16, de 9 folhas), onde constam meros registos em contas de custos e proveitos financeiros.

Ora, nesses mesmos exercícios (2007 e 2008), a F…, para além do empréstimo obrigacionista, procedeu a empréstimos através de suprimentos a diversas sociedades do grupo, tendo sido a J… a maior destinatária desses suprimentos, no valor de € 37.359.426,00 (anexo 17, de 6 folhas).

Assim, temos que a J… recebeu suprimentos da F…, via B…, destinando parte desses suprimentos recebidos ao pagamento dos juros do empréstimo obrigacionista da sociedade-mãe (B…), já que a mesma, conforme mencionamos nos parágrafos anteriores, não tinha qualquer actividade operacional que gerasse influxos financeiros.

Estes juros pagos pela J… à F… foram registados na B… como dívida a terceiros (J…), ou seja, a J… pagou juros de um empréstimo obrigacionista cujos intervenientes foram a F… (credora) e a B… (devedora), constituindo estes juros um crédito da J… à B… .

Constatamos que este crédito à B… não produziu qualquer rendimento, independentemente de, por via disso, a J… estar a suportar um encargo com um juro de suprimento para fazer face ao pagamento de juros que deveriam ser encargo efetivo da sociedade-mãe B… .

(…)

O montante dos juros que a J… pagou à F… (responsabilidade da participante B…) nos exercícios de 2007 e 2008 ascende à quantia de € 11.664.656,99 (anexo 12), repartido entre € 3.874.826,75 referente à 2007 e € 7.789.830,24 referente a 2008. Este montante constituía um crédito da B… sobre a J… (suprimentos), na medida em que esta última não tinha meios financeiros para liquidar os juros do empréstimo obrigacionista.

Com a fusão, anularam-se os montantes das dívidas entre as sociedades portuguesas, mantendo-se apenas o registo da dívida à sociedade luxemburguesa no montante de € 47.399.162,66 referente a suprimentos, montante este influenciado pela quantia acima referida (€ 11.664.656,99) referente ao pagamento dos juros do empréstimo obrigacionista nos exercícios de 2007 e 2008 pela J… .

Assim, e nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC, iremos proceder à correcção dos juros suportados relativo a suprimentos na proporção dos € 11.664.656,99 face ao valor da dívida de suprimentos (€ 47.399.656,99).

Os montantes dos juros suportados nos exercícios em análise e contabilizados como gastos do período na conta “691155 - Juros empresas do grupo – a pagar” foram do seguinte montante (anexo 18, de 8 folhas):

 

Exercicios                                              2009               2010                2011

Encargos financeiros

 Suprimentos                              6.040.851,00  €4.552.041,00    4.034.722,00

 

A percentagem de correcção será então a seguinte:

Juros pagos        = € 11.664.656,99

Suprimentos         € 47.339.656,99

 

Esta operação dá-nos a percentagem de 24,61%, que aplicando aos montantes registados na conta 691155 dá-nos as seguintes correções:

 

Exercicios                                              2009                2010                2011

Correcção Encargos financeiros

 Suprimentos                          1.486.602,63      1.112.836,26      992.911,16”

 

jj)   A Requerente pronunciou-se sobre o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária mas a AT manteve a posição anteriormente assumida;

kk)                  Nessa sequencia a AT emitiu as correspondentes liquidações para os períodos de 2009, 2010 e 2011.

ll)   Em 19.12.2013, a Requerente pagou a quantia de € 2.349.145,69, relativa à liquidação impugnada (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

mm)             A Requerente apresentou reclamação graciosa dos actos de liquidação em 11.04.2014.

nn)                  A 10.09.2014 foi notificada do projecto de indeferimento da reclamação apresentada tendo exercido direito de resposta, em audição prévia, o qual foi remetido em 29.09.2014.

oo)                  Por despacho de 20.10.2014, proferido pelo Senhor Director de Finanças Adjunto, em regime de substituição, da Direcção de Finanças de Lisboa foi indeferida a reclamação graciosa, manifestando concordância com uma informação que consta do processo Administrativo (documento designado «PA11-pdf»), cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

“2 - Custos com o empréstimo obrigacionista:

2.1 - A reclamante alega que houve uma motivação económica para as operações de aquisição dos activos operacionais do Grupo I… em Portugal e que o empréstimo obrigacionista foi contraído com o propósito de financiar essa aquisição.

No entanto, no relatório da Inspecção Tributária não é questionada essa motivação económica ou a finalidade do empréstimo, mas é concluído que aquelas operações de aquisição não aproveitaram à reclamante, que resultou da fusão com as sociedades adquiridas, mas ao detentor do seu capital.

2.2 - Também não se justifica o argumento de que a reclamante tinha uma actividade de gestão de partes sociais e que os juros do empréstimo obrigacionista se inscreveram como custos no âmbito dessa actividade.

Tal tipo de actividade contrabalança os custos dos financiamentos que obtém, com os rendimentos provenientes das participações em outras sociedades, tais como lucros distribuídos ou mais-valias. No entanto, no caso presente, e no que respeita à detenção de partes sociais da J…/K…, Lda, tal actividade já não podia existir no exercício de 2009, visto que já tinha ocorrido a fusão.

2.3 - O resultado das operações de aquisição das sociedades que detinham os activos operacionais e actividades do Grupo I… em Portugal foi a obtenção pela G… SARL da participação social representativa da totalidade do capital da sociedade resultante da fusão (a reclamante), que incorporou aquelas sociedades e activos.

2.4 - É ainda assinalado na reclamação que o caso tratado no Acórdão Arbitrai mencionada no relatório (Processo nº 14/2011-T) difere do caso aqui em análise por no acórdão se tratar de uma fusão inversa e por aí a entidade contraente do empréstimo não ser a que suporta os custos financeiros do mesmo.

No entanto, não parece que as diferenças tenham relevância para a análise do caso aqui em apreço, visto que, neste, as empresas fusionadas eram controladas direta ou indiretamente em 100% pela F…/G… (cf. pontos 6 e 8 do projeto de fusão -fl. 331-verso e 332) e a conclusão no acórdão não foi que os custos financeiros foram incorridos em benefício de uma ou outra das sociedades que se fundiram, mas em benefício da sociedade "D...", detentora da sociedade resultante da fusão.

2.5 - Dado o exposto, é de concluir, tal como no relatório da Inspecção Tributária, que os custos suportados com o empréstimo obrigacionista, embora inscritos na contabilidade da reclamante, não beneficiaram a actividade da reclamante nem o respetivo interesse empresarial, mas antes aproveitam a um terceiro, a G… SARL, pelo que não devem ser considerados "indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora", para efeitos da aplicação do nº 1 do art.º 23.º do Código do IRC.

Assim é de manter a referida correcção.

3 - Encargos com suprimentos:

3.1 - Ao contrário do alegado na reclamação, a afirmação no relatório de que o montante de €47.399.162,66 foi influenciado pela quantia de € 11.664.656,99, afigura-se como correta.

3.2 - Com efeito, consta no relatório (cf. pontos ll-2.3-a e b acima) que nos exercícios de 2007 e 2008 a F…, para além do empréstimo obrigacionista, procedeu a empréstimos através de suprimentos a diversas sociedades do grupo, tendo cabido à J…, via B…, o valor de € 37.359.426,00.

Consta ainda no relatório (cf. pontos 11-2.3-c e e acima) que o montante dos juros do empréstimo obrigacionista pagos pela J… à F… em 2007 e 2008, € 11.664.656,99, deu origem a um crédito da J… sobre a B…(por o emitente ser a B…) e a um crédito da B… sobre a J…(por esta necessitar de fundos) e que esses créditos foram anulados quando da fusão, restando o montante de € 47.399.162,66 devido à F…/G… .

As informações prestadas na reclamação, embora mais pormenorizadas, não parecem contradizer essa análise.

3.3 - O valor de € 11.664.656,99 influenciou o de € 47.399.162,66 no seguinte sentido: o financiamento da despesa relativa aos juros do empréstimo obrigacionista (utilizado na aquisição, em benefício de terceiro, das actividades da J… em Portugal - cf. ponto 3.2), refletiu-se no valor dos financiamentos necessitados pela reclamante, pelo que uma parte dos juros suportados em 2009 pela reclamante por financiamentos da F…/G… (na proporção de 11.664.656,99 / 47.399.162,66 = 24,61%) não se revela indispensável para efeitos da aplicação do nº 1 do artº 23º do CIRC.

Assim, também neste caso deve ser mantida a correcção.

4 - Quanto à alegação de falta de fundamentação, e dado o acima exposto, não se conclui que faltem ao relatório as razões por que os encargos financeiros em questão não foram considerados dedutíveis no cálculo do lucro tributável do exercício.

5 - Dado que, conforme exposto acima nos pontos 2 a 4, não assiste razão à reclamante, propõe-se o indeferimento do pedido, mantendo-se a liquidação adicional objecto de reclamação.

IV - AUDIÇÃO PRÉVIA

1 - A reclamante foi notificada do projeto de decisão de indeferimento, conforme consta nas fls. 399 a 402 do processo, para exercer o direito de audição prévia previsto no artº 60º da Lei Geral Tributária. Com a notificação foi enviada fotocópia do projeto de decisão, cuja informação foi reproduzida nos pontos anteriores.

2 - Em audição prévia, vem a reclamante apresentar uma exposição (fls. 403 a 416) na qual reitera o anteriormente alegado, não juntando documentos novos.

3 - Quanto ao ora alegado há a referir o seguinte:

a) Custos com o empréstimo obrigacionista:

Conforme foi tornado evidente no relatório, anteriormente à fusão a sociedade B…/C… serviu de veículo no projeto de aquisição do grupo I… em Portugal através das várias operações descritas no relatório (sem actividade operacional - cf. pontos ll-2.2-b e facima).

Assim, no exercício de 2009, após a fusão que deu origem à sociedade reclamante (ocorrida em dezembro/2008), foram os cash-flows libertados pela actividade da sociedade incorporada que passaram a suportar os custos com a sua própria aquisição (cf. ponto III.1.4.1 do relatório -fl. 303).

Foi por essa razão, ou seja, por aquelas operações de aquisição não terem aproveitado à reclamante, mas ao detentor do seu capital, que os custos do empréstimo obrigacionista foram acrescidos no cálculo do lucro tributável da reclamante, e não por se ter questionado a motivação económica do projeto de aquisição do grupo I… .

b) Encargos com suprimentos:

A reclamante invoca os documentos apresentados com a reclamação e destinados a documentar este ponto (docºs nºs 9 a 14 - fls. 254 a 274 - cf. pontos l-2-b e II-3 acima), especificando as razões das dívidas entre as várias sociedades, sobretudo as anteriores à fusão, e reiterando o alegado.

É ainda argumentado que os encargos em questão em nada diferem dos restantes encargos com suprimentos. No entanto, a correcção não resultou da natureza dos custos em questão. Conforme referido, tanto no relatório, como no projeto de decisão, a correcção respeita aos juros de suprimentos correspondentes à parte dos suprimentos necessitados para o financiamento de custos com o empréstimo obrigacionista, os quais, conforme referido no ponto anterior, não aproveitaram à reclamante, mas ao detentor do seu capital.

4 - Quanto ao pedido de prestação de esclarecimentos, por via oral, sobre os argumentos e documentação (ponto 50 da exposição), é de referir que é regra fundamental do procedimento de reclamação graciosa a limitação dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham, sem prejuízo de outras diligências, não estando, no entanto, a administração fiscal subordinada à iniciativa do autor do pedido (artºs 69º al. e) do Código de Procedimento e Processo Tributário e 58º da Lei Geral Tributária).

5 - Dado o exposto nos pontos anteriores, e tendo em atenção os factos e fundamentos invocados no projeto de decisão, propõe-se que o pedido seja decidido no mesmo sentido de indeferimento (cf. ponto 111-5 acima)”;

 

pp)                  A 30.10.2014 a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, tendo apresentado recurso hierárquico da mesma em 30.11.2014.

qq)                  O recurso hierárquico foi indeferido por decisão comunicada à Requerente em 31.05.2016.

rr)  A Requerente apresentou pedido de pronuncia arbitral em 29.07.2016.

 

2.2. Factos não provados

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelas partes e constantes do processo administrativo, bem como das posições das partes, sendo de referir não emergir das posições assumidas por Requerente e Requerida efectiva discordância relativa à matéria de facto, confinando-se o dissídio à matéria de direito.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. A questão controvertida

 

AT efectuou uma correcção fiscal aos juros suportados e contabilizados, em 2011, pela impugnante, referentes a dois instrumentos financeiros de financiamento. Um respeitante a um empréstimo obrigacionista e outro relativo a suprimentos de sócios ambos subscritos e realizados pela empresa mãe G… SARL (anteriormente F…). Semelhante procedimento de correcção fiscal já havia sido efectuado aos períodos de 2009 e 2010.

Como fundamento para tal acto tributário que se traduziu na desconsideração de custos fiscalmente dedutíveis, invoca a AT, no essencial, o não cumprimento do princípio da indispensabilidade dos Gastos. As correcções efectuadas aos gastos financeiros são conforme o Relatório de Fiscalização (RIT) as que constam dos Quadros 1 e 2 abaixo indicados:

Quadro 1- Correcção dos custos contabilísticos

Periodo

2009

2010

2011

Enc. Financeiros Emp. Obrigacionista

€ 8.119.618,34

€ 8.451.184,17

€ 8.498.138,97

Encargos Financeiros Suprimentos (1)

€ 1.486.602,63

€ 1.112.836,26

€ 992.911,16

Total Correcções

€ 9.606.220,97

€ 9.564.020,43

€ 9.491.050,13

 

(1)   Correcção na percentagem de 11.664.656,99/47 399 656,99  = 24,61%

O procedimento de correcção de gastos financeiros apurou um acréscimo de Lucro tributável no montante de € 9.491.050,13, como mostra o Quadro 1 acima. Contudo, como havia sido declarado um prejuízo de € 1.022.201,15, o Lucro Fiscal Final Corrigido foi fixado em € 8.468.848,98  para 2011, tal como evidenciado no Quadro 2 abaixo.

Quadro 2- Correcção do Lucro/Prejuízo Fiscal

Exercícios

2009

2010

2011

Lucro/Prejuízo Fiscal Declarado

€ 1.718.901,26

€ 2.031.565,28

-€ 1.022.201,15

Total Correcções

€ 9.606.220,97

€ 9.564.020,43

€ 9.491.050,13

Lucro/Prejuízo Fiscal Corrigido

€ 11.325.122,23

€ 11.595.585,71

€ 8.468.848,98

 

A questão central a decidir, consiste em:  i) saber se os juros contabilizados como gastos, em resultado do financiamento efectuado pela empresa mãe (Luxemburguesa) à sua subsidiária (Portuguesa), os quais foram aplicados na aquisição de participações sociais, cumprem ou não o princípio da indispensabilidade dos gastos nos termos do art. 23º do CIRC; ii) avaliar eventuais evidências de que o valor de € 11.664.656,99, resultante de pagamentos de juros efectuados à G… SARL (ex-F…) e que eram da conta da A… Lda (ex-B…) estão incluídos no saldo final, após a fusão, de € 47.399.656,99.

3.2. Posição das partes

3.2.1 Posição da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

Para a AT, a acção inspectiva à Requerente resultou da necessidade de controlar encargos financeiros de montante elevado e com peso muito significativo relativamente aos rendimentos registados, que teriam origem em dívida contraída para a aquisição de participações sociais de sociedades entretanto incorporadas por fusão.

Conforme detalhadamente explicado nas alíneas a) a r) do ponto 2.1 anterior, a Requerente, A… Lda, resultou da fusão por fases e em três tipos de entidades. Num primeiro nível existiam sociedades que se dedicavam à prestação de serviços de saúde, em especial ao diagnóstico e tratamento de doenças renais (subsidiárias). Num segundo nível, estas sociedades eram detidas pela sociedade K… Lda (ex -J…, Lda), que titulava, em Portugal, as entidades integradas no Grupo I…, que actuava mundialmente nesta área de prestação de serviços de saúde. Num terceiro nível está o grupo A… representado em Portugal pela empresa A… Lda (ex -B…) detida pela G…, SARL (Luxemburguesa).

Numa 1ª fase, a entidade então designada por C… (ex -B…), adquiriu o negócio do Grupo I… em Portugal mediante a aquisição das partes de capital da K…, Lda. Para o efeito, a primeira sociedade foi dotada de meios financeiros (capital próprio e dívida) por parte da empresa mãe  G… SARL (ex – F…).

A primeira fusão ocorre entre a C… (ex-B…) e a K…Lda (empresa mãe das subsidiárias entidades prestadoras de serviços médicos). Com esta operação, a C… adopta o nome da empresa incorporada e passa a deter directamente as participações financeiras nas diversas entidades prestadores de serviços médico.

A segunda fusão ocorreu entre empresa mãe, K…, e as suas subsidárias, tendo no activo da empresa mãe deixado de haver investimentos financeiros para dar lugar a activos e passivos de outra natureza. Ou seja, o procedimento contabilístico da operação da fusão anulou as participações de capital da empresa mãe por contrapartida dos activos e passivos das suas subsidiárias.

 Das operações descritas resultam, segundo a AT, duas incidências relevantes ao caso:

i)              A entidade incorporada, que gerava os proveitos ou ganhos, passou a suportar os encargos resultantes do financiamento estabelecido entre a entidade A…, Lda (aqui impugnante) e G…, SARL. O montante de juros relativos ao empréstimo obrigacionista, contabilizados e pagos à sociedade mãe foi de cerca de € 8.498 M, em 2011 (conforme Quadro 1 acima). Isto é, para a AT, com a fusão, os rendimentos gerados pela actividade da sociedade incorporada passaram a suportar os custos com a sua própria aquisição, considerando, assim, que tais fundos não foram utilizados na respetiva exploração. Como corolário deste entendimento faz a inferência ou interpretação de que tais gastos não são dedutíveis ao abrigo do disposto no art. 23.º do CIRC.

ii)                 Com a fusão, decorre do procedimento contabilístico que os montantes das dívidas entre as sociedades portuguesas fusionadas são eliminados, apenas se mantendo o registo da dívida na empresa incorporante A… Lda, à sociedade luxemburguesa no montante de € 47.399.162,66 referente a suprimentos, montante este ainda influenciado, segundo a AT, pela quantia de € 11.664.656,99 referente ao pagamento dos juros do empréstimo obrigacionista nos exercícios de 2007 e 2008 pela K… Lda (ex -J…).

Nessa conformidade, a AT considera como adequado efectuar uma correcção específica ao referido valor decorrente dos juros de suprimentos correspondentes à parte dos suprimentos necessàrios ao financiamento de custos com o empréstimo obrigacionista, alegando não terem aproveitado à Requerente. Ou seja, são desconsiderados os juros de suprimentos na proporção do impacto dos € 11.664.656,99  no saldo de € 47.399.162,66 ou seja 24,61% (conforme Quadro 1 acima). Para reforçar tal argumento cita o Relatório de Inspecção, afirmando que não foram encontradas evidências que inequivocamente demonstrassem que o montante de € 11.664.656,99 não estava incluído no valor dos suprimentos. Assim, e para a AT, na falta dessa demonstração, o fundamento da correcção reconduz-se ao da correcção relativa ao empréstimo obrigacionista.

Alega, assim, a AT que a correcção fiscal relativa aos juros de suprimentos considerados não dedutíveis pelos serviços de fiscalização, respeitam portanto, à parte proporcional dos juros de suprimentos incorporados em dívida que serviram para pagar o empréstimo obrigacionista, uma vez que, na sua tese, não aproveitaram à Requerente.

 

Alega, ainda, que a própria K… (ex – J…), que pagou à G…(ex -F…) juros do empréstimo obrigacionista que eram de conta da C… (ex -B…), ao não receber de imediato, esteve a conceder crédito a esta última, sem com isso obter qualquer rendimento (cfr nº 49 da Resposta da AT).

Em resultado deste posicionamento, a AT defende (reportando-se nomeadamente ao Relatório de Inspecção), que os gastos de suprimentos contabilizados no periodo 2011[1] não deverão ser dedutíveis na proporção do peso dos € 11.664.656,99, os quais estão incluídos na totalidade dos suprimentos em dívida no montante de € 47.399.656,99 à G…, SARL.

Quanto ao problema da indispensabilidade, a AT alega que os encargos financeiros suportados apenas serão aceites como gasto fiscal se os mesmos reunirem os requisitos da comprovação (justificação), indispensabilidade e correlação de gastos para a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto.

Entende, assim, a AT que, em última análise, tais encargos financeiros resultam de endividamento contraído para aquisição das partes sociais da própria empresa e tal finalidade não “encaixa” no requisito da indispensabilidade.

Na linha deste pressuposto entende a AT que, o aceitar-se a dedutibilidade dos encargos financeiros associados ao financiamento da aquisição das participações sociais das sociedades, cujas actividades geram os rendimentos e ganhos que possibilitam a dedução aqueles gastos, seria negar o princípio do balanceamento entre gastos e rendimentos que se encontra previsto no n.º 1 do art. 23º do Código do IRC.

Nessa conformidade, a AT defende a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados pela  A… Lda (ex -B…) com o empréstimo obrigacionista subscrito pela G…, SARL (ex -F…), destinado a financiar a aquisição das quotas da sociedade K… Lda (ex -J…), nos períodos de tributação de 2009, 2010 e 2011, tendo como fundamento legal a não verificação das condições de ordem substantiva de que o n.º 1 do art. 23º do Código do IRC faz depender a dedutibilidade dos gastos e perdas, na linha da interpretação feita pela doutrina e pela jurisprudência.

Com efeito, no respeitante aos encargos financeiros, aquele normativo exige, segundo a Requerida, tal como para a generalidade dos gastos, que os gastos e perdas, dedutíveis para a determinação do lucro tributável, sejam indispensáveis para a obtenção dos rendimentos e ganhos sujeitos a imposto ou que sejam indispensáveis para a manutenção da fonte produtora e concretiza, na al. c) do nº 1, gastos de “natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração”. Efetivamente, as operações de fusão, no âmbito das quais a sociedade C… (anterior…) incorporou a sociedade K…, Lda (ex -J…), e as sociedades suas participadas, apesar de terem sido fusões up stream implicaram, na perspetiva da AT, uma transmutação integral da sociedade incorporante que juridicamente se manteve mas cuja actividade passou a corresponder integralmente às actividades que já vinham a ser exercidas pelas sociedades incorporadas.

Alega, ainda, a AT que o facto de os encargos financeiros, em momento anterior à fusão, serem dedutíveis, na esfera da sociedade K… (antes J…) ou A… (ex -B…), não habilita a concluir que esse tratamento ficasse garantido após a fusão, já que, como acima se refere, a análise do preenchimento do requisito da indispensabilidade é efectuada em cada período de tributação, isto é, à medida que os encargos são suportados e contabilizados. O que se verificou com as operações de fusão foi que, em consequência da extinção das partes sociais detidas pela sociedade A… (ex -B…), a actividade antes desenvolvida à qual o empréstimo obrigacionista se encontrava associado deixou de ter continuidade, subsistindo apenas a actividade operacional desenvolvida pelas sociedades que tinham pertencido ao Grupo I…, em cuja exploração não foram aplicados os fundos obtidos com aquele financiamento e, portanto, os encargos financeiros suportados não contribuíram para a geração dos proveitos ou rendimentos das actividades de tratamento renal.

 

3.2.2 Posição da Requerente

A Requerente, por seu turno, alega que, num plano global de gestão, não fazia sentido que as operações do grupo A…  Portugal se dispersassem por 16 sociedades diferentes.

Assim, a fusão entre a Requerente e a K… Lda (ex – J…) e, depois, com as sociedades prestadoras de serviços suas subsidiárias teve objectivos económicos justificados. Alega, ainda, que a aquisição dos activos subjacentes ao negócio não poderia ter sido feita de outra forma, ou seja, directamente, por virtude de razões regulatórias em vigor no setor da saúde.

Relativamente aos gastos suportados com o empréstimo obrigacionista a Requerente refuta a tese da AT, sendo seu entendimento que tais encargos se relacionam, de maneira clara, com a actividade ou interesse da Requerente. Aduz, ainda, que o dito financiamento foi até mais intenso em capital próprio, face a operações similares, pois por cada dois euros de dívida realizou-se um euro de capital próprio.

No entender da Requerente, sem as fusões e os financiamentos verificados, não poderia existir hoje, no seu âmbito de exploração, um resultado contabilístico e fiscal idêntico ao que tem gerado. Sem os encargos que suporta, afirma a Requerente, não poderia ter adquirido a K… Lda (ex – J…) e não atingiria por isso a dimensão e estrutura económica que hoje apresenta. Sintetiza a Requerente que, "os encargos financeiros cuja indispensabilidade cumpre aferir foram incorridos na prossecução da actividade da Impugnante, uma vez que, sem este financiamento, a Impugnante não teria condições de concretizar a aquisição da K… Lda (ex – J…), aquisição essa que, juntamente com subsequente gestão das respetivas partes de capital, constituíram uma parte importante da sua actividade".

Alega igualmente que foi ela, a Requerente, que contraiu o empréstimo obrigacionista e que os encargos daí derivados se constituíram na sua esfera. Com a fusão, esta realidade não se modificou.

Deu-se com a fusão, no entender da Requerente, uma verdadeira aquisição de activos e passivos, distintos de partes de capital, e geradores de resultados operacionais. Assim, os juros pagos resultam de operações que, após a sua concretização, trouxeram para a esfera da Requerente os activos (meios de obtenção de rendimentos) e as dívidas (suporte financeiro de tais meios), tudo isto com uma racionalidade económica clara.

Ou seja, os activos e o capital que os financia (neste caso, a dívida)  agregaram-se na mesma entidade, não fazendo, segundo a Requerente, sentido a tese da AT de separar tais operações ou efeitos económicos. A Requerente cita, em abono da sua tese, decisões arbitrais que iriam no sentido que propugna.

Quanto à questão dos encargos com suprimentos, a Requerente alega que a sua dívida à K… Lda (ex – J…) em nada foi influenciada pelos € 11.664 M que a AT coloca em causa no Relatório de Inspecção. No Pedido Arbitral é feita uma explicitação detalhada da origem de tal montante (arts. 278º e segs), concluindo a Requerente que: "Ao contrário do que afirma a AT, esse montante não inflacionou, nem influenciou, o montante da dívida da Impugnante à sua acionista, nem teve qualquer impacto no respetivo cálculo. Pelo que os encargos a ela correspondentes em nada se distinguem dos encargos (...) com os demais suprimentos da  G… SARL (ex -  F…) à Impugnante".

3.3 Análise e decisão

Após a análise do posicionamento das partes podemos dizer que a questão a decidir centra-se no problema de saber se os encargos financeiros, quer do empréstimo obrigacionista quer dos suprimentos, não aceites para efeitos fiscais e como tal corrigidos pela AT para efeitos de tributação, reúnem ou não os requisitos da indispensabilidade. Como questão subsidiária a esta, importa ainda avaliar os pressupostos que permitiram à AT afirmar que o valor de € 11,664 M está incluído no saldo final dos suprimentos (já após a contabilização das operações de fusão), cuja titular é a G… SARL. Analisemos, pois, o problema.

4.3.1 Fundamentos de direito: da interpretação do art. 23.º do CIRC e a questão da “indispensabilidade” dos gastos

Na tributação do rendimento empresarial - em particular nas entidades sujeitas a IRC - é o art. 17º, nº 1 do CIRC que define o conceito de lucro tributável é definido, aí se determinando que “o lucro tributável [...] é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.

Numa relação de dependência, ainda que parcial, entre resultado fiscal e resultado apurado pela contabilidade, o CIRC estabelece como base do apuramento do resultado tributável o lucro ou o prejuízo apurado pela contabilidade. Porém, e visando salvaguardar o interesse público subjacente à tributação, impõe certos requisitos à consideração fiscal de rendimentos e gastos.

É na parte dos custos que tais requisitos surgem mais desenvolvidos, sendo o art. 23º a disposição que estabelece o princípio geral da sua aceitação. Dispunha, à data dos factos, o art. 23º do CIRC (do qual em seguida se transcreve parte do respetivo nº 1, sublinhado do tribunal):

Artigo 23º

Custos ou perdas

1 — Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão de obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c)Encargos de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de ações, obrigações e outros títulos, prémios de reembolso;

(…)”.

Surge assim, neste preceito, um requisito nuclear na admissibilidade dos custos (gastos) para fins fiscais: a sua indispensabilidade. Que se deve entender por “indispensabilidade”? A jurisprudência tem, entre nós, uma análise bastante sedimentada acerca de como se deve entender tal conceito. Vejamos.

No Acórdão proferido no processo 03022/09 a 6 de outubro de 2009, o Tribunal Central Administrativo Sul trata desenvolvidamente o conceito de indispensabilidade e fá-lo nos seguintes termos:

Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade? Aceitando-se que estamos perante um conceito vago necessitado de preenchimento e aceitando-se que não estamos, quanto a tal preenchimento, perante qualquer poder discricionário (em termos de discricionariedade técnica) por parte da Administração Tributária, importa, então, atentar nos termos em que a lei enquadra tal conceito. (…)

Fazendo apelo ao estudo de TOMÁS TAVARES (…) diremos, como aponta o autor, parecer evidente que da noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.º do CIRC não resulta que a Administração Tributária possa por em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, diretamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa.

A indispensabilidade a que se refere o artigo 23.º (…) exige, tão só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros. (…) E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro”.

Também sobre este assunto, e tendo por referência a uma decisão do Tribunal Central Administrativo Norte, no Acórdão de 12 de janeiro de 2012, proferido no processo 00624/05.0BEPRT, afirma-se:

 “Na consideração e preenchimento deste conceito indeterminado – indispensabilidade - impõe-se que a análise de um concreto custo seja feita em função da actividade societária, ou seja, em função do seu objectivo no âmbito da actividade da empresa; os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa. O critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador precisamente para impedir a consideração ao nível fiscal de gastos que, apesar de contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, que foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios”.

Por fim, em Acórdão de 29.03.2006, proferido no processo nº 1236/05, o Supremo Tribunal Administrativo sustenta que:

“O conceito de indispensabilidade, sendo indeterminado, tem sido preenchido pela jurisprudência casuisticamente (…). A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objecto, foram abusivamente contabilizados como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito”.

E, mais adiante, refere ainda este acórdão:

“que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa”.

Sendo a ligação à actividade ou ao interesse da empresa o elemento decisivo que a jurisprudência tem sublinhado, veja-se alguma doutrina sobre a mesma questão.

Assim, RUI MORAIS, sustenta[2]:

A invocação da regra da indispensabilidade dos custos nunca pode ser feita para fazer substituir o juízo de conveniência e oportunidade dos encargos assumidos, tal como resultaram da decisão dos órgãos sociais, por outro juízo, também de índole empresarial feito pela administração fiscal ou pelos tribunais”.

 E prossegue dizendo que[3]:

Não podemos ter como boa a orientação de certa jurisprudência que recusa a acreditação fiscal de determinados custos porque não é possível estabelecer uma correlação direta com obtenção de concretos proveitos. Levado ao extremo um tal entendimento, teríamos que os encargos com investigação só seriam fiscalmente dedutíveis quando tais pesquisas tivessem êxito, quando, em seu resultado, a empresa passasse a vender novos bens e serviços…”

Para concluir da seguinte forma[4]:

Defendemos que a questão de saber se um custo deve ser ou não havido por indispensável se deve resolver a partir do intuito objectivo da transacção, ou seja do business purpose test…Julgamos ser medianamente claro o escopo da norma: recusar a comparticipação fiscal em alguns dos encargos suportados pelo sujeito passivo… Se à assunção do encargo presidiu uma genuína motivação empresarial… o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc) então tal custo não deve ser havido por indispensável.”

 

Por seu turno, J.L. SALDANHA SANCHES, afirma[5]:

“…saber se um certo custo corresponde, ou não, à mais eficaz defesa dos interesses da empresa é uma questão que não pode ser resolvida mediante a atribuição de um poder de intervenção do Estado…de modo a realizar um juízo de mérito sobre um acerta opção de gestão empresarial, tal como não pode validar a qualificação da despesa como um custo sujeitando-a à condição da verificação a posteriori da efetiva geração de proveitos”.

A interpretação legal do conceito de “indispensabilidade”, ao tempo constante do art. 23º do CIRC, tem sido, como a doutrina e jurisprudência mostram, equiparada aos custos incorridos no interesse da empresa; aos gastos suportados no âmbito das actividades decorrentes do seu escopo societário. Só quando os gastos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos é que deverão ser desconsiderados.

Ora, tendo os entes societários um escopo ou objectivo social definido nos seus estatutos, com vista à realização do fim para o qual tais entes colectivos se formam – a obtenção de um excedente a repartir pelos sócios – então os actos de gestão que contribuam para tal fim hão - de constituir a actividade das empresas.

A actividade produtiva não deverá ser entendida num sentido restritivo, mas sim amplo, significando actividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Ao buscar-se o sentido do conceito de actividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços. Dizer que um custo tem de traduzir uma relação com a actividade, só pode querer dizer que tem de se verificar uma relação com as operações económicas globais de exploração ou com as operações ou actos de gestão que se insiram na busca do interesse próprio da entidade que assume tais custos.

Nesse sentido, a actividade de uma empresa consistirá nas operações resultantes do uso do seu património, em particular, dos seus activos e da gestão dos seus passivos. Ou seja, na forma como a sua gestão utilizará o património empresarial no âmbito das diversas operações (produtivas, comerciais, de investimento e desinvestimento, de financiamento geral, de aquisição de participações financeiras e outras) que, no seu conjunto, permitem que a entidade em questão cumpra o seu objecto económico: a busca (imediata ou a prazo) de um excedente económico (lucro).

O ponto que este Tribunal quer sublinhar é o seguinte: a “actividade” de uma empresa não se esgota, como muitas vezes parece emergir de algumas interpretações, no conjunto de actos operacionais. “Actividade” é também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de activos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e muitas outras aqui não expressamente referidas.

A gestão das empresas tem, no essencial, como propósito obter um excedente a partir do uso dos activos que são detidos pelas entidades económico-empresariais. Tais activos são, até por via da sua classificação normativo-contabilística, divididos em diferentes tipos: activos fixos tangíveis/imobilizados (v.g., máquinas afectas à produção), intangíveis (v.g., patentes de fabrico), activos financeiros (v.g., participações sociais), activos não correntes detidos para venda (v.g., máquina que deixou de estar afecta à produção e se pretende alienar a curto prazo), inventários/existências (v.g., matérias primas) e assim por diante.

Constituindo este vasto leque de activos os meios de que a gestão dispõe para gerar rendimentos e excedentes, é natural que a compra de activos físicos para investimentos e sua eventual alienação (desinvestimento), a compra e venda de participações financeiras, a aplicação de liquidez, os recebimentos e pagamentos da actividade, tudo isso faça parte do que se consideram actos normais ou apropriados da gestão de uma empresa.

O significado e o alcance económico de tais operações dependem das características económico-financeiras das entidades mas, num plano geral, todas elas se subsumem em objectivos e instrumentos de gestão empresarial, porque todas cabem no escopo ou propósito da actividade desenvolvida.

Em síntese conclusiva deste ponto, a actividade empresarial que gere custos dedutíveis há-de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito (e não um obrigatório nexo de causalidade imediato) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento.

3.3.2. A aplicação do conceito de indispensabilidade ao caso em análise

Como resulta dos autos, a Requerente, A…, Lda (NIPC…) resultou da fusão de, essencialmente, três tipos de entidades.

Num primeiro nível, existiam sociedades que se dedicavam à prestação de serviços de saúde, em especial ao diagnóstico e tratamento de doenças renais (subsidiárias). Num segundo nível, estas sociedades eram detidas pela sociedade K… Lda (ex -J…, Lda), que titulava, em Portugal, as entidades integradas no Grupo I…, que atuava mundialmente nesta área de prestação de serviços de saúde. Num certo momento, a entidade então designada por B…, adquiriu o negócio do Grupo I… em Portugal (corporizado nas entidades acima referidas). Para o efeito, esta sociedade foi dotada de meios financeiros (capital próprio e dívida) por parte da empresa G… SARL, com sede no Luxemburgo.

A B… (depois sob as vestes da Requerente A…, Lda) passou, então, a estar endividada perante a sua detentora de capital, e a pagar-lhe, portanto, encargos financeiros resultantes da dívida com que fora financiada para adquirir os activos afectos ao negócio que o grupo I… explorava em Portugal.

Após várias operações de reorganização societária, a J… numa primeira fase fundiu-se com a B… (que, após a fusão passou a designar-se por K… Lda), e, numa segunda fase, as várias sociedades subsidiárias da J… foram também fundidas na K…, Lda (nesta altura sua empresa mãe). Em síntese, no final a Requerente incorporou quer a antiga J… (1ª fusão), quer as sociedades operativas que esta detinha (2ª fusão).

A questão essencial a decidir consiste pois em saber se o art. 23º do CIRC implicará, como alega a AT, que os encargos financeiros pagos pela Requerente A… Lda (ex -J…)  à G… SARL (ex -F…) não sejam dedutíveis, por não respeitarem o requisito da indispensabilidade ao tempo constante desse preceito legal.

Isto porque para a AT, os juros pagos pela Requerente não respeitariam à sua actividade, mas sim à actividade ou interesse da sua participante. Como tal, não poderiam concorrer para o resultado tributável da Requerente, por se afastarem do seu interesse social ou da sua actividade própria.

Como refere a AT: "Por outras palavras, aceitar-se a dedutibilidade dos encargos financeiros associados ao financiamento da aquisição das participações sociais das sociedades, cujas actividades geram os rendimentos e ganhos que possibilitam a dedução daqueles gastos, seria negar o princípio do balanceamento entre gastos e rendimentos que se encontra ínsito no n.º 1 do art. 23º do Código do IRC".

Ora, o STA, no processo 0779/12, em Acórdão proferido a 24.09-.014, afasta a interpretação do art. 23º do CIRC, como tendo que implicar uma obrigatória conexão, um balanceamento ou uma relação entre custos e proveitos. Vejamos:

“I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

II - Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efetuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).

III - Sendo o contribuinte uma sociedade que se dedica à construção de edifícios, não pode a AT desconsiderar os custos respeitantes à aquisição de dois prédios com fundamento na falta de demonstração da indispensabilidade, ainda que este negócio se venha a revelar economicamente não rentável em virtude da sua venda por um preço seis vezes inferior àquele por que foram adquiridos ter gerado um prejuízo.”

Não colhe, por isso, que a aceitação fiscal de um gasto tenha de respeitar um princípio de balanceamento (ou de conexão) com proveitos.

Depois a AT sustenta que: "No respeitante aos encargos financeiros, aquele normativo exige, tal como para a generalidade dos gastos, que os gastos e perdas, dedutíveis para a determinação do lucro tributável, sejam indispensáveis para a obtenção dos rendimentos e ganhos e sujeitos a imposto e para a manutenção da fonte produtora e concretiza, na sua alínea c) do n.º 1, os gastos de “natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração”. (destaque da AT).

 Esta questão da aplicação dos capitais na exploração, recorrente na argumentação da AT, merece análise. Vejamos.

O art. 23º dispunha, ao tempo (sublinhado do tribunal):

1— Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão de obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;

b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;

c) Encargos de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de ações, obrigações e outros títulos, prémios de reembolso;

Julga-se ser claro que a tese da AT, de acordo com a qual apenas os encargos financeiros decorrentes de capitais aplicados na exploração seriam dedutíveis (e ainda assim faltaria definir o que se entende por "exploração") não resulta da lei. Os termos "nomeadamente" e "tais como", que sublinhámos, vincam que os encargos financeiros de capitais aplicados na exploração são dedutíveis, mas não esgotam o universo de encargos financeiros dedutíveis. Estes sê-lo-ão, mesmo quando não aplicados na dita exploração, desde que passem o teste geral da indispensabilidade, estejam comprovados e não sejam afastados por outra norma jurídico-fiscal.

Ora, o conceito de indispensabilidade, já se viu, é consensualmente interpretado como implicando que os gastos digam respeito à actividade ou interesse da empresa. Assim, os encargos financeiros que aqui se enquadrem, mesmo não sendo aplicados em actividades consideradas operacionais ou de "exploração", podem reunir condições de indispensabilidade.

E, como adiante se verá, os encargos aqui controvertidos, estão relacionados com a actividade da Requerente, pois resultam do financiamento de activos por esta detidos e que até geram rendimentos de natureza operacional.

A AT avança, ainda, relativamente ao afastamento dos encargos financeiros, por não serem inerentes ao interesse próprio da Requerente, em síntese (arts. 69º, 71º e 90º da Resposta, subls. da AT):

«No caso da K… Lda, os custos suportados com o empréstimo não estão relacionados com a sua actividade empresarial, nem serviram à manutenção da fonte produtora de rendimentos. Tais custos, embora inscritos na sua contabilidade, não beneficiam a sua actividade nem o respetivo interesse empresarial, mas antes aproveitam a um terceiro G… S.A.R.L. (ex -F…) não sendo aceites para efeitos do cálculo do resultado fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC.

Efetivamente, com as operações de fusão, no âmbito da qual a sociedade a A… Lda (ex –B…) incorporou a sociedade K… Lda (ex-J…), e as sociedades suas participadas, apesar de terem sido fusões up stream implicaram, de facto, uma transmutação integral da sociedade incorporante que juridicamente se manteve mas cuja actividade passou a corresponder integralmente às actividades que já vinham a ser exercidas pelas sociedades incorporadas.

Efetivamente, o que se verificou com as operações de fusão foi que, em consequência da extinção das partes sociais detidas pela sociedade A… Lda (ex-B…), a actividade antes desenvolvida à qual o empréstimo obrigacionista se encontrava associado não teve continuidade, o que subsistiu foi apenas actividade operacional desenvolvida pelas sociedades que tinham pertencido ao Grupo I…, em cuja exploração não foram aplicados os fundos obtidos com aquele financiamento e, portanto, os encargos financeiros suportados não contribuíram para a geração dos proveitos ou rendimentos das actividades de tratamento renal."

Não tem razão a AT quando põe em causa a dedutibilidade dos encargos financeiros por parte da Requerente, em sede de IRC, com o fundamento de que estes estão desligados da sua actividade, do seu interesse próprio, e que os fundos obtidos não foram aplicados na exploração.

Com efeito, em decorrência das operações de fusão, a mesma sociedade (a Requerente) passou a deter, como elementos patrimoniais contabilizados ou reconhecidos no seu balanço, os activos e passivos das sociedades operativas e continuou a inscrever, também no seu balanço, o capital próprio e os passivos financeiros que suportavam as participações sociais que antes representavam este conjunto de elementos patrimoniais.

Quer isto dizer que, antes da fusão, a K… Lda (ex -J…) detinha, no lado direito do balanço, fontes de financiamento provenientes da A… (ex -B…[6]) pagando juros por aquelas fontes que consubstanciavam dívida; e, no seu activo, participações sociais nas entidades operativas. Com a fusão, a mesma entidade (a Requerente) continua a deter os passivos já referidos (dívidas à participante G…, SARL substituiu as participações sociais - que se anularam com a fusão - passando pois a reconhecer os activos e passivos das sociedades operativas cuja aquisição, recorde-se, constituíram a causa essencial do endividamento da A… (ex -B…) face à  G… SARL.

Em suma, a fusão mantém na Requerente o financiamento pelo qual esta pagou juros, e teve como consequência patrimonial a junção, no mesmo balanço, dos activos que tal dívida financiava e continuou a financiar. Não já activos financeiros, mas a sua real tradução em activos e passivos de cariz operacional.

É pois claro que a dívida da Requerente à sociedade mãe - e os juros daí resultantes - se inscrevem no interesse ou actividade da A… (ex -B…). Há uma ligação económica clara entre a dívida que vence juros e os activos e os passivos que tal dívida suporta.

Para mais, tais activos e passivos (dívida financeira) passam a estar reconhecidos no balanço da mesma entidade. Assim, não vê o Tribunal como - na tese da AT - o facto de a dívida ser originária de fundos que a G…, SARL cedeu à Requerente pode conduzir, sem mais, ao desrespeito do requisito da indispensabilidade então previsto no art. 23º do CIRC.

Quando a AT refere que "o que subsistiu foi apenas actividade operacional desenvolvida pelas sociedades que tinham pertencido ao Grupo I…, em cuja exploração não foram aplicados os fundos obtidos com aquele financiamento", não leva em conta que a titularidade da actividade operacional referida na entidade A… (ex – B…) só foi possível por se ter pago ao grupo I… um preço de aquisição que implicou os financiamentos em empréstimos obrigacionistas e suprimentos que geraram os juros pagos.

Mesmo numa perspectiva estrita de nexo económico entre rendimentos e gastos, ele existe. Os rendimentos derivados do negócio estão relacionados com os juros pagos para a sua aquisição. Numa óptica patrimonial há, até, maior aproximação entre activos e capitais que os financiam, agora inscritos na mesma entidade. Não colocando em causa a AT o propósito económico das operações de reorganização levadas a cabo, a desconsideração dos juros pagos não tem suporte no art. 23º do CIRC.

Até se poderá aventar que, sendo certo que em muitas operações de reorganização os activos figuram numa determinada entidade e a dívida que os financia poderá estar noutra, já no caso em apreço a fusão conduziu a uma junção de activos e passivos cujas operações de gestão se inscrevem, por certo, no interesse ou actividade da Requerente.

Quanto ao tema dos suprimentos, e da quantia de € 11.664.656,99, refere a AT que:

"Conforme resulta do RIT, não foram encontradas evidências que inequivocamente demonstrassem que o montante de € 11.664.656,99 não estejam incluídos no valor dos suprimentos, tanto mais que a sociedade K…, Lda (ex – J…) pagou diretamente esses juros por conta da sociedade A… (ex -B…)  em virtude de esta sociedade não dispor de meios financeiros para proceder à liquidação dos juros. Assim, na falta dessa demonstração, o fundamento da correcção reconduz-se ao da correcção relativa ao empréstimo obrigacionista".

Acresce que o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, colocou em causa a tese da AT, sem que esta, na Resposta, em alegações ou por outra via, tenha rebatido de forma convincente as posições e as explicações da Requerente sobre os ditos € 11.664.656,99. Apenas se limitou a referir que não existem evidencias de que tal montante não esteja incluído no saldo final de € 47.399.656,99. Além disso, afirmando a AT que "na falta dessa demonstração, o fundamento da correcção reconduz-se ao da correcção relativa ao empréstimo obrigacionista" e entendendo o Tribunal que não há razão para desconsiderar os juros do empréstimo obrigacionista, então, esta conclusão afecta também a correcção efectuada pela AT quanto aos suprimentos, pelo que a correcção é ilegal e, consequentemente, a liquidação deve ser anulada, por vício de violação de lei, designadamente do art. 23º, nº 1 do CIRC, na parte em que nela assenta.

4. Juros indemnizatórios

A Requerente pede que sejam pagos juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido da prestação tributária.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o art. 2º, nº 1, als. a) e b) do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

A Requerente efetuou em 19.12.2013 o pagamento da quantia de € 2.349.145,69, relativa à liquidação impugnada (doc. 4 anexo ao Pedido Arbitral).

Nos termos do art. 43.º da LGT, na parte aqui aplicável, «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do acto de liquidação de IRC, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24º, nº 1, al. b) do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”, já que as correções efetuadas foram ilegais.

No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro que a ilegalidade dos actos de liquidação de IRC é imputável à AT, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

Estamos perante um vício de violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à AT.

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43º, nº 1 da LGT e do art. 61º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagaram indevidamente.

Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução ao presente acórdão, nos termos do art. 24º, nº 1 do RJAT, pagando à Requerente juros indemnizatórios sobre a quantia de € 2.349.145,69, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35º, nº 10, e 43º, nºs 1 e 5 da LGT, 61º do CPPT, 559º do Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 8 de abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem).

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento (19.12.2013), até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61., nº 5 do CPPT).

5. Decisão

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

–   julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;

–   anular os actos tributários de Liquidação Adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) com o nº 2013 …, no montante de € 2.442.865,29, de Demonstração de Liquidação de Juros com o nº 2013 … e de Demonstração de Acerto de Contas nº 2013 …, que, depois de corrigida, deu origem a imposto a pagar no valor de € 2.349.145,69, referente ao exercício de 2011;

–   condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios calculados sobre a quantia de sobre a quantia de € 2.349.145,69, desde 19-12-2013 até à data em for processada nota de crédito para pagamento daquela quantia à Requerente.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 2.349.145,69.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 30.294,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

 

Lisboa, 08-04-2017

 

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

 

(Maria Fernanda dos Santos Maçãs)

 

 

 

 

(Fernando de Jesus Amado dos Santos)

 

 

 

 

(Cristina Aragão Seia)

 

 

 

 



[1] A exemplo do que havia considerado para 2009 e 2010.

[2] RUI MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007. p. 86

[3] Op. cit . p. 86.

[4] Op. cit . p. 87.

[5] J. L SALDANHA SANCHES, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, p. 215.

[6] Refira-se que antes da fusão a designação era C… Lda e que com a fusão esta empresa passou a adoptar a designação da empresa incorporada  K… Lda (ex-J…).