Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 470/2016-T
Data da decisão: 2017-04-06  Selo  
Valor do pedido: € 26.448,20
Tema: Imposto do Selo – Verba 28.1 da TGIS – terreno para construção
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Decisão Arbitral

 

 

I.       RELATÓRIO

 

1.1.            A…, S.A., pessoa coletiva n.º…, adiante designada como “Requerente”, com sede na … n.º … …, …-… Lisboa, em representação do B…- Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, pessoa coletiva n.º…, veio, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (“RJAMT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral para se pronunciar sobre a ilegalidade de atos tributários de liquidação de Imposto do Selo emitidos, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”), relativamente ao ano 2015, identificados pelos documentos n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016… e n.º 2016…, e com referência aos prédios descritos infra,

 

1.2.       É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).

 

1.3.       O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 05-09-2016.

 

1.4.       Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 20-10-2016, não tendo as Partes manifestado vontade de recusar essa designação.

 

1.5.       Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 07-11-2016.

 

1.6.       No Requerimento Arbitral, por si oferecido, a Requerente invocou, em síntese, o seguinte:

a)      Através da verba 28 da TGIS, o legislador pretendeu instituir uma “tributação especial” que incide apenas sobre prédios urbanos de valor superior a um milhão de euros;

b)      Do ponto de vista teleológico, a referida verba visou, assim, tributar a riqueza e a capacidade económica dos contribuintes;

c)      O Requerente, atenta a atividade que desenvolve, é proprietário de múltiplos imóveis, os quais se destinam à revenda, pelo que a titularidade do direito de propriedade sobre estes imóveis – nomeadamente, “terrenos para construção” –, não poderá jamais representar uma capacidade contributiva superior do Requerente, como pretende a Autoridade Tributária e Aduaneira;

d)      O direito de propriedade sobre estes imóveis não evidencia, por si, uma capacidade contributiva superior à média que possa a legitimar a imposição de um “imposto solidário” como o decorrente da verba 28.1 da TGIS;

e)      Assim, o Imposto do Selo previsto na referida Verba não poderá incidir sobre a propriedade de imóveis adquiridos pelo Requerente no âmbito da sua atividade, nos termos acima descritos, conquanto nestas situações de facto não se encontram verificados os princípios subjacentes à tributação aqui em análise;

f)       No caso vertente, conforme resulta das cadernetas prediais dos imóveis objeto das liquidações de Imposto do Selo sub judice, os mesmos estavam inscritos na matriz como “terreno para construção”;

g)      Contudo os prédios inscritos na respetiva matriz como terrenos para construção não podem ser subsumíveis no conceito de “prédios com afetação habitacional” e, por conseguinte, não se encontram incluídos no âmbito de incidência objetiva da verba 28 da TGIS;

h)      A título subsidiário, e sem prejuízo do quanto foi expendido supra, entende o Requerente que a tributação especial prevista na verba 28.1 da TGIS, quando aplicada a “terrenos para construção”, é contrária ao princípio basilar da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e, em paralelo, contrária ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no artigo 104.º, n.º 3 do mesmo diploma;

i)       O Tribunal Constitucional pronunciou-se já sobre a conformidade da verba 28.1 da TGIS com a Constituição da República Portuguesa – cf. nomeadamente, Acórdão n.º 590/2015, de 11 de Novembro de 2015 e Acórdão n.º 692/2015, de 16 de Dezembro de 2015;

j)       A citada jurisprudência constitucional não pode, contudo, ser atendida nos presentes autos, conquanto a mesma respeita à apreciação da (in)constitucionalidade da norma quando aplicada a “prédios habitacionais” – e não quando aplicada a “terrenos para construção”, como os prédios aqui em análise;

k)      Os “terrenos para construção” não se afiguram suscetíveis de serem utilizados para habitação e apenas serão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista – sendo que, nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos, i.e. “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” (cf. artigo 6.º do Código do IMI);

l)       Nestes termos, o Requerente entende que deve ser julgado procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo sub judice e, consequentemente, sejam anulados os atos tributários que constituem o seu objeto, relativos às liquidações de Imposto do Selo acima identificadas, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, que seja a Autoridade Tributária e Aduaneira condenada a reembolsar o Requerente do valor do imposto pago, ou a pagar, relativamente às liquidações sub judice, acrescida de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral da quantia devida e calculados sobre o imposto;

m)   A título subsidiário, e sem prescindir, o Requerente pede a desaplicação, no caso concreto, a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio constitucional da igualdade (cf. artigo 204.º da CRP) e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais.

 

1.7.       A Requerida apresentou Resposta, onde apresenta defesa por impugnação, alegando, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, em síntese, o seguinte:

 

a)      O que está em causa, no presente processo, são liquidações que resultam da aplicação direta da norma legal, e que se traduz em elementos objetivos, sem qualquer apreciação subjetiva ou discricionária;

b)      Consultando as certidões do teor dos prédios urbanos que estão na base das presentes liquidações, verifica-se que os terrenos para construção estão afetos à habitação;

c)      Os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída afetação habitacional no âmbito das respetivas avaliações, constando tal afetação das respetivas matrizes, estão sujeitos a Imposto de Selo;

d)      O facto de, na norma de incidência – verba 28.1 da TGIS – se ter positivado o prédio com afetação habitacional em detrimento do prédio habitacional, faz apelo ao coeficiente de afetação que se aplica, indistintamente, a todos os prédios urbanos;

e)      Não existindo em sede de IS definição do que se entende por “prédio urbano”, “terreno para construção” e “afetação habitacional” é necessário recorrer subsidiariamente ao CIMI para obter uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no artigo 67.º, n.º 2 do CIS na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10;

f)       O legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos ‘terrenos para construção’, como resulta da expressão ‘valor das edificações autorizadas’ a que se refere o artigo 45º, n.º 2 do CIMI e aplicando-lhe, por conseguinte, o coeficiente de afetação que vem previsto no artigo 41º do CIMI;

g)      Donde, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, é clara a aplicação do coeficiente de afetação em sede de avaliação;

h)      Nas cadernetas prediais dos imóveis em causa, os tipos de prédio é “lote de terreno para construção”;

i)       No caso vertente, estamos perante um lote de terreno para construção urbana, com as áreas de implantação do edifício e de construção perfeitamente definidas e identificadas nas cadernetas prediais urbanas;

j)       Fiscalmente, os imóveis são terrenos para construção, nessa qualidade foram adquiridos e assim estão predialmente classificados, logo, são sem dúvida, lotes de terreno para construção, mais exatamente prédios urbanos com vocação habitacional;

k)      Salienta-se que o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afetação habitacional”, expressão diferente e mais ampla, cujo sentido se vai encontrar na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6º, n.º 1, alínea a) do CIMI;

l)       A verba 28 da TGIS é uma norma geral e abstrata, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito;

m)   Acresce que fundadas razões também com assento constitucional, justificaram a criação da norma contestada, designadamente o respeito pelos princípios da proporcionalidade e da capacidade contributiva;

n)      A Administração está sujeita à lei e ao direito e os seus órgãos e agentes devem ser os primeiros a cumpri-la, não podendo, por isso, ser-lhe exigida pronúncia sobre as opções do legislador, pois que estas, após vertidas em lei, são a disciplina normativa dentro do qual a mesma exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público;

o)      Ou seja, vinculada ao princípio da legalidade, a AT não pode, por força disso, desaplicar normas em função da interpretação que faça quanto à sua inconstitucionalidade. (arts. 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e 55.º da LGT), o que tem repercussões, maxime quanto ao pedido de juros indemnizatórios;

p)      O legislador tributário considerou que a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio habitacional ou de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse habitação, de VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 representava uma manifestação de riqueza e era suscetível, por si só, de revelar significativa capacidade contributiva, fazendo, por isso, incidir a verba 28.1 da TGIS sobre a posse de determinado tipo de prédios, por contraposição aos rendimentos do trabalho e de pensões, já atingidos por outras medidas fiscais;

q)      Termos em que, se mantêm integralmente válidas e legais as liquidações ora impugnadas, concluindo-se pela legalidade das mesmas;

r)       Estribando-se a maioria dos fundamentos do presente pedido de pronúncia arbitral na (suposta) desconformidade constitucional da aludida Verba 28.1 do CIS, caso o Tribunal Arbitral venha a acolher a pretensão da Requerente e, inerentemente, recuse a aplicação desta norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, a Requerida pede, por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3, da CRP e no artigo 72º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, que seja determinada a notificação ao Ministério Público da sentença arbitral, a fim de dar cumprimento as suas prerrogativas legais.

 

1.8.       Por despacho de 13-12-2016, este Tribunal Arbitral, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), e tendo em conta que não foram suscitadas exceções, decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinar que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas, a apresentar pelas partes no prazo simultâneo de 20 dias, conforme previsto no artigo 91.º, n.º 5, do CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, e definiu o dia 07-04-2017 como prazo limite para prolação da decisão arbitral;

 

1.9.       As Partes não apresentaram alegações finais.

 

 

***

 

 II.     SANEADOR

 

2.1. Não foram invocadas exceções.

2.2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

2.3. Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

***

 

III. MÉRITO

 

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

 

§1.     Factos provados

        Julgam-se provados os seguintes factos:

a)      A O Requerente, no âmbito da sua atividade, é proprietário de diversos prédios, incluindo prédios habitacionais, comerciais e terrenos para construção;

b)      Neste âmbito, foi o mesmo notificado dos atos liquidação de Imposto do Selo sub judice, emitidos ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, com referência ao ano 2015 – atos de liquidação identificados pelos documentos n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016… e n.º 2016…;

c)      As liquidações em análise respeitam ao prédio urbano com artigo matricial …, da freguesia de …, concelho de Oeiras e distrito de Lisboa e ao prédio urbano com artigo matricial …, da freguesia de …, concelho de Oeiras e distrito de Lisboa;

d)      Conforme resulta das cadernetas prediais dos imóveis em análise, objeto das liquidações de Imposto do Selo sub judice, os mesmos estavam inscritos na matriz como “terreno para construção”;

e)      O Requerente procedeu ao pagamento integral e atempado do Imposto de Selo referente as liquidações mencionadas supra.

 

§2. Factos não provados

Não foi feita prova de que os terrenos para construção em causa no processo tenham edificação, autorizada ou prevista, para habitação.

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes em sede de facto e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados por aquelas.

 

III.2.  MATÉRIA DE DIREITO

 

§1. Questões decidendas

No caso sub judice suscitam-se várias questões, todas elas relacionadas com a aplicação da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, a qual, à data dos factos, previa a tributação da «[28] Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI: 28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI», conforme a redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.

A primeira questão prende-se com saber se os terrenos para construção em causa no processo sub judice têm edificação, autorizada ou prevista, para habitação.

Uma outra questão, suscitada pela Requerente, aponta para a necessidade de se saber se a sujeição à Verba 28.1 da TGIS se mantém quando o proprietário do terreno é uma empresa cuja atividade consiste na aquisição de imóveis para revenda.

 Finalmente, a Requerente suscita, a título incidental, a questão relativa à alegada inconstitucionalidade da norma contida na verba 28.1 da TGIS por violação do princípio da constitucional da igualdade.

Em função do sentido da decisão das questões mencionadas supra, importará ainda saber se a Requerente tem direito à reposição do imposto pago, acrescida de juros indemnizatórios.

 

 

§2. Regime legal e respetiva aplicação ao caso sub judice

O artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, que entrou em vigor no dia 30 de outubro seguinte, aditou uma verba à TGIS então em vigor, com a seguinte redação:

«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

•    28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;

•    28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.»

Posteriormente, o artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, introduziu uma nova redação à verba 28 da TGIS, que passou a incluir os terrenos para construção, nos seguintes termos:

«28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1 %».

A alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, entrou em vigor no dia 01/01/2014, sendo aplicável ao período de tributação a que diz respeito a liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.

O texto da norma contida na Verba 28.1 da TGIS evidencia, de forma inequívoca, que o legislador apenas pretendeu atingir os imóveis com afetação habitacional, excluindo, portanto, os imóveis com outras afetações (designadamente, com afetação comercial, industrial ou para serviços).

Tal sentido resulta também claramente do texto da Proposta de Lei nº 96/XII – 2ª, de 21/09/2012, em que se fundamenta a criação da taxa sobre propriedades habitacionais de valor mais elevado, afirmando-se que “… será criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial seja igual ou superior a um milhão de euros”.

Deste modo, conclui-se que um imóvel de valor superior a um milhão de euros, mas com afetação não habitacional, não está sujeito à regra de incidência objetiva prevista na Verba 28.1 da TGIS.

Ora, no caso sub judice não foi feita prova de que os terrenos para construção em causa tenham edificação, autorizada ou prevista, para habitação.

A este respeito, a Requerida sustenta, no essencial, que «[o] legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos ‘terrenos para construção’, como resulta da expressão ‘valor das edificações autorizadas’ a que se refere o artigo 45º, n.º 2 do CIMI e aplicando-lhe por conseguinte o coeficiente de afectação que vem previsto no artigo 41º do CIMI» (artigo 16 da Resposta). A Requerida, defende, assim, que «para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação» (artigo 19 da Resposta). E conclui, com base na informação constante das cadernetas prediais que «[f]iscalmente, os imóveis são terrenos para construção, nessa qualidade foram adquiridos e assim estão predialmente classificados, logo, são sem dúvida, lotes de terreno para construção, mais exactamente prédios urbanos com vocação habitacional»[1] (artigo 23 da Resposta). E reforça esta posição afirmando que «[n]ão pode a Requerente desconhecer que a caderneta predial é claríssima ao definir para o lote de terreno para construção em causa, a respectiva área de implantação do edifício e de construção, assim perfeitamente definida e identificada» (artigo 24 da Resposta), pelo que é «patente a afectação habitacional do imóvel» (artigo 25 da Resposta).

Sucede que, contrariamente ao que é defendido pela Requerida, não basta que um terreno para construção se situe numa zona onde predomine a afetação habitacional para se concluir que o mesmo, em concreto, tem uma edificação, autorizada ou prevista, destinada a habitação. Dito de outro modo, não basta a “vocação habitacional” da edificação autorizada ou prevista.

Subscreve-se, nesta matéria, a posição vertida no acórdão arbitral proferido no processo n.º 142/2016-T, quando aí se afirma que «[n]ão há nestas normas da TGIS [verba 28.1] e do CIMI [artigo 45.º, n.º 2] indicação do que deve entender-se por ‘edificação prevista’, mas, tendo em conta os documentos exigidos para ser efectuada a avaliação de terrenos para construção, indicados no artigo 37.º, n.º 2, do CIMI, conclui-se que apenas se pode falar de construção autorizada ou prevista quando o ‘edifício a construir’, a que se refere o n.º 1 do artigo 45.º, esteja definido em alvará de loteamento ou alvará de licença de construção, ou projecto aprovado, ou comunicação prévia, ou informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva. Na verdade, será apenas nestas situações que haverá consistência jurídica em prever a realização futura de construção com características determinadas».

Segue-se igualmente o sentido do acórdão citado quanto à questão do ónus da prova. Conforme é aí afirmado, «[s]endo a possibilidade de construção de edifícios para habitação invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira como fundamento dos actos de liquidação e da decisão da reclamação graciosa é sobre ela que recai o ónus da prova desse facto, como se conclui do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, que estabelece que ‘o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque’. Assim, a dúvida sobre a existência ou não da possibilidade de construção de habitações nos terrenos em causa tem de ser valorada processualmente em favor do Requerente, conduzindo à anulação dos actos praticados, como impõe o n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT».

Em sentido convergente tem-se pronunciado a jurisprudência arbitral relativamente a processos, designadamente nos processos n.ºs 467/2015-T, 156/2016-T, 459/2016-T e 460/2016-T.

Em conclusão, e com os fundamentos expostos, procede o pedido de pronúncia arbitral quanto ao vício de ilegalidade imputado pelo Requerente às liquidações em causa.

Deste modo, fica prejudicado o conhecimento do vício arguido a título subsidiário, conforme resulta do disposto no artigo 554.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

 

§3. Pedido de restituição das quantias pagas e juros indemnizatórios

A Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

De acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:

[…]

b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido

[…]».

No mesmo sentido, o artigo 100.º da LGT prevê que «[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

Assim, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, há lugar a reembolso do imposto pago na sequência dos atos de liquidação ilegais que são objeto do presente processo.

Quanto aos juros indemnizatórios, prevê o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

No caso sub judice, as liquidações enfermam de erro imputável à Requerida, pelo que se julga procedente o pedido de juros indemnizatórios, que deverão ser calculados pela Autoridade Tributária e Aduaneira em execução da presente decisão arbitral.

 

IV. DECISÃO

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

a)       Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)      Declarar a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo que são objeto do presente processo;

c)      Anular as liquidações de Imposto do Selo a que se referem os documentos n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016…, n.º 2016… e n.º 2016…;

d)       Julgar procedente o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento do imposto, até integral reembolso, tudo nos termos que vier a ser apurado em execução de sentença.

 

V. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 26 448,20.

 

VI.  CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 530,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 06 de abril de 2017

 

O Árbitro

 

 

 Paulo Nogueira da Costa

 



[1] Destaque nosso.