Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 478/2016-T
Data da decisão: 2017-03-03  Selo  
Valor do pedido: € 18.523,40
Tema: Imposto de Selo – verba 28.1 da TGIS – terreno para construção – ano 2015
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Decisão Arbitral

 

 

Autora / Requerente: A…, LDA

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante A.T.A.)

 

1. Relatório

Em 29-07-2016, a sociedade por quotas A…, LDA., pessoa coletiva n.º…, com sede na …, …, …, …-… Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º…, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação do ato tributário de liquidação de Imposto de Selo relativo ao ano de 2015 e relativo ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário de 1.852.340,00 € e descrito como terreno para construção.

A Requerente alega que a liquidação em causa padece dos vícios materiais de: (i) violação da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), e (ii) inconstitucionalidade da referida verba 28.1 por violação dos princípios constitucionais da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade.

A Requerente começa por referir que o seu lote de terreno não é subsumível à previsão da norma constante da verba 28.1 da TGIS. Desde logo porque, segundo a Requerente, a redação da verba 28.1 introduzida pelo artigo 194º da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2014) passou a incluir o terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação. E o terreno propriedade da Requerente objeto de tributação destina-se à construção de habitação, conjuntamente com comércio/serviços, pelo que não cai diretamente na previsão da verba 28.1.

Para a Requerente, ainda que os valores patrimoniais tributários sejam concretamente determináveis, não consta da matriz nem é utilizado para efeitos de Imposto Municipal de Imóveis (IMI) um valor patrimonial tributário (VPT) da parte destinada a habitação, um outro VPT da parte destinada a comércio e ainda um VPT da parte destinada a serviços. E conclui que assim sendo não é possível adotar um VPT que não encontra acolhimento na lei.

A Requerente alega que o ato impugnado viola a norma prevista na verba 28.1 da TGIS, na medida em que a mesma não prevê a tributação de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja conjuntamente para habitação e comércio/serviços, mas apenas aqueles “cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”, e como tal, deve ser anulado.

Por outro lado, a Requerente alega que a redação da verba 28.1 da TGIS introduzida pela Lei n.º 83--C/2013 de 31 de dezembro, é inconstitucional a vários títulos.

Para a Requerente a redação dada pela referida lei à verba 28.1 afigura-se inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da legalidade, da justiça e da igualdade e da imparcialidade, consagrados no n.º 2 do artigo 266º e nos artigos 13º e 104º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.

Desde logo, refere a Requerente que ao tributar-se os terrenos para construção destinados a habitação, a lei pode estar a tributar os bens afetos ao desenvolvimento de uma atividade económica, no caso a construção de edifícios habitacionais, tributação essa que, no seu entender, é inconstitucional. A Requerente alega que adquiriu o terreno no âmbito da sua atividade económica, e está a ser tributada como se tivesse uma capacidade contributiva a nível dos padrões mais elevados da sociedade portuguesa, a que não corresponde à realidade.

A Requerente expõe que a tributação prevista pela verba 28.1 da TGIS, encarada como uma tributação da propriedade de prédios urbanos habitacionais e de terrenos para construção cuja edificação seja para habitação, de valor igual ou superior a um milhão de euros, mesmo nos casos em que aquela não corresponde a uma manifestação de luxo dos seus titulares, mas apenas ao mero desenvolvimento da sua atividade económica, não pode deixar de ser considerada inconstitucional porque corresponde a uma discriminação negativa injustificada daqueles titulares, o que implica a sua inconstitucionalidade material, por ofensa ao princípio da igualdade. Discriminação essa, diz a Requerente, que se verifica ainda quando se compara o tipo de empresas referidas com outras que, para a sua atividade económica, possuem em carteira terrenos para construção de edifícios destinados a comércio, serviços ou indústria, que não se encontram sujeitos a tributação prevista na verba 28.1 da TGIS.

A Requerente refere que não existe fundamento legal para tratar diferentemente a situação dos contribuintes que detêm terrenos para construção, pelo mero facto de o edifício que poderá vir a ser construído num terreno a ser afeto a habitação e noutro vir a ter qualquer afetação que não a habitação. Neste sentido, para a Requerente a verba 28.1 tem de considerar-se inconstitucional, na parte relativa aos terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, por violação do princípio constitucional da igualdade.

A Requerente considera ainda que, à luz da jurisprudência arbitral, também o terreno da Requerente só deveria ser tributado pela verba 28.1 se e na medida em que alguma daquelas frações autónomas ou unidades independentes de habitação para ali previstas ou autorizada tivesse um VPT igual ou superior a um milhão de euros.

A Requerente entende ainda que a violação do princípio da igualdade é também evidente em casos como o de um hotel de cinco estrelas em Lisboa, mesmo que tenha um VPT muito superior a um milhão de euros, não estará sujeito ao Imposto de Selo da verba 28.1 por ser um prédio destinado a serviços, apesar de proporcionar habitação de luxo aos seus clientes. Isto, ao contrário do que acontece com um terreno para construção que não proporciona habitação mas que está sujeito ao Imposto de Selo da verba 28.

Por fim, a Requerente refere que procedeu ao pagamento da liquidação em causa nos presentes autos, e requer o reembolso da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT).

Foi designada como árbitro único, em 19-10-2016, Suzana Fernandes da Costa.

Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1, alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 14-11-2016.

A A.T.A. apresentou resposta, em 13-12-2016 (dentro do prazo legal para o efeito).

A A.T.A. defende que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação controvertida deverá ser julgado improcedente, uma vez que a liquidação em crise consubstancia uma correta interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, já que o referido imóvel em causa é um “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”.

A A.T.A. começa por referir que na avaliação dos terrenos para construção, o legislador quis que fosse aplicada a metodologia da avaliação dos prédios urbanos em geral, levando em consideração todos os coeficientes, nomeadamente o coeficiente de afetação previsto no artigo 41º do Código do IMI, mais resultando tal imposição legal no n.º 2 do artigo 45º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no mesmo terreno para construção. Assim, para efeitos de determinação do VPT dos terrenos para construção é clara aplicação do coeficiente de habitação em sede de avaliação, no entender da Requerida.

Por outro lado, alega a Requerida que não se verifica qualquer violação de princípios constitucionalmente consagrados.

Quanto ao pedido da Requerente do pagamento de juros indemnizatórios, a Requerida refere que fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, pelo que não se verificou qualquer erro dos serviços que possa sustentar o pedido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da LGT.

A A.T.A. requereu ainda, na sua resposta, a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18º do Regime de Arbitragem Tributária, e refere que não pretende apresentar alegações.

Em 14-12-2016 foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerente para, em 10 dias, se pronunciar sobre o pedido da A.T.A. de dispensa de realização da reunião e de dispensa da apresentação de alegações.

Em 15-12-2016, a Requerente comunicou estar de acordo com a dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.

Foi proferido despacho, em 21-12-2016, a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, e a conceder o prazo para Requerente e Requerida apresentarem, querendo, as suas alegações por escrito. Foi ainda designada como data para a prolação da decisão o dia 03-03-2016, e advertiu-se a Requerente para até essa data proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.

 

2. Matéria de facto

2. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.    A Requerente A…, Lda era, em 2015, proprietária do prédio urbano designado por lote …/…, sito no …, junto à Rua …, na freguesia do …, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial sob o artigo … da freguesia do …, com o valor patrimonial tributário de 1.852.340,00 €, conforme caderneta predial junta aos autos como documento 2.

2.    O referido prédio urbano é um terreno para construção, e corresponde ao lote n.º …/…, do Alvará de Loteamento de iniciativa municipal n.º …/2005, com a área de 1.998 m2, para o qual foi autorizada pela Câmara Municipal de Lisboa a construção de dois blocos, designados por Bloco 1 e Bloco 2, com uma área de construção acima do solo de 5.188 m2, repartidos por habitação com 3.900 m2 (33 fogos), comércio com 784 m2 e serviços com 504 m2, conforme certidão predial e páginas … a … do n.º … do Boletim Municipal da Câmara Municipal de Lisboa juntos aos autos como documentos 3 e 4.

3.    A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto de Selo n.º 2016…, referente ao ano de 2015, no valor de 18.523,40 € a pagar até 31-07-2016, conforme liquidação junta aos autos como documento 7.

4.    A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de Imposto de Selo no valor de 18.523,40€, em 13-07-2016, conforme documento junto aos autos.

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos e nos factos admitidos por acordo.

 

3. Matéria de direito:

3.1.Objeto e âmbito do presente processo

Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se o imóvel em causa, sendo um terreno para construção com autorização para construção de dois blocos destinados a vários fins, nomeadamente o habitacional, comercial e serviços, está ou não sujeito a Imposto de Selo previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2014).

Sobre esta mesma questão já se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do CAAD proferidos nos processos número 480/2015-T, 498/2015-T e 522/2015-T.

Comecemos por analisar o vício material, invocado pela Requerente, de violação da norma de incidência tributária constante da verba 28.1 da TGIS, que, a verificar-se, afastará definitivamente a possibilidade de impor à Requerente um novo ato tributário praticado ao abrigo daquela mesma norma. Além disso, e tal como se refere na decisão do CAAD do processo n.º 522/2015-T, só importará proceder à apreciação da questão da inconstitucionalidade da verba 28.1 se e na medida em que a interpretação e concretização da solução normativa resultante da mencionada verba envolver a subsunção à respetiva previsão legal da situação sub judice.

 

3.2. Da delimitação do âmbito de incidência objetiva da verba 28.1 da TGIS

Importa desde logo elencar as normas jurídicas relevantes à data de ocorrência dos factos.

A sujeição a Imposto de Selo dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da verba 28 à TGIS, efetuado pelo artigo 4º da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1               – Por prédio com afetação habitacional – 1%

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.

A referida lei aditou ainda o n.º 7 do artigo 23º do Código do Imposto de Selo, que refere que “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”. Foi também aditado o n.º 2 do artigo 67º que dispõe que “as matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.

Posteriormente, a Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2014) veio alterar a redação da verba 28.1 da TGIS, em vigor a partir de 1 de janeiro de 2014, passando a mesma a dispor o seguinte:

“28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”.

O artigo 2º do Código do IMI refere-se ao conceito de prédio:

“1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.

3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”

Por sua vez, o artigo 4º define o que são prédios urbanos:

“Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como prédios rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”

Determina, por sua vez, o artigo 6º que:

“1 – Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados nas zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos” (…).

Quanto ao VPT dos terrenos para construção, vejamos o que refere o artigo 45º do Código do IMI.

“1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respetiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente. (Aditado pela Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro).”

Por último, atente-se nas normas sobre a interpretação das leis, fundamentais para que se possa compreender o alcance do conceito de prédio com afetação habitacional.

O artigo 11º da LGT determina que:

“1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.

3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender -se à substância económica dos factos tributários.

4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica”.

E o artigo 9.º do Código Civil refere que:

“1. A interpretação não deve cingir -se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de cor respondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

Sobre a interpretação da lei, vejamos o que é referido na decisão arbitral proferida no processo n.º 53/2013-T: “A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre actos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global. (…)

Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar coerência legislativa na solução adoptada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

Com efeito, verificamos que a redação da verba 28.1, quer a primeira quer a dada pela Lei do Orçamento de Estado para 2014, possui um cariz fulcralmente remissivo, pois o respetivo conteúdo regulativo relevante depende das normas legais constantes do Código do IMI.

Na verdade, seja quanto à incidência objetiva, com a referência a “prédios urbanos” e ao “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”, seja quanto à fixação da matéria coletável, com a referência ao “valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, a verba 28 da TGIS resulta de uma remissão geral para o Código do IMI. Esse aspeto resulta reforçado pelo n.º 2 do art. 67.º do Código do Imposto de Selo, que determina que às matérias não reguladas no Código do Imposto de Selo respeitantes à verba 28 da TGIS aplica-se, subsidiariamente, o disposto no Código do IMI.

Segundo o teor literal da verba 28.1 da TGIS, com a redação dada pela Lei do Orçamento de Estado para 2014, estão sujeitos a esta norma de incidência tributária os prédios urbanos de VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, que sejam prédios habitacionais ou terrenos para construção com edificação, autorizada ou prevista, para habitação.

De acordo com o artigo 6º n.º 2 do Código do IMI, são habitacionais os edifícios ou construções licenciadas pelos municípios para esse fim, ou na falta de licença, que tenham como destino normal essa utilização.

Quanto aos terrenos para construção, e concordando com o que refere a decisão arbitral do processo n.º 522/2015-T, apenas estão abrangidos pelo âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS aqueles para os quais esteja autorizada ou prevista a edificação para fins habitacionais, na aceção resultante da definição de prédio habitacional que é dada pelo n.º 2 do artigo 6º do Código do IMI. Desta forma, estão excluídos da sujeição à verba 28.1 da TGIS os terrenos para construção relativamente aos quais esteja autorizada ou prevista edificação para outros fins que não os habitacionais, nomeadamente, para fins comerciais, industriais ou para serviços. 

Com efeito, concordamos com a decisão acima referida (decisão do processo n.º 522/2015-T), quando refere que “a limitação da aplicação do imposto aos prédios habitacionais e aos terrenos para construção em que esteja prevista ou autorizada a construção de habitação, revela a intenção de não onerar o setor produtivo e as empresas em geral e, nesse sentido, não se pretendeu abranger no âmbito de incidência do imposto nem os prédios afetos a serviços, indústria ou comércio, isto é, os prédios afetos à atividade económica, nem os terrenos para construção relativamente aos quais esteja prevista ou autorizada edificação para esses outros fins. Tal resulta compreensível num contexto em que a economia se encontrava em espiral recessiva, publicamente proclamada ao mais alto nível, com as taxas de desemprego a atingir níveis históricos, com avalanche de encerramento de empresas devido a insustentabilidade económica”.

A referida decisão refere ainda que “tendo presente essa situação e sendo consabido e público que a reanimação da atividade económica e o aumento das exportações são as portas de saída para a crise, compreende-se que, pese embora a necessidade premente de aumentar as receitas fiscais, não se tomassem medidas legislativas que dificultassem a atividade económica, designadamente o agravamento da carga fiscal que a dificulta e afeta a competitividade em termos internacionais”.

Com efeito, temos que concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba 28.1 da TGIS os prédios não habitacionais e os terrenos para construção relativamente aos quais esteja autorizada ou prevista a edificação para fins diferentes da habitação.

 

3.3. Da (não) aplicação da verba 28.1 da TGIS ao caso sub judice

Como resultou provado, o prédio urbano em causa nestes autos é “um terreno para construção, e corresponde ao lote n.º …/…, do Alvará de Loteamento de iniciativa municipal n.º …/2005, com a área de 1.998 m2, para o qual foi autorizada pela Câmara Municipal de Lisboa a construção de dois blocos, designados por Bloco 1 e Bloco 2, com uma área de construção acima do solo de 5.188 m2, repartidos por habitação com 3.900 m2 (33 fogos), comércio com 784 m2 e serviços com 504 m2, conforme certidão predial e páginas … a … do n.º … do Boletim Municipal da Câmara Municipal de Lisboa juntos aos autos como documentos 3 e 4”. Trata-se, pois, de um terreno para construção para o qual está autorizada a edificação para habitação, comércio e serviços.

Ora, não consta da matriz nem é utilizado para efeitos de IMI um VPT da parte destinada a habitação, um outro VPT da parte destinada a comércio e ainda um VPT da parte destinada a serviços. O Código do IMI, no artigo 7.º, n.º 2, alínea b), refere que o valor do prédio é a soma dos valores das suas partes, portanto, de todas as suas partes, seja qual for a respetiva afetação.

Por conseguinte, não é legalmente possível proceder à anulação da liquidação na parte relativa à afetação não habitacional, e manter a liquidação na parte relativa à afetação habitacional do prédio, sob pena de violação do artigo 7º n.º 2 alínea b) do Código do IMI. Por outro lado, estar-se-ia a considerar, para efeitos da fixação da incidência da verba 28.1 da TGIS, valores que não correspondem ao valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI (e, logo, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS), ou seja, estar-se-ia a adotar um valor patrimonial tributário que não encontra acolhimento na lei.

Em conclusão, sobre o terreno para construção em causa nestes autos não incide o Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS.

Consequentemente, a liquidação controvertida padece de vício de violação de lei da verba 28.1 da TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito, o que implica a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação.

Atenta a procedência da peticionada declaração de ilegalidade da liquidação controvertida, por vício que impede a renovação do ato, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pela Requerente. 

 

4. Dos juros indemnizatórios

 

A Requerente refere que procedeu ao pagamento da liquidação em causa nos presentes autos, e requer o reembolso da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT).

O artigo 43º n.º 1 da LGT determina que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 4 do art. 61.º do CPPT que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Nos presentes autos, verifica-se que a ilegalidade da liquidação controvertida, por erro nos pressupostos de direito, é imputável à A.T.A. por ter procedido à incorreta interpretação e aplicação da disposição legal constante da verba 28.1 da TGIS.

Assim, a Requerente tem direito, em conformidade com o disposto nos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago e aos juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos arts. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados desde a data do pagamento do imposto (13-07-2016), à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que serão incluídos.

 

5. Decisão

Em face do exposto, determina-se:

a)       Julgar procedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade da liquidação de Imposto de Selo n.º 2016 … no valor de 18.523,40 €;

b)      Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente o valor do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efetuado até à data do integral reembolso do mesmo.

 

6. Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 315º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 18.523,40€.

 

7. Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, devidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, 3 de março de 2017.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.

A juiz arbitro

 

 

Suzana Fernandes da Costa