Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 466/2016-T
Data da decisão: 2016-12-15  Selo  
Valor do pedido: € 12.225,20
Tema: IS – Verba n.º 28 da TGIS
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Decisão Arbitral

            I – Relatório

 

            1.1. A…– S.A. (doravante aqui designada por «requerente»), pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua …, n.º…, …, …-… Porto, tendo sido notificada das 25 liquidações de Imposto do Selo (IS) relativas às 25 divisões susceptíveis de utilização independente do prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo…, para o ano de 2015, efectuadas nos termos da verba 28.1 da TGIS, no montante total de €12.225,20, apresentou, no dia 29/7/2016, pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 99.º do CPPT e nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista que: se declare “a ilegalidade e a consequente anulação das 25 liquidações de IS relativas às 25 divisões susceptíveis de utilização independente do prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo…, para o ano de 2015, no valor de €12.225,20; [a] Requerente [seja reembolsada da] quantia de €5.174,43, referente ao pagamento indevido das notas de cobrança relativas à prestação única de IS em relação à unidade susceptível de utilização independente «Cave» e das primeiras prestações do IS do ano de 2015 em relação às restantes unidades susceptíveis de utilização independente supra referidas, e bem assim das restantes prestações que venham a ser pagas pela Requerente durante a pendência do presente processo, até ao proferimento da decisão arbitral; [...] a AT [seja condenada] no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, devidos pelo pagamento indevido das liquidações ilegalmente emitidas.”

 

            1.2. Em 7/11/2016 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

            1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos e para os efeitos do mencionado artigo. A AT apresentou a sua resposta a 7/12/2016, tendo argumentado no sentido da total improcedência do pedido da requerente.

 

            1.4. Por despacho de 9/12/2016, o Tribunal considerou, nos termos do disposto no art. 16.º, al. c), do RJAT, ser dispensável a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, e que o processo estava pronto para decisão. Foi, ainda, fixada a data de 15/12/2016 para a prolação da decisão arbitral.

           

            1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

 

            II – Alegações das Partes

 

            2.1. Vem a ora Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, não procedeu à qualificação dos conceitos que constam da referida verba n.º 28.1, nomeadamente, do conceito de «prédio habitacional»”; b) “observando o disposto no artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo (CIS), também aditado pela citada Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, conclui-se pela aplicação subsidiária do disposto no IMI «às matérias não reguladas (...) respeitantes à verba 28 (...)»”; c) “conforme tem sido jurisprudência pacífica do Tribunal Arbitral, veiculada, por exemplo, na Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 132/2013-T [...], [as] partes autónomas de prédios em propriedade vertical com afectação habitacional devem ser consideradas como «prédios urbanos habitacionais»”; d) “no mesmo sentido, refere a Decisão Arbitral n.º 50/2013-T que, na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina o prédio [...]». Sendo de concluir, portanto, como o faz de forma uniforme a jurisprudência do Tribunal Arbitral , pela prevalência da substância sobre a forma”; e) “ora, distinguir, neste contexto, prédios em propriedade horizontal e em propriedade total com divisões susceptíveis de utilização independente (propriedade vertical) seria desconsiderar a substância da realidade em causa, o que, como fica demonstrado, não encontra arrimo nem na verba 28 da TGIS, nem no disposto no CIMI”; f) “face ao exposto, tendo em conta o artigo 23.º, n.º 7, do CIS [...], impõe-se que, em relação aos prédios em propriedade total com divisões susceptíveis de utilização independente afectas a habitação, a incidência da norma prevista na verba 28.1 da TGIS se verifique apenas quando alguma daquelas divisões individualmente considerada tenha um VPT de pelo menos €1.000.000, nos termos que se verifica para uma fracção autónoma de um prédio em propriedade horizontal”; g) “por todo o exposto, as liquidações de IS sobre o VPT global decorrente da soma dos VPT das 25 divisões susceptíveis de utilização independente correspondente a €1.222.520,00, estão feridas de ilegalidade por inexistência de pressuposto legal de incidência do IS previsto na verba 28.1 da TGIS”; h) “resulta claro [...] que a interpretação feita pela AT da verba 28.1 da TGIS é contrária à lei, pelo que, em consonância, as referidas liquidações de IS estão feridas de ilegalidade”; i) “[no âmbito do processo n.º 748/2014-T,] o Tribunal Arbitral já confirmou o entendimento da Requerente, tendo decidido favoravelmente o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela Requerente em relação às liquidações de IS efectuadas nos termos da verba 28.1 da TGIS em relação às 25 divisões susceptíveis de utilização independente com referência aos anos de 2012 e 2013”; j) “pelas exactas razões veiculadas pelo Tribunal Arbitral na decisão [...] supra em relação às liquidações de IS incidentes sobre as 25 divisões susceptíveis de utilização independente com referência aos anos de 2012 e 2013, é de concluir que as liquidações de IS incidentes sobre as (mesmas) 25 divisões susceptíveis com referência ao ano de 2014, aqui em contenda, estão feridas de ilegalidade por inexistência de pressuposto legal de incidência do IS previsto na verba 28.1 da TGIS”; l) “a requerente entende ter direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido das liquidações de IS ilegais”. 

 

            2.2. Em conclusão, pede a Requerente que “o presente Pedido de Pronúncia Arbitral se[ja] julgado procedente, por provado e, em consequência: (i) se[ja] declarada a ilegalidade e a consequente anulação das 25 liquidações de IS relativas às 25 divisões susceptíveis de utilização independente do prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo…, para o ano de 2015, no valor de €12.225,20; (ii) se[ja] reembolsada à Requerente a quantia de €5.174,43, referente ao pagamento indevido das notas de cobrança relativas à prestação única de IS em relação à unidade susceptível de utilização independente «Cave» e das primeiras prestações do IS do ano de 2015 em relação às restantes unidades susceptíveis de utilização independente supra referidas, e bem assim das restantes prestações que venham a ser pagas pela Requerente durante a pendência do presente processo, até ao proferimento da decisão arbitral; se[ja] condenada a AT no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, devidos pelo pagamento indevido das liquidações ilegalmente emitidas.” 

           

2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação: a) que “a Requerente sustenta a sua posição em decisões do CAAD, inclusive em decisões em que foi requerente e a decisão lhe foi favorável. No entanto, continuamos a entender [que] a verba 28 da Tabela Geral dispõe recair imposto de selo sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (C.I.M.I.), seja igual ou superior a € 1 000 000,00”; b) que “resulta [da verba 28.1 da TGIS e dos artigos 2.º, n.º 4, do CIS, e 3.º, n.º 3, al. u), do CIMI] o facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. consistir na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios”; c) que “o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente”; d) que “não se vislumbra, assim, como as liquidações de I. Selo impugnadas possam ter violado o teor literal da verba 28.1 da Tabela Geral”; e) que “a unidade do prédio urbano em propriedade vertical composto por vários andares ou divisões não é [...] afectada pelo facto de todos ou parte desses andares ou divisões serem susceptíveis de utilização económica independente. Tal prédio não deixa de ser um apenas, não sendo, assim, as suas partes distintas juridicamente equiparadas às fracções autónomas em regime de propriedade horizontal”; f) que “outra interpretação violaria, isso sim, a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no art. 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa”; g) que “a verba n.º 28 “[não enferma de inconstitucionalidade porque] não se vislumbra [...] como a tributação em causa teria violado o princípio da igualdade”; h) que, “em conclusão, os actos tributários impugnados, em termos de substância, não violaram qualquer preceito legal ou constitucional, devendo ser mantidos na ordem jurídica”.      

 

2.4. Em conclusão, a AT conclui que: “a) a verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto de Selo incide sobre os prédios urbanos com afectação habitacional; b) o valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 de que depende a aplicação dessa norma legal é, como resulta expressamente da sua letra, o valor patrimonial de cada prédio e não das suas partes distintas, ainda que susceptíveis de utilização independente; c) nessa medida, o imposto de selo da verba 28 foi correctamente liquidado.”

 

            III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação

 

            3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na Rua … a …, freguesia de … (…), concelho e distrito de Setúbal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial… . Como resulta da respectiva caderneta predial, o citado prédio urbano encontra-se em propriedade total com 25 divisões susceptíveis de utilização independente, todas estas afectas a «Habitação» (v. Doc. 2 apenso aos presentes autos).

 

            ii) Para cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente do prédio foi determinado, separadamente, o respectivo VPT, conforme previsto no CIMI. Os VPT de cada uma das 25 divisões susceptíveis de utilização independente do prédio em causa variam entre €23.210,00 e €53.860,00, sendo o valor correspondente à soma dos VPT (das 25 divisões) de €1.222.520,00 (v. tabela constante do ponto 14.º da p.i. da Requerente).

           

            iii) A 5/4/2016, a AT procedeu à liquidação de IS, nos termos da verba 28.1 da TGIS, para a totalidade das divisões susceptíveis de utilização independente do referido prédio, com referência ao ano de 2015 (v. Doc. 1 apenso). As 25 liquidações de IS, correspondentes às 25 divisões susceptíveis de utilização independente, atingem o montante global ora impugnado de €12.225,20. Deste valor, foi pago, até à presente data, o montante global de €5.174,43 (i.e., a prestação única relativa à divisão «Cave» e as primeiras prestações relativas às restantes 24 divisões): v. tabela constante do ponto 16.º da p.i. da Requerente.

 

            iv) Inconformada com as referidas liquidações, a ora Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral a 29/7/2016.

           

            3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos presentes autos.

 

            IV – Do Direito

 

            No caso ora em análise, as questões essenciais que se colocam são as de saber: 1) se a sujeição a IS, nos termos do disposto na verba n.º 28 da TGIS, é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afectação habitacional, ou se, ao invés, é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia à soma de todos os VPT dos andares ou unidades independentes que o compõem; 2) se, como invoca a AT, a verba n.º 28 “[não enferma de inconstitucionalidade porque] não se vislumbra [...] como a tributação em causa teria violado o princípio da igualdade”; 3) se são devidos juros indemnizatórios à ora Requerente.

 

            Vejamos, então.

 

            1) Na origem da primeira questão está a verba n.º 28 da TGIS, aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que dispõe o seguinte:

 

            “28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário para efeito de IMI: 28.1 – Por prédio com afectação habitacional – 1%. 28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.

 

            A Lei n.º 55-A/2012, que entrou em vigor em 30/10/2012, não procedeu à qualificação dos conceitos que constam da referida verba n.º 28, nomeadamente, do conceito de «prédio com afectação habitacional». Contudo, observando o que dispõe o art. 67.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo (CIS), também aditado pela citada Lei n.º 55-A/2012, verifica-se que «às matérias não reguladas no presente código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se subsidiariamente o CIMI.» Existindo dúvida quanto ao alcance da referida verba, justifica-se, portanto, observar o que diz o CIMI.

           

            Da leitura do CIMI percebe-se que o conceito de «prédio com afectação habitacional» remete, naturalmente, para o conceito de «prédio urbano» que está definido nos arts. 2.º e 4.º. Por seu lado, constata-se que a determinação do VPT obedece aos artigos 38.º e ss. do CIMI.

 

            Entre as várias espécies de «prédios urbanos» (art. 6.º), menciona-se, expressamente, os «prédios urbanos habitacionais» [v. n.º 1, al. a)], acrescentando, depois, o n.º 2 do mesmo artigo do CIMI, que estes “são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

 

            Se é certo que o n.º 4 do art. 2.º do CIMI refere que, “para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”, também é certo que nada há na lei que aponte para a discriminação entre prédios em propriedade horizontal e vertical no que se refere à sua identificação como «prédios urbanos habitacionais». Daqui se conclui que partes autónomas de prédios em propriedade vertical com afectação habitacional devem ser consideradas como «prédios urbanos habitacionais».

 

            Com efeito, não faz sentido distinguir na lei aquilo que a própria lei não distingue (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus). Com efeito, nada denuncia, nem na verba n.º 28, nem no disposto no CIMI, uma justificação para aquela particular diferenciação. Note-se, a este propósito, o que dispõe o artigo 12.º, n.º 3, do CIMI: “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.

 

            O critério uniforme que se impõe é, assim, o que determina que a incidência da norma em causa apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal ou total com afectação habitacional, possua um VPT superior a €1.000.000,00. Fixar como valor de referência, para a incidência do novo imposto, o VPT global do prédio em causa, não encontra base na legislação aplicável, que é o CIMI, considerando a remissão feita pelo acima referido art. 67.º, n.º 2, do CIS.

 

            Assim, e observando o caso ora em análise, verifica-se que, como nota a Requerente, “os VPT de cada uma das 25 divisões susceptíveis de utilização independente do prédio em causa variam entre €23.210,00 e €53.860,00” – sendo, pois, todas as divisões de valor inferior a €1.000.000,00. Daqui se conclui, em face do supra exposto, que sobre as mesmas não deve incidir o IS a que se refere a verba n.º 28 da TGIS, sendo, consequentemente, ilegais os actos de liquidação impugnados pela ora Requerente.

 

            Com efeito, e como bem refere a DA proferida no proc. n.º 552/2015-T, de 27/1/2016, em processo idêntico ao ora em análise, “a principal questão trazida aos autos [...] é a de saber se a sujeição a Imposto do Selo (verba 28 da TGIS) de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das divisões de utilização independente e com afetação habitacional [...], ou se é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia ao somatório de todos os VPT dos andares ou divisões de utilização independente e com afetação habitacional que o integram [...]. Efetivamente, do ponto de vista formal, bem anda a AT ao referir que um prédio constituído em propriedade horizontal é uma realidade jurídico-tributária distinta de um prédio urbano em propriedade vertical ou total. Porém, se o n.º 4 do artigo 2.º do CIMI, estabelece a ficção legal de que cada uma das frações autónomas de um prédio constituído em propriedade horizontal consubstancia um prédio, daí não decorre, necessariamente, que uma parte de utilização independente de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal seja considerada prédio. Se o legislador utilizou, na norma da verba 28.1 da TGIS, a expressão «prédio urbano de afetação habitacional», não se afigura legítimo que a AT nela pretenda incluir os andares ou divisões de utilização independente de prédios não constituídos em propriedade horizontal que, como a própria reconhece, não são prédios, não podendo, por isso, ser equiparados às fracções autónomas de prédios constituídos em regime da propriedade horizontal. No que respeita à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios não constituídos em propriedade horizontal, rege o artigo 7.º, n.º 2, do CIMI, mas apenas quanto aos «prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do n.º 1 do artigo anterior», caso em que, de acordo com a sua alínea b) «(…) cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes». E é esta a única norma do CIMI em que se faz referência ao «valor [global] do prédio», sem que, contudo, este tenha qualquer relevância ao nível da liquidação do imposto. Assim, da conjugação das normas do n.º 2 do artigo 7.º e do n.º 1 do artigo 6.º, ambos do CIMI, resulta que, se um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal integrar exclusivamente partes ou divisões destinadas a habitação, o valor do prédio não equivale à soma das suas partes.”

 

É de notar, por último, que este entendimento (de ordem infraconstitucional), que tem sido aqui defendido, tem sido sufragado pelo STA, como se pode ver pelo recente Acórdão n.º 47/15, de 9/9/2015, no qual se assinalou, de uma forma clara, que, “tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.” No mesmo sentido, ver, por ex., os Acórdãos do STA de 2/3/2016 (proc. 1354/15), e de 29/6/2016 (proc. 498/16).

 

            2) A este respeito, segue-se aqui, por se concordar inteiramente – nomeadamente, no que se refere à desnecessidade de apreciação da norma ora em causa à luz dos princípios e parâmetros constitucionais referidos –, com o que foi, pertinentemente, observado no seguinte aresto recente do STA (vd. Acórdão de 24/5/2016, proferido no rec. 1344/15): “a questão que incumbe decidir prende-se com a interpretação da verba 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, no sentido de definir se ela tem aplicação aos prédios urbanos, com um artigo de matriz mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes a que foram atribuídos independentes VPT, cada um destes de valor inferior a um milhão de euros. Esta questão já não é nova neste Supremo Tribunal e tem merecido uma resposta uniforme no sentido propugnado na sentença recorrida [ou seja, e como sintetiza este aresto: «Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação.»], por todos, o acórdão datado de 04.05.2016, recurso n.º 0166/16. Também o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a dimensão constitucional desta norma à luz dos princípios da igualdade tributária, capacidade contributiva e proporcionalidade, tendo concluído que, a norma constante da verba 28 e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00, não é inconstitucional, por todos o acórdão 247/2016, datado de 04.05.2016. No presente recurso não se coloca a necessidade de apreciação da norma em apreço à luz de tais princípios e parâmetros constitucionais, antes se impondo uma interpretação teleológica e sistemática da mesma, pelo que, a orientação jurisprudencial que tem sido seguida pelos Tribunais comuns, e que agora se seguirá, não belisca a boa doutrina imposta por aquele Tribunal Constitucional.”

 

3) À luz do que dispõe o n.º 5 do art. 24.º do RJAT – “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” –, tem-se entendido que esta norma permite o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios em processos arbitrais. Justifica-se, assim, a análise do presente pedido.

   

            São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (ver o artigo 43.º, n.º 1, da LGT). É, por isso, condição necessária para a atribuição dos mencionados juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Ac. do STA de 30/5/2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Ac. do STA de 10/4/2013, proc. 1215/12).

 

Tendo havido, como decorre do que se disse no ponto 1), erro imputável aos serviços, tal determina, nos termos anteriormente referidos, a procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.

 

***

 

            V – DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            – Declarar a ilegalidade das 25 liquidações de Imposto do Selo impugnadas, por erro nos pressupostos de direito, determinando a sua anulação, bem como a devolução das quantias indevidamente pagas.

            – Julgar procedente o pedido também na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da requerente.

 

 

Fixa-se o valor do processo em €12.225,20 (doze mil duzentos e vinte cinco euros e vinte cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da requerida, no montante de €918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, dado que o presente pedido foi julgado procedente, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 15 de Dezembro de 2016.

 

 

O Árbitro

 

 

 

(Miguel Patrício)

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.