Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 28/2012-T
Data da decisão: 2012-10-30  IRC  
Valor do pedido: € 334.010,11
Tema: Dedutibilidade de custos
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Processo n.º 28/2012-T

 

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor Rui Duarte Morais e Dr. Victor Manuel Simões (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21-6-2012, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

O Banco …, S.A., NIPC …, com sede na …, invocando a qualidade de sócio da extinta sociedade …, S. A. (doravante …, S.A.), NIPC …, requereu, ao abrigo do disposto nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.º 2, e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante designado como RJAT), a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e formulou pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC, datada de 10-11-1998, referente ao exercício de 1993.

O pedido é formulado contra a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT) que manteve o acto impugnado.

Em 3-9-1999, o Requerente interpôs no Tribunal Tributário de … impugnação judicial tendo por objecto o acto de liquidação referido, tendo o processo corrido termos na … Unidade Orgânica daquele Tribunal com o n.º …/200… (anteriormente, no … Juízo, … Secção do Tribunal Tributário de 1.ª Instância), encontrando-se pendente de decisão há mais de dois anos.

Como fundamentos do pedido, o Requerente alegou, em suma, o seguinte:

a) A sociedade …, S.A. foi objecto de uma acção inspectiva realizada pelos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de …, respeitante ao exercício de 1993.

b) No âmbito daquela acção inspectiva foi efectuada uma correcção aritmética em sede de IRC, no montante de € 334.010,11 (66.962.997$00), referente à desconsideração como custo fiscal daquele montante, ao abrigo do disposto no artigo 23.° do Código do IRC, em consequência da qual o prejuízo fiscal declarado de € 704.416,43 (141.222.815$00) foi alterado para € 370.406,41 (74.259.818$00).

c) A data dos factos, a …, S.A. era detida a 100% pela sociedade … – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES, S.A. (… SGPS, S.A.), partilhando com outra empresa do Grupo em que se encontra inserido – a sociedade …, S.A. – os mesmos administradores os quais, porém, dada a inactividade desta última, se vieram a dedicar exclusivamente ao exercício das funções de gestão da actividade da sociedade …, S.A.

d) Apesar desta circunstância, os encargos com a remuneração daqueles administradores foram, até 1993, suportados na íntegra pela …, S.A., pressupondo, assim, o desempenho gratuito dos seus beneficiários de cargo idêntico na sociedade …, S.A.

e) Em 29.04.1993, constatando o absurdo de tal situação, deliberou a …, S.A em Assembleia Geral, sob proposta da accionista … SGPS, S.A., que tais encargos fossem rotativamente suportados por ambas as sociedades;

f) Por razões meramente administrativas, a sociedade …, S.A efectuou, no ano de 1993, o pagamento das remunerações aos administradores, tendo a …, S.A procedido ao reconhecimento contabilístico do custo e, posteriormente, ao reembolso do mesmo;

g) Na sequência da supra referida acção inspectiva, a …, S.A foi notificada da liquidação adicional de IRC supra identificada, referente ao exercício de 1993;

h) Os custos incorridos com a remuneração dos administradores no montante de € 334.010,11 (66.962.997$00), não devem ser desconsiderados no apuramento do resultado tributável;

i) Apesar de os custos referidos não terem suporte em documento externo e de a …, S.A ter errado ao não ter procedido ao pagamento das prestações a que ficou vinculada à medida do seu vencimento e ao não ter exigido à …, S.A., que lhe facturasse e debitasse os custos referidos, o princípio constitucional da tributação fundamentalmente sobre o rendimento real (art. 104.º, n.º 2, da CRP) impede que se desconsidere, para efeito de determinação da matéria tributável, um custo efectivamente ocorrido;

j) Para além disso, apesar de se presumir a veracidade da escrita (art. 78.º do Código de Processo Tributário), não significa que a contabilidade irregular seja desconsiderada para efeitos de determinação do lucro tributável, apenas passando a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade dos elementos da contabilidade;

k) A inexistência de documento externo destinado a comprovar uma operação para a qual ele devia existir afecta necessariamente o valor probatório da contabilidade e essa falta não pode ser suprida pela apresentação de um documento interno, mas este pode, juntamente com outros meios de prova, coadjuvar o sujeito passivo na tarefa de demonstrar a veracidade e substância da operação subjacente.

l) No caso, o Requerente entende que fez tal prova com os documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e, se necessário, com inquirição de testemunhas.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, sem suma, o seguinte:

 

  1. o art. 23.º do CIRC exige que, para que um custo seja aceite, em termos fiscais, ele terá de preencher dois requisitos, que são estar documentalmente provado e ser indispensável à realização dos proveitos ou à manutenção da fonte produtora;

  2. não há dúvidas relativamente ao facto de as remunerações dos administradores serem indispensáveis à realização dos proveitos, como até decorre directamente da alínea d) do referido art. 23.º;

  3. deveria ter existido uma factura ou nota de débito relativamente aos custos que a …, S.A. suportou por conta da …, S.A.;

  4. O ónus que impende sobre o Requerente não é demonstrar que, apesar de irregularmente titulados, os custos em questão constituem, em substância, verdadeiras remunerações, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira não Tributária não questionou o exercício da actividade por parte dos administradores, nem duvidou que fossem aqueles os responsáveis pela direcção da empresa;

  5. Aquela verba foi desconsiderada como custo no âmbito do procedimento inspectivo porque não constava da contabilidade, e continua a não ser apresentado, qualquer documento que comprove que, em algum momento de 1993, a …, S.A tenha efectivamente suportado o custo inerente às remunerações e respectivos encargos dos seus administradores.

  6. E o ónus de provar isso recai sobre o Requerente;

  7. O Requerente não fez tal prova no decurso da acção inspectiva e, também agora, continua sem o fazer, não constando dos autos quaisquer documentos que provem que, mensal ou anualmente, a partir de 29-4-1993, houve transferência de certos valores aos quais corresponderiam os montantes auferidos;

  8. Os documentos juntos com o n.º 15 mostram-nos recibos de vencimento, subsídios e encargos com a segurança social, todos emitidos em nome da …, S.A., independentemente do mês a que respeitam, apenas comprovando que foram pagas aos administradores as remunerações a que teriam direito, (o que nunca foi posto em causa pela inspecção tributária), mas não evidenciam, de modo algum, que o tenham sido, em qualquer momento, pela …, S.A.

  9. O documento n.º 12, que é o balancete da empresa do qual consta a indicação, na conta de Devedores e Credores Diversos, do montante em litígio nos presentes autos não permite visualizar qualquer data, apenas exibe aquele valor como sendo aquele que a empresa se havia comprometido a pagar, não demonstrando a efectiva saída dos fundos monetários para a …, S.A.;

  10. Os lançamentos contabilísticos não são, por si só, suficientes para comprovar o cumprimento do que havia sido estabelecido em assembleia geral, nem os pagamentos que o Requerente alega ter efectuado.

  11. Apesar de, teoricamente ser de facto possível provar a existência dos custos por outro meio que não seja o documento externo, no caso em apreço, a forma de comprovar a saída do dinheiro por parte da …, S.A com destino à …, S.A., necessita de um meio probatório condigno, fiável e fidedigno.

  12. Os documentos n.ºs 6 e 7, supostamente demonstrando a transferência da verba em dissídio entre ambas as entidades são datados de 19 de Outubro de 1994, pelo que não poderão ser, e não serão, meios de prova determinantes a demonstrar a existência de despesas alegadamente ocorridas no decurso do exercício de 1993, porque, em obediência a um dos princípios fulcrais da contabilidade e do IRC (regra constante do art. 18.º), o da especialização dos exercícios, os proveitos e os custos de um período devem ser registados contabilisticamente no exercício a que respeitam, independentemente do momento em que são pagos ou recebidos.

  13. Pelo que se estes documentos demonstrassem a efectividade dos pagamentos por parte da …, S.A à …, S.A., não poderiam ser referentes ao exercício de 1993 mas, eventualmente, ao exercício de 1994 que não é de todo questionado nos presentes autos.

 

Na reunião prevista no art. 18.º do RJAT foi concedido prazo de 20 dias à Requerente para demonstrar a sua legitimidade.

No prazo indicado a Requerente veio apresentar

– cópia da acta da assembleia geral da …, S.A. de 10-12-2009, cujo teor se dá como reproduzido, em que foi deliberada a sua extinção com transmissão global do seu património para o único acionista … – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A., nos termos do art. 148.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais;

– cópia de uma certidão permanente de que consta o registo da dissolução e encerramento da liquidação da …, S.A. (AP. …/200…, cujo teor se dá como reproduzido);

– cópia da acta da assembleia geral da … – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A. de 11-12-2009, cujo teor se dá como reproduzido, em que foi deliberada a sua extinção com transmissão global do seu património para o seu único accionista, BANCO …, S.A., nos termos do art. 148.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais;

 

Não havendo provas a produzir, decidiram os árbitros, nos termos do art. 18.º, n.º 1, alínea a), do referido DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

Apresentada a prova destinada a demonstrar a legitimidade, a Autoridade Tributária e Aduaneira nada disse, na sequência da notificação que lhe foi efectuada.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo, e das posições assumidas pelas partes no pedido de pronúncia arbitral, consideram-se provados os seguintes factos, com fundamento nos documentos indicados:

 

  1. A sociedade …, SA (…, S.A.) foi objecto de uma acção inspectiva realizada pelos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de …, respeitante ao exercício de 1993 (relatório da inspecção a fls. 4 e seguintes da 1.ª parte do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);

  2. No âmbito daquela acção inspectiva foi efectuada uma correcção aritmética em sede de IRC, relativa ao ano de 1993, no montante de € 334.010,11 (66.962.997$00), referente à desconsideração como custo fiscal daquele montante, ao abrigo do disposto no artigo 23.° do Código do IRC, em consequência da qual o prejuízo fiscal declarado de € 704.416,43 (141.222.815$00) foi alterado para € 370.406,41 (74.259.818$00) (relatório da inspecção e acordo das partes);

  3. Em 1993, a …, S.A. era detida a 100% pela sociedade … – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES, S.A. (… SGPS, S.A.), fazendo parte do mesmo Grupo a sociedade …, S.A (artigo 9.º do pedido de constituição do tribunal arbitral e art. 5.º da resposta);

  4. A … SGPS, S.A. era empresa do grupo …, Banco … (relatório da inspecção que consta do processo administrativo, a fls. 5 da 1.ª parte, cujo teor se dá como reproduzido);

  5. A …, S.A. e a sociedade …, S.A. tinham os mesmos administradores (acordo das partes, nos termos do art. 9.º do pedido de constituição do tribunal arbitral e 6.º da resposta);

  6. A sociedade …, S.A. suportava os encargos com remunerações e gratificações dos administradores da …, S.A., … e … (arts. 11.º do pedido de constituição do tribunal arbitral e 7.º da resposta);

  7. A correcção referida na alínea b) teve por fundamento a circunstância de a …, S.A. ter contabilizado, neste exercício, custos com a remuneração de administradores no montante de € 334.010,11 (66.962.997$00), sem que tenha como justificativo uma factura ou nota de débito (relatório da inspecção que consta do processo administrativo, a fls. 15 e 27 da 1.ª parte, do processo administrativo);

  8. Em 29-4-1993, a …, S.A. deliberou em Assembleia Geral, sob proposta da accionista … SGPS, S.A., que os encargos com a remuneração daqueles administradores fossem rotativamente suportados por ambas as sociedades, mas a …, S.A continuasse a proceder a todos os pagamentos, sendo posteriormente reembolsada pela …, S.A., desde 1-1-1993 (documentos 2 e 3 juntos com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  9. A sociedade …, S.A efectuou, no ano de 1993, o pagamento das remunerações aos administradores referidos (documento n.º 15, junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, páginas 44 a 96 do ficheiro «Documentos.pdf»);

  10. Em 31-12-1993, foi efectuado um lançamento por documento interno n.º 12186, contabilizando como custo o montante de 66.962.997$00, por contrapartida de Devedores Diversos, não tendo como justificativo uma factura ou nota de débito, mas apenas a proposta referida na alínea g) (documento n.º 5 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, e relatório da inspecção e cópia da proposta que constam do processo administrativo, a fls. 15 e 62 da 1.ª parte, cujos teores se dão como reproduzidos);

  11. Em 19-10-1994, foi debitada na conta da …, S.A., no Banco … a quantia de 66.964.542$00, em que se inclui a quantia de 66.962.997$00, relativa a uma transferência (documento n.º 6, junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cuja autenticidade não é questionada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido);

  12. Na mesma data, o Banco … enviou à …, S.A. o aviso de lancçamento a crédito na sua conta bancária da quantia de 66.962.497$00, determinada com base numa transferência de 66.962.997$00, efectuada por instruções do Banco …, e o desconto de despesas no montante de 500$00 (documento n.º 7, junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cuja autenticidade não é questionada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido);

  13. Na sequência da supra referida acção inspectiva, a …, S.A. foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º …, de 10-11-1998, cuja cópia consta do documento n.º 8, junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

  14. Em 3-9-1999, a …, S.A. deduziu impugnação judicial no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de … tendo por objecto a liquidação adicional referida na alínea anterior (documento n.° 1, junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral).

  15. O processo de impugnação judicial referido na alínea anterior correu termos na … Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de … com o n.º …/200… (anteriormente, no … Juízo, … Secção do Tribunal Tributário de …), encontrando-se, à data em que foi apresentando o pedido de constituição do tribunal arbitral, pendente de decisão há mais de dois anos;

  16. A …, S.A., extinguiu-se por deliberação da sua assembleia geral de 10-12-2009, com transmissão global do seu património para o único accionista … – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A. (documentos n.ºs 1 e 2, juntos pelo Requerente na sequência da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, cujos teores se dão como reproduzidos);

  17. A … – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A., extinguiu-se por deliberação da sua assembleia geral de 11-12-2009, com transmissão global do seu património para o único accionista BANCO …, S.A. (documento n.º 3, junto pelo Requerente na sequência da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, cujo teor se dá como reproduzido).

 

Não há factos com relevo para a apreciação da causa que não se tenham, provado.

 

3. Questões prévias

 

A questão da legitimidade do Requerente BANCO …, S.A., sobre que o Tribunal Arbitral suscitou dúvidas na reunião prevista no art. 18.º, do RJAT, encontra-se esclarecida, no sentido afirmativo, pelos documentos juntos na sequência dessa reunião, através dos quais se conclui que todo o património da …, S.A., foi transmitido para a sua única accionista … – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A. e todo o património desta foi, depois transmitido para o respectivo único accionista BANCO …, S.A..

Sendo assim, o BANCO …, S.A. tem manifesto interesse na decisão do presente processo, que tem repercussões directas na sua esfera jurídica, pelo que lhe é assegurada legitimidade para intervir no presente processo, nos termos dos arts. 9.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT e 26.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicáveis, nos termos do art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Não há nulidades nem outras excepções que importe conhecer.

 

4. Questão que é objecto do pedido de pronúncia arbitral

 

A questão que é objecto deste processo é que de saber se devem considerar-se na fixação do lucro tributável da …, S.A., relativo ao ano de 1993, os custos relativos à remuneração dos seus administradores no montante de € 334.010,11 (66.962.997$00).

O art. 23.º, n.º 1, e alínea d), do CIRC estabelece que «consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente» «encargos de natureza administrativa, tais como remunerações...».

A …, S.A. contabilizou como custos relativos à remuneração dos seus administradores no montante de € 334.010,11 (66.962.997$00), em 31-12-1993, através de um lançamento por documento interno n.º 12186, por contrapartida de Devedores Diversos, não tendo como justificativo uma factura ou nota de débito.

As partes estão de acordo quanto à falta de suporte externo para este lançamento, designadamente qualquer factura ou nota de débito.

As partes estão também de acordo quanto à possibilidade de, apesar da falta de documentos de suporte externo de tal lançamento, a quantia referida poder ser considerada como custo para efeitos de IRC, desde que se faça a prova documental de que ele foi efectivamente suportado (designadamente, sobre este ponto, pode ver-se a posição assumida nos arts. 21.º e seguintes da reposta).

Assim, a essência do litígio reconduz-se a saber se se pode dar como provado que tal quantia foi paga e, a tê-lo sido, se se trata de um custo seja de imputar ao ano de 1993, para efeitos de IRC.

 

5. Análise da prova produzida

 

Perante a prova produzida, designadamente os documentos referidos na s alíneas k) e l) da matéria de facto fixada, é de considerar provado que a quantia de 66.964.542$00 foi efectivamente paga pela …, S.A. à …, S.A., uma vez que esta exacta quantia foi debitada na conta bancária da primeira, em 19-10-1994, e a idêntica quantia foi creditada na mesma data na conta bancária da segunda.

Na verdade, a genuinidade dos documentos n.ºs 6 e 7 juntos com o pedido de constituição do tribunal arbitral não é questionada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que não há razões para duvidar de que foi efectuada, em 19-10-1994, uma transferência bancária entre aquelas sociedades, no valor indicado.

Por outro lado, conjugando a efectivação dessa transferência com o lançamento efectuado em 31-12-1993 daquela mesma quantia na contabilidade da …, S.A., [referido na alínea j) da matéria de facto fixada], com a deliberação da sua Assembleia Geral no sentido de a …, S.A. continuar a proceder a todos os pagamentos relativos a remunerações de administradores, sendo posteriormente reembolsada pela …, S.A. [alínea h) da matéria de facto fixada] e com o facto de a …, S.A. ter efectivamente pago aquelas remunerações relativas ao ano de 1993, conclui-se, à face das regras da experiência comum, que a transferência referida teve em vista concretizar o reembolso das referidas quantias pagas pela …, S.A..

 

6. Matéria de direito

 

Assente que foi efectuado pela …, S.A. o pagamento das quantias das remunerações dos administradores relativas ao ano de 1993, resta apurar se tais remunerações podem ser consideradas como custo do referido ano, apesar de a transferência só se ter efectuado em 1994.

O art. 23.º do CIRC, na redacção vigente em 1993, estabelece que

Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:

(...)

d) Encargos de natureza administrativa, tais como remunerações, ajudas de custo, pensões ou complementos de reforma, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso e seguros, com excepção dos de vida constituídos facultativamente.

 

É inequívoco, por ter suporte explícito no teor desta alínea d), que as remunerações de administradores são consideradas por esta norma como custo indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.

Assim, a controvérsia limita-se a saber se, tendo a transferência da quantia relativa a essas remunerações relativas ao ano de 1993 sido efectuada apenas no ano de 1994, tal custo deve ser tido em conta, para efeitos fiscais, como custo do ano de 1993, como defende a Requerente, ou do ano de 1994, como defende Autoridade Tributária e Aduaneira.

O art. 18.º do CIRC, na redacção vigente em 1993, estabelece-se, nos seus n.ºs 1 e 2, que

Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios» e que «as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

 

A despesa relativa a remunerações era, manifestamente, um custo previsível na data de encerramento das contas de 1993, pois tinha sido deliberada na assembleia geral de 29-4-1993 que a..., S.A., suportaria tais custos no ano de 1993 e, inclusivamente, foi efectuado o correspondente lançamento contabilístico em 31-12-1993 [alínea j) da matéria de facto fixada].

É, aliás, a regra que se extrai do princípio da especialização dos exercícios, cuja aplicação se determina no n.º 1 do art. 18.º do CIRC, que se traduz «na consideração como custo de determinado exercício dos encargos que economicamente lhe sejam imputáveis, sendo irrelevante o exercício em que se efectua o pagamento». ( 1 )

Este princípio é também enunciado, como entre os princípios contabilísticos fundamentais da na alínea c) do n.º 4.º do Plano Oficial de Contabilidade, aprovado pelo DL n.º 410/89, de 21 de Novembro, vigente em 1993/1994, em que se estabelece que «os proveitos e os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam».

À face destas regras, o custo relativo a remunerações de administradores respeitantes ao ano de 1993 tem de ser considerado custo deste ano, apesar de só ter sido paga a quantia correspondente no ano de 1994.

Conclui-se, assim, que a Requerente tem razão ao imputar à liquidação adicional ilegalidade por violação do art. 23.º, n.º 1, alínea d), do CIRC, interpretado em consonância com o princípio da especialização dos exercícios, cuja observância é imposta pelo n.º 1 do art. 18.º do mesmo Código.

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC, datada de 10-11-1998, referente ao exercício de 1993, que fez aplicação de uma correcção aritmética no montante de 66.962.997$00 (334.010,11).

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea b, do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 334.010,11.

 

8. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.814,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 30-10-2012

 

Os Árbitros

 

 

 

 

Dr. Jorge Lopes de Sousa

 

 

 

Prof. Doutor Rui Duarte Morais

 

 

 

Dr. Vítor Simões

 

1(  ) Acórdão do STA de 8-7-1992, processo n.º 14364, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-6-95, página 2208, que adopta jurisprudência pacífica, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: de 9-5-1990, processo n.º 10497, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-3-93, página 419; de 20-10-1993, processo n.º 13355, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-10-95, página 259; de 9-12-1993, processo n.º 15778, publicado em Ciência e Técnica Fiscal, n.º 375, página 210; de 26-4-1995, processo n.º 18218, publicado em Apêndice ao Diário da República de 14-8-97, página 1116; de 2-3-1994, processo n.º 14535, publicado em Apêndice ao Diário da República de 28-11-96, página 709.