Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 33/2012-T
Data da decisão: 2012-07-10  IRC  
Valor do pedido: € 315.831,61
Tema: Regularidade do procedimento de inspeção e caducidade do direito de liquidação
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Processo n.º 33/2012-T

 

 

 

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Pedro Pais de Almeida e Dr. Álvaro Caneira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-5-2012, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

 

…, NIPC … (doravante referida como «Requerente»), requereu, ao abrigo do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, com vista à declaração de ilegalidade da liquidação de IRC, derrama e juros compensatórios n.º …, datada de 1-4-2009, referente ao ano de 2004, em que foi fixado o valor a pagar de € 315.831,61, sendo € 41.306,61 de juros compensatórios.

A Requerente apresentou, em …-6-2009, no Tribunal Tributário de Lisboa impugnação judicial da referida liquidação, que aí correu termos com o n.º …, reafirmado no presente processo arbitral, por remissão para a petição inicial daquele processo judicial tributário, os vícios que aí imputou àquela liquidação, que são a falta de credenciação dos funcionários da Administração Tributária que procederam à inspecção externa e a caducidade do direito de liquidação.

Para além desses vícios, a Requerente, no presente processo arbitral, suscitou a questão prévia da possibilidade de ampliar a causa de pedir ao abrigo do regime transitório estabelecido no art. 30.º do RJAT, e, no pressuposto de que o pode fazer, imputou ao acto de liquidação referido ilegalidade por violação do princípio da neutralidade fiscal subjacente às operações de fusão, cisão e entrada de activos (art. 67.º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas) e violação do disposto nos arts. 17.º e 21.º do mesmo Código, por o montante de € 1.000.000 referente ao empréstimo contraído em …-7-2004 não preencher os requisitos legais para ser considerado como variação patrimonial positiva, pelo que não deveria ter sido acrescido ao quadro 07 da declaração modelo 22 referente ao exercício de 2004.

A Requerente imputou ainda ao acto referido ilegalidade quanto à liquidação de juros compensatórios, vício de forma, por falta de fundamentação, e violação do art. 35.º da LGT.

Finalmente, a Requerente pediu ainda indemnização pela prestação de garantia indevida.

A Requerente, além de vários outros documentos, juntou ao processo um parecer, identificado como «… – Parecer Documento n.º 1. pdf».

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo, em conclusão, que:

– deve ser ordenada a suspensão da instância arbitral até que a requerente proceda à junção da prova da promoção da extinção da instância referente aos autos de Impugnação Judicial n.º …, que corre termos na … Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa;

– deve ser julgada procedente, por provada, a excepção invocada de ilegalidade da ampliação da causa de pedir, devendo a entidade requerida ser absolvida do pedido com as demais consequências legais;

– deve ser julgada procedente, por provada, a excepção de incompetência do tribunal arbitral para conhecer do pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, ou caso assim não se entenda a excepção de ilegalidade de ampliação da causa de pedir e do pedido, ou, ainda, caso assim não se entenda, a excepção de intempestividade da dedução do referido pedido, devendo a entidade requerida ser absolvida do pedido com as demais consequências legais;

– o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, por não se verificar a alegada caducidade, absolvendo-se em conformidade a Entidade Requerida do pedido.

 

Por acórdão de …-6-2012 foi indeferido o pedido de suspensão da instância formulado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Na reunião referida no art. 18.º do RJAT, foi decidido proferir uma decisão interlocutória relativamente à excepção apresentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a admissibilidade de ampliação da causa de pedir, de cujo sentido depende a apreciação da utilidade de inquirição da testemunha apresentada pela Requerente.

Na sequência do decidido veio a ser proferido por este Tribunal Arbitral o acórdão de 9-7-2012, que se dá como reproduzido, em que se decidiu:

 

– julgar improcedentes as questões prévias suscitadas pela Requerente e julgar procedente a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativas à possibilidade de alteração das causas de pedir dos pedidos de anulação das liquidações de IRC e juros compensatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância dos pedidos formulados com causas de pedir não invocadas no processo de impugnação judicial n.º …;

– julgar improcedente a excepção de incompetência deste Tribunal Arbitral para o conhecimento da questão de indemnização por garantia indevida;

– julgar procedente a excepção da intempestividade invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente ao pedido de indemnização por garantia indevida;

– determinar o prosseguimento do processo sem inquirição da testemunha indicada pela Requerente e sem alegações orais.

 

Assim, o presente processo está em condições de ser proferida decisão final, sendo as questões a apreciar apenas as que foram suscitadas no processo n.º …, que são:

 

– as consequências que tem sobre o acto de liquidação cuja declaração de ilegalidade é pedida da falta de credenciação dos funcionários da Administração Tributária que procederam à inspecção;

– a caducidade do direito de liquidação;

– ilegalidade da liquidação de juros compensatórios, à face dos fundamentos invocados naquele processo que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts, 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

Dão-se como provados os seguintes factos com potencial relevo para a decisão, com indicação dos documentos que, não sendo impugnados, motivam a decisão:

 

  1. Em …-3-2004, a Requerente …, elaborou um projecto de fusão/cisão (documentos n.º 1A, 1B, 1C. e páginas 11-17 do documento n.º 2, juntos com o requerimento inicial, cujo teor se dá como reproduzido);

  2. Em documento datado de …-5-2004, a Requerente, a …, a … e a … requereram à Senhora Ministra de Estado e das Finanças isenções de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do Selo e de emolumentos para as operações relativas ao referido projecto de fusão/cisão, nos termos que constam de páginas 46 a 56 do documento n.º 2 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá como reproduzido;

  3. Em …-7-2004, foi celebrado entre o …, e a Requerente o contrato de mútuo cuja cópia consta de páginas 79 a 83 do documento n.º 2, junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá como reproduzido, contrato esse pelo qual aquele banco concedeu à Requerente um empréstimo no montante de € 1.000.000, convencionando-se, além do mais, no ponto 2 da cláusula 1.ª, que «o referido empréstimo destina-se a apoio ao investimento»;

  4. Por despacho de …-11-2004, proferido pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, foi deferido o pedido de isenções referido na alínea b) (página 57 do documento n.º 2 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá como reproduzido);

  5. Através de escrituras efectuadas em …-12-2004, no 2.º Cartório Notarial de …, a Requerente efectuou o processo de fusão/cisão, através do qual as empresas … e …, foram incorporadas e foram destacadas/cindidas da empresa incorporante, algumas partes de património e incorporadas nas empresas … (relatório da inspecção, a fls. 10-11 e 17 do documento n.º 2 junto com o requerimento inicial);

  6. A cisão de parte do património da impugnante … com a …, e a …, visou a reestruturação do …, o qual tem como um dos principais objectivos a organização empresarial, bem como a concentração das participações sociais numa sociedade exclusivamente vocacionada para esse fim.

  7. No âmbito dessa fusão/cisão, foram transferidas da Requerente para a …, as obrigações decorrentes de um contrato de mútuo de € 7.500.000, celebrado em …-11-2002 entre o … e a Requerente, cuja cópia consta de páginas 60 a 78 do documento n.º 2 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá como reproduzido, em que, além do mais, foi convencionado que «os fundos mutuados ao abrigo do presente CONTRATO destinam-se exclusivamente a ser utilizados pela MUTUÁRIA na aquisição do capital social da sociedade designada de “…”, sociedade comercial matriculada no Registo Comercial de …, sob o fls. 00054, obrigando-se a MUTUÁRIA a não dar aos fundos outro destino ou utilização».

  8. A Administração Tributária procedeu a uma inspecção à Requerente, relativa ao ano de 2004, baseada na Ordem de Serviço n.º OI2007…, emitida em …-8-2007, pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de … (páginas 11 e 12 do documento n.º 1 e página 86 do documento n.º 2, juntos com o requerimento inicial, cujo teor se dá como reproduzido);

  9. A Ordem de Serviço referida que foi apresentada à Requerente pelos funcionários da Administração Tributária que procederam à inspecção não continha qualquer assinatura no local adequado para registar a ordem de proceder à inspecção (página 12 do documento n.º 1, junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá como reproduzido);

  10. Na Ordem de Serviço referida na alínea h), a Administradora da Requerente … apôs a sua assinatura, em …-9-2008, data que indicou, sob um texto com o seguinte teor: «Tomei conhecimento do conteúdo desta Ordem de Serviço, de que me foi entregue cópia» (página 12 do documento n.º 1 junto com o requerimento inicial);

  11. A inspecção terminou em …-2-2009, data em que foi assinada a nota de diligência pelo administrador da Requerente … (páginas 11 do documento n.º 1, e 8 do documento n.º 2, juntos com o requerimento inicial, cujo teor se dá como reproduzido);

  12. Nessa inspecção foi elaborado relatório em que a Administração Tributária entendeu ter sido contabilizada indevidamente como custo referente ao objecto da fusão/cisão a quantia do empréstimo no montante de € 1.000.000,00 concedido pelo … em …-7-2004, referido na anterior alínea c);

  13. Na sequência desse entendimento foi elaborado pela Administração Tributária o «Documento de Correcção Único» cuja cópia consta de páginas 9 a 16 do documento do processo administrativo junto aos autos, identificado como «P33 T 2012 – PA TAF …», cujo teor se dá como reproduzido, em que, além do mais, se inscreveu a quantia de 1.000.000 de euros, no campo 7, para efeitos de apuramento do lucro tributável, a título de «variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido (art.º 21.º)»;

  14. Ainda na sequência do entendimento referido na alínea l) e da correcção referida na alínea anterior, o lucro tributável da Requerente, que segundo o declarado era de € 664.069,16, foi corrigido para o lucro tributável de € 1.664.069,16 (documento n.º 2 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá como reproduzido);

  15. O relatório da inspecção referido na alínea l) foi notificado à Requerente em …-3-2009 (página 3 do documento n.º 2, junto com o requerimento inicial);

  16. Em …-4-2009, foi elaborada a liquidação de IRC n.º …, relativa ao ano de 2004, em que foi fixado o valor a pagar de € 315.831,61, sendo € 41.306,61 de juros compensatórios (cópia junta a fls. 10 e 11 do documento n.º 1, junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá como reproduzido);

  17. A liquidação referida na alínea anterior foi notificada à Requerente em …-4-2009 (data de recebimento indicada a fls. 10 do documento n.º 1, junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá como reproduzido);

  18. Em …-6-2009, a Requerente apresentou no Tribunal Tributário de … impugnação judicial da liquidação referida na alínea anterior, que aí correu termos com o n.º …, em que imputou ao acto de liquidação vícios de falta de credenciação dos funcionários que procederam à inspecção e caducidade do direito de liquidação (documento n.º 1 junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá como reproduzido);

  19. Não foi paga a quantia liquidada, tendo sido instaurado no Serviço de Finanças de …, em …-6-2009, o Processo de Execução Fiscal n.º …, para a respectiva cobrança coerciva, o qual foi suspenso por associação ao processo de impugnação judicial referido na alínea anterior, encontrando-se ainda associada a garantia n.º … de 2009 (informações que constam da página 16 e da página 6 dos documentos do processo administrativo junto aos autos identificados como «P33 T 2012 – PA TAF …» e «P33 T 2012 – PA TAF …», respectivamente, e documento n.º 1-S, junto com o requerimento inicial);

  20. Em 25-1-2012, a Requerente apresentou o requerimento que deu origem ao presente processo arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que, além do mais, pretende ampliar a causa de pedir, imputando ao acto de liquidação vícios de «erro nos pressupostos de facto e erro na subsunção dos factos ao direito aplicável, nomeadamente as normas de neutralidade fiscal das cisões/fusões» e violação do disposto nos artigos 17.º, 21.° e 67.° e seguintes, todos do IRC (artigos 22.º e 25.º do pedido de constituição do tribunal arbitral) e imputando à liquidação de juros compensatórios vício de forma, por falta de fundamentação e vício de violação de lei por ofensa ao disposto no artigo 35.º da LGT.


 

3. Questão da falta de credenciação dos funcionários da Administração Tributária que procederam à inspecção


 

A Requerente reafirma no presente processo arbitral os fundamentos de facto e de direito invocados na petição inicial do processo que correu termos no Tribunal Tributário de … com n.º …, remetendo para essa petição, que juntou como documento n.º 1 (artigo 19.º do requerimento inicial). ( 1 )

A primeira questão colocada na petição inicial daquele processo sobre a legalidade do acto impugnado é a da nulidade da inspecção, por a cópia da Ordem de Serviço apresentada à Requerente pelos funcionários da Administração Tributária que efectuaram a inspecção não conter qualquer assinatura no local destinado a apor a do responsável da Administração Tributária que ordenou a inspecção.

Sobre esta questão refere a Requerente nos artigos 13.º da 16.º da petição inicial do referido processo n.º … o seguinte:


 

13.º

Aquando do início do procedimento externo de inspecção junto da impugnante, os funcionários da AF, por lei, deveriam estar devidamente credenciados por algum dos modos referidos na legislação supra já mencionada em 12.

Acontece que,

14.°

Os funcionários da AF, muito embora se fizessem acompanhar da mencionada ordem de serviço a que se refere o n.º 2 do citado art° 46.° do RCPIT, esta não se encontrava assinada pelo responsável hierárquico de direito (cfr. documento n.° 5), o que a AF pretende contrariar ao afirmar no seu Relatório Final ponto II. 1 – Credencial e período em que decorreu a acção – 'A acção inspectiva teve início em 10.09.2008, com a assinatura da Ordem de Serviço, pela administradora …..." (cfr. doc. n.° 4)

Logo,

15.°

A falta de assinatura da Ordem de Serviço pela AF (responsável hierárquico), coloca em causa a credenciação dos funcionários que deram início ao acto da inspecção externa, junto da impugnante, acarretando desta forma a sua ineficácia e consequente nulidade do acto — acção inspectiva.

16.°

Não se considerando assim a data de início do procedimento de inspecção ao exercício de 2004, na data de ….09.2008, nem em qualquer outra data posterior, por prejudicada.


 

A Requerente tem razão no que respeita ao facto de a Ordem de Serviço n.º OI2007…, de que lhe foi entregue cópia, não conter qualquer assinatura no local destinado a apor a da entidade quem deu a ordem.

Para determinar as consequências daquela falta de assinatura, importa ter presente o teor dos arts 46.º e 47.º do RCPIT estabelecem o seguinte:

 

Artigo 46.º

Credenciação

1 – O início do procedimento externo de inspecção depende da credenciação dos funcionários e do porte do cartão profissional ou outra identificação passada pelos serviços a que pertençam.

2 – Consideram-se credenciados os funcionários da Direcção-Geral dos Impostos munidos de ordem de serviço emitida pelo serviço competente para o procedimento ou para a prática do acto de inspecção, ou no caso de não ser necessária ordem de serviço de cópia do despacho do superior hierárquico que determinou a realização do procedimento ou a prática do acto (redacção da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro).

3 – A ordem de serviço deverá conter os seguintes elementos:

a) O número de ordem, data de emissão e identificação do serviço responsável pelo procedimento de inspecção;

b) A identificação do funcionário ou funcionários incumbidos da prática dos actos de inspecção, do respectivo chefe de equipa e da entidade a inspeccionar;

c) O âmbito e a extensão da acção de inspecção.

4 – Não será emitida ordem de serviço quando as acções de inspecção tenham por objectivo:

a) A consulta, recolha e cruzamento de elementos;

b) O controlo de bens em circulação;

c) O controlo dos sujeitos passivos não registados.

5 – O despacho que determina a prática do acto, quando não seja necessária a ordem de serviço, deve referir os seus objectivos e a identidade da entidade a inspeccionar e dos funcionários incumbidos da sua execução.

6 – Nas acções de inspecção direccionadas a contribuintes não identificados previamente, nomeadamente nas situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 4, o despacho conterá menção genérica dos contribuintes passíveis de controlo.

7 – As acções de inspecção que visem a mera consulta, recolha e cruzamento de elementos junto de sujeito passivo, de qualquer área territorial, com quem o sujeito passivo inspeccionado mantenha relações económicas são efectuadas mediante entrega, por parte do funcionário, da nota de diligência que indica a tarefa executada. (Redacção da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro)


 


 

Artigo 47.º

Consequências da falta de credenciação

É legítima a oposição aos actos de inspecção com fundamento na falta de credenciação dos funcionários incumbidos da sua execução.


 

Não estando assinada pela entidade emitente a Ordem de Serviço apresentada à Requerente no início da inspecção, ocorreu, efectivamente, uma irregularidade susceptível de afectar a credenciação dos funcionários que procederam à inspecção.

Porém, as «consequências da falta de credenciação» são expressamente indicadas no transcrito art. 47.º do RCPIT, sendo a única que aí se refere a de que «é legítima a oposição aos actos de inspecção com fundamento na falta de credenciação dos funcionários incumbidos da sua execução».

O uso na epígrafe deste art. 47.º da palavra «Consequências», no plural, que é adequada para exprimir que se indicam aí todas as consequências da falta de credenciação, permite concluir que aquela falta não tem qualquer outra consequência, para além da aí especialmente indicada, que é legitimar a oposição aos actos de inspecção.

Isto é, deste art. 47.º conclui-se que as formalidades exigidas para credenciação dos funcionários visam apenas permitir ao inspeccionado comprovar que aqueles têm poderes para realizar a inspecção, sendo a possibilidade de oposição à prática de actos inspectivos considerada legislativamente como um meio suficiente para assegurar os direitos do inspeccionado que a falta de credenciação pode afectar. ( 2 )

Por outro lado, o facto de não ter havido oposição aos actos de inspecção permite concluir que, apesar da referida falta de assinatura na Ordem de Serviço, a Requerente não pôs em dúvida que os funcionários da Administração Tributária que procederam à inspecção, indicados na cópia da Ordem de Serviço que lhe foi entregue, tinham sido incumbidos de praticar os actos inspectivos que praticaram, pelo que, tendo sido atingido o objectivo que a lei visa ao exigir a credenciação dos funcionários, a omissão da formalidade que consubstancia a assinatura degrada-se em formalidade não essencial, devendo considerar-se como uma irregularidade sem eficácia invalidante dos actos praticados. ( 3 )

De qualquer forma, em face do preceituado no referido art. 47.º do RCPIT, não há suporte legal para se entender que a deficiência de credenciação tenha outra consequência que não seja a aí indicada, designadamente não havendo fundamento para concluir que tal falta tem como efeito a ineficácia ou implica a nulidade dos actos de inspecção.

Improcede, consequentemente, a pretensão da Requerente de essa deficiência de credenciação implicar ineficácia ou nulidade dos actos de inspecção.


 

4. Questão da caducidade do direito de liquidação


 

Na referida impugnação judicial n.º … a Requerente imputou ainda ao acto impugnado o vício de caducidade do direito de liquidação, por esta, referente a IRC e derrama do ano de 2004, não ter sido notificada até 31-12-2008.

O IRC é um imposto periódico e, de harmonia com os n.ºs 1 e 4 do art. 45.º da LGT, «o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro» e «o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário».

A tese da Requerente, quanto a este ponto, expressa nos artigos 18.º a 21.º da petição inicial do processo de impugnação judicial n.º …, cuja cópia consta do documento n.º 1 junto com o pedido de constituição do tribunal arbitral, é a de que a Ordem de Serviço é nula, por vício de forma, pela falta da referida assinatura, e que esse vício afecta a notificação dessa ordem de serviço, prevista no art. 46.º, n.º 1, da LGT como determinando a suspensão do prazo de caducidade. E, se este prazo de caducidade do direito de liquidação (que é de quatro anos, nos termos do art. 45.º, n.º 1, da LGT) não se suspendeu, ele decorreu integralmente antes da notificação do acto de liquidação, com consequente caducidade do direito de liquidação.

No caso em apreço, a liquidação cuja ilegalidade a Requerente pretende ver declarada, referente a tributação do ano de 2004, foi elaborada em 1-4-2009, para além do referido período de quatro anos, a contar de 1-1-2005 (início do ano seguinte ao do facto tributário).

Porém, por força do disposto no art. 46.º, n.º 1, da LGT, «o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação».

Tendo a entrega da cópia da Ordem de Serviço à administradora da Requerente ocorrido em 10-9-2008 [alínea j) da matéria de facto fixada] e tendo o termo da inspecção ocorrido em 13-2-2009 [alínea k) da matéria de facto fixada], constata-se que não foi ultrapassado o prazo de seis meses, que é condição da manutenção do efeito suspensivo do prazo de caducidade do direito de liquidação. Assim, se a notificação à Requerente da Ordem de Serviço não for nula ou ineficaz, o prazo de caducidade do direito de liquidação terá estado suspenso, a partir de 10-9-2008, mantendo-se a suspensão até 13-2-2009, dependendo desta suspensão a caducidade do direito de liquidação.

Os «termos legais» da «notificação ao contribuinte ... da ordem de serviço» que produz o efeito suspensivo, a que alude aquele n.º 1 do art. 46.º da LGT, são definidos no art. 51.º, n.ºs 1 e 2, do RCPIT, que tem o seguinte teor:

 

Artigo 51.º

Data do início do procedimento de inspecção

1 – Da ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento de inspecção será, no início deste, entregue uma cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário, excepto nas situações previstas no n.º 6 do artigo 46.º

2 – O sujeito passivo ou obrigado tributário ou o seu representante deve assinar a ordem de serviço indicando a data da notificação, a qual, para todos os efeitos, determina o início do procedimento externo de inspecção.


 

Como se vê pela conjugação destas duas disposições, a entrega da cópia da ordem de serviço ao sujeito passivo e a aposição por este da sua assinatura nessa ordem de serviço, com a indicação da data em que tal entrega é feita, consubstanciam a notificação da ordem de serviço e essa data «para todos os efeitos, determina o início do procedimento externo de inspecção».

Trata-se de uma forma de notificação especial, cujos requisitos foram observados no caso em apreço, pois a administradora da Requerente … assinou a Ordem de Serviço, que lhe foi entregue, e indicou a data em que lhe foi dado conhecimento da mesma e lhe foi entregue a respectiva cópia, como se conclui do referido na alínea j) da matéria de facto fixada.

Assim, por força do disposto no n.º 2 do transcrito art. 51.º do RCPIT, a data indicada «para todos os efeitos, determina o início do procedimento externo de inspecção». E, se é para «todos os efeitos» que o procedimento de inspecção se considera iniciado, é-o necessariamente para efeitos de suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidação, que é o mais relevante efeito associado à pendência do procedimento de inspecção.

Assim, a referida deficiência da Ordem de Serviço, que, como se referiu, consubstanciada na falta de credenciação dos funcionários, não tem qualquer relevância para efeito de afastar a determinação da data do início do procedimento externo de inspecção, pois esta é determinada, nos termos do citado n.º 2 do art. 51.º, através da assinatura da Ordem de Serviço pelo sujeito passivo e da indicação da data da entrega da cópia daquela.

Consequentemente, por força do disposto neste n.º 2 do art. 51.º, tem de se considerar iniciado o procedimento externo de inspecção em 10-9-2008 e suspenso o prazo de caducidade a partir desta data, nos termos do art. 46.º, n.º 1, da LGT, pois o procedimento terminou em …-2-2009 [alínea k) da matéria de facto fixada], dentro do prazo de seis meses aí previsto.

Com a eliminação deste período decorrido entre …-9-2008 e …-2-2009 para efeitos de contagem do prazo de prescrição, conclui-se que o prazo de quatro anos a contar de …-1-2005 (o prazo, relativamente ao IRC, conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, nos termos do transcrito n.º 4 do art. 45.º da LGT) ainda não se tinha completado em …-4-2009, data em que foi notificada a liquidação [alínea q) da matéria de facto fixada].

Improcede, assim, a pretensão de declaração de ilegalidade do acto de liquidação com fundamento em caducidade do direito de liquidação.

 

5. Questão da legalidade da liquidação de juros compensatórios


 

No processo de impugnação judicial n.º …, a Requerente pediu a anulação da liquidação de juros compensatórios, mas não imputou nenhum vício próprio do acto que os liquidou, assentando a pretensa ilegalidade da sua liquidação, segundo se depreende, nos mesmos vícios que são imputados à liquidação do IRC, únicas ilegalidades aí invocadas.

Pelo que se referiu nos pontos 3. a 3.4. do acórdão de 9-7-2012, que aqui se dão como reproduzidos, não é possível conhecer no presente processo arbitral de vícios geradores de mera anulabilidade que não foram não imputados à liquidação de juros compensatórios no referido processo de impugnação judicial n.º ….

Por isso, apenas podendo ser apreciada a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios como consequência da invocada ilegalidade da liquidação de IRC, improcedendo o pedido de anulação da liquidação deste imposto, improcede também o pedido de anulação da liquidação de juros compensatórios.


 

Decisão:

Nestes termos, acordam os Árbitros neste Tribunal Arbitral em julgar improcedente o pedido de anulação do acto de liquidação do imposto (IRC e derrama) e juros compensatórios formulado pela Requerente, absolvendo desse pedido a Autoridade Tributária e Aduaneira.


 

Valor do processo: De harmonia com o disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 315.831,61.

 

Custas: Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.508,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente ….

 

Lisboa, 10-7-2012

 

Os Árbitros

 

Jorge Lopes de Sousa (árbitro presidente e relator)

 

 

 

 

Dr. Pedro Pais de Almeida (árbitro)

 

 

 

 

Dr. Álvaro Caneira (árbitro)

1(  ) A remissão para uma petição inicial em que se indicam as razões de facto e de direito que determinam a anulação do acto deve considerar-se processualmente admissível, na esteira da jurisprudência do Plenário do Supremo Tribunal Administrativo, adoptada para situação análoga, no acórdão de 30-1-2002, processo n.º 21240, publicado em Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, n.º 490, página 1330.

2(  ) Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 29-3-2012, processo n.º 00607/11.0BEAVR, em que se refere que «a credenciação é uma garantia da entidade inspeccionada, pois visa assegurar que o procedimento de inspecção é efectuado por quem esteja legalmente habilitado».

3(  ) Vem sendo jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que as formalidades procedimentais previstas na lei são, em princípio, essenciais, mas que se degradam em não essenciais, não tendo efeito invalidante do acto a que elas se reportam, se, apesar da sua omissão ou deficiência, for atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição.

Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos: de 17-10-1989, processo n.º 25294, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-12-94, página 5755; de 13-7-1989, processo n.º 18270, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-4-91, página 676; de 5-2-1987, processo n.º 22390, publicado em Apêndice ao Diário da República de 7-5-93, página 609; de 29-1-1991, processo n.º 24417, publicado em Apêndice ao Diário da República de 14-7-95, página 289; de 27-6-1991, processo n.º 28819, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-9-95, página 4204; de 17-12-1997, processo n.º 36001, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 472, página 246, e em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 12, página 3; de 20-11-1997, processo n.º 41719, publicado em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 13, página 14; de 16-6-1998, processo n.º 39946; de 9-5-2001, processo n.º 44341; de 8-9-2010, processo n.º 437/10.