Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 508/2016-T
Data da decisão: 2017-06-28  IRC  
Valor do pedido: € 2.249.715,10
Tema: IRC – Gastos; Fusão; art. 23.ºCIRC
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                                                     DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Ana Maria Rodrigues e Eduardo Paz Ferreira, designados como árbitros no Centro de Arbitragem Administrativa, para formarem Tribunal Arbitral:

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. No dia 18 de Agosto de 2016, A…, LDA, pessoa colectiva n.º…, com sede no …, …, …, …-… …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”), referente ao período de 2012, identificado com o n.º 2014…, de 06-03-2014, da autoria da Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante, “AT”), Imposto sobre o Rendimento, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 07-05-2014, no valor de € 2.249.715,10 (dois milhões, duzentos e quarenta e nove mil, setecentos e quinze Euros e dez cêntimos), de Demonstração de Liquidação de Juros, identificado com o n.º 2014…, de 10-03-2014, e da Demonstração de Acerto de Contas, identificada com o n.º 2014…, que deram origem a imposto a pagar no valor de € 2.249.715,10, bem como dos actos de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2014… e do recurso hierárquico desta decisão (n.º …2015… / …/15), que tiveram aqueles actos como objecto.

 

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que, por meio de fusão por incorporação, a incorporante (Requerente) assumiu, por efeito da lei e de modo imediato, a globalidade do património da sociedade incorporada, incluindo os gastos de financiamento incorridos pela sociedade incorporada para adquirir as suas participações sociais, pelo que a dedutibilidade dos gastos na esfera jurídica da Requerente não pode ser questionada, a menos que haja prova de fraude ou abuso.

 

  1. No dia 19-08-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 25-10-2016, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 10-11-2016.

 

  1. No dia 15-12-2016, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação, alegando, em síntese, que a dedução pela Requerente de encargos de natureza financeira relacionados com a sua própria aquisição, decorrentes da fusão com a sociedade sua adquirente, não podem ser aceites fiscalmente, por não indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.

 

  1. Por despacho de 25-01-2017, ao abrigo do disposto no artigo 421.º do Código de Processo Civil, aplicável nos termos do artigo 29.º/1/e) do RJAT, determinou-se o aproveitamento do depoimento da testemunha B…, produzido em audiência no processo n.º 42/2015-T, e ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

  1. Foi fixado o prazo de 30 dias, após a apresentação de alegações pela Requerida, para a prolação de decisão final, prazo que foi prorrogado duas vezes, nos termos legais, disso se notificando as partes, e uma terceira vez por 7 dias. Pelos mesmos motivos foi prorrogado o prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT, duas vezes por 60 dias.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-      Em 1964, na Suécia, C… fundou o Grupo D…(abreviatura de “…”).

2-      Entre as actividades do Grupo D…, incluiu-se a divisão dedicada ao diagnóstico e tratamento de doenças renais, a E… .

3-      Esta actividade foi-se expandindo pelo Mundo fora através da criação/aquisição de sociedades dedicadas ao tratamento de doenças renais.

4-      Em Portugal, essa expansão passou por diversas aquisições que culminaram na criação da F… Lda. (NIF…, doravante também designada por F…) e na transferência, para a titularidade desta, de diversas sociedades locais, todas exercendo a mesma actividade, acima identificadas.

5-      Para concretizar essas aquisições, o Grupo D… emprestou à F… Lda., bem como às sociedades participadas por esta, empréstimos que, à data de 2 de Dezembro de 2007, totalizavam € 50.513.599,84, correspondente à soma do principal em dívida (€ 49.702.046,20) e dos juros decorridos até àquela data (€ 811.553,64).

6-      A sociedade G… Lda. foi, em 26 de Dezembro de 2006 objecto de uma cisão da qual resultou a sociedade H…– SGPS Lda, com o NIPC … .

7-      Em 2007, a sociedade I…, desejando entrar neste ramo de negócio, acordou com o Grupo D…, a aquisição da E…, incluindo a aquisição das diversas entidades que, fora de Portugal, se dedicavam ao tratamento de doenças renais.

8-      Para concretizar essa aquisição, a I… constituiu uma sociedade no Luxemburgo, designada J…(doravante também designada por J…), e esta sociedade, por sua vez, constituiu/utilizou sociedades nos diferentes países onde a E… tinha actividades, incluindo Portugal.

9-      No caso de Portugal, a sociedade local utilizada foi a Requerente, então designada K…, Lda (NIF …, doravante também designada por K…), designação societária originária.

10-  A K… foi inicialmente sedeada na Zona Franca da Madeira, com actividade de prestação de serviços de natureza contabilística e económica, consultadoria e direcção de empresas e outras actividades financeiras e económicas.

11-  Até 25 de Junho de 2007, a K… foi detida pela L… SGPS, S.A., não se tendo registado qualquer actividade social.

12-  Em 26 de Junho de 2007, a L… SGPS, S.A., alienou as suas quotas na K… à sociedade J…, com sede em …, … …, Luxemburgo, a qual entretanto alterou a sua designação para M… .

13-  Uma vez detentora da totalidade do capital social da Requerente (na altura, de €5.000,00), a J… dotou-a, através de um aumento de capital e emissão obrigacionista, dos fundos necessários à concretização da aquisição das sociedades portuguesas que compunham a divisão de E… em Portugal.

14-  Assim, o dia da aquisição, a J… procedeu ao aumento de capital da K…, passando este de € 5.000,00 para € 40.896.711,00, aumento este que foi registado como tendo sido realizado em numerário.

15-  Na contabilidade da K… relativa ao exercício de 2007 não existe evidência de movimentos nas contas de disponibilidades, sendo que, em termos contabilísticos, o aumento de capital foi registado como efectuado, não por contrapartida de disponibilidades, mas por conta de dívidas de contas de terceiros.

16-  Em 27 de Junho de 2007, foi deliberado na Acta n.º 14 da sociedade K… que, atendendo às necessidades de capitalização que a sociedade teria que fazer face às transacções que se propunha realizar e tendo a intenção de proceder ao pagamento do preço ao abrigo do contrato de cessão de quotas representando a totalidade do capital social da sociedade F…, procederiam à emissão de um empréstimo obrigacionista no montante de € 81.700.000,00, o qual seria totalmente subscrito pela sócia única (J…).

17-  Em 28 de Junho de 2007, a entidade K… procedeu à emissão de um empréstimo obrigacionista, no valor de € 81.700.000,00, totalmente subscrito pela sócia única, J… .

18-  Para a realização do empréstimo obrigacionista, tiveram intervenção a N…, S.A., a qual procedeu ao pagamento de juros à sociedade subscritora J…, e a O… SA, a qual procedeu ao registo deste empréstimo.

19-  No quadro do referido empréstimo obrigacionista, a Requerente obrigou-se a pagar, nos dias 29 de Junho e 29 de Dezembro de cada ano, juros sobre as obrigações emitidas.

20-  Na contabilidade da K…, os € 81.700.000,00, correspondentes à soma do aumento de capital e empréstimo obrigacionista, foram registados como dívidas de terceiros por contrapartida de empréstimos, sendo que nenhuma das referidas operações implicou a efectiva transferência de fundos.

21-  A aquisição da F… deu-se em 1 de Agosto de 2007, através um contrato de cessão de quotas, pelo preço de € 122.611.711,00.

22-  Essa aquisição implicou a compra das quotas da F… Lda. (NIF …) e a aquisição dos empréstimos (de €50.513.599,84) que a esta tinham sido adquiridos pelas suas accionistas P… e Q…, ambas residentes na Suécia.

23-  Ao adquirir estes créditos, a Requerente tornou-se ela própria credora, naquele referido montante, da F… Lda. (NIF:…) e das sociedades por esta participadas.

24-  Para cada crédito, foram celebrados os contratos correspondentes, sendo que, no caso da F… Lda. (NIF…) esse contrato foi assinado em 03-12-2007 – Inter-Company Proceeds Loan Agreement entre a Requerente (mutuante) e a F…, Lda. (mutuária) pelo valor de € 37.359.426,00

25-  A referida aquisição foi parte integrante de um acordo (Share Sale and Purchase Agreement Regarding E…) celebrado entre as sociedades que compunham a E… (no caso de Portugal, a P… e a Q…) e a J…, com vista à transferência de todas as participações detidas pela E…, ou suas participadas, no capital de entidades em qualquer país do mundo, incluindo Portugal.

26-  A transferência das participações detidas pela E… incluiu a compra/transferência dos créditos detidos sobre as entidades por esta então participadas.

27-  No momento desta aquisição global, a J… procedeu ao pagamento integral do preço (participações e créditos) devido à E… e suas participadas, independentemente dos contratos que teriam de ser celebrados ao nível de cada país.

28-  A aquisição em questão integrou a aquisição indirecta de todas as sociedades então detidas pela F… .

29-  Esta operação foi registada na contabilidade da K… como uma transferência de saldos devedores – dívidas de terceiros (sócios pelo aumento de capital e pelo empréstimo obrigacionista) para investimentos financeiros, e não como uma saída de disponibilidades.

30-  Em 4 de Dezembro de 2007, a F… alterou a sua designação para A… Lda..

31-  Em 03 de Dezembro de 2007, a J… e a K… celebraram um Inter-Company Proceeds Loan Agreement, em que a primeira entidade figura como mutuante e a segunda como mutuária, pelo montante de € 33.641.432,84.

32-  A 10 de Dezembro de 2007, a J… procedeu a um novo aumento de capital da K…, passando este de € 40.896.711,00, para € 57.773.878.00, aumento este registado na contabilidade como tendo sido realizado em numerário.

33-  Nesta altura, a situação relativa ao endividamento intra-grupo era a seguinte:

a.       A Requerente tinha uma dívida à J…, sua accionista, de € 81.700.000,00 referente às obrigações emitidas em 29.06.2007 destinadas a completar (junto com capitais próprios) o preço de € 122.612.071,00 correspondente à aquisição da F… Lda (NIF:…);

b.      A Requerente tinha ainda uma dívida à J…, sua accionista, de € 33.641.432,84, destinada a completar (junto com capitais próprios) o preço de € 50.513.599,84 pela aquisição dos créditos detidos sobre a F… Lda. e suas participadas, que a J… havia adquirido à P… e à Q…;

c.       Resultante dos créditos adquiridos a que se refere o ponto anterior, relativos a suprimentos que haviam sido prestados à F… Lda. (NIF:…) pelos seus anteriores accionistas P… e Q… (cf. artigos 38.° e 39.° supra) destinados a permitir à F… Lda desenvolver a sua actividade em Portugal, passou esta a ter uma dívida à Requerente de € 37.359.426,00;

d.      Também resultante dos mesmos créditos adquiridos, e pelos mesmos motivos, passaram as sociedades detidas pela F… Lda. (NIF:…) a ter dívidas à Requerente que totalizavam, em conjunto, € 13.154.173,84.

34-  O pagamento da dívida referida em a). do número que antecede foi assegurado pela realização do aumento de capital de € 16.872.167,00 e do empréstimo a título de suprimentos de € 33.641.432,84, pelo que nenhuma das referidas operações (aumento de capital e mútuo) implicou a efectiva transferência de fundos.

35-  Sobre os créditos totais de € 50.513.599,84 que a Requerente adquiriu à J…, sobre a F… e sociedades participadas por esta, venciam-se juros, que totalizaram, no período que decorreu até 31 de Dezembro de 2008, o montante global de € 7.506.346,12.

36-  Em Julho de 2008, a Requerente alterou a sua firma para S…, Lda., e a sua sede, anteriormente na Zona Franca da Madeira, para a actual sede, em  … .

37-  Em 1 de Agosto de 2008, a Requerente obteve da J… um empréstimo, no montante de € 4.000.000,00, que canalizou inteiramente para a F…, Lda. (NIF:…), e que se destinou a apoiar a tesouraria desta empresa e das demais sociedades participadas em Portugal.

38-  Em 29 de Setembro de 2008, a Requerente obteve da J… um empréstimo, no montante de € 7.100.000,00, que canalizou inteiramente para a F…, Lda. (NIF:…), e que se destinou a permitir que esta adquirisse a totalidade do capital social da Clínica Y… .

39-  Os fundos referidos foram transferidos directamente da J… para a F…, Lda. (NIF:…).

40-  Os juros do empréstimo obrigacionista supra-referido foram pagos através da N…, S.A., pela F…, já que a K… não tinha qualquer actividade operacional que gerasse influxos financeiros.

41-  Estes juros pagos pela F… à J… foram registados na contabilidade da K… como dívida a terceiros (F…).

42-  Assim, a F… pagou juros de um empréstimo obrigacionista cujos intervenientes foram a J… (credora) e a K… (devedora), constituindo estes juros um crédito da F… K… .

43-  O montante dos referidos juros que a F… pagou à J… nos exercícios de 2007 e 2008 ascende à quantia de € 11.664.656,99, repartido entre € 3.874.826,75, referentes a 2007 e € 7.789.830,24, referentes a 2008.

44-  Estes mesmos juros pagos à entidade J… não foram sujeitos a imposto em Portugal, com base no disposto no Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de Novembro.

45-  A 31 de Dezembro de 2008, a F…, Lda. (NIF:…) e demais sociedades do grupo em Portugal deviam à Requerente um total de € 69.119.945,96.

46-  O pagamento de juros supra-referido foi efectuado por conta desta dívida, assim como o pagamento de um total de € 59.844,95, pagos a outras entidades (L…, …, O…, DGCI).

47-  A 31 de Dezembro de 2008, as contas entre a F…, Lda. (NIF:…) e a Requerente revelavam o seguinte:

a.       Dívida da F…, Lda. (NIF:…) à Requerente: € 69.119.945,96;

b.      Reembolso parcial dessa dívida pela F…, Lda. (NIF: …), mediante pagamentos efectuados, por conta da Requerente: € 14.617.922,19 (€ 11.714.745,91 + € 59.844.95 + € 2,843.331,33 [de juros capitalizados]);

c.       Saldo a favor da Requerente: € 54.502.023,77 (€ 69.119.945,96 - € 14.617,922, 19).

48-  Na mesma data, a dívida da Requerente à sua accionista, na parte referente à aquisição dos Suprimentos, totalizava € 47.399.163,86, correspondente à soma dos seguintes empréstimos efectuados à Requerente:

a.       € 33.641.432,84, referentes à aquisição de parte dos créditos que, à data da compra e venda da divisão de E… do Grupo D…, a P… detinha sobre as Sociedades portuguesas;

b.      € 2.628.218,23, referentes a capitalização dos juros decorridos entre 02-12-2007 e 31-12-2008, e não pagos pela Requerente, correspondentes ao empréstimo de €33.641.432,84;

c.       € 4.000.000,00, remetidos em 1 de Agosto de 2008;

d.      € 7.100.000,00, remetidos em 29 de Setembro de 2008;

e.       € 29.512,19, referentes a uma retenção na fonte que a Requerente considerou dever ser um custo suportado pela F…, Lda. (NIF…).

49-  A esta dívida de suprimentos, acrescia a dívida referente à emissão obrigacionista.

50-  Em 31 Dezembro de 2008, por fusão, a Requerente incorporou uma sua participada A…, Lda – NIPC … (anterior F…), com efeitos a partir de 1 de Janeiro seguinte, participação esta adquirida em Agosto de 2007, passando a adoptar como sua a designação a que era a da sua participada, assumindo também as funções e objecto social da sociedade incorporada.

51-  Pela Requerente e pela A…, Lda. (NIF:…) foi elaborado, em conjunto, e nos termos do artigo 98.º do Código das Sociedades Comerciais, um projecto de fusão por incorporação, a qual, em termos fiscais, foi abrangida pelo regime de neutralidade constante dos artigos 73.º e seguintes do Código do IRC.

52-  Por via desta fusão, a Requerente passou a ser titular directa de uma série de empresas no ramo da saúde, operando principalmente no âmbito da diálise.

53-  Com a referida fusão por incorporação, todos os activos e passivos englobam-se numa mesma entidade – a Requerente - passando a ser esta a suportar os encargos estabelecidos com a entidade J…, quando ainda se designava K…, decorrentes do empréstimo obrigacionista para aquisição da sociedade F… .

54-  Com a fusão, anularam-se os montantes das dívidas entre as sociedades fundidas, mantendo-se o registo da dívida à sociedade luxemburguesa (M…, S.A.R.L., anterior J…) no montante de € 47.399.162,66 referente a suprimentos.

55-  Em 2007 e 2008 não existiram, na contabilidade da K…, resultados operacionais releváveis, sendo os principais registos daquela os prejuízos decorrentes dos resultados financeiros negativos decorrentes do empréstimo obrigacionista, pagos pela F…, e os prejuízos decorrentes dos custos administrativos da sua existência.

56-  Em Dezembro de 2009, a Requerente procedeu à fusão por incorporação das outras empresas do grupo, passando a partir dessa data a dedicar-se à prestação de serviços médicos.

57-  A fusão por incorporação das entidades referidas no artigo anterior e a aqui Requerente foi concluída em 10-12-2009, tendo os efeitos desta retroagido a 01-01-2009, não tendo implicado qualquer alteração ao contrato de sociedade da aqui Requerente

58-  A referida fusão foi também submetida ao regime de neutralidade previsto nos artigos 73.º e seguintes do CIRC, e nesse âmbito, foi apresentado, em 03-02-2010, um pedido de manutenção do direito ao reporte de prejuízos fiscais apurados em exercícios anteriores, do qual consta, para além do mais:

- “o Grupo T… procedeu a uma análise do seu modelo de negócio em Portugal, tendo concluído pela necessidade de simplificar e modernizar a sua estrutura societária, por forma a reforçar a sua competitividade e sedimentar a sua posição no mercado da diálise no nosso país, mitigando ainda ineficiências que venham a representar um obstáculo à dinamização pretendida”.

- a operação de fusão “visou prosseguir, entre outros, os seguintes objectivos:

- Consolidar a presença do Grupo no sector da prestação de serviços médicos de diálise,

- Aumentar a transparência do Grupo face aos stakeholders,

- Aumentar a eficiência do processo administrativo,

- Aumentar a eficiência na gestão de tesouraria,

- Aumentar a eficiência operacional,

- Dinamizar a política de formação na A…,

-Melhorar as condições de financiamento da A… (em Portugal) junto da "I… .”

59-  Para a referida operação de fusão foi necessário obter a aceitação, por parte das Administrações Regionais de Saúde (ARS), da alteração de titularidade, sem a qual não era possível prosseguir a actividade de prestação de cuidados de diálise, processo que se revelou moroso.

60-  O montante de juros contabilizados e pagos à sociedade mãe (M…, S.A.R.L.) pela Requerente, em 2012, foi de € 8.545.010,58.

61-  Em ordem a verificar se os juros decorrentes do empréstimo obrigacionista contraído pela K… (NIPC…) junto da J…, seriam fiscalmente dedutíveis, em 06-11-2013 foi efectuada a notificação da Requerente para essa comprovação.

62-  Em 15-11-2013, a Requerente prestou os esclarecimentos solicitados.

63-  Em 30-01-2014, foi a Requerente notificada do Projecto Relatório de Inspecção Tributária, e exerceu o seu direito audição prévia, mediante requerimento enviado em 14-02-2014.

64-  A Requerente notificada, em 27.02.2014, e através do Ofício n.º…, do Relatório de Inspecção Tributária

65-  A Requerente estava, à data do facto tributário, enquadrada, para efeitos de IRC, no regime geral de determinação do lucro tributável, e iniciou a sua actividade em 30 de Janeiro de 2002.

66-  Naquela mesma data, a Requerente encontrava-se colectada para o exercício de «Actividades de prática médica de clínica especializada, em ambulatório - CAE 86220», tendo como objecto secundário «Actividades de contabilidade e auditoria; consultoria fiscal - CAE 69200».

67-  Do Relatório de Inspecção Tributária (RIT) consta, para além do mais, o seguinte:

                                                              i.            “Com a incorporação da A…, Lda. (NIPC…), na sua empresa mãe S…, Lda. (NIPC…), todos os ativos e passivos se englobaram numa única entidade, passando os cash-flow libertos pela actividade e património da entidade incorporada a suportar os encargos decorrentes do empréstimo obrigacionista celebrado entre a J… e a K…, empréstimo que veio a permitir a aquisição da sociedade F… .

O mesmo é dizer que, com a fusão, os cash-flow libertos pela actividade da sociedade incorporada passaram a suportar os custos com a sua própria aquisição.”

                                                            ii.            “No caso concreto temos que os custos com a aquisição da sociedade F… (posteriormente A…, Lda.), que haviam sido incorridos pela K… (posteriormente S…, Lda.), por via da fusão, passaram a ser suportados pelos cash- flows gerados pela entidade adquirida.

Com a fusão, a atividade desenvolvida pela sociedade incorporante passou a corresponder integralmente à atividade que já vinha sendo exercida pela sociedade incorporada, sendo que o empréstimo obtido pela K… teve como único objetivo a obtenção de capital para aquisição da F… .

A S… (antiga K… ) apenas surgiu como veículo para concretizar a aquisição da A…, Lda. (antiga F…).

Aquando da Fusão, a S… (antiga K…) assumiu a denominação da A…, Lda., o que na prática traduziu, tão só́ e apenas, o cancelamento do registo do sujeito passivo com o NIPC e registo n.º … .

Não obstante o cancelamento do registo do sujeito passivo …, é a  A…, Lda. (antiga F…), a sociedade que prossegue a sua atividade anterior, agora sob o NIPC … e não a S…, já que esta sociedade nada acresceu ao objeto prosseguido pela A…, Lda. (antiga F…), e que teve por epílogo a adoção da firma A…, Lda.

Os custos objeto de análise apenas serviram para a redução do resultado fiscal da sociedade resultante das fusões, não se tendo alcançado qualquer efeito positivo em termos financeiros.

Em conclusão, a utilização do veículo (K…) da forma descrita, permitiu que o custo de financiamento que seria suportado pela empresa luxemburguesa (J..., actual M...), numa aquisição directa, passaram a ser suportados pelo património da sociedade operacional (A…), sendo integralmente deduzidos ao resultado desta, após a incorporação do seu património na sociedade veículo, com o respectivo impacto a nível fiscal (EBITDA), conforme análise efectuada no ponto “II – 3.5.2 Balanço e Demonstração de Resultados”. ”

                                                          iii.            “No caso da A… os custos suportados com o empréstimo obrigacionista não estão relacionados com a sua actividade empresarial, nem serviram à manutenção da fonte produtora de rendimentos. Tais custos, embora inscritos na sua contabilidade, não beneficiam a sua atividade nem o respetivo interesse empresarial, mas antes aproveitam a um terceiro (M…, S.A.R.L., anterior J…), não sendo aceites para efeitos de cálculo do resultado fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.”;

                                                          iv.            “Relativamente aos juros, tal como decorre da contabilidade do sujeito passivo dos anos de 2007 e 2008, os mesmos foram pagos através da N…, S.A., pela entidade F…, sociedade adquirida através daquele empréstimo, porque a K… nunca teve uma atividade operacional, conforme já anteriormente descrito e como evidenciam as operações registadas na contabilidade da entidade e refletidos nos balancetes analíticos dos exercícios de 2007 e 2008 da K… (cfr. anexo 15, de 9 folhas), onde constam meros registos em contas de custos e proveitos financeiros.

Ora, nesses mesmos exercícios (2007 e 2008), a J…, para além do empréstimo obrigacionista, procedeu a empréstimos através de suprimentos a diversas sociedades do grupo, tendo sido a F… a maior destinatária desses suprimentos, no valor de € 37.359.426,00 (anexo 16, de 6 folhas).

Assim, temos que a F… recebeu suprimentos da J…, via K…, destinando parte desses suprimentos recebidos ao pagamento dos juros do empréstimo obrigacionista da sociedade-mãe (K…), já que a mesma, conforme mencionamos nos parágrafos anteriores, não tinha qualquer atividade operacional que gerasse influxos financeiros.

Estes juros pagos pela F… à J… foram registados na K… como dívida a terceiros (F…), ou seja, a F… pagou juros de um empréstimo obrigacionista cujos intervenientes foram a J… (credora) e a K… (devedora), constituindo estes juros um crédito da F… à K… . Constatamos que este crédito à K… não rendeu qualquer rendimento, independentemente por via disso a F… estar a suportar um encargo com um juro de suprimento para fazer face ao pagamento de juros que deveriam ser encargo efetivo da sociedade-mãe K… .”

                                                            v.            “O montante dos juros que a F… pagou à J… (responsabilidade da participante K…) nos exercícios de 2007 e 2008 ascende à quantia de € 11.664.656,99 (anexo 11), repartido entre € 3.874.826,75 referente a 2007 e € 7.789.830,24 referente a 2008. Este montante constituía um crédito da K… sobre a F… (suprimentos), na medida em que esta última não tinha meios financeiros para liquidar os juros do empréstimo obrigacionista.

Com a fusão, anularam-se os montantes das dívidas entre as sociedades portuguesas, mantendo-se apenas o registo da dívida à sociedade luxemburguesa no montante de € 47.399.162,66 referente a suprimentos, montante este influenciado pela quantia acima referida (€ 11.664.656,99) referente ao pagamento dos juros do empréstimo obrigacionista nos exercícios de 2007 e 2008 pela F… .

Assim, e nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC, iremos proceder à correção dos juros suportados relativo a suprimentos na proporção dos € 11.664.656,99 face ao valor da dívida de suprimentos (€ 47.399.656,99).

Os montantes dos juros suportados nos exercícios em análise e contabilizados como gastos do período na conta “691155 – Juros empresas do grupo – a pagar” foram do seguinte montante (anexo 17, de 1 folha):

Esta operação dá-nos a percentagem de 24,61%, que aplicando aos montantes registados na conta 691155 dá-nos a seguinte correção:

 ”

68-  Em relação à sociedade G…– SGPS Lda., consta do RIT (p. 7 e ss.) o seguinte:

“O sujeito passivo acima identificado está cessado atualmente, tendo essa cessação ocorrido devido à fusão por incorporação com a sociedade aqui inspecionada.

Até à sua incorporação, a sua atividade consistia em consultoria e prestação de serviços empresariais nas áreas de gestão administrativa, financeira e de pessoal, contabilidade, informática, investigação científica, formação profissional e comercial de aparelhos, utensílios e produtos destinados ao sector de prestação de cuidados de saúde.

Mais concretamente, funcionava como uma central de compras e gestora de uma série de outras sociedades, cujo objeto principal era o tratamento de doentes renais.

2. HISTÓRIA DA SOCIEDADE

Esta sociedade iniciou a sua atividade em 19 de outubro de 1990 com a designação de G… – SGPS Lda tendo como objeto, conforme a sua designação indica, a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta do exercício de atividades económicas. Iniciou a sua atividade com um capital social de € 1.047.475,58, dividido em 3 quotas, tendo como sócios as sociedades P… e Q…, sendo que a primeira destas sociedades detinha duas quotas no valor de € 948.713,60 e € 98.637,28 e a terceira detinha a outra no valor simbólico de € 124,70. Em 22 de dezembro de 2005 procedeu a um aumento de capital de € 100,00, tendo a participação da sociedade Q… passado para € 224,70 e o capital social para € 1.047.575,58.

A 10 de janeiro do ano seguinte alterou a sua designação para F… Lda (doravante F…), tendo em 26 de dezembro do mesmo ano sido sujeita a uma cisão da qual resultou a sociedade H…– SGPS Lda, com o NIPC … .

Em 1 de agosto de 2007, é adquirida pela K… pelo montante de € 122.611.711,00 (anexo 4, de 3 folhas), alterando a sua designação para A… Lda em 4 de dezembro desse mesmo ano.

Toda a informação relativa a esta sociedade consta do registo da Conservatória do Registo Comercial (anexo 5, de 10 folhas).

Por sua vez detinha a totalidade do capital das seguintes entidades: 1.U…, S.A.

NIPC: …

Sede: Rua…, Número … -…-…LOURES

2. V… LDA

NIPC: …

Sede:…, …, …-…-… VILA DO CONDE

3. W… LDA

NIPC: …

Sede: …, Número …, Lisboa - …-… LISBOA

4. X… LDA

NIPC: …

Sede: …, …, …, Lisboa -…-… LISBOA

5.Y…, S.A.

NIPC: …

Sede: Rua…, …- …-… FIGUEIRA DA FOZ

6.Z…, S.A.

NIPC: … Sede: … (…) - …-… PORTO

7. AA… S.A

NIPC: …

Sede: Rua…, Número…, …- …-… MEM MARTINS

8.BB…, S.A.

NIPC: …

Sede: …, …-… AVEIRO

9. CC… LDA

NIPC: …

Sede:…, Número …, Lisboa - …-…. LISBOA

10. DD… LDA

NIPC: …

Sede:…, Número … - …-… ALMADA

11. EE… S.A.

NIPC: …

Sede: …, Número … -…-… ESTORIL

12. FF…, S.A

NIPC: …

Sede:…, …- …-…  …

13. GG…, S.A.

NIPC: …

Sede: Rua …, Número …- …-… TORRES VEDRAS

14. HH… SA

NIPC: …

Sede: Rua …, Número … - …-… COIMBRA

Detinha ainda parcialmente o capital da sociedade II… LDA, com o NIPC … e sede: Rua …, …-… .

Em dezembro de 2008, a A… Lda - NIPC … é incorporada na sua participante (S…, Lda - NIPC:…) através de um processo de fusão por incorporação (anexo 5, de 28 folhas).”

69-  Quanto à sociedade M..., com a designação anterior J..., titular do NIPC … e sede em …,  …, Luxemburgo, consta do RIT (fls. 9 e ss.) o seguinte:

“Relativamente a esta sociedade, sabemos que é detida por uma sociedade de capital de risco denominada I… com sede em Inglaterra e que serviu como veículo para a aquisição do grupo E… no ano de 2007.

Esta informação consta mesmo de um pedido efetuado pela I… à Autoridade da Concorrência da Comissão Europeia no âmbito da aquisição do grupo D… (anexo 7, de 1 folha).

A denominação anterior desta sociedade era J… (doravante j…) e foi esta a entidade que procedeu em 2007 à aquisição da sociedade objecto desta ação inspectiva (A… LDA, com a firma à altura da aquisição K…, Lda.) à sociedade L…SGPS, S.A.”.

70-  O procedimento de inspecção tributária referido, deu origem aos actos de liquidação adicional de IRC, com o n.º 2014…, de 06.03.2014, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 07-05-2014, no valor de € 2.249.715,10, de Demonstração de Liquidação de Juros, com o n.º 2014…, de 10-03-2014, e Demonstração de Acerto de Contas, com o n.º 2014…, com imposto a pagar no valor de € 2.249.715, 10

71-  Na sequência da notificação dos actos referidos, a Requerente apresentou, em 08-07-2014, reclamação graciosa.

72-  A Requerente foi notificada, através do Ofício n.º…, de 21-11-2014, do projecto de indeferimento da reclamação apresentada e exerceu o seu direito de resposta em audição prévia, o qual foi remetido em 09-12-2014.

73-  A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 31-12-2014, do Director de Finanças Adjunto da DF de Lisboa, por delegação.

74-  Contra esta decisão foi apresentado, em 06-02-2015, pela aqui Requerente recurso hierárquico, conforme consta do respectivo processo administrativo, o qual foi indeferido por despacho da Senhora Subdiretora Geral, de 06-04-2016, que foi notificado por ofício registado com aviso de recepção com o n.º…, de 31-05-2016, enviado ao mandatário constituído pela ora Requerente, assinado em 02-06-2016.

75-  A Requerente não pagou a quantia que lhe foi liquidada e em ordem à suspensão do processo de execução fiscal n.º …2014…, instaurado para a execução daquela, prestou garantia bancária.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

 

B. DO DIREITO

 

            A situação em causa no presente processo é de relativamente simples configuração e poderá ser, sumariamente e nos seus traços essenciais, descrita da seguinte forma:

-          A Requerente, em 2009, foi a sociedade incorporante numa operação de fusão por incorporação, na qual foi incorporada uma sociedade relativamente à qual detinha 100% das respectivas participações sociais;

-          A Requerente detinha, no seu passivo, dívidas provenientes de financiamentos e contratos de suprimento, cujos montantes tinham sido aplicados na aquisição das participações sociais e dívidas aos accionistas da sociedade incorporada e suas participadas, bem como no financiamento àquelas;

-          Por efeito da operação de fusão, a sociedade resultante da mesma (ora Requerente) teve, no ano ora em causa (2012), de suportar os referidos encargos, sendo certo que, por efeito daquela mesma operação, as participações da sociedade incorporada (participada) que integravam o activo da Requerente, se extinguiram.

A questão que se coloca é, igualmente, de simples configuração, e prende-se unicamente com aferir se, como sustenta a AT, os gastos correspondentes aos encargos com os financiamentos e suprimentos suportados pela ora Requerente cumprem os requisitos do artigo 23.º/1 do CIRC, relativos à sua indispensabilidade para realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, e, consequentemente se podem ser deduzidos na determinação do seu lucro tributável.

É, no fundo, isto que se apresenta a este Tribunal para decidir.

Vejamos então.

 

*

De um ponto de vista geral, não há grande controvérsia naquilo que tem sido o trajecto firmado pela doutrina e jurisprudência nacionais em matéria de indispensabilidade dos gastos, e cujos traços essenciais se podem sintetizar da seguinte forma:

-           “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro” e “a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, no processo n.º 0107/11);

-          “os custos (...) não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.” (Ac. STA, proferido a 30-05-2012, no processo n.º 0171/11);

-          “um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre os gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a actividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respectivas actividades.” (Ac. STA, proferido a 04-09-2013, no processo n.º 0164/12);

-           “a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr. artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.” (Ac. TCA-Sul, proferido a 16-10-2014, processo n.º 06754/13);

-           “A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à actividade empresarial. Se o custo não é estranho à actividade da empresa, isto é, se se relaciona com a actividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menor o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável.” (Ac. TCA-Norte, proferido a 20-11-2011, processo n.º 01747/06.3BEVIS);

-          “da noção legal de custo fornecida pelo art. 23° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o art. 23° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.

A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, processo n.º 0107/11);

-          “A regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objecto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.

O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, como já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.

O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objecto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável.

Entendemos (...) que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.” (Ac. STA, proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05).

            Sendo, deste modo, pacíficos os critérios de decisão, resta, unicamente, a operação de aplicação de tais critérios ao caso concreto.

            Esta operação de aplicação dos referidos critérios a situações semelhantes ou análogas à que está em causa nos presentes autos foi já ensaiada nos processos arbitrais n.º 14/2011-T, 101/2013-T, 87/2014-T, n.º 42/2015-T, 92/2015-T e 93/2015-T, todos do Centro de Arbitragem Administrativa[2], sendo que nos dois últimos se faz um resumo e apreciação dos precedentes, que ora se subscreve e, por brevidade, se dispensa a transcrição.

            Mais recentemente, no âmbito dos processos arbitrais n.ºs 337/2016T e 480/2016T, também do CAAD, relativos aos exercícios de 2009 e 2010 da ora Requerente, foram proferidas decisões no sentido da procedência do pedido.

            No primeiro daqueles processos escreveu-se, para além do mais, o seguinte:

“A questão essencial a decidir consiste, pois, em saber se o artigo 23.º do CIRC implica, como alega a AT, que os encargos financeiros pagos pela Requerente à BB… (ex-X…) não sejam dedutíveis, por não respeitarem o requisito da indispensabilidade ao tempo constante desse preceito legal.

Para a AT, os juros pagos pela Requerente não respeitariam à sua atividade, mas sim à atividade ou interesse da sua participante, e não poderiam concorrer para o resultado tributável da Requerente, por se afastarem do seu interesse social ou da sua atividade própria.

Como refere a AT, no ponto 44 das suas Alegações: "aceitar-se a dedutibilidade dos encargos financeiros associados ao financiamento da aquisição das participações sociais das sociedades, cujas atividades geram os rendimentos e ganhos que possibilitam a dedução aqueles gastos, seria negar o princípio do balanceamento entre gastos e rendimentos que se encontra ínsito no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC".

Ora o STA, no âmbito do Processo 0779/12, em Acórdão de 24-09-2014, afasta a interpretação do artigo 23.º do CIRC como tendo que implicar uma obrigatória conexão, um balanceamento ou uma relação entre custos e proveitos: (...)

Depois a AT sustenta que (ponto 51 das Alegações): "No respeitante aos encargos financeiros, aquele normativo exige, tal como para a generalidade dos gastos, que os gastos e perdas, dedutíveis para a determinação do lucro tributável, sejam indispensáveis para a obtenção dos rendimentos e ganhos e sujeitos a imposto e para a manutenção da fonte produtora e concretiza, na sua alínea c) do n.º 1, os gastos de “natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração”.

Quanto à questão da aplicação dos capitais na exploração:  a tese da AT não tem suporte na lei. Os termos "nomeadamente" e "tais como", usados no proémio do n.º 1 do artigo 23.º e na respetiva alínea c), vincam que os encargos financeiros de capitais aplicados na exploração são dedutíveis mas não esgotam o universo de encargos financeiros dedutíveis. Estes sê-lo-ão, mesmo quem não aplicados na dita exploração; desde que passem o teste geral da indispensabilidade, estejam comprovados e não sejam afastados por outra norma jurídico-fiscal. O conceito de indispensabilidade é consensualmente interpretado como implicando que os gastos digam respeito à atividade ou interesse da empresa. Os encargos financeiros que aqui se enquadrem, mesmo não sendo aplicados em atividades consideradas operacionais ou de exploração, podem reunir condições de indispensabilidade.

E os encargos aqui controvertidos estão relacionados com a atividade da Requerente, pois resultam do financiamento de ativos por esta detidos e que até geram rendimentos de natureza operacional.

A AT avança ainda, relativamente ao afastamento dos encargos financeiros, por não serem inerentes ao interesse próprio da Requerente (artigos 53, 56 e 73 das Alegações):

«os custos suportados com o empréstimo não estão relacionados com a sua atividade empresarial, nem serviram à manutenção da fonte produtora de rendimentos. Tais custos, embora inscritos na sua contabilidade, não beneficiam a sua atividade nem o respetivo interesse empresarial, mas antes aproveitam a um terceiro ((BB…., anterior X…) não sendo aceites para efeitos do cálculo do resultado fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.»

«As fusões no âmbito das quais a sociedade AA…, Lda (anterior F…, Lda) incorporou a sociedade A…, Lda (anterior D…, Lda), e as sociedades suas participadas, apesar de terem sido fusões upstream implicaram, de facto, uma transmutação integral da sociedade incorporante que juridicamente se manteve mas cuja actividade passou a corresponder integralmente às actividades que já vinham a ser exercidas pelas sociedades incorporadas.»

«O que se verificou com as operações de fusão foi que, em consequência da extinção das partes sociais detidas pela sociedade AA…, Lda. (ex.F…), a actividade antes desenvolvida à qual o empréstimo obrigacionista se encontrava associado não teve continuidade, o que subsistiu foi apenas actividade operacional desenvolvida pelas sociedades que tinham pertencido ao Grupo B…, em cuja exploração não foram aplicados os fundos obtidos com aquele financiamento e, portanto, os encargos financeiros suportados não contribuíram para a geração dos proveitos ou rendimentos das actividades de tratamento renal.»

Não tem razão a AT quando põe em causa a dedutibilidade dos encargos financeiros, em sede da Requerente, com o fundamento de que estes estão desligados da sua atividade, do seu interesse próprio, e que os fundos obtidos não foram aplicados na exploração. Em decorrência das operações de fusão, a mesma sociedade (a Requerente) passou a deter, como elementos patrimoniais contabilizados ou reconhecidos no seu balanço, os ativos e passivos das sociedades operativas e continuou a inscrever, também no seu balanço, o capital próprio e os passivos financeiros que suportavam as participações sociais que antes representavam este conjunto de elementos patrimoniais. Há uma ligação económica clara entre a dívida que vence juros e os ativos e os passivos que tal dívida suporta.

Quando a AT refere que "o que subsistiu foi apenas atividade operacional desenvolvida pelas sociedades que tinham pertencido ao Grupo B……, em cuja exploração não foram aplicados os fundos obtidos com aquele financiamento", não leva em conta que a titularidade da atividade operacional só foi possível por se ter pago ao grupo B… um preço de aquisição que implicou os financiamentos em empréstimos obrigacionistas e suprimentos que geraram os juros pagos. Mesmo numa perspetiva estrita de nexo económico entre rendimentos e gastos, ele existe. Os rendimentos derivados do negócio estão relacionados com os juros pagos para a sua aquisição. Numa ótica patrimonial, há, até, maior aproximação entre ativos e capitais que os financiam, agora inscritos na mesma entidade. Não colocando em causa a AT o propósito económico das operações de reorganização levadas a cabo, a desconsideração dos juros pagos não tem suporte no artigo 23.º do CIRC.

Quanto ao tema dos suprimentos, e da quantia de € 11.664.656,99, refere a AT (artigo 30 das Alegações) que: "Conforme resulta do RIT, não foram encontradas evidências que inequivocamente demonstrassem que o montante de € 11.664.656,99 não estejam incluídos no valor dos suprimentos, tanto mais que a sociedade D… pagou diretamente esses  juros  por  conta  da  sociedade F…, Lda, em  virtude  de  esta sociedade não dispor de meios financeiros para proceder à liquidação dos juros".

Ora, o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente coloca em causa a tese da AT, sem que esta, na resposta ou nas alegações, tenha rebatido de forma convincente as posições e as explicações da Requerente sobre os ditos € 11.664.656,99.

Entende o Tribunal que não há razão para desconsiderar os juros do empréstimo obrigacionista e esta conclusão afeta também a correção efetuada pela AT quanto aos suprimentos, pelo que a correção é ilegal e, consequentemente, a liquidação deve ser anulada, por vício de violação de lei, designadamente o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na parte em que nela assenta.”

            Já no segundo dos referidos arestos, pode ler-se:

“A questão essencial a decidir consiste pois em saber se o art. 23º do CIRC implicará, como alega a AT, que os encargos financeiros pagos pela Requerente A… Lda (ex -J…)  à G… SARL (ex -F…) não sejam dedutíveis, por não respeitarem o requisito da indispensabilidade ao tempo constante desse preceito legal.

Isto porque para a AT, os juros pagos pela Requerente não respeitariam à sua actividade, mas sim à actividade ou interesse da sua participante. Como tal, não poderiam concorrer para o resultado tributável da Requerente, por se afastarem do seu interesse social ou da sua actividade própria.

Como refere a AT: "Por outras palavras, aceitar-se a dedutibilidade dos encargos financeiros associados ao financiamento da aquisição das participações sociais das sociedades, cujas actividades geram os rendimentos e ganhos que possibilitam a dedução daqueles gastos, seria negar o princípio do balanceamento entre gastos e rendimentos que se encontra ínsito no n.º 1 do art. 23º do Código do IRC".

Ora, o STA, no processo 0779/12, em Acórdão proferido a 24.09-2014, afasta a interpretação do art. 23º do CIRC, como tendo que implicar uma obrigatória conexão, um balanceamento ou uma relação entre custos e proveitos (...)

Não colhe, por isso, que a aceitação fiscal de um gasto tenha de respeitar um princípio de balanceamento (ou de conexão) com proveitos.

Depois a AT sustenta que: "No respeitante aos encargos financeiros, aquele normativo exige, tal como para a generalidade dos gastos, que os gastos e perdas, dedutíveis para a determinação do lucro tributável, sejam indispensáveis para a obtenção dos rendimentos e ganhos e sujeitos a imposto e para a manutenção da fonte produtora e concretiza, na sua alínea c) do n.º 1, os gastos de “natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração”. (destaque da AT).

 Esta questão da aplicação dos capitais na exploração, recorrente na argumentação da AT, merece análise. Vejamos. (...)

Julga-se ser claro que a tese da AT, de acordo com a qual apenas os encargos financeiros decorrentes de capitais aplicados na exploração seriam dedutíveis (e ainda assim faltaria definir o que se entende por "exploração") não resulta da lei. Os termos "nomeadamente" e "tais como", que sublinhámos, vincam que os encargos financeiros de capitais aplicados na exploração são dedutíveis, mas não esgotam o universo de encargos financeiros dedutíveis. Estes sê-lo-ão, mesmo quando não aplicados na dita exploração, desde que passem o teste geral da indispensabilidade, estejam comprovados e não sejam afastados por outra norma jurídico-fiscal.

Ora, o conceito de indispensabilidade, já se viu, é consensualmente interpretado como implicando que os gastos digam respeito à actividade ou interesse da empresa. Assim, os encargos financeiros que aqui se enquadrem, mesmo não sendo aplicados em actividades consideradas operacionais ou de "exploração", podem reunir condições de indispensabilidade.

E, como adiante se verá, os encargos aqui controvertidos, estão relacionados com a actividade da Requerente, pois resultam do financiamento de activos por esta detidos e que até geram rendimentos de natureza operacional.

A AT avança, ainda, relativamente ao afastamento dos encargos financeiros, por não serem inerentes ao interesse próprio da Requerente, em síntese (arts. 69º, 71º e 90º da Resposta, subls. da AT):

«No caso da K… Lda, os custos suportados com o empréstimo não estão relacionados com a sua actividade empresarial, nem serviram à manutenção da fonte produtora de rendimentos. Tais custos, embora inscritos na sua contabilidade, não beneficiam a sua actividade nem o respetivo interesse empresarial, mas antes aproveitam a um terceiro G… S.A.R.L. (ex -F…) não sendo aceites para efeitos do cálculo do resultado fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC.

Efetivamente, com as operações de fusão, no âmbito da qual a sociedade a A… Lda (ex –B…) incorporou a sociedade K… Lda (ex-J…), e as sociedades suas participadas, apesar de terem sido fusões up stream implicaram, de facto, uma transmutação integral da sociedade incorporante que juridicamente se manteve mas cuja actividade passou a corresponder integralmente às actividades que já vinham a ser exercidas pelas sociedades incorporadas.

Efetivamente, o que se verificou com as operações de fusão foi que, em consequência da extinção das partes sociais detidas pela sociedade A… Lda (ex-B…), a actividade antes desenvolvida à qual o empréstimo obrigacionista se encontrava associado não teve continuidade, o que subsistiu foi apenas actividade operacional desenvolvida pelas sociedades que tinham pertencido ao Grupo I…, em cuja exploração não foram aplicados os fundos obtidos com aquele financiamento e, portanto, os encargos financeiros suportados não contribuíram para a geração dos proveitos ou rendimentos das actividades de tratamento renal."

Não tem razão a AT quando põe em causa a dedutibilidade dos encargos financeiros por parte da Requerente, em sede de IRC, com o fundamento de que estes estão desligados da sua actividade, do seu interesse próprio, e que os fundos obtidos não foram aplicados na exploração.

Com efeito, em decorrência das operações de fusão, a mesma sociedade (a Requerente) passou a deter, como elementos patrimoniais contabilizados ou reconhecidos no seu balanço, os activos e passivos das sociedades operativas e continuou a inscrever, também no seu balanço, o capital próprio e os passivos financeiros que suportavam as participações sociais que antes representavam este conjunto de elementos patrimoniais.

Quer isto dizer que, antes da fusão, a K… Lda (ex -J…) detinha, no lado direito do balanço, fontes de financiamento provenientes da A… (ex -B…[6]) pagando juros por aquelas fontes que consubstanciavam dívida; e, no seu activo, participações sociais nas entidades operativas. Com a fusão, a mesma entidade (a Requerente) continua a deter os passivos já referidos (dívidas à participante G…, SARL substituiu as participações sociais - que se anularam com a fusão - passando pois a reconhecer os activos e passivos das sociedades operativas cuja aquisição, recorde-se, constituíram a causa essencial do endividamento da A… (ex -B…) face à  G… SARL.

Em suma, a fusão mantém na Requerente o financiamento pelo qual esta pagou juros, e teve como consequência patrimonial a junção, no mesmo balanço, dos activos que tal dívida financiava e continuou a financiar. Não já activos financeiros, mas a sua real tradução em activos e passivos de cariz operacional.

É pois claro que a dívida da Requerente à sociedade mãe - e os juros daí resultantes - se inscrevem no interesse ou actividade da A… (ex -B…). Há uma ligação económica clara entre a dívida que vence juros e os activos e os passivos que tal dívida suporta.

Para mais, tais activos e passivos (dívida financeira) passam a estar reconhecidos no balanço da mesma entidade. Assim, não vê o Tribunal como - na tese da AT - o facto de a dívida ser originária de fundos que a G…, SARL cedeu à Requerente pode conduzir, sem mais, ao desrespeito do requisito da indispensabilidade então previsto no art. 23º do CIRC.

Quando a AT refere que "o que subsistiu foi apenas actividade operacional desenvolvida pelas sociedades que tinham pertencido ao Grupo I…, em cuja exploração não foram aplicados os fundos obtidos com aquele financiamento", não leva em conta que a titularidade da actividade operacional referida na entidade A… (ex – B…) só foi possível por se ter pago ao grupo I… um preço de aquisição que implicou os financiamentos em empréstimos obrigacionistas e suprimentos que geraram os juros pagos.

Mesmo numa perspectiva estrita de nexo económico entre rendimentos e gastos, ele existe. Os rendimentos derivados do negócio estão relacionados com os juros pagos para a sua aquisição. Numa óptica patrimonial há, até, maior aproximação entre activos e capitais que os financiam, agora inscritos na mesma entidade. Não colocando em causa a AT o propósito económico das operações de reorganização levadas a cabo, a desconsideração dos juros pagos não tem suporte no art. 23º do CIRC.

Até se poderá aventar que, sendo certo que em muitas operações de reorganização os activos figuram numa determinada entidade e a dívida que os financia poderá estar noutra, já no caso em apreço a fusão conduziu a uma junção de activos e passivos cujas operações de gestão se inscrevem, por certo, no interesse ou actividade da Requerente.

Quanto ao tema dos suprimentos, e da quantia de € 11.664.656,99, refere a AT que:

"Conforme resulta do RIT, não foram encontradas evidências que inequivocamente demonstrassem que o montante de € 11.664.656,99 não estejam incluídos no valor dos suprimentos, tanto mais que a sociedade K…, Lda (ex – J…) pagou diretamente esses juros por conta da sociedade A… (ex -B…)  em virtude de esta sociedade não dispor de meios financeiros para proceder à liquidação dos juros. Assim, na falta dessa demonstração, o fundamento da correcção reconduz-se ao da correcção relativa ao empréstimo obrigacionista".

Acresce que o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, colocou em causa a tese da AT, sem que esta, na Resposta, em alegações ou por outra via, tenha rebatido de forma convincente as posições e as explicações da Requerente sobre os ditos € 11.664.656,99. Apenas se limitou a referir que não existem evidencias de que tal montante não esteja incluído no saldo final de € 47.399.656,99. Além disso, afirmando a AT que "na falta dessa demonstração, o fundamento da correcção reconduz-se ao da correcção relativa ao empréstimo obrigacionista" e entendendo o Tribunal que não há razão para desconsiderar os juros do empréstimo obrigacionista, então, esta conclusão afecta também a correcção efectuada pela AT quanto aos suprimentos, pelo que a correcção é ilegal e, consequentemente, a liquidação deve ser anulada, por vício de violação de lei, designadamente do art. 23º, nº 1 do CIRC, na parte em que nela assenta.”

 

*

Tendo presente tudo quanto se veio já dizendo, e não esquecendo que – consensualmente e como resulta da matéria de facto – estão exclusivamente em causa juros de capitais alheios, não haverá dúvidas, então, que o ponto de partida do processo decisório do litígio que ora cumpre dirimir se situa no quadro do art.º 23.º/1/c) do CIRC.

            Tal norma dispõe, para além do mais e naquilo que diz respeito ao que ora importa, que “Consideram-se gastos (…) nomeadamente: c) juros de capitais alheios aplicados na exploração.”.

            Deste modo, cumpre aferir se, no caso, é essa, ou não, a situação que se verifica.

            Em tal juízo, e salvo melhor opinião, dever-se-á ter em conta, como referentes decisórios, quatro aspectos que se têm por fundamentais, a saber:

-          O primeiro é a circunstância de as participações sociais da sociedade incorporante, que integravam o activo da sociedade incorporada, não existirem no património da sociedade resultante do processo de fusão;

-          O segundo é o de que os “capitais alheios” a que se reportam os juros suportados e cuja dedutibilidade é questionada se encontrarem, em momento anterior à fusão, já integralmente aplicados;

-          O terceiro é o de que a sociedade resultante do processo de fusão não se identifica materialmente (sob o prisma da realidade económica) com a sociedade beneficiária da fusão, tal como se configurava previamente à mesma;

-          O quarto é o de que, como contrapartida das suas participações na sociedade incorporada, que por via da fusão se extinguiram, passaram a integrar o património da sociedade incorporante todos os activos da sociedade incorporada.

            À luz destes referentes, tem-se por boa a conclusão de que, efectivamente, no caso se preenchem os pressupostos da supra-referida alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, por os gastos com juros em questão, corresponderem a capitais alheios que foram aplicados na exploração da entidade que os suporta.

Com efeito, e como se escreveu no Ac. do STA de 13-04-2005, proferido no processo 01265/04[3]:

A fusão por incorporação, ainda que implique que só sobreviva, com personalidade jurídica própria, a sociedade na qual as demais se incorporam, não tem como consequência, no campo das realidades económicas e empresariais, o desaparecimento das empresas fundidas. Alguma doutrina comercialista – vd. PINTO FURTADO, PINTO COELHO e PUPO CORREIA nos lugares citados na sentença recorrida – aponta que a sociedade fundida, perdendo a sua personalidade jurídica, todavia persiste, modificada, formando um todo com outras, em condições diversas das que ocorriam antes da fusão. Mas não deixa de continuar a existir a mesma realidade económica, um mesmo conjunto (agora integrado noutro mais alargado) de meios afectos a uma actividade produtiva, que os sócios, aliás, quiseram potenciar com a fusão.

Ou seja, com a fusão por incorporação ocorre uma transformação da sociedade, mas não uma extinção, não decorrendo da integração o seu desaparecimento, mas a sua alteração, ainda que implique a perda de personalidade jurídica."

Também no Ac. do TCA-Sul de 17-04-2012, proferido no processo 04172/10[4] se escreveu que “a fusão de sociedades é o acto pelo qual duas ou mais sociedades reúnem as suas forças económicas para formarem, com os sócios de todas elas, uma só personalidade colectiva, um novo sujeito económico e jurídico.

Daí que se possa afirmar, como parece tê-lo feito a A., que a fusão é, regra geral, e a situação em análise não constitui excepção, recomendada por interesses comuns às sociedades nela intervenientes, e não apenas a uma delas.

E mais adiante: “É certo que se poderia argumentar que a sociedade fundida, perdendo a sua personalidade jurídica, todavia persiste, modificada, formando um todo com outras, em condições diversas das que ocorriam antes da fusão; todavia, também o certo é que não deixa de continuar a existir a mesma realidade económica, um mesmo conjunto (agora integrado noutro mais alargado) de meios afectos a uma actividade produtiva, que os sócios, aliás, quiseram potenciar com a fusão.

Numa outra formulação, põe afirmar-se que com a fusão por incorporação ocorre uma transformação da sociedade, mas não uma extinção, não decorrendo da integração o seu desaparecimento, mas a sua alteração, ainda que implique a perda de personalidade jurídica.”.

            Compreendido isto, será compreensível então a afirmação de que os gastos com juros em questão correspondem a capitais alheios, que foram aplicados na exploração da entidade que os suporta. Com efeito, compreendida devidamente a realidade pós-fusão (não fraudulenta), dever-se-á aceitar que a entidade daí resultante constituirá uma síntese entre a sociedade incorporada e a incorporante, na qual ambas persistem.

            Citando a jurisprudência que antecede, continua “a existir a mesma realidade económica”, o “mesmo conjunto (agora integrado noutro mais alargado) de meios afectos a uma actividade produtiva”, em cuja exploração foram aplicados os capitais alheios cujos gastos em juros vêm a sua dedutibilidade questionada, uma vez que não decorreu da integração o seu desaparecimento, mas a sua alteração, mantendo-se, igualmente, a personalidade jurídica.

            Assim, à luz desta compreensão dos efeitos da fusão por incorporação não se poderá concluir de outra forma que não pelo preenchimento dos pressupostos da supra-referida al. c) do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC.

Subscreve-se, deste modo o quanto se escreveu no Ac. 42/2015-T, segundo a qual “a fusão mantém na Requerente o financiamento pelo qual esta pagou juros, e teve como consequência patrimonial a junção, no mesmo balanço, dos ativos que tal dívida financiava e continuou a financiar. Não já ativos financeiros, mas a sua real tradução em ativos e passivos de cariz operacional”. Com efeito, a perspectiva do acórdão em questão, é, crê-se, inquestionável nos casos de fusão por incorporação “ordinária”, como é o caso, onde é evidente, como ali se referiu, que a sociedade incorporante troca as participações que detém pela realidade económica em que se traduz a sociedade participada.

Assim, a situação ora em causa não é, no fundo, diferente de qualquer outra em que uma entidade contraia encargos financeiros, os aplique em determinado bem idóneo à geração de proveitos, e, ainda na pendência dos referidos encargos, troque aquele mesmo bem por um outro, igualmente idóneo à geração de proveitos, ainda que de distinta natureza.

Não é por isso de aceitar, a alegação da Requerida segundo a qual “a actividade antes desenvolvida à qual o empréstimo obrigacionista se encontrava associado não teve continuidade, o que subsistiu foi apenas actividade operacional desenvolvida pelas sociedades que tinham pertencido ao Grupo D…, em cuja exploração não foram aplicados os fundos obtidos com aquele financiamento e, portanto, os encargos financeiros suportados não contribuíram para a geração dos proveitos ou rendimentos das actividades de tratamento renal.[5]. Com efeito, se é certo que a actividade inicial – gestão e fruição de participações sociais – não teve continuidade no período pós-fusão, menos certo não é que tal actividade foi substituída (inicialmente, de resto, apenas em parte, uma vez que se mantiveram as participações nas entidades anteriormente participadas pela F…), por uma outra, já de carácter operacional, igualmente geradora de proveitos, exercida pela entidade resultante da fusão que integrou, na sequência do quanto se viu antes, a entidade que havia contraído os encargos, sendo que os meios necessários ao exercício desta nova actividade – repita-se, geradora de proveitos – apenas foram obtidos em função da assunção daqueles mesmos encargos.

Também, nos mesmos termos, não é de aceitar a proposição da Requerida, segundo a qual “com a fusão, extinguiram-se os activos da sociedade incorporante – participações sociais – que tinham sido financiados com o empréstimo obrigacionista, tendo apenas subsistido o passivo[6], já que, como se viu, para além do passivo, passou a integrar o activo da entidade resultante da fusão, os activos da sociedade fundida, sendo que a circunstância de que “a actividade prosseguida” pela sociedade resultante da fusão, “passou a confundir-se com a actividade desenvolvida, antes da fusão, pelas sociedades incorporadas ou absorvidas” se traduz num efeito normal de uma fusão não abusiva.

 

*

            Não invalida esta conclusão que, como se afirma no Acórdão arbitral 87/2014-T, “a dedução fiscal dos encargos financeiros incorridos (…) tem que ser aferida no contexto empresarial próprio da Requerente, em atenção aos critérios normativos resultantes do n.º 1 do art. 23.º do CIRC”, e que “para proceder à aplicação ao caso em apreço do requisito da indispensabilidade dos custos, é decisivo averiguar (…) a afetação efetiva e concreta do financiamento de que os juros suportados são a remuneração ou, por outras palavras, importa verificar o destino ou uso dos fundos obtidos em relação aos quais o sujeito passivo pretende deduzir fiscalmente, para efeitos do apuramento do seu lucro tributável, os juros e demais encargos associados que suportou”.

            Antes pelo contrário. Compreendido que a Requerente, tal como se apresenta pós-fusão, se sintetizou com a sociedade incorporada e que, portanto, o contexto empresarial da Requerente incorpora, também, a realidade económica antes corporizada autonomamente pela sociedade nela incorporante, estar-se-á então a aferir os “critérios normativos resultantes do n.º 1 do art. 23.º do CIRC” “no contexto empresarial próprio da Requerente”.

            Por outro lado, também não se verifica que tenha ocorrido qualquer alteração na “(…) afetação efetiva e concreta do financiamento de que os juros suportados são a remuneração”, porquanto, por um lado, o financiamento foi integralmente aplicado em momento prévio à fusão, e, por outro, não foi, sequer, o produto dessa aplicação desviado para um terceiro, mormente para a accionista da incorporante, como pretende a AT, na medida em que não se verificou qualquer alteração nas acções da incorporante, de que a respectiva accionista se manteve titular, não tendo sequer o valor das acções da sociedade incorporante, tanto quanto se apura, sofrido qualquer alteração por via da fusão ou dos financiamentos cujos juros estão em questão.

Efectivamente, os capitais alheios obtidos pela sociedade incorporante, a título de financiamentos e suprimentos, foram integralmente aplicados (exaurindo-se) aquando da aquisição das participações sociais e prestação da suprimentos à sociedade que veio a incorporar. No caso é essa a realidade: os montantes obtidos através dos financiamentos e suprimentos, não perduraram até um momento pós-fusão, sendo, então, redirecionados na sua finalidade, mas, aquando daquela, estavam já integralmente aplicados.

Não obstará à conclusão formulada – julga-se – a constatação de que as obrigações pecuniárias de pagamento de juros pelo capital mutuado perduram no momento pós fusão, o que é uma evidência, estando em questão, justamente, da sua dedutibilidade. Com efeito, a aplicação a que se refere a al. c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, reporta-se aos “capitais alheios”, e não a quaisquer obrigações.

Assim, o seu teor literal, não serão os custos com juros susceptíveis de aplicação. Já os “capitais alheios”, retribuídos pelas obrigações pecuniárias de pagamento de juros, encontravam-se integralmente aplicados.

Deste modo, pensa-se, não será susceptível de validação o juízo segundo o qual houve um desvio na aplicação da contrapartida dos gastos cuja dedutibilidade é questionada, porquanto essa aplicação, no momento em que são contabilizados os gastos estava, como se vem de ver, totalmente consumada[7].

Poderia, porventura, ser questionado se o produto mediato dos gastos (as participações da sociedade subsequentemente incorporada) foram “desviadas”, designadamente para a accionista da Requerente, como sugere a AT, o que se considera não ocorrer dado que, como se referiu já, não se alterou por via da fusão, por qualquer modo (em forma ou valor), a posição societária daquela, seja em relação à Requerente, seja em relação a qualquer das restantes intervenientes naquele processo.

Não se ratifica, deste modo, a alegação da Requerida, segundo a qual “após a fusão, a potencialidade para obter dividendos e mais-valias foi transferida para a sociedade M… (ex. J...)[8], já que antes da fusão assistia à J… o direito de percepcionar dividendos da K…, dividendos esses exclusivamente determinados pela actividade operacional da F… e pelos custos de funcionamento próprios da K…, e que tal situação se manteve, nos mesmos termos, no período pós-fusão, unicamente com a eventual diferença (não apurada, sequer, nos autos) de os custos de funcionamento da K… se terem diminuído ou, mesmo, extinguido. Em qualquer destes casos, é evidente – crê-se – que a posição da J… não sofreu, em função da fusão, qualquer alteração substancial, para lá de qualquer valorização marginal que tenha ocorrido, em função da reorganização societária operada, que se alguma relevância poderá ter será, precisamente, a de fundamentar a racionalidade económica daquela.

De igual modo, a circunstância, sublinhada pela Requerida[9], de “os encargos financeiros suportados com financiamentos contraídos para a aquisição das partes de capital de uma sociedade terem sido deduzidos aos rendimentos e ganhos gerados pelas actividades desenvolvidas pela própria sociedade adquirida”, não se afigura, na perspectiva das normas em aplicação de qualquer relevância.

Com efeito, sob o ponto de vista daquelas normas, as participações sociais não serão, salvo melhor opinião, distinguíveis de qualquer outro activo, sendo certo que, ainda na mesma perspectiva, nenhuma objecção há a que os encargos financeiros suportados com financiamentos contraídos para a aquisição de um determinado activo, sejam deduzidos aos rendimentos e ganhos gerados por esse mesmo activo. Assim, por exemplo, se uma sociedade contrair um financiamento para a aquisição de um imóvel ou de um estabelecimento comercial, os encargos financeiros daquele financiamento serão, naturalmente, dedutíveis – repete-se: na perspectiva das normas aplicadas nos actos tributários sub iudice – aos rendimentos e ganhos gerados pelo imóvel ou estabelecimento comercial adquirido.

 

*

            A posição ora adoptada é igualmente compatível com a asserção que se pode ler no referido Acórdão arbitral 87/2014-T, segundo a qual “o facto de certos encargos financeiros serem fiscalmente dedutíveis anteriormente no âmbito da determinação da matéria colectável de uma certa sociedade não significa, só por si, que o sejam necessariamente nos mesmos termos no âmbito da sociedade que, por fusão, incorporou aquela”.

            Com efeito, e como referia já o Prof. Teixeira Ribeiro, à luz do CCI[10], as alíneas do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC não deverão ser entendidas de outra maneira que não a de que quando os custos ou perdas estão especificamente elencados no artigo 23.º, presume-se a sua essencialidade, dispensando-se, consequentemente, o contribuinte da correspondente prova, sendo, precisamente esse o propósito da enumeração (retirado, para além do mais, da utilização da expressão «nomeadamente»)[11].

            Não quer dizer o preenchimento, no caso, da al. c) do n.º do art.º 23.º do CIRC, que a AT não possa questionar o requisito geral da dedutibilidade dos gastos, constante do corpo do artigo, demonstrando que, apesar de preenchida uma alínea do mesmo (no caso a al. c)), a fusão foi realizada por interesses não empresariais próprios das sociedades parte naquela[12].

            Do mesmo modo que, poderia a AT demonstrar que, apesar de preenchida uma alínea do n.º 1 do art.º 23.º, e que a fusão foi determinada por interesses próprios das sociedades parte naquela, a mesma foi realizada num contexto fraudulento, em termos de não produzir efeitos fiscais, tal como prescrito pelo art.º 38.º/2 da LGT[13].

            Sucede que, no caso, nem uma nem outra das vias foi encetada pela AT, pelo que não cumprirá ao Tribunal aferir da sua bondade.

            Não se considera, por fim, que assuma relevância a circunstância, também acima individualizada, de, no momento em que são suportados os juros, os activos nos quais foram aplicados os capitais alheios, a que se reportam aqueles, não integrarem já a esfera jurídica da sociedade resultante da fusão.

            Efectivamente, aplicados os capitais alheios na exploração (situação diferente do “desvio” de parte dos capitais para aplicações estranhas ao interesse empresarial, que, como se viu já, não se verifica nos autos), considera-se que seria, ainda assim, possível recusar a dedutibilidade fiscal dos correspondentes encargos financeiros, demonstrando-se (e, assim, elidindo a presunção de dedutibilidade decorrente da al. c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, detectada na senda do Prof. Teixeira Ribeiro), que o produto daquela aplicação – e já não os capitais alheios - teriam sido desviados para finalidades extra-empresariais.

O que vem de se afirmar será de fácil compreensão com recurso ao exemplo de uma sociedade que, com recurso a capitais alheios adquira um determinado bem de investimento (viatura, imóvel, máquina), a qual afecta, desde logo, à exploração no âmbito da respectiva actividade, mas que, a partir de dado momento, passa a permitir a utilização da mesma exclusivamente no interesse de terceiros (v.g. sócios; outras empresas).

Nesta situação, julga-se, a presunção de indispensabilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição do bem, decorrente da aplicação dos capitais alheios na exploração da sociedade em causa, ver-se-á afastada[14], pelo que a dedutibilidade daqueles encargos deverá ser recusada.

Não é, contudo, uma vez mais, essa a situação dos autos.

Antes, o que acontece na situação que nos ocupa, é que por, por via da operação de fusão realizada, houve um desaparecimento do objecto da aplicação dos capitais alheios, e a sua substituição por um conjunto de activos, que lhe correspondiam, afectos à actividade produtiva. Ou seja: tal objecto, que existia, deixou de existir (o que é diferente e não é o que acontece na situação sub iudice, de continuar a existir na esfera de terceiros), e foi substituído por outro, de diferente natureza mas igual função (sob o ponto de vista da geração de proveitos/rendimentos).

 

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O quanto se vem de expor, será aplicável à totalidade das correcções operadas pela AT e ora contestadas pela Requerente, ou seja, relativamente à correcção incidente sobre o montante de juros contabilizados e pagos à sociedade mãe (M…) pela Requerente, em 2012, de € 8.545.010,58, e relativamente à correcção incidente sobre os juros que a F… pagou à J… nos exercícios de 2007 e 2008, no montante de € 11.664.656,99, já que ambas assentam nos putativos efeitos que AT associou ao processo de fusão, efeitos esses que, como se viu, não se verificam.

Não obstante, relativamente à matéria do segundo grupo de correcções referidos, verifica-se que os fundamentos adicionais invocados pela AT, para operar as mesmas, não são, também eles, de julgar correctos.

Com efeito, e desde logo, carece de sustentação a base de que parte a Requerida nesta matéria, ao afirmar que “não foram encontradas evidências que inequivocamente demonstrassem que no montante de € 11.664.656,99 não estejam incluídos no valor dos suprimentos”, já que “É à AT que cabe a obrigação da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável)”[15].

Assim, do que não se encontra, efectivamente, evidências, é que o montante de € 11.664.656,99 esteja incluído no valor dos suprimentos.

De resto, e conforme decorre da matéria de facto dada como provada (pontos 40 a 49), não tem qualquer sustentação o fundamento específico da correcção em causa, externalizado no RIT, onde se refere que o montante de € 47.399.162,66, referente à dívida de suprimentos à sociedade luxemburguesa, foi “influenciado pela quantia acima referida (€ 11.664.656,99) referente ao pagamento dos juros do empréstimo obrigacionista nos exercícios de 2007 e 2008 pela F… .”.

            Deste modo, sempre pelos fundamentos referidos, deveria esta parte das correcções operadas ser anulada.

 

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            Diga-se, por fim, que se considera que não invalidará nem os referentes decisórios de que se partiu, nem as conclusões que se retiraram, o regime relativo à proibição de assistência financeira à aquisição de participações próprias essencialmente regulado nos artigos 322.º/1 do CSC, e 23.º da Segunda Directiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de Dezembro de 1976.

            Tal questão, apesar de ter sido levantada na declaração de voto dos processos 92 e 93/2015-T não foi fundamento do acto tributário objecto da presente acção arbitral[16], nem foi suscitada pelas próprias partes[17], sempre se dizendo, não obstante, em abono da integridade da decisão, que não se descortina que tenha sido praticado qualquer acto que, concretamente, se possa apontar como ocorrido em violação da referida proibição.

            De facto, o próprio n.º 1 do artigo 23.º da Segunda Directiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de Dezembro de 1976, vigente à data do facto tributário[18], e à luz do qual deverá, no caso, ser lida a norma do artigo 322.º/1 do CSC[19], considera assistência financeira o adiantamento de fundos, a concessão de empréstimos ou a prestação de garantias, sendo certo que, no caso, não se apura que tenha ocorrido qualquer dessas situações.

            Com efeito, os fundos utilizados para a aquisição das participações sociais da F… pela Requerente foram fornecidos pela accionista desta, e não adiantados ou concedidos a crédito pela própria F…, e esta, tanto quanto se apura, não prestou qualquer garantia a favor dos credores do financiamento utilizado para a aquisição das referidas participações, pelo que, ressalvada a ocorrência de fraude, não se poderá considerar que, no caso, a F… tenha prestado assistência financeira, proscrita pelas normas referidas.

            Ou seja e em suma: não se tem dúvidas que não foram adiantados fundos, concedidos créditos ou prestadas garantias pela F…, com vista à aquisição de acções próprias. Se – e no caso, julga-se, esta é uma discussão que não caberá prosseguir, pelo que não interessará se tal é questionável ou inquestionável – os mesmos resultados foram obtidos por outras vias não proibidas, estaremos então perante uma actuação fraudulenta, a tratar como tal.

            É que, para considerar-se verificada qualquer violação da proibição de assistência financeira, sempre a mesma ter-se-ia que retirar da conjugação da globalidade dos actos jurídicos praticados pela Requerente, e da intenção – nesse caso, fraudulenta - de, por essa via, obter um resultado que a lei proíbe.

            Com efeito, uma conclusão de violação da proibição de assistência financeira pela Requerente terá – crê-se – sempre de assentar na conjugação do complexo de actos praticados, desde a organização societária grupal inicialmente instituída, até à realização da fusão por incorporação, passando pela operação de financiamento realizada, sendo certo que todos esses actos, em si considerados, se apresentarão como lícitos e próprios da diversas entidades empresariais envolvidas nos mesmos, e apenas um propósito e um resultado fraudulentos efectivamente demonstrados serão susceptíveis de fazer cair o manto de legalidade que os cobre.

            Ora, salvo melhor opinião, sendo então cada um dos diversos actos jurídicos praticados pelos diferentes intervenientes na actuação complexa em causa nos presentes processo, lícitos e empresariais, o meio próprio de realizar a referida demonstração, e dela retirar os efeitos próprios em sede fiscal, seria por meio da cláusula anti-abuso[20].

            Esta conclusão não será, julga-se, susceptível de ser afectada, por meio da consideração – de resto não efectuada pela própria AT – da proibição de assistência financeira em sede de densificação do critério geral da indispensabilidade do artigo 23.º/1 do CIRS, desde logo porquanto se entende que não só seria necessário, previamente, que se demonstrasse uma efectiva (e não meramente genérica ou potencial) violação da referida proibição, como que, estando em causa – no caso concreto, como se disse – uma actuação global de fraude à lei, a utilização da cláusula geral da indispensabilidade constituiria – salvo o devido respeito e, passe a expressão – ela própria uma “fraude à lei”, na medida em que se trataria de um meio expedito de subtrair as garantias que lei pretendeu conferir ao contribuinte, nos casos em que a AT entende que as formas jurídicas utilizadas por aquele não têm correspondência na realidade económica prosseguida.

 

*

            Concluindo, e como referia o Prof. Saldanha Sanches[21], se “As operações de cisão e fusão são uma área onde se verificam com muita frequência tentativas de obter economias fiscais mediante práticas abusivas, o que motiva as legítimas preocupações do legislador”, não se pode é partir de uma “insanável desconfiança (...) como se esta operação só pudesse ser realizada para contornar a lei fiscal ou fosse, em si própria, uma operação abusiva”.

Deste modo, considerando-se que, no caso, se verificam os pressupostos do artigo 23.º/1/c), maxime, que os capitais alheios a que se referem os encargos financeiros cuja dedutibilidade é questionada pela AT, foram efectivamente aplicados na exploração da Requerente, tal como ela se apresentava à data em que suportou aqueles encargos (pós-fusão), em questão no presente processo, e que não se demonstra (nem tal facto constituiu, sequer, fundamento dos actos tributários objecto do presente processo arbitral) que a operação de fusão, da qual resultou o desaparecimento das participações sociais em que haviam sido aplicados os referidos capitais alheios, tenha sido exclusiva ou principalmente motivada por interesses extra-empresariais, ou fraudulenta, deverão proceder integralmente os pedidos arbitrais anulatórios formulados.

 

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A Requerente peticiona também o reconhecimento do direito a indemnização por custos sofridos com a garantia prestada.

A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito, conforme resulta expressamente da alínea b) do art. 24.º do RJAT.

No mesmo preceito “o legislador deixou claro que os efeitos aí previstos são “sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código do Procedimento e do Processo Tributário”. Considera-se a este propósito que o legislador aqui se está a referir a todos os efeitos que decorram do CPPT, para o sujeito passivo, e que são aplicáveis após a consolidação na ordem jurídica de uma determinada situação jurídico-fiscal, decorrente de uma decisão definitiva seja ela graciosa ou judicial.[22]

Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, pode nele ser proferida condenação da Administração Tributária no pagamento de indemnização por garantia indevida, conforme resulta do art. 171.º do CPPT.

Como se referiu na decisão proferida no Processo nº 28/2013-T[23] “é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação. O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.”

Conclui-se, assim, que este tribunal é competente para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

“1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”

No caso em apreço, é manifesto que o erro que padecem os actos de liquidação é imputável à entidade Requerida pois as liquidações foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.

Tem, por isso, a Requerente direito a indemnização pela garantia prestada, com referência ao valor cuja anulação foi determinada e não se encontra pago.

No entanto, não foram alegados nem provados os encargos que a Requerente suportou para prestar a garantia, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que aquela tem direito, o que só poderá ser efectuado em execução desta decisão.

 

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a.       Anular os seguintes actos:

                                                                          i.      Liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”), referente ao período de 2012, identificado com o n.º 2014…, de 06-03-2014, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 07-05-2014, no valor de € 2.249.715,10 (dois milhões, duzentos e quarenta e nove mil, setecentos e quinze euros e dez cêntimos);

                                                                       ii.      Demonstração de Liquidação de Juros, identificado com o n.º 2014…, de 10-03-2014;

                                                                     iii.      Demonstração de Acerto de Contas, identificada com o n.º 2014…,

                                                                      iv.      Indeferimento da reclamação graciosa n.º …2014… e do recurso hierárquico desta decisão (n.º …2015… / …/15), que tiveram aqueles actos como objecto.

b)      Condenar a Entidade Requerida a pagar à Requerente indemnização por garantia indevida, com referência ao valor cuja anulação foi determinada e não se encontra pago, no montante que se vier a liquidar em execução de sentença; e

c)      Condenar a Entidade Requerida nas custas do processo, no montante de € 29.090,00,00.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 2.249.715,10, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 29.090,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

Notifique-se.

 

Lisboa 28 de Junho de 2017

 

O Árbitro Presidente

 

 

(José Pedro Carvalho - Relator)

 

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Ana Maria Rodrigues)

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

(Eduardo Paz Ferreira)

 

 

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] E disponíveis para consulta em www.caad.org.pt.

[3] Disponível para consulta em www.dgsi.pt.

[4] Idem.

[5] Artigo 101. da Resposta.

[6] Artigo 217. da Resposta.

[7] Note-se contudo que, como infra se verá, considera-se distinta a questão da aplicação dos "capitais alheios" (que relevará ao nível da al. c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC), da questão do desvio do produto de tal aplicação (que relevará ao nível do corpo do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC).

[8] Cfr. artigo 103. da Resposta.

[9] Artigo 111. da Resposta.

[10] Comentário ao acórdão do Supremo de 9 de Outubro de 1985, RLJ n.º3743, p. 39-43.

[11] Razão pela qual não terá sustentação o argumento da Requerida segundo o qual “A Requerente também não logra demonstrar que não poderia exercer a sua actividade nem obter os ganhos que obteve sem aquele financiamento.” (artigo 130. da Resposta), já que, demonstrados os pressupostos da al. c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, se deverá presumir a sua necessidade para a obtenção dos ganhos.

[12] Questão diferente, mas que, nos termos da jurisprudência já elencada, escapará ao crivo da AT, será a de saber se a decisão de proceder à fusão foi boa ou má.

[13] Onde, salvo melhor opinião, se situaria a sede própria para considerações relativas a uma possível situação de, em fraude à lei, se estar a colocar uma sociedade a financiar a sua própria aquisição, em violação do disposto no art.º 322.º/1 do CSC, e na Segunda Directiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de Dezembro de 1976 (art.º 23.º), conforme, a final, se desenvolverá.

[14] Considera-se, assim, que a questão do desvio do produto da aplicação dos capitais alheios mutuados, será distinta da questão de tal aplicação. Uma coisa será, então, a aplicação dos capitais alheios na exploração da entidade que contraiu o financiamento, que, verificada, determinará o preenchimento da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, que produzirá os respectivos efeitos, nomeadamente no que diz respeito à presunção de indispensabilidade dos gastos “para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. Outra coisa será o desvio do produto da aplicação dos capitais alheios mutuados, para fins não empresariais, que poderá relevar, não já ao nível da al. c) referida, mas – antes – ao nível do corpo do n.º 1 da mesma norma, enquanto infirmação da presunção decorrente daquela al. c).

O que desencadeia a presunção de indispensabilidade é a aplicação dos capitais; mas o juízo de dedutibilidade reporta-se aos juros suportados. Assim, estes presumir-se-ão dedutíveis se os capitais alheios a que respeitam tiverem sido aplicados na exploração. Esta aplicação, contudo, não equivale nem se identifica com a indispensabilidade daqueles; trata-se, antes, de um facto conhecido do qual se retira um facto desconhecido (presumido): o de que os encargos financeiros, no momento em que o são, são suportados no interesse da empresa. Daí que a demonstração de que o produto da aplicação dos capitais alheios foi “desviado”, na sua utilização, para fins extra-empresa, não signifique que, afinal, aqueles (os capitais alheios) foram aplicados fora da exploração. Aquela demonstração significa, isso sim, que, não obstante os capitais alheios terem sido aplicados na exploração, os encargos suportados, no momento em que o são, não o são no interesse da empresa, pelo que a (presumida) indispensabilidade, no caso e nesse período, então, não se verifica. Assim se demonstra, igualmente, que, na perspectiva adoptada, o “teste da indispensabilidade dos gastos” é efectuado em cada período de tributação, não sendo este exercício apenas efectuado no momento em que o empréstimo é contraído. Com efeito, o referido teste, é efectuado em todos os exercícios, não obstante o facto conhecido em que assenta a presunção que responde, em primeira linha, a tal teste, se reporte ao momento em que o empréstimo foi contraído.

[15] Cfr. Ac. TCA-Sul de 16-01-2007, proferido no processo 00911/03, disponível em www.dgsi.pt.

[16] De onde decorrerá, desde logo, salvo melhor opinião, estar vedado ao Tribunal considerá-la. Com efeito, como tem sido repetidamente afirmado pelo STA, “É exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação adicional de IVA que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário.” (Ac. do STA de 23-09-2015, proferido no processo 01034/11), pelo que o Tribunal se terá de ater, na apreciação da legalidade do acto em causa, aos fundamentos, quer de facto, quer de direito, externados naquele.

[17] E, como tal, não sujeita a contraditório.

[18] Correspondente ao n.º 1 do artigo 25.º da actual Directiva 2012/30/EU do Conselho, de 25 de Outubro de 2012.

[19] Que, de resto, contém-se na epígrafe “Empréstimos e garantias para aquisição de acções próprias”, e proscreve a concessão de empréstimos ou a prestação de garantias.

[20] Estando-se a falar de fraude, aqui, como na nota 16, supra, não haverá, julga-se, qualquer sobreposição entre a norma, no caso, do artigo 322.º do CSC e do artigo 38.º/2 da LGT, na medida em que por meio desta se visará realizar a proibição consagrada no primeiro, que por um meio de actuação fraudulenta possa ter sido formalmente evitada. Com efeito, uma coisa será a prática de um acto de assistência financeira proibida, que será nulo nos termos do artigo 322.º/3 do CSC e, como tal, não convocará a aplicação da cláusula geral antiabuso. Outra coisa serão situações em que, sem que haja qualquer acto praticado em violação daquela norma, fraudulentamente, são obtidos os mesmos resultados económicos que a mesma visa proibir. Evitada, dessa forma a proibição legal, e a nulidade daquela decorrente, será, crê-se, a CGA o meio próprio de realizar a legalidade tributária.

[21]Fusão Inversa e Neutralidade (Da Administração) Fiscal”, Fiscalidade N.º 34 – Revista de Direito e Gestão Fiscal.

[22] Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado, Coimbra, 2016, pág. 122.

[23] Disponível em www.caad.org.pt