Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 505/2016-T
Data da decisão: 2017-07-04  IRC  
Valor do pedido: € 41.162,23
Tema: IRC – PEC - Competência material do tribunal arbitral; pedido de revisão oficiosa
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Decisão Arbitral

 

I.                   Relatório

 

No dia 17.08.2016, a sociedade “A… S. A.”, NIPC …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 09.09.2016.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 25.10.2016.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 10.11.2016.

 

II.                Posições das Partes

 

No presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pretende obter a anulação das decisões da AT – “Unidade dos Grandes Contribuintes”- que lhe foram notificadas no dia 20.05.2016 e que indeferiram os seguintes pedidos de revisão oficiosa:

 

a)         Pedido de Revisão Oficiosa n.º …2016…, relativo à liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do ano de 2011 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

b)         Pedido de Revisão Oficiosa n.º …2016…, relativo à liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do ano de 2012 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

 

Os pedidos haviam sido apresentados pela Requerente com referência a dois atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas relativos a 2011 e 2012.

 

Quanto a 2011, a Requerente apresentou a primeira declaração Modelo 22 de IRC no dia 28 de maio de 2012, e, no dia 23 de dezembro de 2015, nos termos do artigo 122.º do Código do IRC, uma declaração de substituição.

 

De acordo com a informação disponibilizada na área da Requerente, no site da AT, o montante total dos Pagamentos Especiais por Conta (PEC) ainda passível de dedução, no período de tributação de 2011, ascendia a €39.600,72:

Períodos de Tributação

PEC pago

Último ano de reporte

2010

26.291,80

2014

2011

13.308,92

2015

Total

39.600,72

Total

 

 

 

 

 

 

Uma vez que a coleta no período de tributação de 2011 era inexistente, não foi inscrito qualquer valor a título de PEC no campo 356 da declaração Modelo 22 para o período em causa.

 

Por outro lado, na Modelo 22 do IRC referente ao período de tributação de 2011, o montante liquidado pela Requerente a título de tributações autónomas ascendeu a € 23.407,53.

 

Entende a Requerente, que, atendendo ao disposto no artigo 90.º do Código do IRC e nas normas tributárias que regulam cada uma das deduções previstas no n.º 2 daquele artigo, na redação em vigor à data que se reportam os factos, o montante relativo aos “créditos fiscais” decorrentes dos PEC efetuados deverão ser deduzidos à coleta de imposto em IRC, a qual engloba, na totalidade, a coleta do IRC stricto sensu, a derrama estadual e as tributações autónomas.

 

Nesta perspetiva, constata a Requerente que o montante pago a título de PEC pela Requerente e suscetível de dedução no período de 2011, pode e deve ser deduzido à coleta total do IRC formada pelas tributações autónomas referente ao mesmo período e atrás identificadas, pelo que a Requerente considera ser-lhe devido pela AT um total de € 23.407,53, equivalente à dedução do montante de PEC pago contra a coleta (constituída integralmente, neste período, por tributação autónoma).

 

Quanto a 2012, a Requerente apresentou a primeira declaração Modelo 22 de IRC no dia 28 de maio de 2013 e, no dia 23 de dezembro de 2015, uma declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC de substituição.

 

De acordo com a informação disponibilizada na área da Requerente, no site da AT, o montante total dos Pagamentos Especiais por Conta (PEC) ainda passível de dedução, no período de tributação de 2012, ascendia a € 24.083,70:

Períodos de Tributação

PEC Pago

Último ano de reporte

2010

2.884,27(*)

2014

2011

13.308,92

2015

2012

7.890,51

2016

Total

24.083,70

Total

 

 

 

 

(*)

 

 

O PEC pago em 2010 ascendeu a € 26.291,80. Considerando que a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa relativo ao período de tributação de 2011 a solicitar a dedução de € 23.407,53 contra as tributações autónomas liquidadas e pagas no mesmo período, o montante remanescente de PEC de 2010, após essa dedução, corresponde a € 2.884,27.

 

Dada a inexistência de coleta no período de tributação de 2012 não foi inscrito qualquer valor a título de PEC no campo 356 da declaração Modelo 22 para o período em causa.

 

De acordo com a informação disponibilizada na declaração Modelo 22 do IRC referente ao período de tributação de 2012, o montante liquidado pela Requerente a título de tributações autónomas ascendeu a € 17.754,70.

 

Entende a Requerente que, atendendo ao disposto no artigo 90.º do Código do IRC e nas normas tributárias que regulam cada uma das deduções previstas no n.º 2 daquele artigo, o montante relativo aos “créditos fiscais” decorrentes dos PEC efetuados deverá ser deduzido à coleta de imposto em IRC, a qual engloba, na totalidade, a coleta do IRC stricto sensu, a derrama estadual e as tributações autónomas.

 

Nesta perspetiva, constata a Requerente que o montante pago a título de PEC pela Requerente e suscetível de dedução no período de 2012, pode e deve ser deduzido à coleta total do IRC formada pelas tributações autónomas referente ao mesmo período e atrás identificadas, pelo que a Requerente considera ser-lhe devido pela AT um total de € 17.754,70, equivalente à dedução do montante de PEC pago contra a coleta (constituída integralmente, neste período, por tributação autónoma).

 

Com estes fundamentos, pretende a Requerente que lhe seja reembolsado o imposto pago em excesso, no montante de €41.162,33, equivalente à dedução do montante de PEC pago contra as coletas de 2011 e 2012 (constituídas integralmente, nestes períodos, por tributação autónoma), ou seja, pretende a Requerente deduzir o valor pago a título de pagamento especial por conta (PEC) à coleta produzida pelas tributações autónomas.

 

Notificada para contestar, veio a AT responder por exceção e por impugnação:

 

Por exceção:

 

(i)                 Incompetência material do tribunal decorrente da circunstância de o pedido de pronúncia arbitral ter sido formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa

 

O pedido de pronúncia arbitral sub judice vem formulado na sequência de indeferimento de pedido de revisão oficiosa de ato de autoliquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) relativos aos anos de 2011 e 2012, formulados, em 24.03.2016, ou seja, em circunstâncias de tempo em que se mostrava já decorrido o prazo de reclamação graciosa a que alude o artigo 131º do CPPT;

 

Atento o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, verifica-se a exceção de incompetência material - circunstância que impõe se determine a absolvição da entidade demandada da instância, nos termos dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT].

 

Nos termos do artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, a AT encontra-se vinculada às pretensões arbitrais que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, «com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

 

Ora, como já referido, o pedido de pronúncia arbitral sub judice dirige-se, ainda que de forma mediata, à declaração de ilegalidade de um ato de autoliquidação de imposto, no caso IRC; porém, a pretensão foi formulada sem ter sido apresentada impugnação administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sendo que a sindicância de atos de autoliquidação de imposto apenas é admitida em sede arbitral se, em momento prévio, os mesmos tiverem sido impugnados administrativamente, nos termos do artigo 131º do CPPT.

 

Ou seja, da redação conferida ao citado preceito legal, constata-se que o legislador optou por restringir o conhecimento na jurisdição arbitral às pretensões que, sendo relativas à declaração de ilegalidade de atos de liquidação/autoliquidação, tenham sido precedidas da reclamação prevista no artigo 131.º do CPPT.

 

Quando se refere ao recurso à via administrativa, quer-se apenas referir aos meios previstos nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, atentos ao elemento literal e, por conseguinte, inelutável, do artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011.

 

Aqui chegados, da simples leitura do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março, infere-se a obrigatoriedade expressa da prévia apresentação de reclamação graciosa como forma de abrir a via arbitral para apreciação do presente litígio.

 

Neste sentido, entende Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, II Volume, Áreas Editora, 6.ª Edição, 2011, página 420):

“No entanto, de harmonia com o disposto no art. 2.°, alínea a), da Portaria n.4 112-A/2011,de 22 de março, relativamente a atos de retenção na fonte, a Administração Tributária apenas se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais se o pedido de declaração de ilegalidade de ato de retenção na fonte tiver sido precedido de recurso à via administrativa, isto é, de reclamação graciosa. Por isso, se o sujeito passivo quiser optar pela via arbitral, terá sempre de fazer uso de reclamação graciosa”.

 

A AT cita também o entendimento perfilhado no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 51/2012-T, onde, em suma, se decidiu o seguinte:

“Tal incompetência material é reforçada no caso de arbitragem tributária, porquanto a simples leitura do artigo 2.º, al. a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, portaria publicada conforme o disposto no artigo 4.º do decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, impõe expressamente que o citado procedimento administrativo prévio como forma de abrir a via arbitral para apreciação do litígio.

Afigura-se, deste modo, inquestionável, a incompetência em razão da matéria (e não do meio processual) do tribunal arbitral tributário. (…) Concluindo: a arbitralidade de litígio relativo às pretensões a que alude o artigo 2.º (objeto de vinculação) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, só é reconhecida se, previamente, tiver sido apresentada reclamação graciosa (e não em qualquer outra sede, designadamente, por processo de revisão de ato tributável, que, constituindo garantia disponível dos contribuintes, tem, no entanto, especificidades próprias).”

 

A AT esclarece ainda que a Portaria n.º 112-A/2011 foi aprovada e publicada já após extensa e profusa jurisprudência que reafirmava que, atenta a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosa, é passível a sua equiparação ao disposto nos artigos 131.º a 133.º do CPPT para efeito de subsequente impugnação da respetiva decisão de indeferimento; todavia, tal equiparação está legalmente vedada em sede arbitral, estando excluída da competência material dos tribunais arbitrais a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos do artigo 131.º a 133.º do CPPT, aí não se incluindo, como é bom de ver, o procedimento de revisão oficiosa gizado artigo 78.º da LGT - e se o legislador não previu, no artigo 2.º daquela Portaria, o procedimento de revisão oficiosa como equiparável ao recurso à via administrativa, maxime à reclamação graciosa, para efeitos de aceder ao pedido de pronúncia arbitral, foi, certamente, porque não o pretendeu fazer.

 

Por fim, a AT refere a decisão arbitral proferida no processo arbitral que correu termos sob o n.º 236/2013-T:

«Quanto à pretensa redação “deficiente” do art.º 2.º, al. a) da Portaria diga-se ainda que, independentemente dos méritos de uma ampla arbitrabilidade de atos tributários, o certo é que:

(a) há, com efeito em erro de concordância ao utilizar o particípio passado “precedidos” no plural masculino quando deveria ser no plural feminino, a concordar com “pretensões”. Tal lapso gramatical, porém, não prejudica nem afeta o entendimento da parte seguinte do texto que aqui está verdadeiramente em causa;

(b) a expressão “recurso à via administrativa” constitui uma fórmula genérica ampla que em si mesma pode abranger todos os meios de o contribuinte defender os seus direitos, antes de recorrer a tribunais. É uma fórmula ampla mas não errada nem suscetível de induzir em erro. Aliás, a Administração (Ministérios da Justiça e das Finanças) especificou a seguir, de forma bem precisa, quais as disposições em causa indicando-as numa clara enumeração taxativa e não exemplificativa;

(c) temos assim a designação genérica “via administrativa” e uma caraterização específica: “nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de processo Tributário”. Estamos perante uma técnica que respeita o discurso lógico-jurídico, em perfeita consonância com o n.º 3 do art. 9º do Código Civil.

(d) pretender o intérprete acrescentar ainda a este membro da frase “… e do art.º 78º da Lei Geral Tributária”, que manifestamente ali não está, constitui uma violação dos princípios fundamentais da hermenêutica jurídica aplicáveis quer às normas jurídicas quer aos atos jurídicos»

 

Em suma, entende a AT que, por força do estatuído no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de retenção na fonte, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, independentemente de esta ser obrigatória nos termos do citado preceito ou de o contribuinte ter optado (sibi imputat) pela revisão oficiosa.

 

Além disso, na situação em apreço o alegado “ato de autoliquidação” não foi efetuado de acordo com instruções genéricas emitidas pela AT, pelo que sempre se impunha a precedência obrigatória de reclamação graciosa nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.

 

Pelo que nestes termos o acesso à tutela jurisdicional arbitral encontra-se, por maioria de razão vedada (o que se defende sem conceder), pois que aqui a reclamação graciosa sempre seria obrigatória nos termos do artigo 131.º do CPPT, conforme exigido no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011.

 

A AT reforça ainda a mesma posição dizendo que o entendimento de que os litígios que tenham por objeto a declaração de ilegalidade de atos de retenção na fonte, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, impõe-se igualmente por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.

 

Em resposta à posição da AT, a Requerente veio sustentar que tal entendimento significaria uma limitação ao princípio constitucional de impugnabilidade dos atos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, previsto no artigo 268.º, n.º 4 da CRP e que excluir a jurisdição arbitral porque o meio utilizado não foi efetivamente uma reclamação graciosa consubstanciaria uma limitação ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º da CRP.

 

A Requerente cita ainda extensa jurisprudência, quer da jurisdição arbitral, quer da jurisdição judicial, no sentido de que a revisão oficiosa é equiparável à reclamação graciosa e, também, no sentido de que uma decisão a um pedido de revisão oficiosa é um ato administrativo em matéria tributária para efeitos da sua impugnabilidade em sede arbitral.

 

III.             Análise da exceção de incompetência material do Tribunal

 

Exposta a posição de ambas as Partes, este Tribunal Arbitral entende que deve começar por determinar, precisamente, se o presente litígio se inclui na sua competência material, nos termos definidos no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011.

 

Efetivamente, tem havido entendimentos em ambos os sentidos defendidos quer pela Requerente, quer pela AT. Em termos sintéticos, podemos dizer que uns entendem que a alínea a) do artigo 2.º da referida Portaria deve ser lido no sentido de que a exceção diz respeito a atos “que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa”, não podendo ser excluídos outros além dos expressamente referidos por referência aos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, enquanto outros entendem que o legislador primeiro enunciou genericamente o que pretendia dizer “atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa” e depois fechou essa referência genérica com a referência concreta aos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

Da nossa parte, damos razão aos defensores da segunda interpretação.

 

Os artigos 1.º e 2.º da referida Portaria devem ser lidos em conjunto:

  • O artigo 1.º estabelece a regra geral – vinculação ao CAAD dos serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública “Direcção-Geral dos Impostos (DGCI)”; e “Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC)”;
  • O artigo 2.º estabelece que os referidos serviços se vinculam à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD se o objeto do pedido de pronúncia arbitral for a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro,
  • Estabelecendo, porém, o artigo 2.º, as seguintes exceções:

 a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

 

Nos termos da alínea a) do artigo 2.º da referida Portaria estão, portanto, excluídas, de modo expresso, todas as pretensões conexas com atos de “autoliquidação, de retenção na fonte ou de pagamento por conta”, admitindo-se apenas aquelas pretensões que tenham sido precedidos[as] de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

É objetivamente indiscutível que a alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se refere ao procedimento de revisão oficiosa, que se encontra previsto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária.

 

Será que, por via interpretativa, se deve considerar que também o recurso prévio a esse procedimento possibilita a posterior impugnação do ato de autoliquidação junto dos tribunais arbitrais? Não nos parece.

 

A alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112 – A/2011, ao introduzir a exceção referida, utiliza a expressão ampla (o “recurso à via administrativa”) e depois concretiza-a restringindo-a de uma forma que se nos afigura taxativa (“nos termos dos art.º s 131.º a 133.º do Código de Procedimento Administrativo”) - uma técnica que respeita o discurso lógico-jurídico, em perfeita consonância com o n.º 3 do art.º 9º do Código Civil, conforme já foi realçado no acórdão proferido no processo n.º 236/2013-T.

 

O texto normativo não permite pois encontrar nele um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa, com a possibilidade de, em qualquer uma das três situações nele referidas (autoliquidação, retenção na fonte e pagamentos por conta), se poder prescindir do recurso à reclamação graciosa (e não a qualquer outra forma de impugnação graciosa do ato em causa) para arbitragem da pretensão tributária, ainda que sobre ela tenha havido um qualquer ato de segundo grau e, portanto, se tenha verificado, in casu, uma reapreciação do ato tributário sindicado pela AT, na sequência de pedido de revisão oficiosa formulado pelo sujeito passivo.

 

Esta conclusão é, a nosso ver, independente de se considerar que a revisão oficiosa por iniciativa do contribuinte é equiparável, ou não, à reclamação graciosa para efeitos de impugnação judicial. A clareza da disposição em causa, emanada após extenso debate doutrinal e jurisprudencial acerca da equiparação, ou não, entre a revisão oficiosa a pedido do contribuinte e a reclamação graciosa, não autoriza, a nosso ver, conclusão diferente.

 

Recorrendo aqui às palavras utilizadas no acórdão arbitral proferido no processo n.º 236/2013-T, “face a tão cristalina formulação, não se vê como pode o intérprete alcançar conclusão diversa, em especial para alargar o âmbito de sujeição da AT a uma opção do sujeito passivo, sujeição essa que o legislador pretendeu que fosse em concreto delimitada por vontade da própria AT, uma clara reserva da Administração em matéria de autovinculação.” No mesmo sentido, com argumentação muito pertinente, vai também a decisão proferida no processo n.º 51/2012 – T, que entendeu que “considerando a natureza voluntária da arbitragem” a interpretação da vinculação da AT “não poderá, em caso algum, traduzir-se numa restrição da esfera de liberdade da AT, enquanto parte, de estabelecer os limites da sua vinculação. Só não seria assim, se a sua posição implicasse a frustração total do objetivo pretendido com a instituição da arbitragem tributária, o que não é o caso”, realçando-se que então, como agora, “o Tribunal não se pronuncia sobre a construção doutrinária em que assenta a equiparação do procedimento de revisão oficiosa, por iniciativa do contribuinte, ao procedimento de reclamação graciosa, para efeitos de impugnação judicial. Simplesmente, entende que do princípio da consagração do procedimento arbitral enquanto meio de resolução de litígios fiscais alternativo ao processo de impugnação judicial, não decorre automaticamente a extensão da vinculação da AT a todas as situações em que, doutrinária e/ou jurisprudencialmente for considerada admissível essa impugnação.” Isto mesmo decorre, aliás, dos termos em que a arbitragem tributária foi criada, aplicando-se a um leque de situações muito mais reduzido que a impugnação judicial.

 

Concluindo, não se nos afigura possível submeter à arbitragem do litígio relativo às pretensões a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que não haja sido precedido de reclamação graciosa. Assim, entendemos ser inquestionável a incompetência, em razão da matéria, deste Tribunal Arbitral Tributário, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT e artigo 29.º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

Fica deste modo prejudicado o conhecimento da questão de mérito.

 

IV.             Decisão

 

Em consonância com o que vem exposto supra, este Tribunal Arbitral decide:

a) Julgar procedente a exceção dilatória da incompetência deste tribunal em razão da matéria invocada pela Requerida;

b) Absolver a Requerida da instância (nos termos dos artigos 96.º e 278.º do Código de Processo Civil);

c) Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

Valor do processo: € 41.162,23

Custas: € 2.142,00, a cargo da Requerente

Lisboa, 04 de Julho de 2017

 

A Árbitro,

Raquel Franco