Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 511/2016-T
Data da decisão: 2016-12-28  IMT  
Valor do pedido: € 20.068,28
Tema: IMT – Isenção nos termos do artigo 270.º do CIRE
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Decisão Arbitral

 

 

 

I.                   RELATÓRIO

 

A…, S.A. (doravante Requerente), sociedade comercial registada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o número único de matrícula e pessoa coletiva …, com sede social na Rua …, nº…, …, … –… …, freguesia da União das freguesias de …, concelho de Sintra, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral singular, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida), com vista a obter a anulação do acto de liquidação n.º … de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 14 de Setembro de 2016.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 15 de Novembro de 2016.

A AT respondeu, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a realização de alegações finais, em face do teor da matéria contida nos autos, com o que as partes manifestaram o seu acordo.

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º, e n.º 2 do artigo 10 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

 

Não ocorrem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento imediato do mérito da causa.

 

 

II.                MATÉRIA DE FACTO

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)   No âmbito do Processo de Insolvência n.º …/12….TY… que corre termos no 1º Juízo do Tribunal do Comércio de …, foi declarada a insolvência da “B…, S.A.”, com o NIPC …;

 

B)    A Requerente adquiriu a 5 de Março de 2014, no referido processo de Insolvência, à massa insolvente da B…, os seguintes imóveis que constavam das verbas 1 e 2 do Auto de Apreensão de Bens Imóveis:

 

·         Verba nº 1

Prédio Misto, sito na …, nºs … e …, composto por conjunto de edificações abarracadas, em ruínas, destinadas a fins agrícolas, com a área total de 2.235 m2 e 14.880 m2 de horta e pomar misto; descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº…, freguesia de …, e inscrito na matriz sob os artigos … – Secção F (parte rústica) e artigo … (parte urbana); com o valor patrimonial de €973,15 (novecentos e setenta e três euros e quinze cêntimos) e €733.720,00 (setecentos e trinta e três mil, setecentos e vinte euros) respetivamente, num total de €734.693,15 (setecentos e trinta e quatro mil, seiscentos e noventa e três euros e quinze cêntimos);

 

·         Verba nº 2

Prédio Misto, denominado “…”, sito em … do …, composto por prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (17), com piscina, campo de ténis e redondel, com a área total de 5.696 m2, área de implantação de 2.288 m2, área bruta privativa total de 2.638 m2 e área de terreno integrante das frações de 738 m2; e horta com 10.040 m2; descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº…, freguesia de …, e inscrito na matriz sob os artigos … e … (partes urbanas) e artigo … – Secção F (parte rústica); com o valor patrimonial de €573.642,17 (quinhentos e setenta e três mil, seiscentos e quarenta e dois euros e dezassete cêntimos) e €34.144,13 (trinta e quatro mil, cento e quarenta e quatro euros e treze cêntimos) e €204,13 (duzentos e quatro euros e treze cêntimos) respetivamente, num total de €607.990,43 (seiscentos e sete mil, novecentos e noventa euros e quarenta e três cêntimos).

 

 

C)    A Requerente adquiriu os referidos imóveis valor global de €535.000,00 (quinhentos e trinta e cinco mil euros), conforme consta da certidão judicial emitida em 2 de Abril de 2014 pelo competente Tribunal do Comércio de Lisboa;

 

D)    A 7 de Abril de 2016 foi emitido pela AT, o documento … de liquidação de IMT com o valor total de €0,00 (zero euros), de onde consta:

 

“Benefícios: 59 – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Transmissões integradas em Planos de Insolvência ou pagamentos (art.º 270, nº1 e 2 do D-L 53/04), 100% sobre a matéria colectável.”

 

E)    A 4 de Janeiro de 2016, a Requerente foi notificada, por meio do Ofício n.º …, para o exercício do direito de audiência prévia quanto à proposta de liquidação adicional de IMT relativa à declaração n.º …/2014 liquidada com referência à compra dos imóveis identificados em B, afirmando não ser aplicável o Benefício Fiscal de isenção concedido na coleta.

 

F)     A 21 de Janeiro de 2016, a Requerente exerceu o direito de audiência prévia, solicitando a manutenção do benefício de isenção de IMT;

 

G)   A 29 de Abril 2016, a Requerente foi notificada através do Ofício nº … do indeferimento do pedido de isenção de IMT;

 

H)   A Requerente procedeu ao pagamento do acto de Liquidação n.º…, referente ao IMT.

 

Não existem factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

Este Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos pelas Partes.

 

III.             MATÉRIA DE DIREITO

 

A principal questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber se a aquisição de bens imóveis efectuada pela Requerente, no âmbito do processo de liquidação da empresa insolvente está (ou não) isenta de IMT, nos termos previstos no artigo 270.º, n.º 2 do Código da Insolvência e de Recuperação da Empresas (doravante CIRE).

 

A este propósito, a Requerente alega no seu pedido de constituição do Tribunal Arbitral o seguinte:

 

A)   Dispõe o n.º 2 do artigo 270 do CIRE que Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente;

 

B)    A transmissão em causa é, sem margem para dúvidas, uma transmissão efectuada através de venda, praticada no âmbito da liquidação da massa insolvente, pelo que ao não aplicar a isenção prevista no artigo 270.º n.º 2 do CIRE, a AT agiu em manifesta ilegalidade;

 

C)    A este propósito, já em 30.05.2012 entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 0949/11 que deve entender-se estarem isentas de IMT não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidade de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente;

 

D)   Ao CIRE é aprovado pelo Decreto-lei Autorizado n.º 53/2004, de 18 de Março, estando portanto, por força da Constituição, truncada a liberdade do Legislador – no caso, o Governo – aos limites da Lei de Autorização n.º 39/2003;

 

E)    Versa sobre o benefício fiscal em sede de IMT o artigo 9.º, nº 3 alínea c) da Lei n.º 39/2003, que aqui se reproduz:

“9.º (Benefícios fiscais no âmbito do processo de insolvência)

(…)

3 — Fica, finalmente, o Governo autorizado a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente:

(…)

c) As que decorram da cedência a terceiros ou da alienação de participações Artigo representativas do capital da sociedade, da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores, da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimentos ou elementos dos seus activos, bem como dos arrendamentos a longo prazo.” (destacado nosso)

 

F)     Da eventual infelicidade da escolha de termos do legislador, nenhuma outra interpretação se pode retirar do preceito do artigo 270.º, n. º 2 do CIRE que não a de que o benefício terá que ser concedido à aquisição de elementos dos seus activos, e não apenas à universalidade da massa insolvente, como pretende interpretar a AT, sob pena de ilegalidade do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 10 de Março, por violação dos limites da Lei de Autorização.

 

G)   De facto, a doutrina e a jurisprudência têm sido consistentes na afirmação de que os elementos restritivos da liberdade de conformação do Legislador, como o é, neste caso, a Lei de Autorização, agem também como critérios interpretativos vinculativos, quando se trate de descortinar ao preceito um sentido compatível com o quadro legal subjacente.

 

H)   O Legislador-autorizante, ao fixar a isenção em apreço, opta por prescindir de receita fiscal em benefício da tutela dos créditos devidos do insolvente, como medida funcionalmente capaz de diminuir o impacto económico da insolvência naqueles com quem o insolvente se relaciona, tal como no tecido empresarial onde, como bem entendeu o STA no seu acórdão proferido a 18.11.2015 no âmbito do Processo 575/15 e 1067/15, “cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador”;

 

I)      Fá-lo entendendo, e bem, que haverá maior facilidade de encontrar adquirente para os bens imóveis do insolvente ao conferir isenção da oneração substancial que é o IMT, colocando a saúde da economia em primazia em relação às necessidades de receita.

 

J)      Neste espírito do preceito, não se encontra qualquer razão justificativa para a discriminação operada pela AT quanto às aquisições parciais da massa insolvente.

 

 

K)   Assim, a liquidação cuja anulação ora se reclama enferma de ilegalidade quanto aos seus pressupostos de facto e de direito, violando expressamente o disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE;

 

L)    A reclamada anulação sempre fundará, nos termos do artigo 43.º da LGT, o direito da Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios, que desde já se reclamam pelo montante que venha a ser calculado aquando da efectiva devolução da quantia indevidamente cobrada por virtude da liquidação ilegal de IMT.

 

Por sua vez a AT defende, em síntese, o seguinte:

 

A)    Alega a Requerente que tendo a aquisição dos prédios supra referidos sido efectuada no âmbito da liquidação de determinada massa insolvente, a mesma está abrangida pela isenção de IMT prevista no n.º 2 do 270.º do CIRE;

 

B)    Considera a Requerida que não assiste razão à pretensão da Requerente como de seguida se passa a demonstrar.

 

C)    Antes de mais, cumpre referir que o actual n.º 2 do artigo 270.º do CIRE prevê:

 

“Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta, integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente. (Redação do Art.º 234º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, com entrada em vigor no dia 1 de janeiro de 2013).”

 

D)    Esta isenção, já anteriormente prevista, abrange todos os actos integrados no âmbito de planos de insolvência, ou de pagamentos, ou de liquidação da massa insolvente, com a reserva, no entanto, de, caso o objecto da transmissão isenta ser a empresa ou o estabelecimento e não, um ou dois bens do seu activo;

 

E)    O artigo 5.º do CIRE vem definir como empresa, para efeitos daquele Código, toda a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica;

 

F)     Ao autorizar o Governo apenas a aprovar um conjunto de benefícios fiscais no âmbito dos processos de insolvência e recuperação de empresas, a Assembleia da República concedeu-lhe a possibilidade de aprovar em bloco todos esses benefícios fiscais, aprovar apenas uma parte ou então pura e simplesmente não utilizar a autorização legislativa.

 

G)   Com efeito, a vinculação do legislador ordinário à autorização legislativa concedida pela Assembleia da República não é absoluta, abrange apenas o seu limite temporal de duração.

 

H)   Consequentemente, não pode o Governo proceder à utilização da autorização legislativa após a sua caducidade, nem pode adulterar ou ultrapassar o sentido e alcance da norma legal autorizante.

 

I)      A autorização legislativa não é uma imposição absoluta de legislar, ao contrário do que erroneamente sustenta o mencionado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.

 

J)      Nenhuma relação de indissociabilidade ou inseparabilidade se manifesta entre os benefícios fiscais da Lei n.º 39/2003, podendo o legislador tê-los utilizado em bloco ou, como acabou por fazer, apenas parcelarmente.

 

K)   Caso o artigo 270.º, n.º 2, do CIRE fosse efectivamente inconstitucional, a única consequência lógica, em virtude de ser a única compatível com o texto constitucional, seria a legalidade da liquidação em virtude da inaplicabilidade de uma norma sobre benefícios fiscais aprovada a descoberto de qualquer autorização legislativa concedida pelo Parlamento.

 

L)    Resulta assim evidente que a aquisição não envolveu a compra da universalidade de todos os bens afectos à actividade da empresa insolvente.

 

M)   Ou seja, a venda de imóveis da empresa, isoladamente, não está, assim, abrangida pela isenção disposta no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, estando por consequência, sujeita a IMT nos termos gerais.

 

N)    Por tudo o supra exposto falecem os argumentos da Requerente, no que respeita à interpretação a fazer da disposição legal aqui em análise, pelo que bem andou a AT, na aplicação e interpretação da legislação aplicável às liquidações em causa nos autos.

 

O)   Uma vez que não se verifica qualquer ilegalidade do acto de liquidação nem fundamento legal que sustente a pretensão da Requerente improcede em consequência o pedido de reembolso das quantias pagas pela Requerente e o pedido de juros indemnizatórios, sendo que inexistiu qualquer erro imputável aos serviços na concretização da liquidação.

 

Face ao exposto, relativamente à posição das Partes e aos argumentos apresentados, para determinar se o acto de liquidação de IMT sub judice é ou não ilegal será necessário verificar:

 

Se a norma prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE isenta de IMT os bens imóveis adquiridos, no âmbito de processos de liquidação de empresas insolventes, independentemente dos bens transmitidos se integrarem na universalidade das empresas ou estabelecimentos vendidos, permutados ou cedidos no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da empresa insolvente, tal como a aquisição realizada pela Requerente.

 

Vejamos o que deve ser entendido.

 

O artigo 270.º do CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, dispõe como se segue:

 

1 - Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação: 


a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital; 


b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora; 


c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores;

 

2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

 

 

Acerca desta matéria e em questão idêntica à dos presentes autos, já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo em vários acórdãos, de onde se destaca pela sua clareza o Acórdão n.º 0949/11, de 30 de Maio de 2012, que passamos a reproduzir:

 

Em face da letra da lei, quer uma, quer outra das interpretações são defensáveis, afigurando-se, contudo, gramaticalmente mais correcta a sustentada pela Administração tributária, pois que os verbos “vender”, “permutar” e “ceder” são todos eles verbos transitivos, daí que na frase a referência à “empresa ou estabelecimentos desta” surgisse como complemento directo de todos três.


Esta interpretação, choca, contudo - como bem observado na sentença recorrida –, com aquilo que o legislador consignou no n.º 49 do preâmbulo do CIRE no que respeita aos benefícios fiscais, onde se afirma que: «mantêm-se, no essencial, os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais», sendo certo que a alínea c) do n.º 2 do artigo 121.º do CPEREF isentava de imposto municipal de sisa as transmissões de bens imóveis integradas em qualquer das providências de recuperação da empresa que decorram, designadamente, da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa. E choca, também – como bem observado pelo Ministério Público em 1.ª instância (cfr. o parecer de fls. 66 a 68 dos autos) - , com o sentido e extensão da autorização legislativa concedida ao Governo ao abrigo da qual foi aprovado o CIRE, fixado nos artigos 2.º e seguintes da Lei n.º39/2003, de 22 de Agosto, pois que, no que se refere às isenções de imposto municipal de sisa (hoje IMT), dispunha o n.º 3 do artigo 9.º daquela lei de autorização legislativa que: «Fica, finalmente, o Governo autorizado a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente: c) (…) da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimento ou elementos dos seus activos (…)».


Pode, é certo, defender-se que, na perspectiva do legislador do CIRE, as diferenças quanto ao âmbito da isenção de IMT relativamente à que existia no CPEREF para a SISA não se afiguraram como essenciais, daí que não lhes haja feito qualquer referência particular. É que, designadamente em matéria fiscal, nem sempre o preâmbulo dos diplomas espelha com rigor o respectivo conteúdo, não sendo sequer inédito que incluam menções que o articulado da lei infirma (cfr. no que respeita à SISA/IMT o Acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Novembro de 2010, rec. n.º 499/10).
E pode, também, defender-se que na concretização da autorização legislativa para aprovação do CIRE, na matéria que nos ocupa, o Executivo decidiu ser mais parcimonioso que a Assembleia da República quanto à concessão de isenção de IMT, decidindo excluir essa isenção nos casos de venda, permuta ou cessão de elementos dos seus activos, concedendo-a apenas nos casos de venda, permuta ou cessão da empresa ou seu estabelecimento. Se assim foi, contudo, não teria respeitado o sentido e extensão da autorização legislativa que lhe foi concedida, tendo legislado em matéria reservada à Assembleia da República (cfr. o n.º 2 do artigo 103.º e a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição) em desrespeito da credencial parlamentar que lhe foi conferida.


Como é sabido, entre dois sentidos da lei, ambos com apoio - pelo menos mínimo - na respectiva letra, deve o intérprete optar por aquele que o compatibilize com o texto constitucional (interpretação conforme à Constituição), em detrimento da interpretação que o vicie de inconstitucionalidade.

 
É por essa razão fundamentalmente que se entende que a decisão recorrida não merece censura, pois que sendo embora duvidoso que o legislador ordinário do CIRE tenha pretendido conferir à isenção de IMT prevista no n.º 2 do seu artigo 270.º o mesmo âmbito que tinha a anterior isenção de SISA prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 121.º do CPEREF, a opção do sentido da sua restrição não lhe era consentida, pois que em matéria de benefícios fiscais legisla em domínio reservado à Assembleia da República, havendo que respeitar os limites que esta lhe fixe, designadamente os respeitantes ao sentido e extensão da autorização (cfr. o n.º 2 do artigo 165.º da Constituição da República). 

 

Assim, tal como foi defendido no referido Acórdão, entende este Tribunal que os actos a que se refere o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE abrangem não apenas as transmissões de bens imóveis integrados numa universalidade da empresa ou estabelecimento da massa insolvente, mas também as transmissões isoladas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

 

In casu, a Requerente adquiriu os imóveis à massa falida da sociedade B…, S.A.- facto que a Requerida não questiona.

 

Destarte, e perante a interpretação defendida no Acórdão do STA acima identificado, que sufragamos, impõe-se concluir que assiste razão à Requerente quando defende a ilegalidade do acto de liquidação de IMT relativo à aquisição daqueles imóveis.

 

Assim, impõe-se julgar procedente a petição arbitral apresentada contra a liquidação de IMT incidente sobre a aquisição dos imóveis em processo de insolvência, anulando-se o acto de liquidação de IMT sub judice, considerando-se que tal aquisição está abrangida na norma de isenção constante do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.

 

A Requerente peticiona, ainda, pela condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.

 

Ora, o artigo 46.º do Código do IMT estabelece o seguinte:

 1. Anulada a liquidação, quer oficiosamente, quer por decisão da entidade ou tribunal competente, com trânsito em julgado, efectua-se o respectivo reembolso.

2. Não há lugar a anulação sempre que o montante de imposto a anular seja inferior a €10.

3. São devidos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária que são liquidados e pagos nos termos do Código de Procedimento e Processo Tributário.

 

Conforme resulta da interpretação dada ao artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, não era devido IMT, pelo que tal imposto foi indevidamente cobrado.

 

Em consequência, assiste à Requerente o direito a juros indemnizatórios, nos termos dos preceitos legais acima enunciados.

 

Em suma: o acto de liquidação de IMT subjacente à presente petição arbitral é ilegal, devendo ser anulado.

 

 

IV.             DECISÃO

 

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

 

A)    Julgar procedente, por provado, o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência declarar ilegal e anular o acto de liquidação de IMT, no valor total de €20.068,28.

 

B)    Julgar procedente, por provado, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, mormente condenando a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido até à data do processamento da respetiva nota de crédito, conforme previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária em conjugação com o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

C)    Condenar a Requerida nas custas do presente processo, por ser a parte vencida.

 

 

V.                VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária o valor do pedido é fixado em €20.068,28.

 

VI.             CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €1.224, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida, dada a procedência integral do pedido.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 28 de Dezembro de 2016

 

A Árbitro

 

 

Magda Feliciano

 

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)