Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 533/2016-T
Data da decisão: 2017-03-20  Selo  
Valor do pedido: € 113.358,34
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS (redação da Lei nº 83-C/2013) - Terreno para construção).
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Acórdão Arbitral

 

  1. Relatório

 

  1. Trâmites iniciais

 

No dia 30-08-2016, a sociedade A… S.A. (doravante apenas “A…” ou “Requerente”) com o número de identificação de pessoa coletiva …, sede na Avenida …, n.º…, …, …-… Lisboa, e cujo serviço periférico local é o Serviço de Finanças de Lisboa-…, veio, nos termos do disposto no artigo 10.°, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “Regime da Arbitragem Tributária” ou “RJAT”) e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março,  requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo contra a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida” ou “AT”).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 03-11-2016.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, comunica-se que o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 18-11-2016, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

 

  1. Pedido e objeto

 

A requerente pede a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de Imposto de Selo (IS) referentes ao ano de 2015, por aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (de ora em diante “TGIS”) no montante global de € 113.358,34, (cento e treze mil, trezentos e cinquenta e oito euros e trinta e quatro cêntimos), relativos aos seguintes dois prédios urbanos da espécie “terrenos para construção”:

  1. O prédio inscrito na matriz predial da freguesia de … sob o artigo …, sito na Rua …, n.º…, em Lisboa, com a coleta de € 84.768,67, conforme notas de cobrança números 2016…, 2016… e 2016… para pagamento, respetivamente, da 1ª, 2ª e 3ª prestações;
  2. O prédio inscrito na matriz predial da freguesia de …, em Setúbal, sob o artigo…, sito na …, com a coleta de € 28.589,67, conforme notas de cobrança números 2016…, 2016… e 2016…, também para pagamento das 1ª, 2ª e 3ª prestações.

 

A Requerente pede a anulação dos referidos atos de liquidação de IS, a devolução do imposto indevidamente pago e o pagamento dos respetivos juros indemnizatórios, tudo com a seguinte fundamentação:

 

- A sujeição dos terrenos para construção com VPT superior a um milhão de euros está expressamente consagrada quando exista edificação, autorizada ou prevista, para habitação, mas não quanto aos terrenos para construção sem qualquer edificação autorizada ou prevista, os quais não poderão estar sujeitos à verba 28.1 da TGIS[1];

- A tributação dos terrenos para construção apenas teve início com a redação dada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro à verba 28.1 da TGIS, pelo que no conceito normativo inicial de prédio urbano com afetação habitacional,[2] não cabiam os terrenos para construção;

- Só com a alteração da verba 28.1 da TGIS passaram a estar inequívoca e expressamente sujeitos a Imposto do Selo os prédios habitacionais e os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, com VPT superior a 1 milhão de euros (incidência objetiva) - a contrario, os terrenos para construção sem qualquer edificação autorizada ou prevista não poderão estar sujeitos a esta verba;

- Deslocando a temática para a análise e densificação do conceito normativo de “edificação autorizada ou prevista”, refere a Requerente que “a indeterminabilidade do conceito de edificação prevista não se compagina com a imposição legal e constitucional de a incidência objetiva do imposto dever estar determinada por Lei”, acrescentando que a opção do legislador em sujeitar a Imposto do Selo apenas os terrenos para construção com edificação autorizada ou prevista para habitação põe ainda em causa os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, constitucionalmente consagrados, e não cumpre os requisitos previstos na Lei Geral Tributária (LGT) como na Constituição da República Portuguesa (CRP) quanto à respetiva incidência objetiva.

- Continua depois por aduzir, que, quanto ao artigo matricial…, foi apresentado na Câmara Municipal de…, em 2009, um pedido de construção de edifício de habitação e comércio (prédio misto), licença esta que, por não ter sido utilizada, caducou. Por ser prédio misto, no sentido de não exclusivo a habitação, alega a Requerente que, quanto a este terreno para construção, a afetação será mista, sendo uma parte do prédio potencialmente afeta a serviços e outra a habitação.

- Já quanto ao artigo matricial…, a Requerente defende que o mesmo não tem qualquer edificação autorizada ou prevista e que, por essa razão, deve a liquidação de Imposto de Selo respetivo ser anulada;

- A Requerente articula ainda o que designa por “princípio da igualdade e uniformidade da decisão”, chamando à colação a decisão que sobre os mesmos prédios foi proferida no âmbito do processo da CAAD com o número 578/2015-T, onde a mesma teve ganho de causa, tendo aí sido anuladas as liquidações de Imposto de Selo que estavam em causa.

- Nesta sequência, pede a Requerente:

a) a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo, no valor total de € 113.358,34, referentes ao ano de 2015 e à verba 28.1 da TGIS, relativas a dois prédios urbanos (terrenos para construção);

b) a restituição do imposto indevidamente pago;

c) e a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º da LGT, desde a data do pagamento do imposto até ao seu efetivo reembolso.

 

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta defendendo a manutenção dos atos tributários sindicados, pedindo a absolvição do pedido, e alegando que os prédios da Requerente possuem as características constantes da definição de terreno para construção para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS, na redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, ou seja, terreno para construção cuja edificação, prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI. Em suma, apresenta os seguintes argumentos:

- Quanto ao prédio urbano com o artigo matricial … da freguesia de …, concelho de Lisboa, tem as características constantes da definição de terreno para construção para efeito da Verba 28.1 da TGIS, já que “consta do processo administrativo enviado pelo Serviço Local de Finanças … de Lisboa, que, em 2009, foi entregue pela ora requerente ao Chefe do mencionado SF, um requerimento, no qual juntou um documento comprovativo da viabilidade construtiva do terreno emitido pela Câmara Municipal de Lisboa em 9 de Outubro de 2009.” Em tal documento, que, segundo a AT, resulta de um Pedido de Informação Prévia, emitido pela entidade competente, mas que se intitula Condições Gerais para operação Urbanística, “afirma-se que o terreno situado na Rua e Zona em causa, tem múltiplas classificações e zonamentos, devendo qualquer projeto com qualquer finalidade obedecer a uma miríade de normas jurídicas, mas, com relevância para esta instância, chama-se à colação o facto de o lote em causa integrar o «Plano de Conservação, Reconstrução e Reabilitação Urbana Lisboa-… », o qual já se encontra em termos de referência e plantas aprovadas”.

- No que toca ao segundo prédio urbano, com o artigo matricial…, da freguesia de …, concelho de Setúbal, a Requerida considera que se encontra preenchido o tipo legal previsto na Verba 28.1 da TGIS, já que este tem (teve), um projeto de edificação predominantemente habitacional e, para além disso, se encontra “inserido em área predominantemente residencial – conforme consta da certidão da C.M. de Setúbal junta ao PA, ao referir que se trata de um «Espaço Urbano Consolidado», logo, a afetação comercial será sempre um complemento da habitacional”. Mais aduz que, “Assim, mesmo que dúvidas houvesse quanto à afetação habitacional do terreno em causa, as mesmas seriam dissipadas pelo seu destino normal que, conforme se infere da leitura da planta do PDM, será previsivelmente a construção de edifícios de residências.”

- Refere ainda que a verba 28.1 não viola os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva porque se trata de uma norma geral e abstrata, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito, de acordo com a Constituição e o Direito. Estende esta defesa também à matéria da tipicidade fiscal.

 

Nas alegações oportunamente apresentadas, a Requerente veio contrariar o entendimento da AT por respeito aos dois prédios urbanos em causa, afirmando que, no caso do prédio urbano com o artigo matricial…, da freguesia de …, concelho de Lisboa, “o documento junto pela IRFP, que constitui a resposta a um «Pedido de Informação», requerido pela A… ao abrigo do princípio da administração aberta, plasmado no artigo 17.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), e não de um Pedido de Informação Prévia (“PIP”) como, decerto por lapso, refere a IRFP”. Assim, reitera a Requerente que, não tendo sido requerido junto da Câmara Municipal de Lisboa qualquer licença para construção de edifício destinado a habitação – o que decerto se enquadraria no conceito de edificação autorizada -, o terreno para construção em causa não tem qualquer edificação autorizada ou prevista para habitação. No que se refere ao artigo matricial …, da freguesia de …, concelho de Setúbal, a Requerente reforça que, “conforme se demonstrou em PI, por referência a este prédio, foi apresentado junto da Câmara Municipal de …, em 2009, um pedido de construção de edifício de habitação e comércio (…). Porém, por não ter sido utilizada (…) a referida licença caducou”.

 

  1. SANEAMENTO

 

O artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, dispõe que: “A cumulação de pedidos, ainda que relativos a diferentes atos, e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

 

No presente caso, os pedidos formulados têm por objeto atos de liquidação do mesmo imposto – o IS. Por outro lado, verifica-se, no essencial, a identidade entre a matéria de facto e, ainda, que a procedência do pedido depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, pelo que, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, é de admitir a cumulação de pedidos.

 

Quanto ao demais, o processo não enferma de nulidades, não foram suscitadas quaisquer questões que obstem à apreciação do mérito da causa, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

III.1 Factos que se consideram provados

 

  1. A Requerente foi notificada das liquidações de Imposto do Selo, já liquidadas na sua totalidade, relativas ao ano de 2015, em relação a cada uma das inscrições matriciais de seguida identificadas, decompostas do seguinte modo:

IDENTIFICAÇÃO DO PRÉDIO

VPT

NÚMERO DA LIQUIDAÇÃO

PRESTAÇÃO

MONTANTE PAGO

Prédio urbano, freguesia de …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, concelho de Lisboa

8 476 866,58

2 016 …

28 256,23

2 016 …

28 256,22

2 016 …

28 256,22

Prédio urbano, União das freguesias de…, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, concelho de Setúbal

2 858 967,30

2 016 …

9 529,89

2 016 …

9 529,89

2 016 …

9 529,89

                                                                                                                                             TOTAL: 113 358,34

 

 

  1. Os prédios descritos no parágrafo anterior estão matricialmente inscritos como “terrenos para construção”;

 

  1. Relativamente ao prédio com o artigo matricial …, foi emitida, em 30/09/2009, pela Câmara Municipal de Lisboa, Informação N.º…/DOC/2009, com o seguinte teor:

 

“(….) Assunto: Direito à informação - Condições gerais para operação urbanística (….).

Em face do pedido de informação solicitado, propõe-se informar:

1. O instrumento de planeamento em vigor é o plano Director Municipal, resolução do Conselho de Ministros n.º94/94, publicado no D.R. n.º 226, de 29 de Setembro de 1994.

2. O local em questão encontra-se classificado, nos termos da planta de classificação do espaço urbano como Quintas e Jardins Históricos.

O imóvel em apreço faz parte da lista do Inventário Municipal do Património com a referência 32.21- …/Rua …n.º… .

O lote situa-se num Núcleo de Interesse Histórico, e integra a Frente Ribeirinha de acordo com a planta de condicionantes ambientais.

Localiza-se em área de Potencial Valor Arqueológico – nível de intervenção 2 nos termos da planta do Inventário Municipal.

Encontra-se inserido em Zona de Especial Proteção, carecendo por isso de consulta ao IGESPAR, o que implica que o procedimento a apresentar será sempre um licenciamento, independentemente das obras a realizar.

Mais se informa que o lote em questão integra o “Plano de Conservação, Reconstrução e Reabilitação Urbana “Lisboa-…”, o qual já se encontra em termos de referência e plantas aprovadas.

3. Qualquer obra de demolição, alteração ou construção rege-se pelo Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação – Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, na redação dada pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro.

4. O RPDML estabelece nos artigos 13.º, 14.º, 15.º, 21.º, 23.º, 24.º, 83.º com remissão para o art. 18.º Secção II (Estacionamentos e Garagens), as normas a observar na construção, ampliação ou alteração de edifícios.

5. Os projectos de construção deverão respeitar o RGEU e demais legislação geral e municipal em vigor. (…)” (doc n.º 1, junto aos autos pela Requerente).”

 

  1. Neste prédio (artigo …) foi solicitada e concedida licença para construção de edifício destinado a habitação e comércio...
  2. ...licença que caducou.
  3. Em relação ao prédio com o artigo matricial …, a Requerente apresentou, em 2009, à Câmara Municipal de …, um pedido de construção de edifício de habitação e comércio;
  4. Na sequência desse pedido, foi aprovado o projeto de arquitetura e concedido o prazo de seis meses para requerer a aprovação dos projetos da especialidade;
  5. À data da emissão da certidão matricial, junta aos autos, não tinha ainda sido realizada qualquer construção no prédio em causa.
  6. As liquidações de imposto do Selo em causa, no valor de € 113.358,34, encontram-se integralmente pagas.

 

  1. 2 Factos que não se consideram provados

 

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

  1. 3 Fundamentação da decisão quanto à matéria de facto

 

            A decisão de fixação da matéria de facto fundamenta-se nos elementos juntos aos autos pelas Partes, bem como nos factos articulados que não suscitaram controvérsia.

 

  1.  DO DIREITO

           

            O Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei nº 150/99, de 11 de setembro, iniciou a sua vigência em março de 2000, sendo significativamente alterado pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro, que o republicou. Com a reforma da tributação do património operada em 2003, o Imposto do Selo passou a configurar-se sobretudo como um imposto sobre as operações que, independentemente da sua materialização, revelam rendimento e riqueza, aplicando-se a uma “multiplicidade heterogénea de factos ou atos”, sem “um traço comum que lhes confira identidade” (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, pág. 453). Essa capacidade de acolher no seu seio tributações de diferente natureza criou caminho a que o legislador fiscal lhe fosse atribuindo um papel complementar de outros impostos.

            Como apontam J. SILVÉRIO DIAS MATEUS e L. CORVELO DE FREITAS (Os Impostos Sobre o Património Imobiliário – O Imposto de Selo, pg 251, Lisboa 2005) “ o imposto de selo configura-se como meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abrangidas pela incidência de quaisquer outros impostos. Não revestindo a natureza de tributação de sobreposição, este imposto tende a assumir uma função residual preenchendo espaços deixados em aberto pela tributação do rendimento e do consumo”.

            A Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu um conjunto de alterações nos diplomas codificadores de três impostos – IRS, IRC e Imposto do Selo – assim como na Lei Geral Tributária, entre as quais a norma ora em análise, todas norteadas à obtenção suplementar de receita fiscal e, em geral, a contrariar o desequilíbrio orçamental. Assim, invocando os princípios da equidade social e justiça fiscal, foi agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, introduziram-se medidas de reforço de combate à fraude e evasão fiscal, através do reforço do regime aplicável às manifestações de fortuna dos sujeitos passivos e às transferências de e para paraísos fiscais, a que se somou a introdução, no âmbito do Imposto do Selo, da tributação de situações jurídicas (expressão aditada ao nº 1 do artigo 1º do Código do Imposto do Selo), que se entendeu capazes de suportar esforço fiscal acrescido, distribuindo desse modo mais equitativamente o sacrifício para atingir a consolidação orçamental exigido aos contribuintes.

            Assim, com o aditamento da verba n.º 28 à Tabela Geral do Imposto do Selo pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, foi sujeita a este imposto uma situação jurídica, consubstanciada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio urbano com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a €1.000.000,00, fazendo recair sobre tal valor a taxa de 1%.

            A redação da verba 28.1. sofreu alteração posterior, por via da Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro, passando a ampliar a incidência do Imposto do Selo, à taxa de 1%, a  “(…)prédio urbano ou (por) terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

            A incidência do Imposto do Selo, marcada, alias, pela heterogeneidade, remete, no que concerne a elementos essenciais da liquidação do tributo, mormente quanto aos critérios normativos definidores do valor patrimonial a considerar, para a regulação constante do Código do IMI, assegurando, ou pelo menos, promovendo, um certo grau de sintonia entre os vários corpos legislativos no âmbito da tributação do património. A doutrina atribui-lhe mesmo a condição de “taxa adicional do IMI”, dirigido a “discriminar os prédios de mais elevado valor patrimonial e sujeitá-los a um regime fiscal mais gravoso que os restantes” (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 504), explicando a criação de um novo facto sujeito a Imposto do Selo, para além da heterogeneidade que  reveste este imposto, pela necessidade de aumentar as receitas fiscais do Estado, uma vez que a receita do IMI reverte a favor dos municípios e o Imposto do Selo é uma receita do Estado (ob. cit., pág. 506).

            A tributação decorrente da norma de incidência alojada na verba nº 28 assume a natureza de imposto parcelar (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afeto à habitação, calculando o respetivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante. Não constitui imposto geral sobre o património, ou mesmo imposto sobre todo o património imobiliário, em termos de fundar uma comparação radicada numa ótica de personalização do imposto e a partir de base que atenda a todo o património do sujeito tributário.

            Da aplicação conjunta do n.º 4 do art. 2.º do Código do Imposto do Selo e n.º 1 do art. 8.º do CIMI, conclui-se que o facto tributário a que se refere a verba 28.1 da TGIS se verifica a 31 de Dezembro de cada ano. Nessa medida, a relação juridico-tributária será fixada em função da legislação em vigor nessa mesma data, independentemente de alterações posteriores que possam estar em vigor na data da liquidação do imposto. Assim sendo, o Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS referente ao ano de 2015, a liquidar em 2016, deverá ser calculado e fixado de acordo com a redação da norma, introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, com a redação que lhe foi dada pela LOE/2014 (Lei nº 83-C/2013).

 

            Recorde-se a redação original da  verba 28, da TGIS:

            28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

            28.1 Por prédio com afetação habitacional ----------------------------------------------- 1%

            28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças............................................................................................................................7,5%

 

            Esta redação (original) foi objeto de vários litígios que opuseram a AT e os contribuintes, proprietários de terrenos para construção tendo o STA entendido, v. g., no Acórdão proferido no processo n.º 048/14, de 09.04.2014, que “(...)não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI (subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba nº 28 da Tabela Geral) uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afetação habitacional( (...)”

            Na verdade, o  conceito de “prédio (urbano) com afetação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redação àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objetiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI. Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha nem a questão ora nos interessa abordar –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros).

            Aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República da respetiva referiu o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (cfr. Diário da Assembleia da República, I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32)  que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades. O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs. 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).

            Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redação daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indireta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI). Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afetação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

            Na verdade, referindo-se aos prédios urbanos, o n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, distingue diversas espécies, dividindo-os em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros, de acordo com os seguintes critérios: «habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços» – os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um desses fins (cfr. artigo 6.º, n.º 2 do CIMI); «terrenos para construção», os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos» (cfr. artigo 6.º, n.º 3 do CIMI, na redação da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12); «Outros», são como tal considerados os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem sejam classificados como prédio rústicos, de acordo com o respetivo conceito legal, e ainda os edifícios e construções licenciados, ou na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os acima referidos (cfr. artigo 6.º, n.º 4 do CIMI).

            Fazendo incidir a tributação sobre prédios urbanos «com afetação habitacional», o legislador não estabelece na verdade, no Código do Imposto do Selo, qualquer conceito específico que para o efeito deva ser considerado, antes remetendo a aplicação do regime de tributação dos prédios a que se refere aquela Verba 28 para as normas do CIMI, que estabelece clara distinção entre prédios habitacionais e terrenos para construção, sendo os primeiros assim  classificados em função da respectiva licença autárquica, ou, não existindo esta, em decorrência do uso normal e os segundos são definidos em função da sua potencialidade legal.

            A esta luz, um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida, incluindo a destinada habitação - não preenche por si só o requisito previsto nos pontos 28. e 28.1, da TGIS (redação do DL nº 7/2015), ou seja, o de que  “(...) a edificação “autorizada ou prevista, seja para habitação (...)”.

            Na verdade, reportando-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com afetação habitacional, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se, como se viu anteriormente, que na mesma se contenha uma potencialidade futura, juntamente com outras, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

            A expressão «com afectação habitacional» inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente.

            Por outro lado, não pode também ser acolhido o entendimento de que o conceito de "afetação habitacional" decorre da norma do artigo 45.º do CIMI, porquanto esta se refere às regras aplicáveis na determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção estabelecendo que este é o que resulta do valor da área de implantação do edifício a construir adicionado do terreno adjacente à implantação. Na fixação do valor daquela área considera-se uma percentagem, variável entre 15% e 45%, do valor das edificações autorizadas ou previstas.

            Por outro lado ainda, nada na lei permite concluir que o legislador do imposto do selo tenha pretendido alargar, para efeitos da incidência deste tributo, às espécies previstas no n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, sendo que a aplicação de um coeficiente de afetação se reporta a um dos elementos a considerar na avaliação no terreno, ou seja, na determinação do valor das edificações autorizados ou previstas.

            Independentemente de, na determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas para um terreno para construção, se dever ou não considerar um coeficiente de afetação, admite-se, por ser óbvio e do conhecimento geral, que o valor de um terreno é determinantemente influenciado pelo tipo e características dessas edificações. Porém, é matéria que extravasa a questão sobre que incide o presente pedido de pronúncia arbitral.

            Nas condições referidas, a circunstância de, para um determinado terreno para construção, estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação, ou a qualquer outra finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser como tal considerado.

            Como tal, resultando do artigo 6.º do CIMI uma clara distinção entre, por um lado, prédios urbanos habitacionais e, por outro lado, terrenos para construção, não podem estes últimos ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como «prédios com afectação habitacional».

            Aliás, neste sentido se tem orientado a constante e uniforme jurisprudência arbitral anterior à nova redação da verba 28, da TGIS introduzida pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, tendo desta (redação) a previsão de que a tributação em causa passou a incidir, à taxa de 1%, sobre prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

            Esta alteração à Tabela Geral do Imposto do Selo, introduzida pelo artigo 194.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que adita à verba 28.1., da mesma Tabela, a referência a “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” e, em consequência, determina a incidência do imposto do selo, nos termos previstos nas verbas 28. e 28.1, sobre a propriedade de terrenos para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação e cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00, não se traduz numa alteração normativa que justifique alteração substancial do entendimento que anteriormente à nova redação dessa norma vinha sendo seguido pela Jurisprudência (sublinhado nosso).

 

            Subsunção

            Ora, em face da prova produzida, não é, no mínimo, claro que nos terrenos em causa estejam autorizadas ou previstas construções de edifícios a afetar exclusivamente a habitação; pelo contrário, ficou demonstrado que essa afetação tanto pode ser habitacional como para outros fins.

            Ou seja: sendo os fins habitacionais apenas uma das potencialidades das construções a eventualmente erigir nos terrenos, sem se demonstrar que existem vigentes à data da liquidação concretos licenciamentos para aqueles fins, acarreta a exclusão da tributação dos prédios à luz do artigo 28., da TGIS (aliás, atualmente revogado pela Lei nº 42/2016 – Lei do Orçamento do Estado para 2017 – artigo 210º-2).

            Nesta linha essencial de orientação, estão, tal como se referiu, entre outras as decisões proferidas pelos Tribunais Arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, nos processos nºs 522/2015-T, 532/2015-T, 467/2015-T (citando diversos acórdãos do STA), 578/2015-T, 642/2015-T, 551/2015-T, 2016/2016-T e 412/2016-T, quase todas publicadas no site do CAAD (www.caad.org.pt).

 

V.        Questões de conhecimento prejudicado

            Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

            Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação objeto do presente processo – pedido principal -, por vício de violação de lei que impede a renovação dos atos, fica prejudicado o conhecimento dos vícios imputados pela Requerente.

             Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

            Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente ao atos cuja declaração de ilegalidade pediu.

            Ou seja: em face da solução dada à questão relativa ao conceito de “prédio com afetação habitacional/terreno para construção com afetação habitacional”, fica prejudicado o conhecimento das questões de constitucionalidade colocadas pela Requerente.

 

VI. Juros indemnizatórios

            De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

            Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

            O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

            Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

            É essa a situação do caso em apreço, ou seja, a AT restituirá o imposto pago, com pagamento de juros indemnizatórios nos termos expostos, determinando a AT o montante a restituir à  Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem), sendo os juros indemnizatórios devidos desde as data dos pagamentos ora julgados indevidos até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

VII.  Decisão

Termos em que  decide este Tribunal Arbitral:

            a) Julgar totalmente procedente o pedido;

            b) Declarar, em consequência, a ilegalidade das liquidações de imposto de selo objeto do pedido;

            c) Anular as notas de cobrança números 2016…, 2016… e 2016…

            d) Anular as notas de cobrança números 2016…, 2016… e 2016…

            e) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição das importâncias pagas respeitantes às sobreditas liquidações e notas de cobrança, com juros indemnizatórios nos  termos supra expostos e

            d) Condenar ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas deste processo.

 

Valor do processo

            Fixa-se o valor do processo em € 113.358,34, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Custas

            Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

  • Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de março de 2017

 

O Tribunal Arbitral,

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

 

 

António Pragal Colaço

(Árbitro Adjunto)

 

 

 

 

Raquel Franco

(Árbitro Adjunto)

 

 

 

 



[1] A verba 28.1 do Imposto de Selo foi já revogada com efeitos a partir de 1/1/2017, pelo art.º 210.º, n.º2, da Lei 42/2016, de 28 de Dezembro, (OE 2017). Não é manifestamente um sucedâneo jurídico da revogação apontada, mas o art.º 219.º da mesma Lei, veio criar um adicional de IMI sobre os prédios urbanos, excetuando os classificados para “comércio, indústria ou serviços “ e outros, nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código, tributação acima de um determinado valor,(VPT), mas agora em função do património imobiliário do sujeito passivo e não já do bem imóvel;

[2] Cita os (Sumários dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo no âmbito dos processos nos 048/14 e 1870/13, ambos de 09.04.2014, n 0272/14, de 23.04.2014, e 055/14, de 14/05/2014);