Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 531/2016-T
Data da decisão: 2017-06-30  Selo  
Valor do pedido: € 437.543,49
Tema: IS - Verba 10.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente), Dr. José Ramos Alexandre (Vogal) e Olívio Mota Amador (Vogal) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:  

 

I.                   Relatório

 

1. A A…, pessoa colectiva n.º…, com sede em…, …, 12.º andar, em Hong Kong e a B…, pessoa colectiva n.º…, com sede em…, …, andar 19/F, salas … e …, em Hong Kong, (adiante designadas por “Requerentes”) apresentaram, em 30-08-2016, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a apreciação da legalidade de dois atos de liquidação de Imposto do Selo.

 

2. A pretensão objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste na anulação parcial dos atos de liquidação de Imposto do Selo n.ºs … e … e o consequente reembolso do imposto indevidamente liquidado e pago em excesso no montante de € 437.543,49 (quatrocentos e trinta e sete mil quinhentos e quarenta e três euros e quarenta e nove cêntimos).

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 19-09-2016.

As Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.

Em 03-11-2016, as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 18-11-2016.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral as Requerentes alegam, em síntese, o seguinte:

4.1. As requerentes A… e B…, ambas sociedades sedeadas em Hong Kong, detêm, em partes iguais, a totalidade do capital social da C…, Unipessoal Lda, (doravante designada “C…”) sociedade com sede em Portugal.

4.2. As Requerentes, no âmbito da prossecução do respetivo objeto social e da sua atividade económica, adquiriram, através da C…, a totalidade do capital social da sociedade D… S.A. (doravante “D…”) a um conjunto de sete sociedades composto pela E…, F…, Lda., G…, S.A. (em representação do H…– Fundo de Capital de Risco), I… SGPS, S.A., J…, S.A., K…, SGPS, Sociedade Unipessoal, Lda. e L… .

4.3. As Requerentes, através da C…, celebraram com as sete sociedades identificadas no n.º anterior, a 02-10-2015, um contrato de compra e venda de ações denominado “Share Sale and Purchase Agreement”.

4.4. As Requerentes, nos termos do acordo celebrado, ficaram obrigadas a apresentar uma “Confort letter” (doravante “Carta de Conforto”) para garantir que a C… dispunha de capacidade financeira necessária para adquirir a D… .

4.5. As Requerentes emitiram, em 02-10-2015, uma Carta Conforto a favor das Sociedades Vendedoras, na qual expressamente referiam que dispunham de recursos financeiros para disponibilizar à C… o valor necessário para pagamento do preço de aquisição da D…, quando se concretizasse a operação (Completion Date).

4.6. A Carta de Conforto, referida no n.º anterior, consubstanciou uma garantia, pelo prazo máximo de 5 meses, perante as Sociedades Vendedoras no valor global de € 326.135.577,05 que assegurava as parcelas seguintes:

i) Aquisição das Ações: € 138.391.827,71

ii) Aquisição das Prestações Suplementares: € 24.057.250,00

iii) Aquisição dos Suprimentos: € 124.887.674,12

iv) Pagamento das Obrigações Júnior: € 33.290.701,00

v) Deferred Completion Amount: € 5.508.124,22

4.7. A transação foi concluída a 18-11-2015 pelo valor de € 320.656.012,80.

4.8. As Requerentes procederam à liquidação de Imposto do Selo, à taxa de 0,04% prevista na verba 10.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“Garantias de prazo inferior a um ano – por cada mês ou fracção”) sobre o montante total garantido no valor de € 326.135.577,05 e, no dia 18-11-2015, procederam à liquidação do Imposto do Selo no valor de € 652.271,15 perante o Serviço de Finanças de Lisboa-… . 

4.9. Depois as Requerentes verificaram que, por lapso, liquidaram o Imposto do Selo em excesso, porque este imposto apenas deve incidir sobre a parte do montante garantido respeitante às sociedades vendedoras com sede em território nacional.

4.10. Das sete sociedades vendedoras cinco têm sede em Portugal, a saber: F…, Lda.; G…– Sociedade de Capital de Risco, S.A. (em representação do H…– Fundo de Capital de Risco); I… SGPS, S.A.; J…, S.A.; e K…, SGPS, Sociedade Unipessoal, Lda.. As restantes duas sociedades vendedoras (L… S.à.r.l. e E…, S.à.r.l.) têm sede no Luxemburgo.

4.11. As cinco sociedades com sede em território nacional detinham uma participação de 32,92% no capital social da D…, pelo que, as Requerentes apenas deveriam ter liquidado Imposto do Selo no montante de € 214.727,66.

4.12. Nestes termos, as Requerentes liquidaram e entregaram aos cofres do Estado imposto em excesso no montante de € 437.543,49.

4.13. As Requerentes apresentaram, em 01-02-2016, Reclamação Graciosa junto do Serviço de Finanças Lisboa-… contra os atos tributários de liquidação de Imposto do Selo n.ºs. … e … . A presunção de indeferimento tácito ocorreu a 01-06-2016.

4.14. A liquidação de Imposto do Selo sobre a garantia prestada pelas Requerentes é parcialmente ilegal por violação do princípio da territorialidade, constante do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Código do Imposto do Selo.

4.15. A Carta de Conforto emitida pelas Requerentes às Sociedades Vendedoras está sujeita a Imposto do Selo, nos termos da verba 10 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

4.16. No que respeita à prestação de garantias são três as situações em que há lugar a Imposto do Selo:

(i) A entidade que presta a garantia e a entidade beneficiária têm ambas domicílio em Portugal;

(ii) A entidade que presta a garantia tem domicílio em Portugal e a entidade beneficiária tem domicílio no estrangeiro, desde que a garantia seja prestada no território nacional; e

(iii) A entidade que presta a garantia tem domicílio no estrangeiro e a entidade beneficiária da garantia tem domicílio no território nacional.

No presente caso estamos fora do escopo das alíneas (i) e (ii) porquanto a garantia é prestada por entidades com domicílio no estrangeiro (trata-se de dois garantes residentes em Hong Kong). Também não nos encontramos totalmente no escopo da alínea (iii), supra referida, porque nem todas as entidades beneficiárias (as Sociedades Vendedores da D…) têm domicílio no território nacional.

4.17. O elemento de conexão territorial não se verifica para as sociedades E… S.à.r.l. e L…, S.à.r.l., uma vez que ambas têm sede no Luxemburgo.

4.18. O elemento de conexão territorial previsto no n.º 2 do artigo 4.º do Código do Imposto do Selo verifica-se para as cinco sociedades sedeadas em território nacional a quem a garantia foi prestada, a saber: F…, Lda.; G…– Sociedade de Capital de Risco, S.A. (em representação do H…– Fundo de Capital de Risco); I… SGPS, S.A.; J…, S.A. e K…, SGPS, Sociedade Unipessoal, Lda. 

4.19. Daqui resulta que o Imposto do Selo incide apenas sobre a garantia que diz respeito às Sociedades Vendedoras com residência em território nacional.

4.20. Ora, considerando que uma parte significativa da garantia diz respeito às sociedades vendedoras situadas fora do território nacional (E… S.à.r.l. e L…, S.à.r.l.) crê-se que fica perfeitamente evidenciado o facto de as Requerentes terem-se equivocado no momento em que procederam à liquidação do Imposto do Selo decorrente da emissão da Carta Conforto, porquanto não há nenhum elemento de conexão com o território português naqueles dois casos.

4.21. O Tribunal deve determinar a anulação da parte da liquidação de Imposto do Selo (no montante de € 437.543,49) correspondente ao valor garantido pelas Requerentes em benefício das Sociedades Vendedoras sedeadas fora do território nacional, ou seja, as sociedades E… S.à.r.l. e L…, S.à.r.l..

4.22. Efetivamente, a liquidação de Imposto do Selo nos termos referidos viola os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade, consagrados na CRP e na LGT.

4.23. Uma garantia prestada por entidades não residentes em benefício de outras entidades não residentes não pode estar sujeita a Imposto do Selo sob pena de violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, justiça, benefício, igualdade e proporcionalidade.

4.24. Sendo não residentes parte dos destinatários (e os correspondentes interesses económico-financeiros) da Carta Conforto, que pretendiam ver garantido a parte do preço da aquisição da D… que lhes cabia receber, não podem estas entidades estar a “comparticipar na cobertura dos encargos públicos”.

4.25. A aplicação do disposto no artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Código do Imposto do Selo conjugada com a verba 10 da Tabela Geral do Imposto do Selo, se determinasse a sujeição a este imposto à parte do valor garantido respeitante aos interesses patrimoniais e financeiros das sociedades vendedoras não residentes em território nacional acarretaria sempre um excesso de tributação contrário à CRP.

4.26. Assim, não pode deixar de entender-se que se está perante um ato ilegal (ainda que apenas em parte) desde logo face aos princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade na repartição de encargos públicos e que são o corolário dos princípios da justiça, da necessidade e da igualdade, genericamente enunciados nos artigos 13.º e 18.º, n.º 2, da CRP e ínsitos no princípio do Estado de Direito Democrático.

 

5. A Requerida apresentou o articulado de Resposta e posteriormente juntou o Processo Administrativo. No referido articulado invocou, em síntese, o seguinte:

5.1. De acordo com Processo Administrativo, a Requerente B… apresenta morada na Avenida…, n.º…, associada ao serviço de finanças de Oeiras … – Algés. Apresenta adicionalmente, como sua representante fiscal a sociedade C…, Unipessoal Lda, com domicílio na Rua…, n.º…, Piso …, …-…, …–… .

5.2. O mesmo se diga da Requerente A… que indica Portugal como seu país de residência.

5.3. Quanto ao pressuposto que exige a residência em território português das sociedades garantes (ou seja, que prestam a garantia), o mesmo está integralmente preenchido.

5.4. Quanto ao pressuposto da exigência de as duas sociedades garantidas (a favor de quem é prestada a garantia) não terem domicílio em território português, o mesmo também se encontra preenchido, visto que, conforme é alegado e parece documentalmente provado, tanto a sociedade E… SARL como a sociedade L… SARL têm os respectivos domicílios no Luxemburgo.

5.5. Por fim, quanto ao terceiro requisito, o da prestação da garantia propriamente dita em território nacional, diga-se que também esse se verifica no caso em apreço, dado que se conexiona diretamente com o negócio jurídico que lhe subjaz e cujo cumprimento dos valores envolvidos pretende assegurar.

5.6. Sendo, saliente-se, que essa conexão com o negócio em causa em algum momento colide com a natureza atípica e autónoma da carta de conforto e isso, ainda que o dito instrumento garantístico não conheça na ordem jurídica nacional uma regulamentação legal por que se possa reger.

 

5.7. O contrato de compra e venda das ações da D…, SA, foi celebrado em território português, mais concretamente em Lisboa, e o objeto aí transacionado respeita a partes de capital de uma sociedade domiciliada em território português.

5.8. As partes de capital social de uma sociedade domiciliada em território português (D…, SA.) são adquiridas por uma outra sociedade, a C…, Unipessoal, LDA, também ela domiciliada em território português.

5.9. Assim, não restam dúvidas de que a prestação da garantia, a par do negócio que ajudou a sustentar, se situou em território português.

5.10. O facto tributário que gera a obrigação de liquidar e pagar o imposto correspondente, melhor dizendo, a carta de conforto, ainda que tenha sido prestada em Hong Kong, foi-o a 2 de outubro de 2015, coeva do contrato de compra e venda das ações, e serviu para assegurar um contrato celebrado em território português, especificamente em Lisboa.

5.11. Nos termos do disposto no artigo 13.º da LGT, as normas tributárias aplicam-se aos factos que ocorram no território nacional, tendo querido com isto o legislador significar que é o próprio facto tributário e não tanto qualquer outro elemento de conexão da relação jurídica tributária portuguesa que deve situar-se em território português.

5.12. E nem se venha argumentar que por a carta de conforto ter sido emitida em Hong Kong, pelas ora Requerentes a favor de duas (das sete) empresas situadas no Luxemburgo, relativa a um negócio concretizado em Portugal, cujo objeto se reporta a ações de uma sociedade portuguesa, afasta de per si a incidência do imposto.

5.13. Há, sobretudo, que atender à substância da operação, perceber a que se refere a dita garantia, sobre que negócio é prestada, por que entidade responde e também o motivo por que a mesma é (ou foi) exigida aos ora Requerentes.

5.14. Ora o facto tributário em questão ocorreu, integralmente, em Portugal, tanto com as Sociedades Vendedoras com domicílio em território nacional, como com as Sociedades Vendedoras que têm domicílio no Luxemburgo, pelo que a respetiva tributação só num ordenamento poderia ter lugar: aqui, em Portugal.

5.15. Alem disso, as Requerentes não fazem prova da efetiva estrutura da D…, SA, desconhecendo a AT se, de facto, a sociedade E… SARL e a L… SARL adquiriram as ações da aludida empresa na proporção que vem indicada.

5.16. Desconhecendo a AT a estrutura acionista anterior da D…, SA e desconhecendo a exata proporção da titularidade das respetivas percentagens no capital social, nunca poderia deferir um pedido de restituição de imposto, sob pena de estar a restituir indevidamente valores cujo lugar era (e é), por direito, nos cofres do erário público.

5.17. Sob pena de, não sendo dessa forma, se correr o elevado risco de violar o princípio que dita a indisponibilidade dos créditos tributários.

5.18. Em consonância com o supra alegado, impugna-se, nos termos do artigo 446.º do CPC, o documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral quanto ao respetivo efeito jurídico, porquanto não é apto a provar que, ao tempo da venda das ações, a E… SARL detinha 32.350 ações e a L… SARL detinha 1.190 ações.

5.19. O referido documento reduz-se a uma mera folha de registos, que não identifica a sociedade cujas ações se encontram aí discriminadas, podendo-se inclusive conjeturar – hipoteticamente falando – que se trata aquele de um documento fabricado para estes precisos autos. Ou, até, quiçá, ser respeitante a uma outra sociedade, na qual aquelas empresas também tinham participação, mas que, por não coincidir com a D…, é estranha ao presente processo.

5.20. Para esse devido efeito, isto é, em ordem a provar a detenção das ações, o Código dos Valores Mobiliários prevê, no seu artigo 78.º, a possibilidade de os acionistas de uma empresa requererem junto da entidade registadora – que conhece deveres de registo e depósito dos instrumentos financeiros – um certificado de registo que provará, precisamente, a existência do registo da titularidade dos valores mobiliários a que respeita e dos direitos de usufruto, de penhor e de quaisquer outras situações jurídicas que especifique, com referência à data em que foi emitido ou pelo prazo nele mencionado. O qual, salvo melhor opinião, não foi apresentado, quando o deveria ter sido.

5.21. Nos termos do artigo 74.º da LGT, de acordo com a repartição da prova, quem invoca um determinado direito é quem tem o ónus de o provar, pertencendo, in caso, o dito ónus às aqui Requerentes. O que não fizeram.

5.22. Tudo visto e ponderado, porque não merecem censura os atos tributários ora impugnados, devem os mesmos ser mantidos intactos na ordem jurídica.

5.23. As ora Requerentes apresentam 8 documentos, sendo que alguns deles (documentos n.º 2, 3 e 4) encontram-se redigidos em língua inglesa.

5.24. Considerando o disposto nos artigos 133.º, n.º 1 e 134.º, n.º 1 do CPC desde já se requer que se ordene às Requerentes que juntem nova documentação, desta vez em língua portuguesa, não se prescindindo do prazo de vista de 10 dias, nos termos do artigo 446.º, por remissão para o artigo 444.º, ambos do CPC, que serão contabilizados desde a data da sua notificação à aqui Requerida.

 

6. O Tribunal Arbitral, por despacho de 09-01-2017, deferiu o pedido da Requerida, constante da Resposta, de tradução para a língua portuguesa dos documentos n.ºs 2, 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e concedeu às Requerentes o prazo de 15 dias para proceder à junção aos autos da tradução, para língua portuguesa, dos documentos acima identificados.

 

7. Notificadas do despacho identificado no n.º anterior, as Requerentes, em 20-01-2017, requereram ao Tribunal Arbitral o seguinte:

(i) A dispensa de tradução da segunda parte do documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, mais concretamente da cláusula 7 (Leakages) até à cláusula 26 (Appointment of process agente) bem como o Schedule (A) por manifesta inutilidade para os autos;

(ii) Um prazo para a pronuncia sobre a impugnação da matéria de facto que consta da Resposta da Requerida ou, em alternativa, que seja efetuada a reunião do artigo 18.º do RJAT.

 

8. A Requerida, notificada do requerimento apresentado pelas Requerentes, identificado no n.º anterior, pronunciou-se, em 31-01-2017, pelo indeferimento do peticionado pelas Requerentes, na parte em que requerem prazo para se pronunciarem sobre a impugnação da matéria de facto que consta da Resposta e na parte em que, em alternativa ao pedido anterior, mas com igual propósito, requerem o agendamento da reunião do artigo 18.º do RJAT.

 

9. Por despacho de 04-02-2017, o Tribunal Arbitral indeferiu o peticionado pelas Requerentes, em 19-01-2017, com os fundamentos seguintes: (i) A não junção pelas requerentes da tradução da totalidade do documento em causa conduzirá a que o Tribunal não o considere para efeitos de decisão, pronunciando-se, no acórdão a proferir, com base na demais prova disponível nos autos; (ii) Não tendo sido alegada matéria de exceção pela Requerente, não há lugar a exercício do contraditório quanto a matéria de impugnação da matéria de facto pela Requerente. Acresce que a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT não se destina a realizar a finalidade pretendida pela Requerente.

 

10. Em 16-02-2017, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por não haver ter sido invocada matéria de exceção e não havendo lugar a produção de prova constituenda, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste (vd., artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT). O Tribunal fixou, ainda, o dia 19-05-2017 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral, o qual foi prorrogado, por despacho de 14 de maio de 2017, para o dia 18 de julho de 2017.

 

11. As Requerentes, em 21-02-2017, apresentaram para junção aos autos, as traduções devidamente certificadas dos documentos identificados no pedido de pronúncia arbitral com os n.ºs 2, 3, 4, 7 e 8.

 

12. Em 21-02-2017, o Tribunal Arbitral notificou a Requerida para exercer o contraditório no prazo de 5 dias, relativamente aos documentos juntos pelas Requerentes nesse mesmo dia.

 

13. As Requerentes, em 23-02-2017, solicitaram ao Tribunal Arbitral a clarificação quanto aos prazos para apresentar as alegações constantes do despacho do Tribunal Arbitral, de 16-02-2017.

 

14. Por despacho de 27-02-2017, o Tribunal Arbitral esclareceu que, apesar de o prazo fixado para alegações ser de 15 dias e não de 10 dias, como erradamente consta do requerimento das Requerentes, esse prazo começa a contar do final do prazo de 5 dias concedido à AT, por despacho de 21-02-2017, assim se respeitando o princípio do contraditório.

 

15. As Requerentes apresentaram, em 22-03-2017, as alegações reiterando os argumentos apresentados no pedido de pronúncia arbitral e requereram a junção dos seguintes documentos:

  • Documento n.º 1: Pedidos de inscrição de pessoa coletiva apresentados pelas Requerentes junto do IRN, a documentação junta para efeitos da emissão da Certidão de Identificação de Entidade Equiparada Estrangeira e obtenção de NIPC, nomeadamente os Business Registration Certificates emitidos pela administração tributária de Hong Kong.
  • Documento n.º 2: Cópia de todos os títulos representativos do capital social da D...
  • Documento n.º 3: Declaração modelo 4 da aquisição da D… pela C...
  • Documento n.º 4: Cópia certificada do livro de registo da D… .

 

16. A Requerida, após ter sido notificada das alegações das Requerentes, solicitou, em 28-03-2017, que os quatro documentos juntos pelas Requerentes nas alegações fossem, nos termos do disposto no artigo 443.º do CPC, desentranhados dos autos por não concorrem para a boa decisão da presente causa, o que foi acolhido por despacho de 7 de maio de 2017.

 

17. Em 18-04-2017 a Requerida apresentou as alegações reiterando os argumentos apresentados nas anteriores peças processuais. 

 

 

II.                Saneamento

 

18. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Não foram suscitadas exceções.

Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III.             Mérito

 

III.1. Matéria de facto

 

19. Factos provados

 

19.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

a)      A Requerente A…, pessoa colectiva n.º…, consta no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes – Situação Cadastral Actual, como “NÃO RESIDENTE SEM ESTABELECIMENTO ESTÁVEL”, tendo sede em…, … (conforme documento a fls. 112 e 113 do Processo Administrativo).

b)      A Requerente B…, pessoa colectiva n.º…, consta no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes – Situação Cadastral Actual, como “NÃO RESIDENTE SEM ESTABELECIMENTO ESTÁVEL” (conforme documento a fls. 105 do Processo Administrativo).

c)      A C…, Unipessoal Lda, pessoa colectiva n.º…, tem sede e domicílio fiscal em Portugal, na Rua … n.º…, piso…, …-… …– … (conforme documentos a fls. 107 e 136 do Processo Administrativo).

d)      A D… S.A., pessoa colectiva n.º…, tem sede em Portugal (conforme documento a fls. 140 do Processo Administrativo).

e)      As Requerentes, supra identificadas, detêm indiretamente, em partes iguais, a totalidade do capital social da C…, Unipessoal Lda, e através desta sociedade acordaram a aquisição da totalidade do capital social da sociedade D… S.A. tendo celebrado com sete sociedades, em 02-10-2015, um contrato de compra e venda de ações denominado “Share Sale and Purchase Agreement” (conforme o referido no Documento n.º 2 anexo ao pedido de pronúncia arbitral).

f)       Das sete sociedades detentoras da totalidade do capital social da D… S.A., identificadas na alínea anterior, cinco têm sede em Portugal, a saber: F…, Lda.; G…– Sociedade de Capital de Risco, S.A. (em representação do H…– Fundo de Capital de Risco); I… SGPS, S.A.; J…–…, S.A.; K…, SGPS, Sociedade Unipessoal, Lda. . As restantes duas sociedades, E…, S.à.r.l. e L… S.à.r.l., têm sede fora do território nacional.

g)      A E…, S.à.r.l.,. tem sede no Luxemburgo conforme Certificado de Residência emitido pela “Administration des contributions directes. Bureau d`imposition Sociétés 6”, do Luxemburgo, em 1 de junho de 2015 (que consta do Documento n.º 7 anexo ao pedido de pronúncia arbitral).

h)      A L… S.à.r.l. tem sede no Luxemburgo conforme Certificado de Residência emitido pela “Administration des contributions directes. Bureau d`imposition Sociétés 6”, do Luxemburgo, em 28 de janeiro de 2016 (que consta do Documento n.º 8 anexo ao pedido de pronúncia arbitral).

i)       O contrato de compra e venda de ações, identificado na alínea e), estava associado a uma Carta de Conforto, que foi emitida em 02-10-2015, e servia, pelo prazo máximo de 5 meses, como garantia de pagamento do preço no valor global de € 326.135.577,05 que assegurava as parcelas seguintes:

Aquisição das Ações

€ 138.391.827,71

Aquisição das Prestações Suplementares

€ 24.057.250,00

Aquisição dos Suprimentos

€ 124.887.674,12

Pagamento das Obrigações Júnior

€ 33.290.701,00

Deferred Completion Amount

€ 5.508.124,22

TOTAL GARANTIDO

€ 326.135.577,05

(conforme o referido nos Documentos n.ºs 3 e 4 anexos ao pedido de pronúncia arbitral).

j)       A transação foi concluída a 18-11-2015 pelo valor de € 320.656.012,80 e as  Requerentes procederam à liquidação de Imposto do Selo perante o Serviço de Finanças de Lisboa-…  tendo sido emitidas duas guias no valor total de € 652.271,15. A guia n.º … dirigida à B…, no valor de € 326.135,52 e a guia n.º … dirigida à A…, no valor de € 326.135,52, e (conforme o referido no Documento n.º 1 e 2 anexos ao pedido de pronúncia arbitral).

k)      As Requerentes apresentaram, em 01-02-2016, Reclamação Graciosa junto do Serviço de Finanças Lisboa-… contra os atos tributários de liquidação de Imposto do Selo n.ºs. … e … (conforme o referido no Documento n.º 6 anexo ao pedido de pronúncia arbitral e nas fls 3 a 118 do Processo Administrativo).

 

19.2. Fundamentação da matéria de facto

 

No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados pelas Partes, bem como na análise do processo administrativo remetido pela Requerida.

 

19.3. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

III.2. Matéria de Direito

 

III.2.1. A questão central a decidir consiste em saber se as liquidações impugnadas n.ºs … e …, relativas ao imposto de selo liquidado com referência a garantias prestadas a favor de duas sociedades não residentes, sobre negócio realizado também por não residentes, devem ser parcialmente anuladas por violarem: i) o princípio da territorialidade constante do artigo 4.º, n.º2, alínea b) do Código do Imposto do Selo; ii) os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade, consagrados na CRP e na LGT.

O referido preceito tem o seguinte conteúdo:

“1- Sem prejuízo das disposições do presente Código e da Tabela Geral em sentido diferente, o imposto do selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em Portugal.

2-São, ainda, sujeitos a imposto:

a)      (…)

b)      As operações de crédito realizadas e as garantias prestadas por instituições de crédito, por sociedades financeiras ou por quaisquer outras entidades, independentemente da sua natureza, sediadas no estrangeiro, por filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito, de sociedades financeiras, ou quaisquer outras entidades, sediadas em território nacional, a quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, domiciliadas neste território, considerando-se domicílio a sede, filial, sucursal ou estabelecimento estável;”

 

Vejamos.

No caso em apreço, foi considerado como provado que duas das sociedades a favor de quem foi prestada a garantia são tributadas em país estrangeiro conforme resulta das declarações que constituem os documentos nº 7 e 8 das provas anexas à PI, que não foram impugnadas pela Requerida. Por outro lado, emerge do próprio cadastro de contribuintes em posse da AT, com cópias do Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, também juntas aos autos, que as duas Requerentes em causa são não residentes sem estabelecimento estável.

A primeira questão a resolver é a de definir se as sociedades requerentes são ou não domiciliadas em território nacional, conforme a definição do art.º 4º do CIS.

É sabido que o controle da classificação jurídica dos sujeitos passivos para efeitos tributários, nomeadamente, e no que nos interessa, das pessoas coletivas, foi atribuição da DGCI durante vários anos, mas essa competência foi legalmente transferida, inclusive para efeitos fiscais, para o Registo Nacional das Pessoas Coletivas (RNPC). Vários diplomas vigoraram sobre esta matéria[1] até à publicação em Diário da República do Decreto-Lei nº 129/98, de 13/05, que aprovou o regime atual do Registo Nacional de Pessoas Coletivas (RNPC), com as alterações subsequentes introduzidas pelo DL n.º 12/2001, de 25/01, pelo  DL n.º 323/2001, de 17/12, pelo DL n.º 2/2005, de 04/01, pelo DL n.º 111/2005, de 08/07, com a  Retificação. n.º 6/2005, de 17/02, pelo  DL n.º 76-A/2006, de 29/03, pelo  DL n.º 125/2006, de 29/06, Decreto-Lei nº 8/2007, de 17/01, pelo  DL n.º 247-B/2008, de 30/12, pelo DL n.º 122/2009, de 21/05, , pela Lei n.º 29/2009, de 29/06, pelo DL n.º 250/2012, de 23/11 e pelo DL n.º 201/2015, de 17/09.

Neste novo regime, o RNPC tem por função organizar e gerir o ficheiro central de pessoas coletivas, bem como apreciar a admissibilidade de firmas e denominações.

Para o estudo da matéria destes autos interessa citar o artigo 13º deste Decreto-Lei nº 129/98, de 13 de maio, que diz:

Artigo 13.º

Número de identificação

1 - A cada entidade inscrita no FCPC é atribuído um número de identificação próprio, designado número de identificação de pessoa coletiva (NIPC).

2 - O NIPC é um número sequencial de nove dígitos, variando o primeiro dígito da esquerda entre os algarismos 5 e 9, com exclusão do algarismo 7.

3 - A atribuição do primeiro dígito da esquerda é efetuada de harmonia com tabela aprovada por portaria do Ministro da Justiça.

É, pois, da competência do Ministério da Justiça, através do RNPC, a atribuição do número de registo de pessoa coletiva e a ele também cabe, de conformidade com o nº 3 deste artigo, a definição da composição do número de registo segundo regras de atribuição de alguns dígitos significativos. E a lei incumbe igualmente o RNPC de definir a natureza jurídica das pessoas sujeitas a registo.

Portanto, a cada entidade inscrita no FCPC é atribuído um número de identificação próprio, designado por número de identificação de pessoa coletiva (NIPC), que é um número sequencial de nove dígitos, variando o primeiro dígito da esquerda entre os algarismos 5 e 9, com exclusão do algarismo 7. É isto que resulta do nº 1 do art.º 10º do Decreto-lei nº 326/78, atrás citado: “O número de identificação das pessoas coletivas e entidades equiparadas é um número sequencial cujo primeiro dígito deve ser diferente para as pessoas coletivas e para as entidades equiparadas, e o último um dígito de controlo da exatidão do número”.

A regulamentação legal do método de fixação da ordem dos primeiros dígitos que compõem o número de identificação das pessoas coletivas foi sendo fixada em diversas Portarias[2], sendo o regime atualmente em vigor aquele que consta da Portaria nº 858/81, de 26 de Setembro, que determina:

1ºAos organismos da administração central inscritos no FCPC e Entidades Equiparadas são atribuídas as sequências numéricas iniciadas pelos dígitos 60 a 65;

2ºAos organismos da administração regional inscritos no FCPC e Entidades Equiparadas são atribuídas as sequências numéricas iniciadas pelos dígitos 671, no caso de pertencerem à Região Autónoma da Madeira, e 672, no caso de pertencerem à Região Autónoma dos Açores.

3ºAos organismos da administração local inscritos no FCPC e Entidades Equiparadas são atribuídas as sequências numéricas iniciadas pelos dígitos 68 e 69. 4º Às entidades equiparadas a pessoas coletivas com sede no estrangeiro inscritas no FCPC e Entidades Equiparadas são atribuídas as sequências numéricas iniciadas pelos dígitos 98.

4ºÀs entidades equiparadas a pessoas coletivas com sede no estrangeiro inscritas no FCPC e Entidades Equiparadas são atribuídas as sequências numéricas iniciadas pelos dígitos 98.

 

Deste modo fica claro, da leitura destes diplomas legais, que é ao Ministério da Justiça que cabe, a par do registo das pessoas coletivas, a atribuição do número de identificação que também deverá ser utilizado para efeitos fiscais, sendo certo que a AT ao criar a pessoa coletiva no seu cadastro deve fazê-lo assumindo todas as caraterísticas jurídicas que constem do registo do RPNC sem qualquer modificação. Na verdade, à AT está vedado proceder à classificação da natureza jurídica do sujeito passivo devendo assumir na íntegra os elementos de natureza pessoal que tenham sido validados no ato de registo. E tanto assim é que o Ofício-Circulado nº 1006, de 21/09/2000, da Direção de Serviços de Cadastro sobre “Cadastro Único- Entrada em Produção-Novo cartão de contribuinte” diz logo no seu preâmbulo: “Com a publicação da Portaria nº 862/99, de 8 de Outubro, e sem prejuízo de alguns reajustamentos que poderão vir ainda a ser feitos, completa-se, por agora, o quadro normativo dentro do qual passará a funcionar todo o processo de registo cadastral e a emissão do cartão de contribuinte que, também para as pessoas coletivas, passará a ser atribuição da DGCI.

Refira-se que, sobre esta matéria e para além do aditamento feito ao Código do IVA (artº 34º-A) pela Lei nº 87-B, de 31.12.98, já tinham sido publicados, o Decreto-Lei nº 19/97, de 21 de Janeiro, a Portaria nº 386/98, de 3 de Julho e a Portaria nº 271/99, de 13 de Abril, diplomas que se compatibilizam, por inteiro, com as disposições contidas no Dec.-Lei nº 129/98, de13 de Maio, onde se define o enquadramento legal do registo das pessoas coletivas a cargo da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, do Ministério da Justiça”.

Com relevância na matéria podemos ainda ler no Ofício Circulado o seguinte:

2.2. Pessoas coletivas

A atribuição do número de identificação fiscal às pessoas coletivas obrigadas a registo, continuará a ser da competência do Ministério da Justiça, tal como resulta do Dec.-Lei nº 129/98, de 13 de Maio, mantendo esse número a estrutura que, até aqui, tem sido utilizada.

….”

Tudo para concluir que os elementos que constem do cadastro quanto à natureza pessoal dos contribuintes têm que ser os que são fornecidos pelo RPNC (hoje em dia de forma automática e por via informática). São, pois, informações com a natureza registral que é conferida pela lei e que beneficiam dos efeitos dos atos registados que são oponíveis a terceiros.

A AT não pode proceder a modificações nos elementos que constam do registo obrigatório, ainda que para efeitos fiscais, salvo se ela própria (vide nº 9 do art.º 19º da LGT) obtiver informações que levem a alterar ou desconsiderar a informação registral fornecida pelo RPNC quando da efetivação de um registo de uma pessoa coletiva. Tal informação virá classificada para efeitos de cadastro fiscal conforme o número de registo que lhe for atribuído, e em que um dos elementos desse registo é precisamente o número constituído por nove algarismos, em que três são significativos: os dois primeiros e o último, que é o algarismo denominado chekdigit ou número de controlo para evitar falsificação do NIPC.

Assim sendo, a AT não tem a faculdade legal de deixar de registar como pessoas coletiva com sede no estrangeiro, entidades às quais tenha sido atribuído um número de registo começado por 98, nos termos da Portaria nº 858/84, de 26 de setembro.

            Dos registos oficiais resulta que a Requerente A…, que prestou uma garantia em Portugal, tem o número de identificação de pessoas coletiva n.º…, e que consta no consta no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes – Situação Cadastral Actual, como “NÃO RESIDENTE SEM ESTABELECIMENTO ESTÁVEL”, tendo sede em…, … (conforme documento a fls. 112 e 113 do Processo Administrativo).

Do mesmo modo, consta dos elementos juntos ao processo administrativo que a requerente B…, também tem sede em Honk-Kong e é uma pessoa coletiva com n.º…, que consta no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes – Situação Cadastral Atual, como “NÃO RESIDENTE SEM ESTABELECIMENTO ESTÁVEL” (conforme documento a fls. 105 do Processo Administrativo).

Face ao que vai exposto, é esta a informação cadastral relevante para efeitos tributários já que a AT não invoca em seu benefício o conhecimento do exercício de qualquer atividade tributada ou a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto pelas requerentes que, oficiosamente, pudessem justificar a alteração desta caraterização cadastral para passar, apesar do registo do RPNC, a ser um contribuinte residente ou com estabelecimento estável para efeitos fiscais.

As informações enumeradas na Resposta como sendo relevantes para provar que estamos perante contribuintes residentes, como é a indicação de uma morada em território nacional, na verdade não o são porque, por um lado, poderão referir-se, certamente, às moradas de contacto dos respetivos representantes legais, além de que não é o facto de poderem ter uma representação em território nacional que lhes confere o estatuto de residente; e, por outro lado, todas essas informações também provieram do RNPC mas não foram importantes para que não pudesse ser atribuído um número de registo iniciado por 98 nem que, no próprio impresso extraído do cadastro fiscal, deixasse de constar a menção “Natureza Jurídica: Não residente sem estabelecimento estável” (vide cópias da informação extraída do Sistema de Gestão de Registo de Contribuintes da AT em Fevereiro de 2014 , constantes de pág. 105 a pág. 119 do P.A.).

O que significa que as pessoas coletivas em causa são de facto não residentes segundo o registo nacional das pessoas coletivas, e não vem provado que são domiciliadas em território nacional, requisito da alínea b) do nº 2 do art.º 4º do CIS, pois a AT não apresenta elementos idóneos relativos à existência de sede, filial, sucursal ou estabelecimento estável imputáveis às duas sociedades com residência em Hong Kong que prestaram a garantia.

Deste modo improcede a alegação de que está preenchido o pressuposto de que as requerentes são domiciliadas em território nacional.

 

Por outro lado, está provado que as sociedades beneficiárias da garantia prestada pelas requerentes têm sede no estrangeiro, no Luxemburgo, conforme documentos junto aos autos e que a AT não contesta.

 

Outro elemento do tipo da regra de incidência tem que ver com o facto de a garantia prestada ter que ser em território nacional, e sobre isso não há também dúvidas. O facto tributário principal é a prestação de uma garantia que, nos termos do art.º 10 da Tabela Geral do Imposto de Selo está sujeita a tributação à taxa de 0,04% sobre o respetivo valor, para o caso de ser prestada por prazo inferior a 1 ano. Todavia, esta regra geral comporta algumas condicionantes relacionadas com o princípio da territorialidade previsto no art.º 4º do Código do Imposto de Selo e que contribuem ou afastam a incidência, onde se determina que não há tributação sobre os factos tributários ocorridos em território nacional sempre que os beneficiários da prestação de garantia não sejam domiciliados em território nacional, considerando-se domicílio a sede, filial, sucursal ou estabelecimento estável.

Nos autos foi dado como provado que duas das sociedades beneficiárias da garantia prestada eram residentes no Luxemburgo e que a garantia, apesar de se considerar prestada em território nacional, foi-o por duas entidades com sede no estrangeiro.

Por outro lado, da leitura atenta do nº 2 do art.º 4º do CIS, nada retiramos que respeite à natureza do negócio ou ato subjacente à prestação de garantia. O nº1 só refere que são tributados em imposto de selo os factos referidos no art.º 1º que ocorram em território nacional. A lei não enumera ou prevê qualquer condicionante na regra de incidência que respeite à natureza do negócio. O que está em causa na incidência é a existência ou não de garantia e é o facto de o beneficiário ter ou não residência ou sede em território nacional. O que a lei define e enumera são as operações de crédito e ou as garantias prestadas, “independentemente da sua natureza” (vide alínea b) do nº 2 do art.º 4º do CIS).

Esta conclusão pode resultar, aliás, do próprio Código do Imposto de Selo, se nos apoiarmos numa interpretação sistemática, porque em sede deste imposto, segundo as regras de incidência, na maior parte dos factos tributários previstos não se assume qualquer preocupação com elementos subjetivos ou objetivos, mas se limita a tributar papéis, atos, contratos, documentos, títulos e outros factos ou situações jurídicas que estejam previstas no Código (ver art.º 1º).

Por tudo isto, considera-se sem base legal pretender-se condicionar a tributação através das caraterísticas pessoais dos detentores do capital quando a lei não indica nenhuma pista sobre elementos de natureza subjetiva dos detentores do capital. Esse requisito ou pressuposto não consta da regra de incidência resultante do nº 2, alínea b), do art.º 4º do CIS, nem da enumeração da Verba 10 da TGIS, pelo que carece de apoio legal o chamamento à colação deste argumento.

Finalmente, a AT convoca ainda em sua defesa o desconhecimento da “estrutura acionista anterior da D…, SA e desconhecendo a exata proporção da titularidade das respetivas percentagens no capital social, nunca poderia a Requerida deferir um pedido de restituição de imposto, sob pena de estar a restituir indevidamente valores cujo lugar era (e é), por direito, nos cofres do erário público”.

Para além desta afirmação genérica, a AT não apresentou nenhum outro argumento em apoio desta tese, sendo que também aqui não lhe assiste qualquer razão.

A AT não condicionou o pagamento do IS à prova de quaisquer requisitos de natureza pessoal, sendo que a mesma AT tem conhecimento de quem alega ter efetuado o pagamento indevido e reconheceu-lhe legitimidade para o fazer. Se, no caso, a AT conhece as entidades que suportaram o encargo da tributação, e que nos termos da alínea e) do nº 3 do art.º 3º do CIS, são as entidades obrigadas à prestação de garantia e agora são as mesmas entidades quem vem solicitar a respetiva devolução, não se afigura correto estar a por em causa a legitimidade das requerentes para solicitarem a anulação das liquidações porque são elas os sujeitos passivos de imposto. Não está em causa, portanto, o reconhecimento de qualquer ilegitimidade das requerentes, mas tão só a verificação da legalidade do ato que deu origem à tributação.

Concluindo, e sem necessidade de análise de outros fundamentos, entende o tribunal que se encontra provada a ilegalidade das liquidações n.º … e…, no montante global de € 437.543,49, referentes ao imposto de selo de 2014, que foram efetuadas quanto à prestação de uma garantia na a favor de E… SARL e à L… SARL, IS, porque não se encontra verificada na sua plenitude a regra de incidência respeitante à territorialidade referida na alínea b) do nº 2 do art.º 4º do Código do imposto de selo, pois as Requerentes que prestaram a garantia são sediadas no estrangeiro e as duas beneficiárias das garantias prestadas não são domiciliadas em território nacional uma vez que não têm aqui nem a sede, nem alguma filial, sucursal ou estabelecimento estável.

Termos em que se julga procedente o pedido arbitral, com a consequente anulação parcial dos atos de liquidação de Imposto do Selo mencionados, determinando-se, consequentemente, o reembolso do imposto indevidamente liquidado e pago em excesso.

 

III.2.2. Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício de ilegalidade por erro de direito quanto ao sentido e alcance do artigo 4.º, n.º2, alínea b), do Código do Imposto do Selo, que assegura efetiva e estável tutela dos direitos das Requerentes, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que são imputados aos atos tributários em causa.

            Na verdade, decorre do estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no artigo 124.º do CPPT, que julgado procedente um vício que obste à renovação do ato impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados. Se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se fizesse.

 

 

IV.   Decisão

 

Termos em que acorda o presente Tribunal em julgar procedente o pedido arbitral, determinando-se a anulação parcial dos atos de liquidação de Imposto do Selo atrás identificados, com o consequente reembolso das verbas indevidamente liquidadas e pagas.

 

V.     Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e art.º 297.º, n.º 2, do C.P.C., do art.º 97.º-A, n.º 1, al. a), do C.P.P.T., e do art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 437 543,49.

 

VI. Custas

 

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em 7 038,00€, a cargo da AT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de junho de 2017

 

 

O Árbitro-Presidente

 

Fernanda Maçãs

 

 

O Árbitro Vogal

 

José Ramos Alexandre

 

O Árbitro Vogal

 

 

Olívio Mota Amador

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

 



[1] Nomeadamente o Decreto-Lei nº 555/73, de 26/10, que regulamentou a Lei nº 2/73, de 10/2, o Decreto-Lei nº 326/78, de 9/11, o Decreto-Lei nº 144/83, de 31 de Março, e o Decreto-Lei nº 42/89, de 3 de Fevereiro.

[2] Portaria nº 18/79, de 15 de Janeiro; Portaria nº 205/79, de 2 de Maio; Portaria nº 487/80, de 7 de Agosto.