Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 42/2012-T
Data da decisão: 2012-08-10  IRS  
Valor do pedido: € 3.399,57
Tema: Qualificação do rendimento respeitante a compensação monetária pela rescisão de um contrato promessa de compra e venda de bem imóvel
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ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA

(DL nº 10/2011, de 20/01)

Processo nº 42/2012-T

 


 

DECISÃO ARBITRAL


 

1. RELATÓRIO

 

  1. …, com o NIF … e …, com o NIF …, apresentaram pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 2.º e alínea a) do n.º 1 do art. 10.9 do Decreto-Lei n.9 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributaria, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira (a seguir designada por AT), com vista à anulação parcial da liquidação de IRS de 2007 e consequente restituição da importância de € 3.399,57 aos sujeitos passivos, aqui Requerentes, acrescido de juros indemnizatórios contados desde o pagamento da liquidação adicional parcial, até ao integral reembolso do montante em causa aos Requerentes.


 

  1. Os Requerentes haviam sido notificados da identificada liquidação de imposto e juros, tendo como data limite de pagamento o dia 7/12/2011, a qual foi voluntariamente paga em 23/12/2011.


 

  1. O dito pedido de constituição de tribunal arbitral, apresentado em 2/3/2012 e correspondente ao registo 137, foi validado e aceite em 5/3/2012 como processo em fase de procedimento arbitral, tendo ainda nessa data sido a DGCI notificada da apresentação do aludido pedido.


 

  1. Foi designado árbitro em 14.3.2012, o que foi notificado às partes.


 

  1. O Director-Geral da AT veio, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 13.º do RJAT, comunicar não fazer uso da prorrogativa que lhe é concedida naquele dispositivo legal, mantendo assim vigente o acto sindicado no pedido de pronúncia arbitral.


 

  1. Foi constituído Tribunal Arbitral Singular no dia 27/04/2012, conforme acta desse mesmo dia da reunião decorrida na sede do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e definido o dia 28/5/2012 para realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, a qual foi, posteriormente, reagendada para o dia 11/6/2012.


 

  1. Quer a resposta da AT, quer o processo administrativo subjacente à liquidação de imposto em causa, foram juntos aos autos a 14/5/2012 e notificados aos Requerentes e ao Árbitro.


 

  1. Na reunião prevista no artigo 18º do RJAT, realizada a 11/6/2012, as partes declararam nada ter a requerer e efectuaram alegações orais.


 

  1. Foi aí designado o dia 7/8/2012 para prolação da decisão arbitral.


 


 


 

2. SANEAMENTO


 

  1. O Tribunal Arbitral é competente (artigo 2º nº 1 a) do DL nº 10/2011, de 20/1).


 

  1. O processo não contém nulidades ou incidentes processuais.


 

  1. As partes têm personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do CPPT, ex vi do artigo 29º nº 1 a) do DL nº 10/2011, de 20/1).


 


 

3. FACTUALIDADE


 

Com relevância para a decisão de mérito, foi provada a factualidade a seguir elencada.


 

  1. O Requerente marido havia celebrado, em 4/6/2001, com a sociedade …, SA, dois contratos ­promessa de compra e venda.


 

  1. Pelos ditos contratos, as partes prometeram, reciprocamente, vender e comprar, conforme o caso, duas fracções autónomas, uma no segundo andar e outra no terceiro andar, ambas com tipologia T3, tipo C, no Edifício F.1.2 do complexo dos "J…", integrando ainda, cada uma, a utilização exclusiva de dois espaços de estacionamento situados na cave, pelo preço global de Esc. 35.100.000S00 por cada das ditas fracções, a serem pagos nos seguintes prazos e condições:

  2. Na data da celebração do contrato promessa, a quantia de Esc. 5.850.000$00, a título de sinal e princípio de pagamento;

  3. A título de reforço de sinal, a quantia de Esc. 11.700.000$00, em Janeiro de 2002;

  4. O restante, Esc. 17.550.000$00, no acto da outorga da escritura pública de compra e venda.


 

  1. Acordaram ainda as partes que a não conclusão das obras dentro do prazo acordado geraria responsabilidade civil, mas não poderia a promitente vendedora ser responsabilizada por quaisquer atrasos que não lhe fossem exclusivamente imputáveis e que se por qualquer motivo alheio à vontade das partes, não fosse possível celebrar o contrato definitivo nos termos ajustados até ao termo do prazo acordado, nomeadamente por impedimentos ou condições suscitadas pela Conservatória do Registo Predial, Câmara Municipal ou Notário, haveria lugar apenas a restituição em singelo dos sinais prestados e seus reforços.


 

  1. A conclusão das obras deveria ter ocorrido em Dezembro de 2003 mas tal não veio a suceder e, em 19/3/2007, as partes acordaram em resolver o contrato promessa que haviam celebrado.


 

  1. Por essa rescisão a promitente vendedora restituiu ao promitente comprador o montante de 58.359,35€, a título de devolução do sinal, tendo aquela pago ainda ao segundo o valor de 17.062,00€, a título de “compensação pela rescisão” (cf. acordo de rescisão), sendo esse montante apelidado de “juros compensatórios” no documento de devolução de pagamentos emitido pela promitente vendedora, tudo no valor total, portanto, de € 75.421,35.


 

  1. Nenhuma daquelas verbas foi incluída na declaração de rendimentos dos Requerentes.


 

  1. No ano de 2011, a DGCI efectuou um procedimento inspectivo referente ao ano de 2007, do que resultou um projecto de relatório notificado aos Requerentes, para efeitos de exercício do direito de audição prévia, o que estes exerceram, ainda que sem sucesso, porquanto a correcção foi mantida, originando a liquidação adicional entretanto paga pelos ora Recorrentes.


 

  1. Não se conformando com a mesma, estes apresentaram reclamação graciosa e, subsequentemente, pedido de pronúncia arbitral, peticionando a anulação parcial da liquidação de IRS, com restituição da importância de € 3.399,57, acrescida de juros indemnizatórios desde o pagamento da liquidação adicional, até ao efectivo reembolso do peticionado montante.


 


 


 

4. DIREITO


 

  1. A matéria controvertida corresponde assim em saber da relevância tributária, no âmbito do IRS, mais precisamente enquanto rendimentos de capitais ou enquanto outros incrementos patrimoniais, de parte de uma compensação monetária acordada entre promitentes compradores e promitentes vendedores, por ocasião da rescisão, por mútuo acordo, de um contrato promessa de compra e venda de um bem imóvel.


 

  1. O IRS corresponde ao rendimento acréscimo, sendo para o efeito considerado rendimento o “quantitativo que uma pessoa pode gastar durante um determinado período sem quebra do património que detinha no início desse período” (Manuel Faustino, A tributação do rendimento das pessoas singulares, in Lições de Fiscalidade, João Ricardo Catarino e Vasco Branco Guimarães (coord.), Almedina, 2012, pág. 168; cf. ainda Manuel Pires e Rita Calçada Pires, Direito Fiscal, Almedina, 5º Edição, 2012, pág. 360) não sendo porém essa concepção “levada às últimas consequências pelo IRS português (Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 255), ou seja, tal noção foi adoptada pela reforma de 1989 “com limitações” (Manuel Henrique Freitas Pereira, Fiscalidade, 4º Ed., Almedina, 2011, pág. 81). O imposto é, ainda assim, tendencialmente total e “incide sobre o valor anual dos rendimentos dos contribuintes singulares, depois de efectuadas as correspondentes deduções”, aparecendo “agrupado segundo categorias às quais correspondem uma racionalidade e regime específicos” (Glória Teixeira, Manual de Direito Fiscal, 2º Edição, Almedina, 2010, pág. 69).


 

  1. Contrariamente ao sustentado pelos Requerentes, entende-se que o valor do reembolso atribuído ao Requerente marido não pode ser qualificado como rendimento da aplicação de capitais (Categoria E do IRS, correspondente a “rendimentos da fruição de capitais mobiliários”, como refere Manuel Faustino, ob. cit., pág. 182), porquanto o rendimento não procede da aplicação de capitais latu sensu (e.g. através de um mútuo, objecto de reembolso acrescido da sua “remuneração”), mas decorre antes da compensação pela rescisão de uma promessa de aquisição de um bem, pela qual haviam aqueles desembolsado um sinal. Com efeito, a verba auferida não se integra no tipo da Cat. E (art. 5º, nº1: “1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.”) e portanto também não na previsão da al. p) do nº 2 do art.5º (“quaisquer outros rendimentos derivados da simples aplicação de capitais.”), que se integra na enumeração exemplificativa constante daquele n.º2 e que assume uma natureza de algum modo residual. Não se considera portanto ser directamente aplicável ao caso sub judice a Jurisprudência decorrente do Acórdão nº 170/2003 do Tribunal Constitucional, citado pelos Requerentes e acedido em 06/08/2012 no sítio https://inforfisco.pwc.com/inforfisco/DetalheJurisprudencia.aspx?doc=620913&ReturnUrl=FreeSearch.aspx%3fshowResults%3dtrue.


 

  1. Ora, a verba paga ao Requerente marido tem a natureza de uma “compensação extrajudicial” por danos decorrentes de responsabilidade contratual, i.e. de uma indemnização, e não a natureza de “juros”. Assim, não se enquadra na Categoria E de rendimentos. Caso se integrasse, importa dizer que não teriam os Requerentes razão na conclusão pretendida, pois como refere Manuel Faustino, ob. cit., “a categoria E não beneficia de qualquer dedução específica”, salientando porém, acertadamente, “o que, diga-se, não tem hoje qualquer justificação” (ob. cit., pág. 195).


 

  1. Aliás, diga-se ainda que desde a Lei Orçamental para 2008, a alínea g), do dito n.º 2 do art. 5º do CIRS, passou a ter a seguinte redacção: “2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente: g) Os juros ou quaisquer acréscimos de crédito pecuniário resultantes da dilação do respectivo vencimento ou de mora no seu pagamento, sejam legais sejam contratuais, com excepção dos juros devidos ao Estado ou a outros entes públicos por atraso na liquidação ou mora no pagamento de quaisquer contribuições, impostos ou taxas e dos juros atribuídos no âmbito de uma indemnização não sujeita a tributação nos termos do nº 1 do artigo 12º” (sublinhado nosso, correspondendo à redacção dada pela Lei 67-A/2007, de 31/12, tendo este preceito, em 2007, a seguinte redacção: “2 - Os frutos e vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente: g) Os juros ou quaisquer acréscimos de crédito pecuniário resultantes da dilação do respectivo vencimento ou de mora no seu pagamento, sejam legais sejam contratuais, com excepção dos juros devidos ao Estado ou a outros entes públicos por atraso na liquidação ou mora no pagamento de quaisquer contribuições, impostos ou taxas” (redacção da Lei 30-G/2000, de 29/12). Isto significa que os juros pela dilação do pagamento de uma indemnização devida, são de qualificar como rendimentos de capitais sujeitos a IRS, salvo no caso da enunciada excepção (o que se compreende pela não tributação em IRS do rendimento (capital) sobre o qual tais juros são contados).

 

  1. A alteração que ocorreu entre 2007 e 2008, tem a sua causa próxima no juízo de inconstitucionalidade, citado pelos Requerentes no seu douto pedido, que recaía sobre a citada alínea, na sua redacção em vigor em 2007, quando abrangia juros conexos com a previsão do Art. 12º do CIRS, razão pela qual, caso a verba em causa fosse de considerar como “juros”, que não o é, também não lhe seria aplicável a Jurisprudência relativa a tais juros (conexos com o art. 12º nº 1do CIRS).


 

  1. Como referido, não subsistem dúvidas que as verbas atribuídas ao Requerente marido, enquanto promitente comprador, o foram pela rescisão contratual e, logo, como indemnização pela não celebração do contrato prometido. Aliás, assim tendo sido qualificado no acordo. A referência à referida verba como juros, aliás, num documento autónomo, não permite, por si só, qualificá-la como tal. Essa menção tem, apenas, a virtualidade de permitir vislumbrar o fundamento subjacente ao acordo das partes.


 

  1. Ora, também não subsistem dúvidas de que as indemnizações, quando sujeitas a imposto, se enquadram no conceito de “outros incrementos patrimoniais” (Categoria G do IRS; cfr. alínea b) do n.º 1 do art. 9º), a qual corresponde a uma categoria de “carácter subordinado” (Manuel Pires e Rita Calçada Pires, ob. cit., pág. 378) ou “dependente” e “acentuadamente residual”, que não contém, porém, “uma norma genérica residual de incidência que permita a inclusão no perímetro da tributação de quaisquer outros rendimentos não previstos nas restantes normas de incidência”, sendo essa sua residualidade “enunciativa” (Manuel Faustino, ob. cit., pág. 187).


 

  1. Como é sabido, no início da década passada, o âmbito da tributação dos incrementos patrimoniais (categoria G) foi ampliado pela Lei nº 30-G/2000, abrangendo, como refere Casalta Nabais (Direito Fiscal, 2010, 6º edição, Almedina, pág. 545), “as indemnizações que visem a reparação de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se como tais apenas os destinados a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão, as importâncias auferidas em virtude de obrigação de não concorrência e os acréscimos patrimoniais não justificados determinados nos termos dos art.s 87º, 88º e 89º-A da LGT”, as quais se integram nos “rendimentos de substituição” (Manuel Pires e Rita Calçada Pires, ob. cit., pág. 363). A este propósito também refere José Alberto Pinheiro Pinto (Fiscalidade, pág. 165, 5º edição, Areal, 2011), que com a tributação das “indemnizações destinadas à reparação de danos não patrimoniais, de danos emergentes e de lucros cessantes”, bem assim como das “importâncias atribuídas em virtude da assunção de obrigações de não concorrência, pretendeu-se cobrir áreas propícias à evasão fiscal” (cf. ainda Casalta Nabais, ob. cit, pág.s 264, 490, 503 e 545).


 

  1. Assim, no âmbito de incidência do IRS, as indemnizações encontram-se previstas quer pela positiva (norma de sujeição, cf. Manuel Pires e Rita Calçada Pires, ob. cit., pág. 363), quer pela negativa (norma de exclusão, idem, pág. 364, 378 e 384). Enquanto delimitação negativa do âmbito de incidência do IRS, as indemnizações estão previstas no nº 1 do artigo 12º do respectivo Código, nos termos do qual o “IRS não incide …sobre as indemnizações devidas em consequência de lesão corporal, doença ou morte, pagas ou atribuídas … :  a) pelo Estado, regiões autónomas ou autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos ou organismos, ainda que personalizados, incluindo os institutos públicos e os fundos públicos; ou b) ao abrigo de contrato de seguro, decisão judicial ou acordo homologado judicialmente;” ou “e) pelas associações mutualistas”” (cf. igualmente Casalta Nabais, ob. cit, pág. 546). Por seu turno, a norma de incidência (positiva) corresponde à citada alínea b) do nº1 do Artigo 9º do CIRS (sob a epígrafe rendimentos da categoria G) ao abrigo da qual, e como acima referido, constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as indemnizações que visem a reparação:

  2. de danos não patrimoniais, exceptuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de acordo homologado judicialmente;

  3. de danos emergentes não comprovados;

  4. de lucros cessantes, considerando -se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão.


 

  1. Como a compensação que aqui se analisa não se enquadra na norma de delimitação negativa de incidência do IRS constante do dito art. 12º, importa saber se é a mesma de incluir na previsão (positiva) do citado art. 9º.


 

  1. De acordo com as regras da experiência, a não conclusão de um contrato promessa de compra e venda, tendo sido prestado sinal, é susceptível de ocasionar danos morais (e.g. frustração pela não aquisição de um imóvel que se pretendia adquirir), danos emergentes (e.g. pela mera restituição em singelo de uma quantia previamente desembolsada e que pela erosão monetária tem agora um menor poder aquisitivo), bem como lucros cessantes (e.g. pela perda de uma oportunidade de negócio). Ora, sendo fixada por acordo entre as partes, a indemnização que vise ressarcir os primeiros (danos não patrimoniais) constituirá um evento tributável se aquele não tiver sido homologado judicialmente. O mesmo ocorrerá com a indemnização relativa a danos emergentes, caso estes não se mostrem comprovados; ou com aquela que respeite a lucros cessantes, se ressarcir benefícios líquidos (i.e., deduzidos de encargos associados) deixados de obter por causa da lesão verificada. Ou seja, in casu, a exclusão de tributação dependerá de se reconhecer corresponder a compensação a uma reparação de danos emergentes comprovados.


 

  1. Com efeito, sabe-se que as partes, não obstante terem previsto a restituição em singelo do sinal prestado para o caso de não cumprimento do contrato prometido, vieram a acordar na restituição aos promitentes compradores do valor por estes prestado a tal título, acrescido ainda de um montante a título de “compensação”, também apelidada, num outro documento, que não no acordo de rescisão, como “juros compensatórios”. A verba em causa não visa assim compensar danos não patrimoniais (caso em que a mesma seria de incluir nos outros incrementos patrimoniais relevantes, dado não ter sido fixada por decisão judicial ou arbitral, nem resultar de acordo homologado judicialmente) e também não visa compensar lucros cessantes (caso em que haveria que apurar se visava ressarcir outros danos que não os benefícios líquidos deixados de obter em consequência de uma lesão). Pelo contrário, é antes plausível que ela vise, seguramente em parte, compensar danos emergentes, correspondentes à erosão monetária, como decorre da menção incluída pela promitente vendedora no documento de processamento da verba global paga por cheque bancário ao promitente comprador. E a verdade é que também a Requerida, quer no acto tributário, quer na sua douta Reposta, considera igualmente que a verba em causa corresponde a um indemnização atribuída aos Requerentes pelos danos patrimoniais que possam ter sofrido, considerando-os, porém, não comprovados.


 

  1. Com efeito, trata-se de saber o que se deva entender por ”danos comprovados”, mais precisamente se a “erosão monetária” é um “dano comprovado” para este efeito. Na sua Resposta a AT cita a Informação da DG-IRS constante do ofício n.º …, de …/05/2009, na qual se refere: "atendendo a que não é possível determinar o valor do dano causado, tanto mais que o valor da indemnização resultou de um acordo entre as partes considerar-se-á a indemnização acordada como resultante de um dano emergente não comprovado, pelo que se encontra a mesma sujeita a tributação em IRS nos termos da alínea b), n.1, do art.º 9.º do CIRS" (sublinhado nosso), a qual poderá ajudar à decisão da causa, pois do que se trata é mesmo de saber se é ou não possível, no caso concreto e face aos elementos fácticos conhecidos, “determinar o valor do dano causado”.


 

  1. É inequívoco que da imobilização do sinal por um dado período temporal, que vem a ser restituído em singelo pela não conclusão do contrato prometido, decorre um dano patrimonial emergente, já que o valor (nominal) restituído tem um poder aquisitivo menor do que o mesmo valor nominal originariamente desembolsado. Como vimos acima, é plausível que o dano objecto de “compensação” decorra (em parte) da erosão monetária correspondente à inflação. E no Acórdão de 9 de Julho de 2003, tirado no Procº nº 740/2002 do Tribunal Constitucional (causa próxima da alteração legislativa acima referida e subsequente ao Acórdão citado no douto pedido), pode ler-se haver “juros que assumem a natureza de totalizar a reintegração do direito que se viu lesado pela ocorrência do facto danoso e cujo montante ainda era parte do quantum indemnizatório. Estes últimos não representam um rendimento de um capital não pago atempadamente, postando-se, pois, de forma dissemelhante daquela que ocorre com os juros de mora, cuja fonte é, justamente, o não cumprimento, em tempo, da obrigação de capital já devida e, por isso, representam a retribuição deste capital ou, se se quiser, a indemnização pelo atraso no cumprimento”, correspondendo a “juros compensativos ou compensatórios” (texto consultado em 07/08/2012 no sítio http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/jurel/cst_busca_palavras.php?buscajur=autonomizar&ficha=101&pagina=1&exacta=&nid=2205). E o Acórdão citado pelos Requerentes também refere que estes “juros” devem “ser perspectivados como constituindo ainda uma parte da expressão monetária do quantitativo indemnizatório”, acrescentando que “a indemnização é, em si mesma, uma reparação, não é um acréscimo patrimonial.” (texto igualmente acedido em 6/8/2012 no sítio https://inforfisco.pwc.com/inforfisco/DetalheJurisprudencia.aspx?doc=620913&ReturnUrl=FreeSearch.aspx%3fshowResults%3dtrue). Daqui decorre, pois, não causar qualquer estranheza que a reparação da erosão monetária se inclua no valor do dano patrimonial emergente incluído na indemnização fundada em responsabilidade civil.


 

  1. Nesta linha de raciocínio, ainda que em contexto diverso, os Requerentes sustentam que o art. 50º do CIRS, precisamente no âmbito da Categoria G, ainda que a outro propósito, dá-nos a quantificação do fenómeno da erosão monetária pelo próprio legislador. Com efeito, a “actualização monetária” do valor desembolsado a título de sinal em 2001, por recurso, no ano em causa (2007), à Portaria n.º 768/2007, de 9 de Julho, permite vislumbrar com precisão o quantum indemnizatório correspondente a tal erosão. Consequentemente, tal quantum corresponde a um dano patrimonial comprovado para efeitos do citado art. 9º.


 

  1. Assim, ao valor da “compensação” é de “subtrair” o valor desse dano comprovado, para cálculo do rendimento sujeito a imposto, sendo sujeito a IRS apenas o montante que exceda o resultado da aplicação de tais coeficientes, por corresponder a danos não comprovados. Aliás, o IRS tributa o rendimento-acréscimo, enquanto medida da capacidade contributiva, e esta não se alcança se a aludida erosão monetária não for tida em conta. Poderá argumentar-se que assim não ocorre nos rendimentos de capitais. Porém, tal não deve colher, nomeadamente porque as taxas liberatórias têm em vista, também, ainda que grosseiramente, a compensação desse mesmo fenómeno e uma indemnização tem natureza radicalmente diversa dos rendimentos (frutos) de capitais aplicados.


 

  1. Do exposto decorre em síntese, que a reparação da erosão monetária sofrida pela verba monetária objecto de reembolso constitui a reparação de um dano comprovado e que os ditos coeficientes de desvalorização da moeda, procurando precisamente actualizar o custo de aquisição tendo em conta essa mesma erosão, constitui uma medida apropriada para a quantificação (comprovação) desse dano, ou seja, da dita erosão. Assim sendo, o dano objecto de reparação é de considerar, nessa parte, comprovado.


 

  1. Logo, ascendendo o dano comprovado ao montante de € 8.170,31 (correspondente à “actualização” para 2007 do valor desembolsado como sinal de 2001) e sendo a indemnização de 17.062,00€, a importância a considerar como indevidamente não declarada será apenas de € 8 891,69.


 

  1. Não tendo sido assim considerado, o acto sob censura padece de vício de violação de lei, o que o torna parcialmente anulável.


 

  1. A diferença entre a liquidação a que procedeu a AT, nela se compreendendo os juros moratórios e a que seria calculada levando em conta os danos emergentes provados, é de € 3 399,57, o que corresponde ao montante excessivamente pago pelos Requerentes e que lhes deve ser restituído pela Requerida.


 

  1. Não tendo a AT quantificado, para efeitos da liquidação de IRS a que procedeu, à erosão monetária sofrida e que corresponde a um dano patrimonial que havia sido comprovado, por esse facto quantificando em excesso a indemnização sujeita a IRS nos termos do art. 9.º do CIRS, existe erro imputável aos serviços, razão pela que são devidos juros indemnizatórios aos Requerentes, entre a data do pagamento e a data do efectivo e integral reembolso.


 


 

5. DECISÃO


 


 

  1. Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se:


 

  1. julgar o pedido integralmente procedente e provado;

  2. anular parcialmente a liquidação adicional de IRS e os correspondentes juros compensatórios;

  3. condenar a Requerida a devolver aos Requerentes essa mesma quantia, indevidamente liquidada e paga de € 3 399,57;

  4. acrescida ainda do pagamento de juros indemnizatórios, vencidos e vincendos, entre a data do pagamento (23/12/2011) até à do integral e efectivo reembolso, nos termos dos nºs 2 a 5 do artigo 61.º do CPPT, à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 43.º da LGT.


 

  1. Atento o valor económico do processo, € 3 399,57, fixo as custas no montante de € 612,00, a cargo da Requerida, nos termos dos artigos 12º nº 2 e 22º nº 4 do Dec. Lei nº 10/2011, de 20/1 e do artigo 4º do RCPAT, bem ainda como da Tabela I a este anexa.


 


 

Registe e Notifique.


 

Lisboa, 10 de Agosto de 2012


 


 

O Árbitro,


 


 

Jaime Carvalho Esteves


 


 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo Árbitro.

A redacção da presente decisão rege-se pela antiga ortografia.