Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 58/2012-T
Data da decisão: 2012-09-30  IMT  
Valor do pedido: € 31.945,96
Tema: Imposto Municipal de SISA - revenda
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ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA

(DL n.º 10/2011, 20/01)


 

PROCESSO N.º 58/2012- T

DECISÃO ARBITRAL


 

Autor/Requerente

P. …, S.A., contribuinte n.º …, sociedade com sede na Rua …, Lisboa, representada pelo Ilustre Mandatário Dr. …, por Substabelecimento.


 

Requerida


 

Autoridade Tributária e Aduaneira - representada pelo Sr. Dr… .


 

I. RELATÓRIO

Em vinte e sete de Março de dois mil e doze, P. …, S.A., contribuinte n.º…, sociedade com sede na Rua …, Lisboa, com os demais sinais nos autos, apresentou ao Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) pedido de constituição de tribunal arbitral para obter a anulação do acto tributário de liquidação de Imposto Municipal de Sisa, no montante de € 26.822,50 (vinte e seis mil oitocentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos), a liquidação de juros compensatórios, no montante de € 5.123,46 (cinco mil cento e vinte e três Euros e quarenta e seis cêntimos), no valor total de €31.945,96 (trinta e um mil novecentos e quarenta e cinco Euros e noventa e seis cêntimos), referentes à aquisição do prédio rústico inscrito sob o artigo …, da freguesia de …– Coimbra.


 

Foi designado, em trinta de Março de dois mil e doze, como árbitro único, Fernando Miguel Lourenço.

O tribunal arbitral foi constituído em catorze de Maio de dois mil e doze, na sede do CAAD (cfr. acta de constituição do tribunal arbitral) e encontra-se regularmente constituído para decidir o objecto do Processo.


 

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Causa de pedir:

O Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral é apresentado na sequência do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de Imposto Municipal de Sisa supra mencionado;

A Requerente tem por objecto o desenvolvimento da actividade de investimento imobiliário, adquirindo, no âmbito da mesma, imóveis para revenda;

No âmbito da sua actividade, adquiriu, através de escritura pública de compra e venda outorgada em 06-08-2003, o prédio rústico inscrito sob o artigo …, da freguesia de … - Coimbra, pelo preço de € 536.450,00;

No prazo de 3 anos não foi efectuada a revenda do referido prédio conforme previsto no artigo 11.º, n.º 3, do Código do Imposto Municipal de SISA e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD);

Consequentemente, foi liquidado, pelo Serviço de Finanças de Coimbra – …, o montante de € 26.822,50, acrescido dos respectivos juros compensatórios, a título de Imposto Municipal de SISA;

De acordo com a liquidação em crise, a DGCI considerou que tendo cessado a isenção, deveria a Requerente ter solicitado a liquidação do respectivo Imposto Municipal de SISA, nos prazos previstos no artigo 91.º do CIMSISD;

A liquidação refere que tal isenção encontra-se “(…) sujeita a condição resolutiva;

E, que o adquirente que beneficia da isenção em causa deverá respeitar as condicionantes previstas no artigo 11.º, n.º 3, do CIMSISSD, sendo que em caso de inobservância das mesmas “(…) ficará a aquisição sujeita ao regime geral de tributação de IMSISSD”;

O facto tributário ocorreu no momento em que se verificou a caducidade da isenção de que a aquisição em causa beneficiou: em 06-08-2006;

Nesta data já não se encontrava em vigor o Imposto Municipal de SISA, pois foi revogado por força da reforma do património no ano de 2004;

Naquela data as transmissões onerosas de imóveis eram – tal como actualmente – tributadas em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT);

A liquidação ao exigir o pagamento de um tributo que, à data da ocorrência do respectivo facto tributário, já não se encontrava em vigor é ilegal;

A liquidação foi notificada à Requerente, em Junho de 2011, mas não foi notificada para o exercício do direito de audição em momento prévio ao da emissão da liquidação;

Ao contrário do invocado na liquidação em crise, não está verificada nenhuma das causas de exclusão do direito de audição, previstas no artigo 60.º, n.º 2 e n.º 3 da LGT.

Juntou aos autos cópia dos documentos constituídos pelas peças processuais do “procedimento administrativo e Reclamação Graciosa”.


 

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, em dezoito de Maio de dois mil e doze, apresentou resposta na qual invoca:

O imposto da SISA não foi liquidado aquando da transmissão já que a aquisição foi com destino a revenda, verificando-se, assim, os pressupostos da isenção a que se refere o art. 11º, 3º, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (C.I.M.S.I.S.D.);

A requerente incumpriu a condição resolutiva da isenção, prevista no art. 16º, 1º do C.I.M.S.I.S.D., que era a revenda do prédio com vista a esse fim nos três anos posteriores à transmissão;

Perante a omissão do dever de apresentação do pedido de liquidação do imposto, a que estava legalmente obrigada em consequência da caducidade da isenção, que expressamente resulta dos termos do art. 115º, 5º, do C.I.M.S.I.S.D., o …º Serviço de Finanças de Coimbra, a 27 de Junho de 2011, notificou a Requerente da mencionada liquidação de sisa;

E, a substituição da SISA pelo IMT não invalida a continuação da aplicação das normas do C.I.M.S.I.S.D. às transmissões realizadas antes da entrada em vigor do novo imposto;

Na verdade, resulta do art. 31º, nº 5, do Decreto-Lei nº 287/2003, que os códigos revogados pela reforma da tributação do património mantêm-se aplicáveis aos factos anteriores, incluindo os que tiverem beneficiado de isenção ou de redução de taxa condicionadas e que venham a ficar sem efeito na vigência dos novos códigos;

A Requerente reconhece que, por incumprimento da condição da revenda e não fosse a argumentação apresentada, a isenção de sisa de que aproveitou cessaria a 6 de Junho de 2006;

A liquidação de sisa resultou de procedimento geral ou polivalente de inspecção tributária, relativo ao exercício de 2002, dirigido à P … S.A., com base na Ordem de Serviço n.º 2010…, que correu termos na Direcção de Finanças do distrito de Lisboa;

Sobre o projecto de decisão do relatório, foi o contribuinte ouvido, nos termos do art. 60º do Regime Complementar de Inspecção Tributária (R.C.P.I.T.), aprovado pelo art. 1º do Decreto-lei n.º 426/98, de 31 de Dezembro);

Para o efeito foi enviada à Requerente carta registada - não devolvida pelos CTT -, contendo o Ofício n.º … de 27 de Junho de 2011, conforme o registo CTT n.º RC…PT;

Nos termos do art. 39º, nº 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (C.P.P.T.), a notificação presume-se feita no terceiro dia útil posterior ao do registo.

Não tendo no pedido de pronúncia arbitral, após a notificação do relatório da inspecção e da liquidação, elidido aquela presunção tem de considerar-se ter sido notificada para exercer o direito de audição, pelo que não tinha de ser ouvida de novo antes da liquidação;

Todavia, continua a Requerida, ainda que tivesse sido violado o direito de audição, o incumprimento dessa formalidade seria sempre insuficiente para determinar a invalidade do acto de liquidação de SISA;

A preterição do direito de audição deve ser entendida sem prejuízo do princípio geral de aproveitamento dos actos administrativos, vide Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 1997/12/17, processo nº 36.001, e numerosa jurisprudência posterior no mesmo sentido, nomeadamente, o recente Acórdão de 2 de Abril de 2012, processo nº 0896/11;

Não são susceptíveis de aproveitamento os actos praticados no exercício de poderes discricionários ou mesmo os actos praticados no exercício de poderes vinculados, sempre que seja de admitir como juridicamente possível a possibilidade de a participação dos interessados influenciar o seu conteúdo concreto;

Fora desses casos a formalidade essencial do direito de audição degrada-se em formalidade não essencial caso, objectivamente, se conclua que a participação dos interessados não poderia ter tido qualquer influência na decisão final tomada;

O reconhecimento da isenção do art. 11º, nº 3, do C.I.M.S.I.S.D., bem como a sua revogação, são actos vinculados;

A autora não contesta que não revendeu o prédio rústico adquirido para revenda no prazo de três anos, pelo que a administração fiscal não poderia ter agido de outro modo;

Quanto à invocada caducidade, considera a Requerida que não se verifica pelo que não estão violados os arts. 45º, nº 1, da L.G.T. e 92º do C.I.M.S.I.S.D.

Pois, tal prazo não se teria iniciado aquando da aquisição do prédio: 2002/08/06, mas aquando do termo do prazo para o cumprimento da condição de que depende o benefício fiscal do art. 11º, 3º, do C.I.M.S.I.S.D., que ocorreu a 2006/08/06;

O art. 92º do C.I.M.S.I.S.D. dispunha poder ser liquidada sisa ou imposto sobre as sucessões e doações nos 8 anos seguintes à transmissão ou à data em que a isenção ficasse sem efeito, sem prejuízo do disposto nos parágrafos seguintes e, quanto ao restante, do art. 46º da L.G.T.

Resulta dessa disposição legal que a cessação dos efeitos da isenção, “maxime” em virtude de condição resolutiva superveniente, determinava a abertura da contagem do prazo de caducidade;

O teor do art. 92º do C.I.M.S.I.S.D. seria reproduzido “ipsis verbis” no art. 35º,
nº 1, do Código do Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT).

O art. 92º, parte final, do C.I.M.S.I.S.D., dispõe que a contagem do prazo de caducidade se conta a partir da transmissão ou cessação, esta, obviamente, sempre posterior à transmissão, dos efeitos da isenção;

Tal disposição legal não é, por outro lado, uma especificidade da SISA, já que o art. 46.º, nº 2, alínea c), da L.G.T suspende a contagem do prazo de caducidade, desde a apresentação da declaração até ao termo do prazo de cumprimento da condição;

A ampliação do prazo não viola o princípio da proporcionalidade, já que, durante a suspensão do prazo de cumprimento da condição, a administração fiscal está legalmente impedida de efectuar a liquidação do imposto;

Tal princípio não tem carácter excepcional na ordem jurídica portuguesa, pois é um afloramento da norma do art. 332.º do Código Civil (C.C.), que determina que o prazo de caducidade do exercício de qualquer direito se conta a partir da data em que tal direito possa ser legalmente exercido;

O facto tributário, para efeitos da caducidade do direito de liquidação, foi configurado pelo legislador como a verificação da condição resolutiva da isenção e não como a transmissão fiscal, caso em que não teria sentido a parte final do referido art. 92º;

Enquanto a condição resolutiva não tivesse ocorrido, a administração fiscal estava legalmente proibida de efectuar a liquidação do imposto, pois, a declaração da intenção de revenda, constante da escritura pública de aquisição, constitui verdadeira circunstância impeditiva da tributação em sisa.

Entende, ainda, a Administração Tributária que autora a solicitou no pedido de pronúncia arbitral que, na eventual impossibilidade legal de anulação do acto tributário em virtude da caducidade do direito de liquidação, seja declarada a prescrição da dívida em causa;

Pugna, para além da improcedência de tal invocação, pela incompetência do tribunal tributário, caso conhecesse da excepção da prescrição, pois que esta é fundamento de oposição à execução que está reservada aos tribunais tributários.

Mas, ainda que assim se não entendesse, o art. 180º do C.I.M.S.I.S.D. declarava ser o prazo de prescrição da sisa de 8 anos, aplicando-se o disposto nos arts. 45.º e 56.º da L.G.T., pelo que não se verifica a Prescrição da dívida.

A Requerida procedeu, ainda, à junção de cópia do Processo Administrativo Tributário (“PAT”).

Termina pugnando pela improcedência do pedido.


 

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Realizou-se, em vinte de Junho de dois mil e doze, a primeira (e única) reunião do tribunal arbitral, nos termos e com os objectivos previstos no artigo 18.º do DL n.º 10/2011, 20/01 (Regime de Arbitragem) conforme acta da primeira reunião do tribunal arbitral, na qual ficou assente que: nada havia a propor quanto à tramitação processual a seguir; não havia correcções a considerar nas peças já apresentadas no processo; as partes nada tinham a acrescentar em relação às respectivas posições oportunamente apresentadas; foram de imediato apresentadas as alegações orais; foi designado o dia 31 de Agosto e, posteriormente, 30 de Setembro dois mil e doze para proferir a decisão arbitral.


 

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II. MATÉRIA DE FACTO

 

Analisada a Petição e documentos anexos, a Resposta da Fazenda Pública (“PAT”), e de acordo com a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:

 

  1. No âmbito da sua actividade, a Requerente adquiriu, através de escritura pública de compra e venda outorgada em 06-08-2003, o prédio rústico inscrito sob o artigo …, da freguesia de …- Coimbra, pelo preço de € 536.450,00;


 

  1. A Requerente tem por objecto actividades imobiliárias, adquirindo, no âmbito da mesma, imóveis para revenda com isenção do Imposto da SISA nos termos do art. 11º, 3º, do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (C.I.M.S.I.S.D.);


 

  1. No prazo de 3 anos não efectuou a revenda do referido prédio conforme previsto no artigo 11.º, n.º 3, do Código do Imposto Municipal de SISA e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD);


 

  1. Não tendo sido objecto de transmissão, a isenção da sisa de que beneficiou a sua aquisição cessou a 06-08-2006;


 

  1. Para apuramento dos factos relativos à situação tributária do referido prédio, teve lugar um procedimento de inspecção tributária ao exercício de 2003, à Requerente, com base na Ordem de Serviço n.º 2010…, que correu termos na Direcção de Finanças do distrito de Lisboa;


 

  1. O projecto de decisão do relatório foi remetido à Requerente, para se pronunciar nos termos do art. 60º do Regime Complementar de Inspecção Tributária (R.C.P.I.T., aprovado pelo art. 1º do Decreto-lei nº 426/98, de 31 de Dezembro), através de carta registada datada de 31-03-2011, conforme registo CTT nº RC…PT;


 

  1. A requerente não exerceu o direito de audição e foi notificada do Relatório de Conclusões da acção de Inspecção e da Liquidação do imposto pelo Serviço de Finanças de Coimbra por carta registada c/AR, datada de 22-06-2011, recepcionada em 27-06-2011;


 

  1. A liquidação oficiosa do Imposto (SISA), foi efectuada nos termos do nºs 3 do art.11.º, 16.º, 33.º, 45.º e 91.º, do CIMSISSD à data de 14/06/2011, referente ao ano de 2006, com o montante total a pagar de € 31.945,96 (trinta e um mil novecentos e quarenta e cinco Euros e noventa e seis cêntimos) sendo de Imposto € 26.882,50 (vinte e seis mil oitocentos e oitenta e dois Euro e cinquenta cêntimos) a que acresce Juros Compensatórios no montante de €5.123,46 (cinco mil cento e vinte e três Euros e quarenta e seis cêntimos);


 

  1. Por não se conformar com a referida Liquidação, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa, recebida nos serviços em 08/11/2011, que tramitou sob o n.º …;


 

  1. Invocou a Requerente, em sede de Reclamação Graciosa: a) não foi notificada para o exercício do direito de audição em momento prévio ao da emissão da liquidação; b) a liquidação é ilegal por no momento em que ocorreu o facto tributário o CIMSISSD já não se encontrava em vigor; c) ocorreu a caducidade do direito à liquidação (adicional) do imposto nos termos do art. 111.º do referido CIMSISSD;


 

  1. Em sede de apreciação da referida Reclamação Graciosa foi proposto o seu indeferimento por os fundamentos apresentados não merecerem acolhimento.


 

  1. A Requerente, notificada através do seu mandatário para, querendo, exercer o direito de audição sobre a referida proposta de decisão, nada veio a dizer.


 

  1. Através do ofício n.º …, de 26/12/2011 oriundo da Direcção de Finanças de Coimbra, o mandatário da Requerente foi notificado do Despacho de indeferimento da mencionada Reclamação Graciosa, proferido pelo respectivo Director de Finanças;


 

Não se provaram outros factos susceptíveis de influenciar a decisão da causa.

No que se refere aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos, atento o teor dos documentos mencionados nos números antecedentes.


 

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III. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente.

O Processo não contém quaisquer nulidades, mas, vem invocada excepção da incompetência do Tribunal Arbitral pela Fazenda Pública, caso este conheça da excepção da prescrição por esta ser fundamento de oposição à execução.

Decidindo, dir-se-á que não conhecerá este Tribunal Arbitral esta alegada excepção porquanto, ao contrário do que refere a Requerida, a prescrição não foi um argumento invocado pela Requerente para justificar a sua pretensão. De facto, lendo e relendo a petição de constituição de Tribunal Arbitral verifica-se que a Requerente apenas se refere à prescrição para reforçar a sua argumentação quanto ao momento em que, na sua opinião, ocorre o facto constitutivo do imposto e, consequentemente, o nascimento da obrigação tributária (vide os §36.º e segs. da p.i e, em especial, os §46.º e 51.º). Não se trata, por isso, de matéria que se deva apreciar, pelo que improcede a excepção suscitada.


 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 3.º, 6.º e 15.º do CPPT aplicáveis “ex vi” art. 29.º do RJAT).


 

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IV. DA FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL


 

A – Das questões a decidir

Nos presentes autos está em causa apreciar e decidir quanto ao mérito do pedido de anulação da liquidação adicional da SISA (Ponto 1 da matéria de facto) e, em particular, se:

  1. Ocorre, no caso em apreço, vício de forma por preterição de notificação da Requerente para o exercício do Direito de Audição em momento prévio ao da emissão da liquidação;

  2. A liquidação é ilegal por, no momento em que ocorreu o facto tributário, o CIMSISSD já não se encontrar em vigor; e

  3. Ocorreu, ou não, a caducidade do direito à liquidação (adicional) do imposto nos termos do art. 111.º do referido CIMSISSD.


 

1. Da alegada preterição de formalidade legal essencial


 

Como resulta da matéria factual dada como assente a liquidação do Imposto de SISA dos autos teve subjacente uma acção de Inspecção, sendo, também, inequívoco que a requerente foi notificada para, querendo, exercer o Direito de Audição sobre o projecto de relatório.

Posteriormente, e também em sede de processo de Reclamação Graciosa, foi a Requerente notificada para, querendo, se pronunciar sobre a proposta de indeferimento desta. Também aqui, e uma vez mais, nada disse.

A questão que se coloca nesta sede é se, ainda assim, deveria a Requerente ter sido notificada antes da emissão da liquidação. A resposta, adiantamo-la desde já, é negativa.

Com efeito, a matéria da omissão da audição antes da liquidação constitui um tema já tratado, amplamente, quer pela Doutrina, quer pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores.

E nesta matéria poderá dizer-se que constitui, há já longo tempo, Jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores que tendo sido facultado ao Contribuinte o direito de audiência antes da conclusão do relatório da Inspecção Tributária, é dispensável que lhe seja dada a faculdade de ser ouvido, novamente, antes da liquidação, salvo no caso de invocação de factos novos em relação aos quais ainda não tivesse tido oportunidade de se pronunciar – neste sentido, por exemplo, os Acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo datados de:

–17 de Janeiro de 2007, proferido no processo com o n.º 1003/06, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/fb95e36a0b68b3528025726d004ef1df?OpenDocument;
– 15 de Fevereiro de 2007, proferido no processo com o n.º 956/06, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cb10e8c8699094e78025728e005321d5?OpenDocument;
– 23 de Janeiro de 2008, proferido no processo com o n.º 394/07, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6a7c9831a6a9474a802573e00036e518?OpenDocument;
– 23 de Janeiro de 2008, proferido no processo com o n.º 428/07, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d71d8434bef3e341802573e00036f0c9?OpenDocument.).

Pelo que ficou dito, podemos dar como certo que, tendo sido facultado à Requerente a possibilidade de exercer o direito de audição antes da conclusão do relatório da Inspecção Tributária (e da Reclamação Graciosa), e não tendo sido invocados quaisquer factos novos, não estava a Administração Tributária e Aduaneira, in casu, obrigada a conceder novo direito de Audição, pelo que improcede a alegada violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 60.º da LGT.


 


 

2. Da alegada ilegalidade da liquidação por ausência de norma de incidência


 

Como segundo argumento, invoca a Requerente que a liquidação sub-judice é ilegal porque, no momento em que ocorreu o facto tributário, o CIMSISSD já não se encontrava em vigor. Dito de outro modo, e se bem compreendemos a alegação da Requerente, considera-se que o facto de aquele código ter sido, entretanto, revogado determina a ausência de norma de incidência aplicável, pelo menos, naquele código.

Quanto a esta matéria convém relembrar que estamos, no caso em apreço, perante factos decorrentes da outorga de escritura pública de aquisição de prédio rústico para revenda (art. … da freguesia de …– Coimbra), com isenção de SISA, celebrada em 06-08-2003; e que, por não ter dado cumprimento à condição da revenda, a isenção de SISA de que a Requerente beneficiou cessou em 6 de Agosto de 2006.

Entre um momento e outro, em 2004, a designada Reforma do património determinou a “substituição” do Imposto de SISA pelo IMT.

Com base neste facto, invoca a Requerente a ilegalidade da presente liquidação por a Administração Tributária exigir o pagamento de um imposto (SISA) que, à data da ocorrência do respectivo facto tributário (Junho de 2011 na opinião da Requerente), já não se encontrava em vigor.

Vejamos se lhe assiste razão.

Como nota introdutória, dir-se-á que ao contrário do que entende a Requerente, o facto da suspensão da tributação em sede de SISA ter cessado em 06-08-2006, num momento em que já se encontrava em vigor o CIMT, não significa, por si só, que o C.I.M.S.I.S.D. não tenha aplicação no caso em apreço, nomeadamente às transmissões realizadas antes da entrada em vigor do novo imposto.

Tal é, a nosso ver, o que resulta do n.º 5 do art. 31.º, do Decreto-Lei
nº 287/2003, nos termos do qual: “Os Códigos revogados continuam a aplicar-se aos factos tributários ocorridos até à data da entrada em vigor dos Códigos e alterações referidos no artigo 32.º do presente diploma, incluindo os factos que tenham beneficiado de isenção ou de redução de taxa condicionadas e que venham a ficar sem efeito na vigência dos novos Códigos” – negrito e sublinhado nossos.

Ora, s.m.o. no caso em apreço e apesar da isenção de SISA ter cessado a 6 de Agosto de 2006, o facto tributário ocorreu antes, i.e. em 06/08/2003, aquando da transmissão do imóvel. É esta a transmissão que constitui o facto da vida ao qual a lei (na altura o C.I.M.S.I.S.D) atribui o dever de prestar dando início à relação jurídico-tributária nos termos previstos no artigo 36.º da LGT – sobre o conceito de facto tributário, por exemplo, Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 364 e J.L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 2000, pág. 44).

Na verdade, só existe isenção – note-se que estamos perante uma isenção sujeita a condição e não perante uma exclusão de incidência – porque, previamente, ocorreu um facto tributário que determinou a tributação. É certo que ocorreu um facto – a destinação do imóvel – que determinou a aplicação de uma isenção. No entanto, a não verificação dessa condição fez renascer o direito a tributar que, em rigor, surgiu três anos atrás.

Veja-se, com interesse para o caso que nos ocupa o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 26 de Outubro de 2011, proferido no processo com o
n.º 0354/11, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/666ec55308bd6f678025793e0057231e?OpenDocument&ExpandSection=1.

Como bem se refere aí “ a obrigação de imposto, como obrigação “ex lege”, nasce com a ocorrência, na prática da vida, dos eventos naturais ou jurídicos que se ajustem aos pressupostos predeterminados, de forma geral e abstracta, pela lei de tributação: logo que se verifique o preenchimento do quadro dos pressupostos pré-estabelecidos na lei, a obrigação de imposto irrompe na Ordem Jurídica”.

Contudo, continua aquele aresto, “esta eficácia constitutiva do facto tributário definido pela norma tributária material pode ser paralisada pela previsão legal de um outro facto que impede a produção dos efeitos jurídicos daquele ou seja, do nascimento da obrigação de imposto. Estamos, então, perante uma isenção, perante um facto impeditivo autónomo e originário, independente do facto tributário em cuja conformação ele não entra, distinguindo-se, assim, dos elementos que o possam delimitar negativamente.

Entre as isenções do imposto em causa previstas na lei contava-se precisamente aquela de que beneficiou a Requerente: as aquisições de prédios para revenda, nos termos do art. 13º-A, desde que se verifique ter sido apresentada, antes da aquisição, a declaração prevista no art. 111º do Código da Contribuição Industrial, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda (art. 11º, nº 3 C.S.I.S.D.).”

Porém, a paralisação da referida eficácia constitutiva do facto tributário, não prejudica o momento em que esse mesmo facto ocorre o que, como bem refere o tribunal, sucede com a “transmissão (aquisição por parte do sujeito passivo respectivo) e não a partir da data em que ocorreu a caducidade da condição a que ficara subordinada a isenção de que o mesmo usufruiu”.

Face ao exposto e sem necessidade de mais considerações, tendo o facto tributário ocorrido, no caso em apreço, em 06/08/2003, era-lhe aplicável o C.I.M.S.I.S.S.D como, de resto, determina o nº 5 do art. 31º, do Decreto-Lei nº 287/2003 pelo que a liquidação de SISA sub judice não enferma, também, do invocado vício que, assim, improcede.


 

3. Da alegada caducidade do direito à liquidação


 

Por último, invoca a Requerente que, quando foi notificada da liquidação sub judicio já se encontrava decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação (adicional) do imposto nos termos do art. 111.º do referido C.I.M.S.I.S.S.D.

Também aqui falece razão à Requerente. É Jurisprudência assente que em caso de ocorrência de uma transmissão isenta mas cuja isenção dependa de uma condição resolutiva, a contagem do prazo de caducidade apenas se inicia com a sua ocorrência.

Veja-se, com interesse para o caso que nos ocupa o recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 9 de Maio de 2012, proferido no processo com o
n.º 888/11, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9b367959cf2aac9780257a01003b2bf1?OpenDocument.

Refere-se aí, de forma conclusiva que “Os prazos de caducidade do direito de liquidar e de prescrição da dívida tributária, no caso de Imposto de Sisa, apenas se iniciam a partir da verificação do não cumprimento da condição resolutiva ou, no caso, do incumprimento da obrigação de não dar ao imóvel objecto de isenção destino diferente– negrito e sublinhado nossos.

E, continua: “constitui jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal que o prazo de caducidade do direito à liquidação do Imposto de Sisa devido só pode começar a contar-se a partir da não verificação da condição resolutiva (Cfr. Acórdão do STA de 26/10/2011, proc. Nº 0354/2011.), isto é, no caso, da verificação do incumprimento da obrigação de não dar destino diferente ao imóvel (ou seja, de 06/08/2006), uma vez que só a partir dessa data aquele direito de liquidar podia ser exercido pela Administração Tributária.

Subsumindo a referida Jurisprudência ao caso em apreço, reportando-se o incumprimento da obrigação de não dar destino diferente ao imóvel a 06/08/2006 e tendo a Requerente sido notificada da liquidação em 14/06/2011, é manifesto que não se verifica a caducidade da liquidação, atento o disposto no art. 92.º do CIMSISSD, por não terem decorrido 8 anos entre as referidas datas.


 

Somos, assim, a concluir, pela legalidade da liquidação do Imposto de Sisa, por não estarmos em presença da violação do disposto nas normas legais invocadas pela Requerente.


 

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V. DECISÃO


 

1. FACE DO EXPOSTO E PELOS MOTIVOS ACIMA REFERIDOS DECIDE-SE: DECLARAR-SE IMPROCEDENTE A PRETENSÃO DA REQUERENTE E MANTER-SE O ACTO TRIBUTÁRIO IMPUGNADO.

2. FIXAR AS CUSTAS NO MONTANTE DE € 1 836.00 (MIL OITOCENTOS E TRINTA E SEIS EUROS) A CARGO DA REQUERENTE DE ACORDO COM O ARTIGO 12.º, N.º 2 DO REGIME JURIDICO DE ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, DO ARTIGO 4.º DO RCPAT E DA TABELA I ANEXA.


 

Notifique.

Em 2012.09.30

O Árbitro,


 

Fernando Miguel Lourenço

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Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.

Na redacção da presente decisão não se adoptou o recente acordo ortográfico.