Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 71/2012-T
Data da decisão: 2012-11-30  IVA  
Valor do pedido: € 18.427,35
Tema: Caducidade do direito à liquidação; âmbito da isenção do art. 9.º n.º 29.º do CIVA
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Processo n.º 71/2012-T

 

 

RELATÓRIO

 

 

  1. PARTES

 

..., Lda., NIPC …, com sede na … (Requerente), requereu nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com intervenção de juiz singular com vista à apreciação de litígio em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA ou Requerida).

 

  1. PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL

 

Constitui objecto da presente pronúncia arbitral o pedido de anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2007, 2008, 2009 e 2010, no montante total de Eur. 18.427,35 (dezoito mil quatrocentos e vinte e sete euros e trinta e cinco cêntimos), adiante melhor identificadas, efectuadas à Requerente na sequência de uma acção inspectiva realizada pela Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro.

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

Para fundamentar os indicados pedidos, alega, em suma, a Requerente:

 

- Que as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios referentes aos primeiro, segundo e terceiro trimestre de 2007, tendo sido notificadas à Requerente em 02 de Dezembro de 2011, embora já constassem do relatório final da inspecção notificado à Requerente em 31 de Outubro de 2011, já não lhe podem ser exigidas, por já ter decorrido o prazo de 4 anos para o exercício do direito à liquidação pela ATA;

 

- Que a Requerente se encontra registada, para efeitos de IVA, para o exercício da actividade de “outras actividades de saúde humana, N.E.”, com o CAE 86906, sem direito à dedução, estando por isso enquadrada no regime de isenção previsto no artigo 9.º do Código do IVA;

 

- Que, para a prossecução do seu objecto social, e porque não tem nos seus quadros profissionais médicos com vínculo laboral à Requerente, efectua a cedência de espaços e de bens móveis a clínicos de diversas especialidades e a sociedade médicas;

 

- Que a referida cedência de espaços e de bens móveis efectuada pela Requerente a aos clínicos, por revestir uma situação de locação de bens imóveis mobiliados presume-se, nos termos do NRAU, como unitária, e que, por isso, deve beneficiar da isenção prevista no Código do IVA para a locação de bens imóveis;

 

- Que, conjuntamente com a cedência pela Requerente do espaço e dos bens móveis, são prestados serviços de apoio aos clínicos, os quais se traduzem, nomeadamente, na recepção, instalação e acompanhamento dos pacientes, marcação de consultas, serviços de desinfecção, higienização e limpeza, os quais são subsumindo-se à isenção prevista no Código do IVA para as prestações de serviços efectuadas no exercício da profissão de médico;

 

Com os indicados fundamentos, peticiona a anulação dos actos tributários impugnados, por violação do artigo 9.º n.ºs 1) e 29) do Código do IVA, com referência aos artigos 1022.º e 1065.º, entre outros, do Código Civil.

 

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

Notificada do pedido de pronúncia arbitral, veio a ATA, em resposta, pugnar pela manutenção dos actos tributários impugnados, sustentando para o efeito, brevitates causae:

 

- Que não caducou o direito da ATA efectuar as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios controvertidas, referentes ao primeiro, segundo e terceiro trimestre de 2007, uma vez que nos termos do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, a contagem do prazo de caducidade apenas se iniciou em 01 de Janeiro de 2008;

 

- Que, a par do exercício da actividade de prestação de serviços médicos e de outras actividades de saúde (isentas de IVA nos termos do artigo 9.º n.º 1 e 2 do Código do IVA), a Requerente presta serviços a médicos/sociedades médicas que se traduzem na cedência de instalações, equipamentos, materiais e serviços de apoio, recebendo, em contrapartida, um determinado montante;

 

- Que a cedência pela Requerente de instalações, equipamentos, materiais e serviços de apoio aos médicos/sociedades médicas não beneficia na isenção de IVA, prevista no artigo 9.º n.º 29 do Código do IVA;

 

- Que, ao contrário do que a Requerente afirma, não se está perante um contrato de locação, mas antes perante uma prestação de serviços de tipo inominado, e que, por isso, não é susceptível de beneficiar da isenção prevista no artigo 9.º n.º 29 do Código do IVA, alicerçando tal conclusão na jurisprudência comunitária, invocando, para o efeito, o acórdão do Tibunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 18 de Janeiro de 2011 (Processo n.º C-150/99 – Caso Lindopark).

 

 

  1. ALEGAÇÕES ESCRITAS

 

Não havendo outra prova a produzir em audiência, por dispensa da produção de prova testemunhal, foram apresentadas pelas partes as suas alegações em suporte escrito, nos termos do artigo 18.º n.º 2, e 19.º, n.º 12, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, nas quais ambas reafirmaram as posições expressas nas peças processuais apresentadas.

 

***

  1. FUNDAMENTAÇÃO

 

O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído. É materialmente competente nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro. As partes gozam de capacidade judiciária e são legítimas. O processo não enferma de nulidades que o invalidem.

 

Não existindo, por conseguinte, qualquer razão que obste ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.

 

  1. Questões decidendas

 

Está em causa nos presentes autos saber se os actos tributários sindicados enfermam dos vícios de ilegalidade que lhe imputa a Requerente. Mais concretamente, se já se verificou a caducidade do direito da Requerida proceder às liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios do primeiro, segundo e terceiro trimestre de 2007, como também se a liquidações adicionais violam o artigo 9.º n.ºs 1 e 29 do Código do IVA, com referência aos artigos 1022.º e 1065.º do Código Civil.

 

  1. Matéria de facto

 

Com base nos documentos juntos aos autos pelas partes, e ponderadas as regras sobre repartição do ónus da prova, são os seguintes os factos considerados como provados, com relevo para a boa decisão do pleito:

 

  1. A Requerente tem por objecto social a prestação de serviços médicos e de enfermagem;

 

  1. Para a realização do seu objecto social, a Requerente, porque não tem nos seus quadros clínicos médicos com vínculo laboral, permite a utilização de espaços a clínicos de diversas especialidades;


 

  1. A cedência do espaço engloba não só as paredes, mas os móveis indispensáveis à realização das consultas tal como uma cadeira, uma secretária e uma “marquesa”,


 

  1. Para além disso, a Requerente presta ainda aos clínicos em causa, através da afectação do seu pessoal, todo um conjunto de serviços relacionados com o exercício da actividade médica, tais como serviços de apoio administrativo à marcação de consultas, preparação, recolha, e acondicionamento e registo dos elementos das análises clínicas, esterilização de materiais, ajuda nos actos de diagnóstico, desinfecção, higienização e limpeza dos espaços, etc.


 

  1. Pela prestação dos serviços indicados em C) e D) a Requerente recebeu de cada clínico, nos anos em questão, uma contraprestação de valor variável, fixada em função da aplicação de uma percentagem de 20% das quantias recebidas pelo médico em causa;


 

  1. A Requerente foi alvo de uma acção de inspecção externa, de âmbito parcial, realizada pela Divisão de Inspecção Tributária I (DIT I) da Direcção de Finanças de Aveiro;

 

  1. A referida acção de inspecção foi realizada a coberto das Ordens de Serviço n.º… , de 19 de Janeiro de 2011 e 17 de Maio de 2011, com referência ao IVA do exercício de 2008 e ao IVA e IRC do exercício de 2007;


 

  1. Posteriormente, em 18 de Maio de 2011, foi alargado o âmbito da Ordem de Serviço n.º…, abrangendo também o IVA, referente aos exercícios de 2009 e 2010;


 

  1. As referidas Ordens de Serviço foram assinadas pelas sócias-gerentes da Requerente em 11 de Maio de 2011 e 4 de Agosto de 2011 respectivamente, tendo os procedimentos de inspecção tido início nas referidas datas;

 

  1. No âmbito da acção de inspecção, a Requerente foi notificada, em 08 de Agosto de 2011, na pessoa do TOC, Sr. …, para, até 23 de Agosto de 2011, proceder à “identificação em concreto o tipo dos serviços prestados associado aos recibos emitidos constantes da listagem anexa, bem como identificar o respectivo prestador (nome e número de contribuinte).”.


 

  1. A resposta da Requerente foi enviada por correio electrónico enviado pelo TOC da Requerente, o Sr. …, em 24 de Agosto de 2011;


 

  1. Na referida resposta, a Requerente efectuou uma descrição das normas internas que se destinam a explicitar os serviços por ela prestados, anexando uma listagem identificando e descrevendo os recibos emitidos durante os exercícios de 2008 a 2011;


 

  1. A acção de inspecção externa foi concluída em 15 de Setembro de 2011, originando correcções aritméticas, em sede de IVA, nos exercícios de 2007 a 2010;


 

  1. O projecto do relatório da inspecção tributária foi notificado à Requerente através do ofício n.º …, de 19 de Setembro de 2011, o qual foi expedido através de correio registado, com o n.º CTT RC …, e recebido na sede da Recorrente em 22 de Setembro de 2011, para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição prévia;


 

  1. A Requerente exerceu o direito de audição prévia no prazo fixado para o efeito, discordando das conclusões evidenciadas no projecto de relatório, afirmando, para o efeito, que beneficia da isenção de IVA prevista no artigo 9.º do Código do IVA, não sendo por isso qualificável como sujeito passivo misto de IVA. Afirma inclusivamente que o método de determinação do IVA deveria consistir no IVA incluído no valor do rendimento proveniente da prestação de serviço, e não no que foi utilizado pela Requerida para a determinação do IVA;

 

  1. A modificação do método de determinação do IVA foi acolhido pela Requerida, a qual alterou em conformidade os valores do IVA alegadamante adevidos pela Requerente calculando o imposto “por dentro”;


 

  1. O relatório final da acção inspectiva realizado foi notificado à Requerente através do ofício n.º …, de 28 de Outubro de 2011, o qual foi expedido através de correio registado com aviso de recepção, com o n.º CTT RC …, e recebido pela Requerente em 31 de Outubro de 2011;


 

  1. A Requerente foi notificada em 2 de Dezembro de 2011 das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2007 a 2010, tudo no montante total de Eur. 18.427,35 (dezoito mil quatrocentos e vinte e sete euros e trinta e cêntimos), tendo como data limite de pagamento 31 de Janeiro de 2012;


 

  1. A Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral em 30 de Abril de 2012;


 

  1. A Requerida foi notificada em 21 de Junho de 2012 para, querendo, apresentar resposta, como também para juntar o processo administrativo, o que veio efectivamente a fazer.

 

  1. Apreciando

 

  1. Da caducidade do direito à liquidação

 

Entende a Requerente que as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, referentes ao primeiro, segundo e terceiro trimestres de 2007 devem ser anuladas por lhe terem sido notificadas após o prazo de 4 anos de que a Requerida dispunha para a liquidar e notificar este imposto.

 

Não tem razão, porém, a Requerente.

 

E isto porque, apesar de o IVA consistir, de acordo com a tradicional classificação dos impostos em função do momento da verificação do respectivo facto tributário, um imposto de obrigação única, o certo é que, desde 1 de Janeiro de 2005, data em que entrou em vigor a Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro, que o n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT) dispõe expressamente que o IVA constitui, para efeitos de contagem do prazo de caducidade, uma excepção à regra prevista para os impostos de obrigação única, contando-se, não a partir da data da verificação do facto tributário a que diz respeito, mas a partir do dia 1 de Janeiro do ano seguinte.

 

Esta conclusão é incontornável na medida em que a letra da lei se apresenta como inequívoca. Com efeito, tal como dispõe aquele preceito (sublinhado nosso), “o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

 

Esta mesma conclusão já foi, de resto, por diversas vezes sancionada pelo Supremo Tribunal Administrativo, de cuja abundante jurisprudência se cita, a título de exemplo, pela sua peremptoriedade e sucintez, a seguinte passagem do Acórdão de 7 de Setembro de 2009 (Processo 0461/11)1: “Depois da redacção do n.º 4 do artigo 45.º da LGT pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 20 de Dezembro, o prazo, de 4 anos, em relação ao IVA, conta-se, não «a partir da data em que o facto tributário ocorreu», mas «a partir no ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.”.

 

Razão pela qual, sem mais delongas, se decide julgar improcedente o pedido de anulação das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios referentes ao primeiro, segundo e terceiro trimestres do exercício de 2007, com fundamento na caducidade do direito á liquidação.

 

  1. Da pretensa ilegalidade por violação do artigo 9.º do Código do IVA

 

Considera a Requerente, quanto à questão de fundo, que o valor cobrado aos clínicos pela disponibilização do espaço e demais prestações de serviços sobre os quais foi apurado o IVA liquidado pela Administração Tributária consubstancia a contrapartida da realização de prestações de serviços isentas nos termos do artigo 9.º n.º 1 e 2, e artigo 9.º n.º 29.º, todos do Código do IVA (CIVA), por se tratarem, por um lado, de prestações de serviços conexos com a prestação de assistência médica, e, por outro, de serviços de sublocação, sendo tais liquidações ilegais por violação dos indicados preceitos do CIVA.

 

Contra tal enquadramento insurge-se a Requerida, considerando que, na situação em análise, se está perante contratos de prestação de serviços inominados insusceptíveis de ser reconduzidos ao conceito de serviços médicos ou ao conceito de locação tal como este vem sendo delimitado pela jurisprudência comunitária.

 

Vejamos quem tem razão.

 

Tal como resulta da factologia descrita, a Requerente cobra aos médicos que utilizam as suas instalações para a prática da sua actividade, uma percentagem do valor por estes cobrado aos seus clientes, a qual visa remunerar, indistintamente, a cedência de espaços para consultas, e todo um conjunto de equipamentos e serviços, quer de âmbito administrativo, quer de âmbito de apoio ao acto médico.

 

Cabendo naquela contraprestação a remuneração de serviços da mais variada natureza, constitui questão decidenda fundamental nos presentes autos, a de saber em que medida as várias prestações ali incluídas podem ser individualizadas para efeitos da aferição do respectivo regime fiscal, e se, assim não se entendendo, e se considerar estar presente uma prestação de serviços inominada, como o pretende a ATA Requerida, será possível aplicar a esse todo, algum dos regimes especiais previstos no artigo 9.º do Código do IVA.

 

Ora, de acordo com o entendimento sucessivamente sufragado pela jurisprudência comunitária, parece assente a conclusão segundo a qual a operação económica deve ser vista como um conjunto incidível de vários elementos que constituem uma única operação para efeitos de incidência do IVA, tendo em conta, em primeira mão, a função económica que subjaz tanto ao objecto principal como aos acessórios.

 

Tal como decidiu o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no Acórdão de 21 de Fevereiro de 2008 (Processo n.º C-425/06) “decorre do artigo 2.° da Sexta Directiva que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente (v. acórdão de 21 de Fevereiro de 2008, Part Service, C‑425/06, Colect., p. I‑897, n.° 50 e jurisprudência aí indicada). Por outro lado, em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, susceptíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes. Tal sucede, por exemplo, quando se verifica que uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e que a ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias que partilham do destino fiscal da prestação principal. Em particular, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador (acórdão Part Service, já referido, n.° 51 e jurisprudência aí indicada). Além disso, pode igualmente considerar‑se que se está em presença de uma prestação única quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo estão tão estreitamente ligados que formam, objectivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial (acórdão Part Service, já referido, n.° 53). (...).”.

 

Decorre da mesma linha de raciocínio, no entanto, que, se se estiver perante várias prestações formalmente distintas entre si, susceptíveis de serem realizadas autonomamente, as mesmas devem ser objecto de enquadramento individualizado, na medida em que tal subsunção seja possível.

 

Como o decidiu o mesmo Tribunal, por acórdão de 11 de Junho de 2009 (Processo n.º C-572/07), “(...) as prestações de limpeza das partes comuns de um imóvel, embora estejam associadas à utilização do bem locado, não integram necessariamente o conceito de locação, na acepção do artigo 13.º, B, alínea b), da Sexta Directiva. Além disso, é certo que o serviço de limpeza das partes comuns de um imóvel pode ser fornecido segundo modalidades diversas, ou seja, por exemplo, por um terceiro que factura o custo desse serviço directamente aos locatários ou pelo locador que utiliza, para o efeito, o seu próprio pessoal ou recorre a uma empresa de limpezas. Há que sublinhar que, no caso em apreço, a RLRE Tellmer Property factura as prestações de limpeza aos locatários separadamente da renda. 24 Assim, uma vez que a locação dos apartamentos e a limpeza das partes comuns de um imóvel podem, em circunstâncias como as do processo principal, ser dissociadas uma da outra, não se pode considerar que essa locação e a referida limpeza constituem uma prestação única na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça. 25 Atento o conjunto das considerações que precedem, há que responder à primeira questão que, para efeitos da aplicação do artigo 13.°, B, alínea b), da Sexta Directiva, a locação de um imóvel e o serviço de limpeza das partes comuns desse imóvel devem, em circunstâncias como as do processo principal, ser consideradas operações autónomas, dissociáveis uma da outra, não integrando o referido serviço o âmbito dessa disposição. (...).”.

 

Ora, compulsadas as várias realidades que integram a contraprestação cobrada pela Requerente aos clínicos que utilizam as suas instalações, julga-se poder concluir que as mesmas consubstanciam efectivamente, na verdade, prestações economicamente cindíveis, cuja decomposição e individualização se afigura como possível, sem risco de artificialidade.

 

Contudo, para que tal pudesse determinar a segregação de dois ou mais regimes de IVA aplicáveis, impunha-se que o próprio sujeito passivo efectuasse essa decomposição ou indicasse, ao menos um critério de repartição com um mínimo de aderência à realidade. O que não fez.

 

Com efeito, apesar de a Requerente escalpelizar a actividade desenvolvida pela Clínica e descrever pormenorizadamente o tipo de serviços abrangidos na quantia cobrada, em momento algum concretiza ou específica, por exemplo, a parte da contra-prestação que é imputável à cedência das salas e a imputável aos serviços prestados a cada médico.

 

De tal modo que, em duas consultas de especialidades diversas, de igual valor, o montante cobrado pela Requerente parece poder ser de valor exactamente igual, ainda que uma delas exija o apoio especializado da funcionária da Requerente durante a consulta, e outra apenas careça dos serviços de recepcionista.

 

Neste contexto cumpre salientar que ainda em 8 de Agosto de 2011, a Requerente, na pessoa do seu TOC, foi notificada para “Identificar em concreto o tipo de serviço prestado associado aos recibos emitidos constantes da listagem anexa, bem como identificar o respectivo prestador (nome e contribuinte).

 

Contudo, apesar de lhe ter sido concedida essa faculdade, a Requerente não veio, nesta fase nem ulteriormente em sede de direito de audição, concretizar aquela discriminação.

 

Tal facto expressamente se refere no relatório final da acção de inspecção, a fls. (...) “(...). Face a esta constatação, isto é verificando-se que o sujeito passivo cedia espaço a terceiros para o exercício da actividade médica e, atendendo-se a que o próprio alegava que não se tratava de cedência de espacços, mas tão só de serviços médicos, foi a sociedade em análise notificada em 08-08-2011 (Anexo 1), na pessoa do TOC, Sr. …, para identificar em concreto o tipo de serviço prestado, associado aos recibos emitidos pelo Centro Médico, nos exercícios de 2007 a 2010, e identificar o respectivo prestador (nome e número de contribuinte). Em resposta ao solicitado na referida notificação (Anexo 2), o sujeito passivo começa por fazer um enquadramento das normas internas do Centro Médico, nomeadamente procedimentos a seguir desde a marcação da consulta à angariação de doentes, bem como a descrição das diversas especificidades ali existentes. Posteriormente, o sujeito passivo apenas se limita a mencionar dados que constam dos próprios recibos emitidos pelo Centro Médico, nomeadamente ao referir que “(...) No que se relaciona com as especialidades médicas, os recibos indicam médicos ou sociedades médicas que disponibilizam profissionais (ex. Centro Pediátrico de …, …, …, ...) e que colaboração com o Centro.”, não acrescentado qualquer facto novo. (...).”.

 

Não o tendo feito, então, não o fez também posteriormente, não se identificando na petição formulada a este tribunal arbitral qualquer esforço no sentido de discriminar ou concretiza os serviços que foram prestados a cada destinatário, ou o montante a que corresponde na contra-prestação global, ou ainda sequer indicar qual o serviço que, por principal, deve prevalecer sobre os demais para efeitos da qualificação justributária.

 

De tal modo que, em alternativa, são colocadas duas hipóteses de enquadramento, ambas assentes em pressupostos e bases legais completamente díspares.

 

Ora, tal inactividade não pode deixar de ser valorada contra si.

 

Com efeito, o artigo 74.º n.º 1 da LGT dispõe genericamente que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”.

 

O que significa que, conforme lapidarmente afirmam Diogo Leite de Campos et al2(...).em regra, a administração tributária terá o ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretender exercer no procedimento, enquanto que os sujeitos passivos terão o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização desses direitos.”.

 

Mas não deve ficar por aí a actividade administrativa, impondo-se ainda à administração tributária, atento o princípio do inquisitório, que realizar as diligências necessárias para a descoberta da verdade material que se encontrem ao seu alcance.

 

Ora, do que ficou exposto, resulta claramente que a Requerida facultou à Requerente a possibilidade de concretizar aquela verdade material no decurso do procedimento, assim cumprindo com o que a lei lhe exigia. Faculdade essa que a Requerente não aproveitou, não carreando para o procedimento de liquidação, ou, posteriormente, para o processo arbitral, quaisquer factos susceptíveis de pôr em causa, ou qualquer forma abanar, ainda que de forma ligeira, as conclusões assumidas pela inspecção tributária, e o entendimento por esta assumido, segundo o qual se estará perante uma prestação de serviços inominada.

 

E se assim é, não resta outra solução que não a de confirmar esse entendimento.

 

Com efeito, afigura-se-nos inquestionável, numa lógica de incindibilidade, que a cedência remunerada de espaços para a realização de consultas não constitui, per se, uma prestação acessória ou sequer estreitamente conexa com a prestação de serviços médicos abrangida pela isenção prevista no n.º 2 do artigo 9.º do Código do IVA.

 

De outra parte, parece-nos também claro, em face do âmbito de aplicação da isenção prevista na alínea i) do n.º 1 do artigo 135.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro, transposta entre nós para o n.º 29 do artigo 9.º do CIVA, que vem sendo sedimentado pelo TJUE3, que o conceito de locação de imóveis para efeitos de isenção de IVA não comporta as situações em que a par da colocação à disposição do espaço, são ainda integradas integradas prestações de serviços conexas à fruição do imóvel que impliquem uma exploração activa daquele, como o são, no caso vertente, as prestações de serviços de apoio à prática clínica realizada no imóvel.

 

Tal como vem sendo decidido pelo referido TJUE, as características do contrato de locação que constituem os seus elementos essenciais – obrigação assumida por uma das partes de proporcionar a outrem o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição – deve não só estar presente na operação económica considerada como um todo incindível, como ser a prestação preponderante dessa mesma operação4.

 

Sendo certo que, no caso em análise, como o demonstra a miríade de serviços associados à contraprestação cobrada pela Requerente, e resulta patente, aliás, da circunstância de a própria Requente admitir que a subsunção da mesma contraprestação nos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º do CIVA, não resulta claro, sequer, que a colocação do espaço à disposição dos médicos constitui a prestação preponderante da operação económica.

Não se podendo afirmar também, na linha do decido pelo Supremo Tribunal Administrativo no recente Acórdão de 29 de Junho de 2011 (Proc. 0497/11), que tais serviços médicos possam ser subsumidos em “meras cláusulas acessórias, não tipificadas na disciplina jurídica civilística da locação, que as partes entenderam estabelecer como complemento do negócio jurídico celebrado, por se adaptarem aos interesses contratuais em presença, sem relevância económica enquanto operações efectuadas a título oneroso (…).” Tal não é, manifestamente, por todo quanto se referiu, o caso da situação em análise.

 

Pelo que, e sem mais delongas, não resta senão concluir, na linha do sustentado pela Requerida, que as prestações de serviços realizadas pelo Requerente a que respeitam as liquidações de IVA impugnadas, consubstanciam prestações de serviços inominadas, sujeitas como tal a imposto nos termos gerais do n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA, e não abrangidas por qualquer isenção.

 

Razão pela qual se confirmam, por legais, aquelas liquidações, assim como as liquidações de juros compensatórios que lhe estão associadas, julgando-se improcedente o pedido formulado pela Requerente.

 

  1. Decisão

 

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de anulação das liquidações adicionais de IVA, e correspondentes juros compensatórios, referentes ao primeiro, segundo e terceiro trimestres do exercício de 2007, com fundamento em alegada caducidade do direito à respectiva liquidação;

 

 

  1. Julgar improcedente o pedido de pedido de anulação das liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2007 a 2010 com fundamento na violação dos n.ºs 1, 2 e 29 do artigo 9.º do Código do IVA.

 

 

Fixa-se o valor da acção em Eur. 18.427,35 (dezoito mil, quatrocentos e vinte e sete euros e trinta e cinco cêntimos).

 

Custas do processo arbitral no montante de Eur. 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros) a cargo da Requerente, de acordo com o disposto no artigos 12º nº 2 e 22.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e artigo 4º nº 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Novembro de 2012

 

José Pedroso de Melo

 

 

 

Texto elaborado ao abrigo do anterior Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91, de 23 de Agosto e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, 23 de Agosto).

 

1 Disponível em www.dgsi.pt

2 In Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª edição, Encontro da Escrita, Lisboa, Maio de 2012, pág. 656

3 E que, por se tratar de um conceito autónomo de Direito comunitário, deve ser objecto de uma definição comunitária (cf., neste sentido os Acórdão do TJUE de 12 de Setembro de 2000 (procs. C-358/97 e C-359/97).

4 Cf., por todos, o Acórdão do TJUE de 18 de Janeiro de 2001, caso Lindopark (Proc. C-150/99).