Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 563/2016-T
Data da decisão: 2017-05-30  IMI  
Valor do pedido: € 4.464,72
Tema: IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis
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Decisão Arbitral

 

O Árbitro Dra. Maria Antónia Torres, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 2 de Dezembro de 2016, acorda no seguinte:

 

1.        RELATÓRIO

 

1.1. A…, Lda., contribuinte nº…, com sede na Rua …, nº…, …, …, Freguesia de …, Porto, requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante RJAT[1]).

 

1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade, e consequente anulação parcial, do acto tributário de liquidação de IMI, com o nº 2014…, no montante de €4.464,72 (quatro mil quatrocentos e sessenta e quatro euros e setenta e dois cêntimos), na parte respeitante à majoração de 200% da taxa de IMI aplicável, relativo ao ano de 2014, melhor identificado na petição inicial apresentada pela Requerente, e que aqui se dá por articulado e reproduzido, para todos os efeitos legais, a qual respeita ao prédio urbano propriedade da Requerente, sito na …, Guarda, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º… .

Mais requer a Requerente a condenação da Requerida à restituição das quantias indevidamente pagas e que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios sobre todas as quantias pagas. 

A Requerente apresentou Reclamação Graciosa em 1 de Abril de 2016, a qual veio a ser arquivada pela Requerida, em 9 de Maio de 2016, com o fundamento de que, estando o apuramento do imposto correctamente efectuado, a Reclamação Graciosa não é o meio próprio de defesa para o fim que a Requerente pretende atingir, posição com a qual a Requerente discorda.

 

1.3. A fundamentar o seu pedido alega a Requerente que a taxa de IMI referente ao imóvel acima referido, e aplicável aos prédios urbanos sitos no Município da Guarda, constante da liquidação de IMI objecto desta petição, foi majorada em 200%. Ora, não conseguindo a Requerente retirar expressamente da nota de liquidação a razão pela qual essa majoração terá sido efectuada, e considerando que não existe qualquer fundamento legal ou factual para tal, entende ser a liquidação sub judice ilegal. Considera ainda a Requerente que foi também ilegal a decisão de arquivamento da Reclamação Graciosa por si apresentada com base no argumento de que não seria o meio próprio de defesa neste caso. Ora, entende a Requerente que não tendo sido notificada de qualquer outro acto nesta matéria que não a liquidação sub judice, só desta liquidação poderia reagir, sendo a Reclamação Graciosa o meio próprio para esse efeito. Por fim, alega ainda a Requerente que o acto em causa carece de fundamentação, in casu, no que respeita à majoração de 200% aplicada ao imóvel, tendo sido violado o disposto nos artigos 268º da CRP e 77º da LGT. Acresce que a Requerente alega ter ainda sido violado o princípio da participação e do contraditório por falta de audição prévia.

 

1.4. A AT defende que o pedido sub judice deveria ser julgado improcedente porque, desde logo, o tribunal arbitral não é competente para análise da questão, devendo a Requerente ter usado a acção administrativa como meio processual adequado a este caso. Refere a AT que a qualificação dos prédios como devolutos para efeitos de IMI cabe ao Município (que depois notifica a AT), pelo que tendo a AT liquidado o IMI com base nessa informação, a liquidação de imposto encontra-se correcta, devendo a Requerente, querendo, recorrer contra a decisão do município. Adicionalmente, alega ainda a Requerida que deveria ser responsabilidade do Requerente apresentar os documentos comprovativos das comunicações efectuadas pelo Município, as quais o Requerente diz não terem ocorrido, mas que a Requerida considera que “Podemos com segurança concluir, que o ora Requerente e Sujeito Passivo de IMI foi notificado para exercer o direito de audição prévia…”, sem ter, no entanto, apresentado prova desse facto.

 

1.5. Ambas as partes apresentaram as suas alegações, de forma sucessiva. Foi dispensada a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18º do RJAT, por não existir necessidade de apresentação adicional de prova.

 

             2.    SANEAMENTO

                

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

 

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

             3.    MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:

 

1)      A Requerente era, à data da liquidação sub judice, proprietária do prédio urbano objecto dessa mesma liquidação, sito no Município da Guarda;

 

2)      A Requerente foi notificada para liquidar IMI sobre o referido imóvel, à taxa aplicável no referido Município com um agravamento de 200%, tendo efectuado o pagamento do imposto;

 

3)      A Requerente apresentou Reclamação Graciosa a 1 de Abril de 2016, tendo a mesma sido arquivada pela AT, com base no argumento de que, dada a questão em litígio, não seria esse o meio próprio de defesa, mas sim uma acção administrativa especial;

                                                                

Factos não provados

 

Não se constataram factos essenciais, com relevo para a apreciação do mérito da causa, os quais não se tenham provado, excepto no que se refere à notificação da Requerente, quer para efeitos de audição prévia, quer para efeitos de decisão final, pela Câmara Municipal da Guarda, relativamente à qualificação do imóvel enquanto devoluto.

 

Fundamentação da Matéria de Facto

 

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova apresentada Requerente, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas pela Requerida, excepto na parte em que a Requerida apresenta a convicção, mas não a prova, de que a Requerente terá sido notificada pelo Município para efeitos de audição prévia, facto que a Requerente nega.

 

 

 

4. DO MEIO PROCESSUAL ADEQUADO E DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

Entende a AT que a Requerente, ao apresentar a Reclamação Graciosa acima referida, não usou do meio processual adequado para o efeito, considerando a AT que, face à qualificação do imóvel pelo Município como devoluto, o apuramento do imposto foi correctamente efectuado. Pelo que, deveria a Requerente ter usado de uma acção administrativa especial para sua defesa. Entende ainda a AT que aquilo que a Requerente pretende contestar não é a liquidação de IMI sub judice, mas sim a qualificação do imóvel pelo Município, pelo que considera ser este Tribunal manifestamente incompetente para decidir da questão.

 

Ora, não podemos deixar de discordar desta posição da AT. Senão vejamos. A Requerente insurge-se contra um acto de liquidação de IMI, acima melhor identificado, ainda que avançando que, na origem desse acto, possa estar uma errada qualificação do imóvel. No entanto, a sua petição é, claramente, no sentido da anulação parcial de um acto de liquidação de IMI, conforme decorre dos autos.

 

Pelo que improcede esta excepção, dado que o que se discute é a liquidação de IMI anteriormente referida, situação perfeitamente enquadrável na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT.

 

5. DO DIREITO

 

Conforme supra identificado, a questão decidenda prende-se com a declaração de ilegalidade parcial do acto de liquidação de IMI do ano de 2014, no que concerne à aplicação da majoração de 200% aplicável à taxa de IMI, sobre o imóvel propriedade da Requerente.

Antes de mais, é certo que da nota de cobrança do IMI em apreço, não resulta a razão da majoração de 200% da taxa aplicável, sendo que, não obstante, a Requerida aponta na sua resposta a qualificação do imóvel como devoluto enquanto fundamento para tal, fundamento este que a Requerente toma igualmente por provável.

Com base neste pressuposto, cumpre analisar o tema da majoração da taxa de IMI em caso de declaração de prédios urbanos como devolutos.

O legislador, no sentido de operacionalizar o disposto no n.º 3 do artigo 112º do CIMI, veio definir o conceito fiscal de prédio devoluto e qual o procedimento e os pressupostos para que tal qualificação possa ocorrer.

Considera-se, assim, devoluto o prédio urbano que pelo período de um ano se encontre desocupado, sendo indícios de desocupação a inexistência de contratos em vigor com empresas de telecomunicações, de fornecimento de água, gás e eletricidade e a inexistência de faturação relativa a consumos de água, gás, eletricidade e telecomunicações, sem prejuízo das exceções elencadas na norma.

No que concerne ao procedimento para qualificação de um imóvel como devoluto o n.º 1 e nº 2 do artigo 4º do diploma aplicável refere que: “A identificação dos prédios urbanos ou frações autónomas que se encontrem devolutos compete aos municípios” e que “Os municípios notificam o sujeito passivo do IMI, para o domicílio fiscal, do projeto de declaração de prédio devoluto, para este exercer o direito de audição prévia, e da decisão, nos termos e prazos previstos no Código do Procedimento Administrativo.

Ou seja, cabe ao Município, caso se verifiquem os pressupostos para a declaração de determinado prédio como devoluto, iniciar o procedimento acima referido, nomeadamente procedendo à notificação do proprietário para se pronunciar. Pelo que, o enquadramento de um imóvel como devoluto, para efeitos fiscais, não pode deixar de ser precedido de notificação ao seu proprietário, garantindo-se assim que o proprietário possa participar na formação da decisão, exercendo o contraditório.

E, só à luz deste procedimento, que a lei estabelece como da responsabilidade do Município, se admite que não seja necessária a audição prévia efectuada pela AT nas liquidações de IMI da mesma natureza da que aqui se aprecia.

Ora, no caso em apreço, desde logo se discute se à Requerente foram efectuadas as referidas notificações obrigatórias. Conforme anteriormente mencionado, a Requerente alega nos autos que tal comunicação não existiu, em nenhum momento, por parte do Município. Por outro lado, a Requerida apesar de convicta de que tal terá ocorrido, conforme resulta da sua resposta, não procedeu à junção a estes autos de qualquer documento comprovativo dessas notificações à Requerente. Ora, com base no n.º 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária, não podemos deixar de suportar o entendimento de que era a Requerida que tinha que efectuar tal prova: “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”

 

Conforme vem sendo entendido pela doutrina, e também no processo 136/2015 que se debruçou sobre o mesmo tema, as autarquias locais são, nestes casos, credores tributários, não só titulares da receita do imposto em causa mas também do poder de estabelecer taxas e majorações de taxa, sem prejuízo do facto da gestão do imposto ser da responsabilidade da AT.

Ora, no caso da liquidação de IMI em apreço, a parte do procedimento tributário que cabe ao Município, é determinante para a fixação da taxa de imposto a ser aplicada ao imóvel.

No entanto, não veio a Requerida demonstrar nos autos que o procedimento legalmente estabelecido para que seja aplicável a majoração à taxa de IMI foi cumprido, nomeadamente mediante as necessárias notificações à Requerente, pelo que não fica comprovado que se verificavam as condições para qualificação do imóvel como devoluto. A ter sido cumprido, teria razão a Requerida quando refere que não caberia “novo” direito de audição antes da liquidação de IMI, na medida em que os elementos novos da liquidação de IMI seriam já do conhecimento e discutidos com a Requerente. Contudo, não fez a Requerida prova de que tivesse sido esse o caso, que à Requerente tivesse já sido dado previamente o poder de exercer o contraditório. Pelo que não se pode concluir que tenha a Requerente sido notificada nesse sentido, pondo-se em causa um pressuposto essencial sobre o qual assenta a liquidação de IMI em causa, razão pela qual se decide no sentido da existência de erro sobre os pressupostos de direito.

Tendo concluído este tribunal neste sentido, fica prejudicada, porque processualmente inútil, a apreciação dos restantes vícios aduzidos pela Requerente.

 

 

6. DECISÃO:

 

Nestes termos e com a fundamentação que se deixa exposta, decide este tribunal arbitral:

 

1.      Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial do ato tributário de liquidação de IMI do ano de 2014, com fundamento em erro sobre os pressupostos de direito, anulando-o na parte correspondente à majoração da taxa de IMI.

 

2. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios

   peticionado pela Requerente.

 

* * *

 

Fixa-se o valor do processo em Euros 4.464,72 (quatro mil quatrocentos e sessenta e quatro euros e setenta e dois cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC. 

 

O montante das custas é fixado em Euros 612 (seiscentos e doze euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

Notifique-se.

          Lisboa, 30 de Maio de 2017

 

O Árbitro

 (Maria Antónia Torres)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.