Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 562/2016-T
Data da decisão: 2017-05-30  Selo  
Valor do pedido: € 58.233,11
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS; terrenos para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I.             Relatório

 

1. A A…, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na Avenida da … n.º…, …, …-… Lisboa, em representação de B…– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, pessoa coletiva n.º …, (doravante designada por “Requerente”), apresentou, em 15-09-2016, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pedido de pronúncia arbitral no qual solicita a declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa deduzida pela Requerente e a consequente anulação dos atos tributários de liquidação de Imposto do Selo, relativos ao ano de 2014, com os n.ºs. 2015 …, 2015 … e 2015 …, e o consequente reembolso do imposto indevidamente liquidado e pago em excesso no montante de € 58.233,11 (cinquenta e oito mil duzentos e trinta e três euros e onze cêntimos).

 

2. As liquidações supra identificadas, emitidas ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante “TGIS”), referem-se a um prédio urbano (terreno para construção) sito na Rua …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de.., sob o artigo matricial … .

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 30-09-2016.

 

4. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

 

5. As partes foram notificadas, em 16-11-2016, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

6. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 02-12-2016.

 

7. A Requerida, devidamente notificada através do despacho arbitral, de 06-12-2016, apresentou, em 16-01-2017, a sua Resposta e remeteu o Processo Administrativo.

 

8. O Tribunal Arbitral por despacho, de 07-03-2017, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por não ter sido invocada matéria de exceção, solicitada a realização de diligências probatórias adicionais, nem suscitadas questões que obstem ao conhecimento do mérito do pedido, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste (vd., artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT).

Atendendo a que a Requerida na Resposta afirmou não pretender produzir alegações, o Tribunal mandou notificar o Requerente para, no prazo de 10 dias, declarar se pretendia produzir alegações.

O Requerente não se pronunciou e o Tribunal Arbitral, por despacho de 05-05-2017, dispensou as alegações e designou o dia 31-05-2017 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

9. A posição da Requerente, de harmonia com o disposto na petição de constituição do Tribunal Arbitral, é, em síntese, a seguinte:

9.1. Conforme resulta da caderneta predial do imóvel em análise, objeto das liquidações de Imposto do Selo sub judice, o mesmo estava inscrito na matriz como “terreno para construção”.

9.2. Os prédios inscritos na respetiva matriz como terrenos para construção não podem ser subsumíveis no conceito de “prédios com afetação habitacional” e, por conseguinte, não se encontram incluídos no âmbito de incidência objetiva da verba 28.1 da TGIS. Deste modo entende o Requerente que as referidas normas nunca poderiam ter sido aplicadas ao prédio sub judice – inscrito na matriz como “terreno para construção” – encontrando-se assim as liquidações de Imposto do Selo sub judice desprovidas de fundamento legal.

9.3. Ao contrário do entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira, a mera inscrição matricial do prédio como “terreno para construção”, não pode legitimar, só por si, a aplicação da verba 28.1 da TGIS. Assim, para aplicação da verba 28.1 da TGIS afigurar-se-á sempre necessário que exista todo o processo administrativo associado à construção e, finalmente, uma licença/autorização de construção (válidas) e um projeto (aprovado) – cf. Artigo 6.º, n.º 3 do Código do IMI -, sendo que o mesmo se deve destinar a habitação.

9.4. O facto de um “terreno para construção” estar inserido numa área em que – de acordo com o respetivo Plano Diretor Municipal – é possível construir e que tais construções (permitidas) podem ser destinadas a habitação, não pode gerar, só por si, aplicação da verba 28 da TGIS.

9.5. Neste contexto, resulta evidente que a mera expectativa – ou mesmo a mera possibilidade jurídica, em vigor numa determinada data – de, num “terreno”, vir a ser edificado um prédio urbano com afetação habitacional, não poderia nunca ser suficiente para tributar o prédio ao abrigo daquela verba – nem, de resto, a redação da norma e os fins subjacentes à mesma o permitiriam.

9.6. De facto, de acordo com a intenção expressa do legislador, a tributação especial prevista na verba 28.1 da TGIS apenas poderá ser aplicada a “terrenos para construção” nas situações em que exista uma “edificação autorizada ou prevista para habitação”.

9.7. Ora, no que respeita ao prédio em causa no presente pedido, o mesmo não tinha – e não tem – uma “edificação autorizada ou prevista” para “habitação”, conforme é exigido pela verba 28.1 da TGIS. E, de resto, o Fundo, na qualidade de proprietário deste prédio, não tem intenção de afetar este prédio a qualquer tipo de construção ou projeto urbanístico.

9.8. Nestes termos, atenta a situação do prédio em análise, não poderia ter sido aplicada in casu a tributação consagrada na verba 28.1 da TGIS, dado não estarem verificados os respetivos pressupostos de aplicação.

9.9. Resulta evidente que as liquidações de Imposto do Selo sub judice, emitidas sobre aquele prédio, se afiguram manifestamente ilegais, por erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo as mesmas ser prontamente anuladas.

9.10. A título subsidiário, e sem prejuízo do quanto foi expendido supra, entende o Requerente que a tributação especial prevista na verba 28.1 da TGIS, quando aplicada a “terrenos para construção” é contrária ao princípio basilar da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP e, em paralelo, contrária ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no artigo 104.º, n.º 3 do mesmo diploma.

9.11. A verba 28 da TGIS e a tributação especial resultante da mesma promovem um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, em manifesta violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.

9.12. A violação do principio constitucional da igualdade decorre, desde logo, de o facto tributário relevante restringir-se apenas a uma parcela do património imobiliário de valor superior a € 1.000.000,00 – i.e. sobre o património imobiliário afeto ou destinado à habitação – estando excluído do âmbito da tributação todo o restante património de elevado (ou muito elevado) valor que se encontre afeto ou destinado a outros fins.

9.13. A verba 28.1 da TGIS distingue assim diferentes utilizações e destinações, tributando apenas os prédios afetos à habitação e os terrenos destinados a construção para habitação, excluindo sem mais os prédios com outras afetações que, independentemente do respetivo VPT, não são objeto desta tributação.

9.14. A solução legal adotada conduz a tratamentos distintos de sujeitos passivos proprietários de patrimónios imobiliários de muito elevado valor, consoante tais patrimónios estejam concentrados ou dispersos.

9.15. A tributação prevista na verba 28.1 da TGIS gera assim uma manifesta iniquidade, não sendo a mesma aplicada, inexplicavelmente, a bens imóveis – propriedade de um único sujeito passivo – afetos a fins habitacionais que, apesar de isoladamente considerados terem um VPT inferior a €1.000.000, no seu conjunto perfazem um VPT superior (e, por vezes, até bastante superior) a € 1.000.000.

9.16. Atento o exposto, cumpre concluir que a tributação especial, em sede de Imposto do Selo, incidente sobre os prédios com afetação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00, introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, viola, pela forma como foi formulada, o princípio constitucional da igualdade tributária e o seu corolário traduzido no princípio da capacidade contributiva.

9.17. Em consequência deverá ser desaplicada, no caso concreto, a verba 28 da TGIS, por manifesta inconstitucionalidade, sendo em consequência anulados os catos tributários sub judice.

9.18. A verba 28.1 da TGIS colide ainda com o princípio constitucional da igualdade tributária ao determinar a dupla tributação de um mesmo facto tributário – i.e. a titularidade de um direito real.

9.19. Deste modo, a tributação da verba 28.1 da TGIS, ao não delimitar a tributação dos “terrenos para construção” em função do VPT das habitações “autorizadas ou previstas” para os mesmos, fazendo depender a sua aplicação apenas do VPT do próprio terreno, deixa de distinguir situações que deveriam ser necessariamente distinguidas.

9.20. Verifica-se, assim, uma injustificada discriminação negativa entre “terrenos para construção”, sendo assim de concluir que a verba 28.1 da TGIS é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, enunciado genericamente no artigo 13.º da CRP.

9.21. Inexiste justificação racional para tributar a titularidade de direitos sobre o “terrenos para construção”, quando este tenha o VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, e não tributar a titularidade dos direitos do sujeito passivo sobre o “prédio já edificado”, quando as respetivas frações tenham isoladamente VPT inferiores àquele.

9.22. Verifica-se, assim, uma injustificada discriminação negativa entre os “terrenos para construção” com VPT igual ou superior a €1.000.000,00 cujas edificações para habitação “autorizadas ou previstas“ tenham um VPT individual inferior a € 1.000.000,00 e os “terrenos para construção” com VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 cujas edificações para habitação “autorizadas ou previstas” com VPT igual ou superior a €1.000.000,00.

9.23. O Requerente apesar de não poder concordar com as liquidações de IS efetuou o pagamento integral e atempado das mesmas, pelo que, sendo as liquidações em análise manifestamente ilegais, deve o Requerente ser ressarcido do valor do imposto liquidado com base nas mesmas, porque não devido. Assim, e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT e do artigo 100.º da LGT requer o Requerente que seja a Autoridade Tributária e Aduaneira condenada no reembolso do imposto liquidado com base nos atos tributários em apreço.

9.24. O Requerente requer que, sendo julgada procedente a decisão arbitral ora requerida, sejam pagos ao Fundo, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e dos artigos 43.º e 100.º, ambos da LGT, os respetivos juros indemnizatórios pelo pagamento indevido de parte dos atos tributários em análise.

10. A posição da Requerida, expressa na resposta, pode ser sintetizada no seguinte:

10.1. Consultando as certidões do teor do prédio urbano que está na base das presentes liquidações, verifica-se que o terreno para construção está afeto à habitação.

10.2. Ora, os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída a afetação habitacional no âmbito das respetivas avaliações, constando tal afetação das respetivas matrizes, estão sujeitos a Imposto do Selo.

10.3. O facto de, na norma de incidência – verba 28.1 da TGIS – se ter positivado o prédio com afetação habitacional em detrimento do prédio habitacional, faz apelo ao coeficiente de afetação, cf. artigo 41.º do CIMI, que se aplica, indistintamente, a todos os prédios urbanos.

10.4. Não existindo em sede de IS definição do que se entende por “prédio urbano”, “terreno para construção” e “afetação habitacional” é necessário recorrer subsidiariamente ao CIMI para obter uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no artigo 67.º, n.º 2 do CIS na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10.

10.5. Na caderneta predial do imóvel, o tipo de prédio é “lote de terreno para construção”.

10.6. Não podemos duvidar de que estamos face a “terrenos para construção”, mais concretamente, perante lotes de terreno para construção urbana, com as áreas de implantação do edifício e de construção perfeitamente definidas e identificadas nas cadernetas prediais urbanas, como aliás supra descrito.

10.7. Fiscalmente os imóveis são terrenos para construção, nessa qualidade foram adquiridos e assim estão predialmente classificados e, por isso, são sem dúvida, lotes de terreno para construção, mais exatamente prédios urbanos com vocação habitacional.

10.8. Não pode o Requerente desconhecer que as cadernetas prediais são claríssimas ao definir para os lotes de terreno para construção em causa, a respetiva área de implantação do edifício e de construção, assim perfeitamente definida e identificada. É, pois, patente a afetação habitacional dos edifícios.

10.9. Note-se que o legislador não refere “prédios destinados a habitação”, tendo optado pela noção “afetação habitacional”, expressão diferente e mais ampla, cujo sentido se vai encontrar na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a) do CIMI.

10.10. A verba 28 da TGIS é uma norma geral e abstrata, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito.

10.11. Acresce que fundadas razões também com assento constitucional justificaram a criação da norma contestada, designadamente o respeito pelos princípios da proporcionalidade e da capacidade contributiva.

10.12. O próprio princípio constitucional da igualdade consignado no artigo 13.º da CRP “obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedido a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante”.

10.13. A tributação em sede de Imposto do Selo obedece ao critério de adequação, na exata medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode de todo ser ignorado.

10.14. Assim, encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção da receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável. Não cremos que tal se verifique porquanto tal medida é aplicável de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afetação habitacional de valor superior a € 1.000.000,00.

10.15. Pelo que, temos, necessariamente concluir que os atos tributários em causa não violaram qualquer princípio legal, devendo, assim ser mantidos.

10.16. Assim, sinteticamente, do exposto resulta que a Administração está sujeita à lei e ao direito e os seus órgãos e agentes devem ser os primeiros a cumpri-la. Não podendo, por isso, ser-lhe exigida pronúncia sobre as opções do legislador, pois que estas, após vertidas em lei, são a disciplina normativa dentro do qual a mesma exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público.

10.17. Vinculada ao princípio da legalidade, a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode, por força disso, desaplicar normas em função da interpretação que faça quanto à sua inconstitucionalidade.

10.18. Pelo que, e em suma, a Autoridade Tributária e Aduaneira não podia/pode recusar a aplicação de uma norma ou deixar de cumprir a lei invocando ou questionando a sua constitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos artigos 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e 55.º da LGT.

10.19. Sendo que, o direito a juros indemnizatórios derivado de anulação judicial de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

10.20. O erro que suporta o direito a juros indemnizatórios não é qualquer vício ou ilegalidade mas aquele que se concretiza em defeituosa apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais.

10.21. Uma vez que, à data dos factos, a Administração tributária fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.

10.22. Consequentemente, aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira não pode ser imputado qualquer erro de facto ou de direito, dada a obediência à lei que enforma toda a sua atividade. O que, por sua vez, determina que não há suporte legal para o pedido de juros indemnizatórios.

II.           Saneamento

 

11. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

Não foram suscitadas exceções.

Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

III.        Mérito

III.1. Matéria de facto

 

12. Factos provados

12.1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

 

A)    O B…– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, representado pelo Requerente, é proprietário do prédio urbano sito na Rua do …, …-… Lisboa, inscrito na matriz predial com o artigo matricial…, da freguesia de …, concelho e distrito de Lisboa, com o valor patrimonial tributário de € 5.823.311,33.

 

B)    O prédio identificado na alínea anterior está descrito na Caderneta Predial como “Terreno para construção”.

 

C) Relativamente ao prédio, identificado na alínea A), o Serviço de Finanças de Lisboa-… emitiu, em 20-03-2015, as seguintes liquidações de Imposto do Selo, referentes ao ano de 2014:

i) Liquidação n.º 2015 …, no valor de €19.411,05;

ii) Liquidação n.º 2015 …, no valor de  €19.411,03;

iii) Liquidação n.º 2015 …, no valor de  €19.411,03.

D)    As três liquidações de Imposto do Selo, identificadas na alínea anterior, no valor total de € 58.233,11 encontram-se integralmente pagas.

E)    Em 18-08-2015, o Requerente interpôs reclamação graciosa dirigida ao Chefe de Serviço de Finanças Lisboa…, que recebeu o n.º …2016…, contra os atos de liquidação de Imposto do Selo identificados na alínea C).

F)     O Chefe de Serviço de Finanças Lisboa…, ao abrigo de delegação de competências, proferiu, em 22-04-2016, despacho de indeferimento da reclamação graciosa identificada na alínea anterior.

12.2. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

12.3. Fundamentação da matéria de facto

Quanto à matéria de facto dada como provada a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação da prova documental junta aos autos, cuja autenticidade não foi colocada em causa, bem como na análise do processo administrativo remetido pela Requerida.

III.2. Matéria de Direito

13. O Requerente começa por impugnar as liquidações de Imposto do Selo, supra identificadas, com fundamento no vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

Cumpre apreciar.

13.1. A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu diversas alterações ao Código do Imposto do Selo e, através do artigo 4.º, aditou a verba 28 na TGIS, com a seguinte redação:

“28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afetação habitacional - 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.”

 

Posteriormente, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014), através do artigo 194.º, alterou a redação da verba 28.1 da TGIS, que passou a ter o seguinte teor:

“28.1- Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI— 1%.”

A nova redação dada à verba 28.1 da TGIS, pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro, alarga o âmbito de incidência objetiva da norma ao incluir expressamente os terrenos para construção, desde que possuam edificação para habitação autorizada ou prevista.

A inclusão de terrenos para construção na verba 28.1 da TGIS pressupõe que existe uma previsão ou expectativa de edificação para habitação que se concretiza através do cumprimento de exigências legais e administrativas necessárias á referida edificação. A este propósito ANTÓNIO SANTOS ROCHA e EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS (in Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotado e Comentado), Almedina, 2015, pp. 44) afirmam:

No que se refere aos terrenos para construção, quer estejam ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma (CIMI), devem como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida:

·  licença para operação de loteamento,

·  licença para construção,

·  autorização para operação de loteamento,

·  autorização de construção,

·  admitida comunição favorável de operação de loteamento ou de construção,

·  emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como

·  aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para este efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituado pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no artigo 875.º do CC.”

As exigências legais e administrativas, acima expostas, constituem requisitos necessários à inclusão dos terrenos para construção na verba 28.1 da TGIS.

A demonstração de que um prédio tem uma edificação para habitação autorizada ou prevista vai muito para além da inscrição matricial. Consequentemente, a mera inscrição matricial de um imóvel como sendo “terreno para construção” não legitima, por si, a aplicação da verba 28.1 da TGIS.

Sobre o sentido da verba 28.1 da TGIS, na redação dada pelo artigo 194.º da Lei n.º 83.º-C/2013, concordamos com a posição adotada no Acórdão do CAAD, de 19 de abril de 2016, proferido no proc. n.º 578/2015-T, e do qual transcrevemos (pp. 16):

“(…) a incidência do imposto do Selo aos terrenos para construção não se pode materializar com a mera inscrição dos mesmos, como tais, na matriz, mas antes, e de forma decisiva, pela verificação da efetiva potencialidade de edificação nos referidos terrenos (a qual deve ser apurada in casu e revelada através da existência dos documentos supra descritos). O mesmo é dizer, por outras palavras, que a incidência do imposto, para efeitos do disposto na verba 28.1, só se materializa com a verificação da “afetação efetiva”, para utilizar a feliz expressão de JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES (ob. cit., p. 507).Sem essa demonstração da efetiva potencialidade de edificação (…) não se mostram cumpridos os propósitos subjacentes à nova redação do texto legal da verba 28.1 da TGIS ” (Fim de citação)

 

13.2. A redação da verba 28.1 da TGIS resultante do disposto na Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, é aplicável ratione temporis à situação sub judice.

A caderneta predial, junta aos autos, comprova que o prédio em causa é descrito como “terreno para construção”.

Embora o prédio em causa nos presentes autos arbitrais esteja matricialmente inscrito como sendo “terreno para construção”, de acordo com o exposto no n.º anterior, tal não legitima a aplicação automática da verba 28.1 da TGIS, uma vez que, a mera inscrição matricial não constitui, por si só, demonstração de que um prédio tem uma edificação para habitação autorizada ou prevista.

O Requerente afirma que o prédio em causa “(…) não tinha e não tem uma edificação autorizada ou prevista para habitação “e acrescenta  “(…) de resto, o Fundo, na qualidade de proprietário deste prédio, não tem intenção de afectar este prédio a qualquer tipo de construção ou projecto urbanístico” (Cfr., n.ºs 36.º e 37.º do Pedido de Pronuncia Arbitral)

Acresce, que não se encontra junto aos presentes autos qualquer suporte documental que ateste que relativamente ao prédio em causa exista projeto aprovado para a construção, licença e autorização de construção, comunicação prévia ou informação prévia favorável à realização de operações de loteamento ou de construção.

Assim, da análise dos presentes autos arbitrais resulta que não foi realizada a demonstração de que o prédio em causa descrito como terreno para construção tenha edificação, autorizada ou prevista, para habitação.

13.3. Neste sentido, também a jurisprudência arbitral tem convergido no entendimento de julgar procedentes os pedidos de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo ao abrigo da verba 28.1 da TGIS respeitantes a terrenos para construção quando existe apenas mera inscrição na matriz e não se prova a verificação da efetiva potencialidade de edificação (Cfr., Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 467/2015-T, 578/2015-T e 524/2015-T).

13.4. Atendendo à factualidade objeto dos presentes autos arbitrais e em face do exposto no n.ºs anteriores, concluímos pela ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo, realizadas ao abrigo da verba n.º 28.1 da TGIS, que constituem objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, devido a erro imputável à Administração Tributária.

14. O Requerente alega também a inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, com a redação dada pela Lei n.º83.º-C/2013, de 31 de Dezembro, por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, da igualdade tributária e da legalidade.

Atendendo ao disposto no artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, e devido à declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação objeto do presente processo, expressa no n.º anterior, fica prejudicado o conhecimento do vício de inconstitucionalidade invocado pelo Requerente.

15. Cabe agora proceder à análise do pedido do Requerente para o pagamento de juros indemnizatórios.

Com fundamento no artigo 24.º, n.º 5, do RJAT tem-se entendido que é possível o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios em processos arbitrais.

Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

A condição necessária para a atribuição dos juros indemnizatórios consiste na demonstração da existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável aos serviços da Administração Fiscal (vd., Acórdão do STA de 10 de abril de 2013, proc. 1215/12).

Conforme o referido no ponto n.º 13.4. da presente decisão arbitral, verificou-se erro imputável aos serviços da Administração Fiscal o qual determinou a anulação dos atos tributários em causa e a consequente devolução dos montantes pagos pelo Requerente, nos termos do disposto no artigo 173.º, n.º 1, do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

Pelo exposto, concluímos pela procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios ao Requerente.

IV.        Decisão

Em face do exposto, o Tribunal decide:

-    Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular, com todas as consequências legais, as liquidações de Imposto do Selo, referentes ao ano de 2014, com os n.ºs. 2015…, 2015… e 2015… .

- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral na parte relativa ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor do Requerente.

 

V.           Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 58.233,11 (cinquenta e oito mil duzentos e trinta e três euros e onze cêntimos), nos termos do artigo 32.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

VI.        Custas

Custas a cargo da Requerida, no montante de € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

Notifique-se.

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 30 de maio de 2017

 

O Árbitro

 

Olívio Mota Amador

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.