Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 560/2016-T
Data da decisão: 2017-05-19  IRC  
Valor do pedido: € 769.869,87
Tema: IRC - Fusão invertida - gastos de financiamento - art. 23.º CIRC.
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Os árbitros Prof. Doutor Rui Duarte Morais (árbitro-presidente), Doutor Tomás Cantista Tavares e Prof. Doutora Ana Maria Rodrigues (árbitros vogais), designados, respetivamente, por acordo dos árbitros nomeados pelas partes, pela Requerente e pela Requerida para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

A…, SA, NIPC…, com sede na …, …, …, Lisboa (doravante A… ou Requeren­te) apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 6.º, n.º 2, al. b) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), com vista à declaração de ilegalidade da liquidação de IRC e Juros compensatórios de 2012, no valor de 769.869,87€ (n.º 2016…, compensação…).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação.

 O tribunal arbitral coletivo foi constituído em 13/12/2016.

A AT respondeu, por impugnação, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por desnecessidade e com o acordo das partes, foi dispensada a reunião do artigo 18.º do RJAT. As partes produziram alegações orais.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no art. 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

a) A Requerente dedica-se à atividade de transportes, especificamente ao transporte rodoviário de mercadorias para entregas ao domicílio.

b) A Requerente era totalmente detida por B…, SGPS, SA (NIPC…).

c) Em Dezembro de 2010, a B… alienou 100% do capital da Requerente à sociedade C…, SA (NIPC…) – entidade dominada pelo fundo D…– constituída em Setembro de 2010, cujo objeto social era a prestação de serviços administrativos e apoio a empresas de transporte.

d) O D… é uma entidade de capital de risco, dedicando-se (em geral, através de sociedades por ele dominadas) à aquisição de participações de capital e controlo de sociedades, na mira de valorização do capital adquirido, por incremento da qualidade de gestão, e, consequentemente, da remuneração dos investidores.

e) O D… (fundo de capital de risco) dominava a sociedade E… SGPS, SA (NIPC…), que, por sua vez, era a sócia única da C…, SA, que adquiriu a totalidade do capital social da Requerente.

f) A C…, SA para a consumação da compra da A…, financiou-se através de: i) Suprimentos do acionista E…, SGPS, de 13,6 Milhões de Euros, à taxa de 15%/ano; ii) Empréstimos bancários (da …) de 23 milhões de euros, sendo que a tranche A, no valor de 19,5 Milhões de euros, foi destinada à compra do capital social da Requerente.

g) Em Setembro de 2011 (e com efeitos contabilísticos a 1/1/2011), a C… (sociedade incorporada) fundiu-se na A… (sociedade incorporante), por transferência global do património da incorporada na incorporante – uma operação usualmente designada por fusão inversa ou invertida.

i) Após a fusão, a Requerente (incorporante) assumiu a (i) totalidade das dívidas da C… e (ii) os encargos (juros) contraídos pela C… junto da Banca e do acionista – que, em 2012, ascenderam a 3.345.790,05€.

j) Na atividade de capital de risco (desenvolvida pelo fundo D…) é usual a compra das ações da empresa a adquirir ser efetuada por uma sociedade veículo constituída para o efeito (no caso, a C…) e promover-se, depois, a fusão com a entidade operacional (A…) – normal ou invertida – para: (i) operar diminuição dos custos administrativos; (ii) cumprir exigência bancária (colocar a dívida na mesma entidade jurídica que possui os ativos).

k) A AT não aceita a dedução fiscal desses encargos (juros), e promoveu em consequência, a liquidação objeto do presente processo arbitral.

l) Em 2 de Agosto de 2016, a Requerente pagou o valor constante da liquidação impugnada (IRC e juros) e acrescidos, no montante total de 773.709,83€.

 

2.2. Factos não provados

Não há factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pelas partes, no consenso destas (também em relação aos documentos, valores e datas dos pagamentos), nas informações oficiais e demais documentação constante do processo administrativo.

 

3. Matéria de direito

3.1. Questão a decidir

Como é aceite pelas partes, a questão que se coloca nos presentes autos prende-se apenas com o tratamento fiscal a dar aos juros e demais encargos suportados, em 2012, pela A…, relativos aos empréstimos (de sócios e de terceiros) contraídos para a compra do capital da própria A… e que a Requerente passou a suportar em virtude e por decorrência da fusão com a sua acionista C… (a qual contraiu, originariamente, essas obrigações).

Na opinião da AT, tal como expressa na fundamentação da liquidação em causa, esses juros e encargos não seriam fiscalmente dedutíveis, nos termos do art. 23.º do CIRC (na redação e numeração à data dos factos), porque não indispensáveis à obtenção do rendimento ou à manutenção da fonte produtora (e não aplicados na exploração).

Para a Requerente, ao invés, esses juros e encargos seriam fiscalmente dedutíveis, por preenchimento dos requisitos ínsitos no art. 23.º do CIRC.

Como decorre da fundamentação da liquidação (e dos demais documentos juntos ao processo) e foi claramente reafirmado pela AT nas suas alegações, a questão a decidir não incide, nem sequer incidentalmente, sobre uma eventual correção do preço de transferência nos juros devidos ao acionista (art. 63.º do CIRC), nem com a aplicação da Cláusula Geral Anti abuso (art. 38.º, n.º 2, da LGT) por eventual enca­deamento abusivo de operações com intuitos fiscais exclusivos ou preponderantes, em abuso de formas jurídicas (endividamento [e juros decorrentes] para compra de capital seguida de fusão de empresas, para que a entidade operacional lucrativa suporte esses encargos e diminua o seu lucro fiscal anual).

           

3.2. A lei aplicável

Segundo o art. 23.º do CIRC (na redação e numeração à data dos factos), consi­de­ram-se custos ou gastos: 

“1. […] os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (…)

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração […], gastos com operações de crédito […]”;

Por outro lado, com a fusão de empresas “extinguem-se as sociedades incorporadas […], transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante” (art. 112.º, al. a), do Código das Sociedades Comerciais).

 

3.3. Os argumentos das partes

A fundamentação da liquidação (e resposta da Requerida e demais pronuncia­mentos da AT ao longo do processo) invoca, em síntese, que os juros suportados pela A… após a consumação da fusão (e por decorrência desta operação) relativos ao financiamento inicialmente contratado pela C…, SA diretamente para a aquisição do capital da A… não merecem a qualificação de “indispensáveis” para a obtenção dos proveitos ou manutenção da fonte produtora: após a fusão já não financiam a aquisição das participações (e não são aplicados na exploração); teria de haver, em cada ano em que se registam os juros, um balanceamento entre os encargos financeiros suportados e os proveitos e existência do ativo; esses juros não estariam ligados com a atividade normal da requerente e o ativo associado não existe e não contribuiria futuramente para rendimentos tributáveis.

O Requerente advoga, ao invés, que os juros suportados em 2012 pela A… são indispensáveis para a obtenção de proveitos ou manutenção da fonte produtora, sendo por isso de qualificar como gasto fiscal, nos termos do art. 23.º do CIRC. Os juros são suportados pela A… no exercício da sua atividade; os empréstimos (e, consequentemente, os juros deles decorrentes), quando incorridos inicialmente (pela C…, SA), foram aplicados na exploração e eram indispensáveis aos proveitos e manutenção da fonte produtora – e se o eram no momento inicial, terão de o ser para sempre, quaisquer que sejam as modificações ulteriores (mesmo com a fusão); a fusão, entre os seus efeitos normais, leva ao resultado económico e fiscal dos autos; a fusão é uma operação permitida pela lei comercial e fiscal e a AT, na fundamentação do ato, não invoca o pretenso abuso da operação de fusão, seguida da aquisição, nos termos do art. 38.º, n.º 2, da LGT.

 

3.4. Decisão

Os árbitros analisaram toda a retórica aduzida pelas partes (nas suas peças escritas, documentos e alegações), bem como a argumentação e ponderação de decisões arbitrais anteriores sobre o tema – explanadas, aliás, pelas partes –, mas tendo sempre presente as (pequenas) particularidades do caso (“cada caso é um caso”).

Com efeito, várias decisões arbitrais (por exemplo, nos processos 14/2011-T e 87/2014-T) recusaram a dedução fiscal dos juros suportados pela incorporante pós fu­são, relativos a financiamentos contraídos pela incorporada pré-fusão com vista à aqui­sição do capital social da futura incorporante. Ao invés, as decisões arbitrais 101/2013-T, 42/2015-T (aqui numa fusão não invertida, mas as considerações são iguais), 92/2015-T e 93/2015-T, 108/2015-T pronunciam-se em sentido oposto, acei­tan­do a dedução destes encargos financeiros, por os considerarem manifestamente in­dis­pensáveis para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.

Os árbitros ponderaram todos os argumentos das partes e o conteúdo de todas as decisões supra referidas e de­cidiram no sentido da anulação da liquidação impugnada. Con­sideraram que estes juros e encargos suportados pela Requerente preenchem os requisitos ínsitos no art. 23.º do CIRC para legitimar a sua dedutibilidade fiscal, com base nos argumentos a seguir explanados.

Comecemos por QUATRO notas de enquadramento, totalmente pacíficas, que ajudam a recortar a decisão da causa.

Em primeiro lugar, e como já foi referido, o tema dos autos resume-se apenas à aplicação do art. 23.º do CIRC aos juros suportados em 2012 pela A…, relativos aos empréstimos (de sócio e de terceiros) contraídos para a compra do capital da própria A… e que a Requerente suporta em virtude e por de­corrên­cia da fusão com a sua acionista C…, a qual contraiu originariamente essas dívidas.

Como segunda nota – relevante para a decisão – é necessário ter presente o teor do Acórdão do STA de 2/12/2011, proc. 0865/11 (num caso de cisão-fusão).

Esse aresto veio estabelecer que a noção fiscal de fusão (passível de neutralidade fiscal) é mais alargada do que a definição legal do CIRC que exigia, à época, o formalismo jurídico de atribuição aos respetivos sócios de títulos representativos do capital social da outra entidade. Há neutralidade fiscal na operação de fusão regulada no direito comercial, ainda que não envolva a atribuição aos sócios de títulos representativos de capital – como acontece, sintomaticamente - entre outros casos -, na situação de fusão invertida. Quer dizer: o STA equiparou em termos fiscais a fusão inversa e a fusão não inversa, reconhecendo a neutralidade fiscal de ambas as operações, ainda que não envolvam a atribuição de ações aos sócios.

Esta jurisprudência ilumina a decisão dos autos: é um dado assente que as fusões, invertidas ou não invertidas, possuem o mesmo regime jurídico, seja no âmbito do direito comercial, seja em matéria fiscal, nomeadamente ao nível do regime fiscal de neutralidade fiscal descrito no art. 73.º e ss. do CIRC. Ou seja, a operação de fusão descrita no direito comercial – seja invertida ou não – merece o mesmo tratamento e regime para o direito fiscal: quer no que tange à neutralidade fiscal (diferimento de tributação dos réditos associados a estas operações de fusão); quer, em geral, nas consequências tributárias, diretas ou indiretas, delas decorrentes.

Não há, por assim dizer, uma fusão de primeira – não inversa – com neutralidade fiscal e, em geral, aceitação fiscal da estatuição imposta pelo direito comercial; e uma fusão de segunda – a inversa – em que essas estatuições ou não se verificariam ou verificar-se-iam de forma mais casuística e excecional.

Nada disso: existe apenas a operação de fusão, englobando a invertida e não invertida, exatamente com o mesmo regime jurídico tributário, e com as mesmas e exatas motivações para as diversas consequências fiscais que lhe estão associadas.

Quer isto dizer, olhando para o caso dos autos, que a resposta legal é a mesma, quer exista ou não uma fusão invertida. O regime da aceitação fiscal dos juros em causa tem o mesmo enquadramento, considerações e solução, quer a fusão fosse não invertida (com a incorporação da A… na C…), quer no caso de fusão invertida escolhida pelas partes. Nem tem, sequer, de existir uma fundamentação acrescida dos requerentes para explicarem porque escolheram uma e não a outra. Isso entra na liberdade total das partes, que ao intérprete cabe respeitar, no pressuposto, evidentemente, de ocorrer uma verdadeira e real fusão – e isso é um dado assento no processo, pois ninguém o põe em causa.

A terceira nota tem que ver com o regime da fusão sob a perspetiva jurídica e do direito comercial. Uma fusão (invertida ou não) não se assemelha, em termos económicos, a uma liquidação de sociedades. Aqui, ocorre o desaparecimento jurídico e económico de uma sociedade, porque esgotou o seu objeto ou interesse societário.

Na fusão, ao invés, o desaparecimento jurídico não se associa à morte económica da empresa, que continua, embora reestruturada, na sociedade resultante da fusão, quer na perspetiva da sociedade (prossecução da atividade), quer na ótica dos sócios (igual empenho naquelas atividades). Extingue-se a sociedade incorporada, sem dúvida; mas transmitem-se todos os direitos e obrigações para a Sociedade incorporante, que prossegue a atividade da “falecida” (art. 112.º, al. a), do CSC). Há uma modificação jurídica, com continuidade económica (Ac. do STA de 13-04-2005, proferido no processo 01265/04 e Ac. do TCA-Sul de 17-04-2012, proferido no processo 04172/10, consultável em www.dgsi.pt).

A quarta nota – dado aceite pelas partes – tem que ver com a aceitação pacífica da dedução destes encargos financeiros se não tivesse ocorrido a fusão, ou imputáveis ao ano de 2011 (se existissem ou tivessem existido), por cumprimento dos requisitos do art. 23.º do CIRC. Aqui, uma sociedade (C…) para adquirir um ativo (capital social da A…), como forma de exercício da sua atividade e perspetiva lucrativa, tem de se financiar junto de terceiros (banca e sócios), suportando os inerentes encargos financeiros associados ao financiamento. Ninguém questionou – e cremos que bem – que previamente à fusão, na perspetiva da C…, estávamos em presença de juros de capitais alheios aplicados na exploração (art. 23.º, n.º 1, al. c), do CIRC).

Pois bem:

A questão dos autos é assim de saber se a fusão – invertida ou não – altera este estado de coisas; se os juros, outrora aceites em termos fiscais (de forma pacífica), deixam de o ser após a fusão, por incumprimento superveniente dos requisitos do art. 23.º, do CIRC (requisito geral da indispensabilidade e especial de aplicação na exploração).

A resposta, como o dissemos, vai no sentido da dedução fiscal desses juros, mesmo após a fusão, agora na esfera da Requerente, por três principais argumentos, a seguir explanados – e tendo presente as considerações anteriores.

O PRIMEIRO prende-se com a análise do teor literal art. 23.º, n.º 1 do CIRC: a dedução dos encargos financeiros exige que os “juros de capitais alheios sejam aplicados na exploração”. E todos concordam que, no momento inicial, o crédito obtido (dos bancos e dos sócios) foi aplicado na exploração, com a aquisição da participação na Requerente, por parte da C…, SA – subsumindo-se, no exercício da sua atividade e prossecução do lucro.

Ocorre depois uma fusão, segundo as regras legais do direito comercial – fosse invertida ou não (como se viu, o padrão para o caso concreto é o mesmo). Com essa operação, não se pode dizer que os capitais alheios deixaram de ser aplicados (os financiamentos continuaram) e mantêm-se afetos à exploração, agora reestruturada por efeitos legais da fusão (transmissão dos direitos e obrigações para a sociedade incorporante). Ou seja: não ocorre um desvio do financiamento, num intuito abusivo, no sentido que serve-se agora o favorecimento de interesses extra empresariais, p. ex., em benefício de um sócio. Nada disso: o que ocorre é apenas a produção dos normais efeitos económicos da fusão, consentidos e impostos pelo direito comercial, e é impossível concluir que os efeitos dessa operação, seguindo os estritos ditames do direito comercial, redundam na tutela de interesses alheios ao interesse societário, apenas para beneficiar abusivamente terceiros da operação de fusão. Este resultado interpretativo seria uma verdadeira contradição nos seus termos, porque equivaleria a admitir que o direito comercial, ao regular a fusão (invertida ou não) permitiria resultados que violariam a tutela dos interesses acautelados por essa disciplina jurídica.

Em suma: se os juros eram fiscalmente aceites previamente à fusão (porque os capitais alheios estavam aplicados na exploração), então também o serão após a fusão (invertida ou não), que se limitou a seguir as regras do direito comercial, de transmissão de todos os direitos e obrigações da incorporada, porque após a fusão, continuam a ser considerados juros de capitais alheios aplicados na exploração.

O SEGUNDO argumento pondera a situação similar (idêntica aos autos) em que, havendo ou não uma fusão superveniente, a Sociedade decidisse abdicar do objeto do investimento (por não ser rentável), mas tivesse evidentemente de manter o financiamento que proporcionou os meios financeiros para o investimento.

Suponhamos que uma empresa X compra uma máquina de valor elevado para prosseguir uma nova atividade – e financia-se junto da Banca para a comprar e que pagará 100 mil euros de juros durante 10 anos (e no final terá de amortizar o capital). Imagine-se agora que a empresa conclui, no final do 4º ano, que essa atividade não é rentável, pois não há mercado para os produtos produzidos pela máquina, pelo que decide abandonar a produção e a máquina é desligada e “abandonada”. Claro que terá de continuar a pagar os juros anuais de 100 mil euros. Mas será que esses juros, a partir do 5º ano, não serão dedutíveis ao rendimento fiscal, por se advogar que não são aplicados na exploração ou que não são indispensáveis para os proveitos ou manutenção da fonte produtora?

Ora, aqueles encargos manter-se-ão dedutíveis, não obstante o desaparecimento – por via de uma decisão empresarial – do objeto em que os capitais alheios que remuneram foram aplicados. O capital alheio foi aplicado na exploração no momento inicial – dando origem ao investimento produtivo. E isso é suficiente e bastante para legitimar a dedução fiscal dos juros daí decorrentes, independentemente das vicissitudes empresariais futuras desse investimento. Os encargos financeiros continuam a ser dedutíveis, ainda que o investimento se tenha gorado ou se tenha revelado como um mau negócio ou uma decisão empresarial infrutífera – pois, e é isso que importa, os capitais alheios estiveram ligados a um investimento que no momento inicial foi aplicado na exploração.

E se isto é assim, independentemente da ocorrência de qualquer fusão (mas no desinvestimento económico), sê-lo-á ainda com mais propriedade em caso de fusão, em que, como se viu, não há uma decisão subjetiva de qualquer desinvestimento, mas apenas a objetiva transmissão de direitos e obrigações, por efeito legal desse instituto do direito comercial.

Claro que as considerações anteriores poderiam ser confrontadas – em termos fiscais – e este é o TERCEIRO argumento, com a existência de um encadeamento de operações para propositadamente proporcionar um resultado fiscal indesejado, de abusiva poupança de impostos, traduzido numa aquisição de partes sociais com utilização de financiamento, imediatamente seguida de fusão (invertida ou não) com o propósito de diminuir abusivamente os impostos a pagar nos anos seguintes pela sociedade operacional e lucrativa (por efeito dos encargos financeiros que haviam sido suportados para a sua aquisição). Não estamos a dizer que esse abuso ocorreu no caso dos autos. O que importa frisar é que a AT, na fundamentação do ato tributário, não convocou esse arsenal argumentativo para justificar a liquidação, em substituição ou cumulativamente com o art. 23.º do CIRC. Apesar de desconfiar do encadeamento temporal e cronológico das operações e da “poupança fiscal” assegurada com a dedução dos juros do financiamento da aquisição da A… sobre os proveitos operacionais da A… (pós fusão), não sustentou a correção fiscal no art. 38.º, n.º 2, da LGT ou no art. 73.º, n.º 10, do CIRC ou sequer no art. 63.º do CIRC (invocando uma quantificação excessiva dos juros entre sociedades em relações especiais). E o julgador, no contencioso fiscal, tem de se debruçar sobre o objeto do processo, tal como recortado pela fundamentação, sob pena de ilegal fundamentação a posteriori e intromissão no poder dever do poder executivo.

E, para finalizar, o art. 23.º do CIRC não se reconduz a uma norma antiabuso, que pudesse ser utilizada em substituição do art. 38.º, n.º 2, da LGT, art. 73.º, n.º 10 do CIRC ou art. 63.º do CIRC. Cada norma tem um conteúdo prescritivo diverso – e o art. 23.º do CIRC não funciona como uma norma anti abuso substitutiva daqueles outros preceitos. O art. 23.º do CIRC limita o seu raio de ação à não dedução fiscal dos gastos assim contabilizados, mas que, quando contraídos (ou os investimentos efetuados) não se inserem no interesse económico da Sociedade, mas servem interesses extra societários, dos administradores ou de terceiros. Suponhamos que uma Sociedade suporta os juros de um financiamento por si contraído para efetuar um investimento apenas em benefício privado de um sócio ou administrador (e isso não é reconduzido a um rendimento em espécie da pessoa singular). Ou que se financia na banca para entregar essa quantia financeira a terceiro, sem qualquer contrapartida ou fora do seu objeto social. Nesses casos, os juros que vier a suportar com esses fundos não são fiscalmente dedutíveis porque não foram ( ab initio e para sempre) aplicados na exploração da Sociedade.

O caso dos autos é totalmente diverso. Os capitais alheios foram aplicados na exploração; e caso se pretendesse invocar que todas as operações se reconduziriam a um abusivo esquema de encadeamento de operações, ainda que lícitas sob o ponto de vista civil, para obter-se um ganho fiscal – o que nalguns passos da inspeção é isso o que fica subentendido – então a fundamentação não se teria de socorrer do instituto do art. 23.º do CIRC mas, como se explicou já, de outros institutos à mercê da lei fiscal para tentar alcançar tal resultado corretivo.

*

A argumentação exposta basta para se proceder à anulação da liquidação impugnada. Não é assim necessário explorar os demais argumentos expostos pela impugnante (repercussão da neutralidade fiscal da operação de fusão sobre a dedução dos encargos financeiros decorrentes de empréstimos transmitidos por via de fusão neutra) e que decorrem dos demais processos judiciais (assistência financeira) mas cuja argumentação não foi esgrimida nestes autos.

*

A Requerente solicitou, além da anulação da liquidação impugnada, que a AT fosse condenada a devolver o imposto pago acrescido de juros indemnizatórios de lei.

O art. 43.º, n.º 1, da LGT dispõe que são devidos juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando se determine em impugnação judicial (e a ação arbitral é incluída nesse ditame legal, por coerência e unidade do sistema jurídico) que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento de dívida tributária superior à devida.

Ora, é isso o que sucede nos autos. A AT, ao produzir a liquidação adicional de IRC – agora anulada – implicou um pagamento de imposto pelo contribuinte, afinal indevido e exigido apenas, por erro imputável aos serviços da AT (que efetuou uma liquidação de imposto ilegal).

Donde, preenchendo-se os requisitos do art. 43.º da LGT, a AT tem de proceder ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde o momento do pagamento pelo contribuinte até integral devolução ao contribuinte do imposto por ele pago.

 

5. Decisão

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação impugnada de IRC e Juros compensatórios de 2012, no valor de 769.869,87€ (n.º 2016…, compensação 2016 … .

E, em consequência:

  1. Ordenar a devolução à requerente do IRC de 2012 por ela pago relativamente ao objeto deste processo, no valor de 769.869,87€;
  2. Condenar a AT a pagar juros indemnizatórios à Requerente, sobre a quantia referida no ponto anterior, desde 2 de Agosto de 2016 até integral reembolso.

 

6. Valor do processo

De harmonia com o disposto no art. 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 769.869,87€;

Notifique-se

Lisboa, 19 de Maio de 2017

Os Árbitros

Rui Duarte Morais (árbitro Presidente)

 

Tomás Cantista Tavares (árbitro Vogal)

 

Ana Maria Rodrigues

 

(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131º nº 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1 alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária)