Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 56/2012-T
Data da decisão: 2012-07-18  IMT  
Valor do pedido: € 27.965,82
Tema: Incidência objetiva
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DECISÃO ARBITRAL


 

Processo n.º 56/2012-T


 


 

RELATÓRIO


 


 

Requerente

“…”, NIPC …, com sede na….


 

Requerida

Autoridade Tributária e Aduaneira representada pelas Exmas. Juristas da Direcção de Serviços de Consultadoria Jurídica e do Contencioso … e … designadas por despacho do Director-Geral da referida Autoridade datado de 17 de Maio de 2012.


 

Constituição e funcionamento do Tribunal Arbitral

O signatário, Joaquim Silvério Dias Mateus, foi designado pelo Exmo. Sr. Presidente do Concelho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) como árbitro-singular, nomeação esta que foi aceite por não existir qualquer impedimento para o exercício da função.

O Tribunal Arbitral foi constituído por reunião de 16 de Maio de 2012, na sede do CAAD, nos termos previstos no n.º 8 do artigo 11.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (vd. Acta de Constituição do Tribunal Arbitral).

O Tribunal Arbitral foi assim legalmente constituído e é materialmente competente nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

O processo não contém nulidades e não foram levantados incidentes processuais sobre os quais a presente decisão se deva pronunciar.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, a requerente e requerida estiveram legalmente representadas.

Não existem quaisquer outras questões prévias que cumpra conhecer ou que obstem ao prosseguimento da lide.


 

Pedido e causa de pedir

A requerente supra identificada submeteu ao Tribunal Arbitral, através de petição entrada no CAAD em 27 de Março de 2012, um pedido de anulação da liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), doc. n.º…,efectuada e paga em …/09/2010, no Serviço de Finanças de …, no montante de € 27.965,82, com a consequente restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios contados ao abrigo do artigo 46.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).

Como causa de pedir a requerente invocou a inexigibilidade do imposto e a sua consequente retenção ilegal por parte do credor tributário, tendo já anteriormente apresentado reclamação graciosa, que foi indeferida, e deduzido recurso hierárquico, sem decisão expressa, meios de que antes lançou mão para obter o reconhecimento do seu direito a ser devidamente reembolsada de um tributo mantido indevidamente nos cofres do Estado.

O fundamento que invoca, quer na reclamação graciosa, quer no recurso hierárquico e agora no pedido de pronúncia arbitral, é o facto de não ter sido celebrada a escritura de promessa de compra e venda com eficácia real nem ter havido tradição do imóvel objecto de tal promessa, cuja outorga esteve subjacente à referida liquidação e pagamento que efectivamente requereu junto dos serviços competentes da autoridade tributária.

Mais sublinha que veio apresentar o pedido de pronúncia arbitral com base no indeferimento tácito do recurso hierárquico oportunamente deduzido contra o indeferimento de reclamação graciosa oportunamente apresentada, esta indeferida expressamente pela Direcção de Finanças de ….


 

Resposta da autoridade requerida

A Autoridade Tributária deduziu a sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral confirmando o essencial dos factos apresentados pela requerente, mas sublinhando que a liquidação impugnada foi efectuada por exclusiva iniciativa da requerente tendo em vista outorgar na celebração de uma escritura pública que teria por objecto um contrato promessa de compra e venda com eficácia real e tradição de um imóvel, a cuja não celebração a administração fiscal foi totalmente alheia.

Mais informou a autoridade requerida, em face do reconhecimento de que o facto tributário não chegou a ocorrer, que a liquidação impugnada foi revogada por despacho de 30/05/2012, proferido pelo substituto legal do Director-Geral da referida autoridade, já na pendência da presente instância jurisdicional.

Assim, conclui a resposta em análise, atenta a revogação parcial do objecto do pedido de pronúncia arbitral, a autoridade requerida deve ser absolvida da instância, nesta parte do pedido, por inutilidade superveniente da lide.

Quanto à outra parte do pedido, referente à liquidação de juros indemnizatórios a favor da requerente, a autoridade requerida concorda que os mesmos serão devidos com base na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT mas apenas a contar de …/03/2012, isto é, a partir de um ano após o pedido de restituição que foi apresentado em …/03/2011.

Fundamentação

Resumo da matéria de facto relevante e dada como provada para apreciação da parte do pedido subsistente

  1. A requerente, como promitente compradora, e a sociedade comercial …, na qualidade de promitente vendedora, na sequência de outros contratos promessa anteriores incumpridos, agendaram para o dia …/09/2010, num Cartório Notarial de …, a outorga de uma escritura pública que tinha por objecto um contrato promessa de compra e venda com eficácia real e tradição de um bem imóvel que pretendiam transaccionar;

  2. Tendo em vista a outorga da referida escritura, a promitente compradora e ora requerente dirigiu-se na mesma data ao Serviço de Finanças de … onde procedeu ao pedido de liquidação e ao pagamento do competente IMT, no montante de € 27.965,82;

  3. Entretanto, alegando divergências surgidas entre os outorgantes, a requerente informa que a dita escritura não chegou a ser celebrada, facto que foi comprovado por declaração emitida pelo Cartório Notarial onde a mesma esteve agendada;

  4. Assim, a mesma ora requerente apresentou em …/03/2011 uma reclamação graciosa, ao abrigo do artigo 44.º do CIMT, pedindo a devolução do imposto pago uma vez que o acto translativo não se tinha concretizado;

  5. Por despacho datado de …/09/2011, do Director de Finanças de …, em substituição, notificado à requerente em …/10/2011, a reclamação graciosa foi indeferida e negado o pedido de devolução do imposto;

  6. O despacho de indeferimento foi proferido sobre informação da Divisão de Justiça Tributária da referida Direcção de Finanças, datada de …-06-2011, segundo a qual como o “facto tributário invocado para efectuar o pagamento foi um contrato promessa com tradição” e como o pagamento ocorreu em “cumprimento do referido contrato”, “a revogação, por mútuo consenso, de um contrato-promessa de compra e venda de bens imobiliários acompanhada de tradição da coisa para o promitente-comprador não extingue a obrigação de pagamento de IMT devido nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º do artigo 2.º do CIMT”;

  7. Não se conformando com o indeferimento da reclamação, a requerente deduziu em …/11/2011 um recurso hierárquico que não chegou a ser decido, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado com base no seu indeferimento tácito;

  8. Entretanto, já na pendência da presente instância jurisdicional, foi determinada a anulação da liquidação impugnada por despacho do Substituto Legal do Director-Geral da autoridade requerida, datado de 30/05/2012, exarado sobre a informação n.º …/2012, datada de …-05-2012, da Direcção de Serviços de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto Único de Circulação e Contribuições Especiais (DSIMT);

  9. Na referida informação, cuja cópia está junta aos autos, dá-se conta que foi suscitada a intervenção da Direcção de Finanças de … para que fossem desenvolvidas as necessárias diligências de prova tendo em vista confirmar ou não os fundamentos que serviram de base ao indeferimento da reclamação graciosa;

  10. A referida Direcção de Finanças informou, em resumo, que não ocorreu a tradição da fracção em causa para a ora requerente e que esta não estava a usufruir o imóvel, juntando documentação demonstrativa dos factos informados;

  11. A referida informação da DSIMT conclui dizendo que o despacho de indeferimento da reclamação graciosa se sustentou em erróneos pressupostos de facto e termina propondo a revogação da liquidação de IMT em apreço;

  12. A proposta de decisão apresentada pela DSIMT foi assim integralmente acolhida e, como já referido, foi determinada a revogação integral da liquidação impugnada, nada se decidindo sobre a parte do pedido conexa com os juros indemnizatórios.


 

O Direito aplicável

Subsistindo, pois, o pedido de liquidação de juros indemnizatórios, a presente decisão deve pronunciar-se sobre esta componente do requerimento apresentado à apreciação do tribunal arbitral.

Com efeito, notificada da resposta da autoridade requerida e da decisão administrativa que determinou a anulação da liquidação impugnada, a requerente nada disse quanto ao pedido de absolvição da instância por inutilidade superveniente da lide apresentado pela requerida, tendo mantido o seu pedido na parte referente à contagem de juros indemnizatórios.

As posições da requerente e da requerida foram, no essencial, reafirmadas na reunião do Tribunal Arbitral efectuada no dia 18/06/2012 para efeitos do artigo 18.º do RJAT.

Assim, a requerente manteve a posição da petição inicial de que devem ser liquidados juros indemnizatórios a seu favor com base nos artigos 46.º do CIMT e 43.º da LGT, tendo acrescentado nestas alegações orais que, no mínimo, os juros deveriam ser contados a partir da decisão errónea proferida pelo indeferimento da reclamação graciosa.

Por sua vez, a requerida defendeu o que já havia feito constar na sua resposta no sentido de que os juros indemnizatórios são devidos mas apenas a contar de …/03/2012, isto é, a partir de um ano após o pedido de restituição que foi formalizado através da reclamação graciosa apresentada em …/03/2011.

Vejamos,

Face ao invocado artigo 46.º do CIMT, anulada uma liquidação, quer oficiosamente, quer por decisão da entidade ou tribunal competente e efectuado o seu consequente reembolso, são devidos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, que são liquidados e pagos nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Por sua vez, o artigo 43.º da LGT, além de enunciar o princípio geral segundo o qual a liquidação de juros indemnizatórios tem associada o cometimento de erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, elenca também outros casos em que os pressupostos para a liquidação dos referidos juros estão mais associados a situações de retardamento na restituição dos tributos.

Assim, o n.º 3 do referido artigo 43.º prevê a liquidação deste tipo de juros quando não for cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos (alínea a), quando o processamento da nota de crédito demorar mais de 30 dias após a anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária (alínea b) e quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste (alínea c).

Como supra se refere, a autoridade requerida reconhece que a requerente tem direito a juros indemnizatórios mas que os mesmos deverão ser contados ao abrigo da alínea c) do n.º 3 do referido artigo 43.º da LGT a partir de … de Março de 2012, isto é, depois de passado um ano após o dia … de Março de 2011 data em que apresentou a reclamação graciosa pedindo a devolução do imposto pago com a invocação de que o acto translativo não se tinha concretizado.

Em reforço da sua tese a autoridade requerida observa que a situação não se pode enquadrar na regra prevista no n.º 1 do artigo 43.º da LGT já que na liquidação do IMT que foi anulada não foi cometido qualquer erro imputável aos serviços que se limitaram a apurar o imposto cuja liquidação foi solicitada pela requerente e segundo os dados por ela fornecidos.

Está provado no processo que, tal como alegado pela autoridade requerida, na liquidação de IMT anulada não foi cometido qualquer erro imputável aos serviços já que tal liquidação, de iniciativa da requerente, obedeceu à necessidade de pagar previamente o imposto devido pela celebração de um contrato que, a final, não chegou a realizar-se.

Concluímos, pois, que fica assim afastada a possibilidade de reconhecer que possam liquidar-se juros indemnizatórios a favor da requerente contados desde a data do pagamento do imposto que ocorreu em …/09/2010.

Porém, já quanto à posição da requerida no sentido de que é aqui exclusivamente aplicável a alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT e que, consequentemente, só são devidos juros indemnizatórios a partir de … de Março de 2012, passado um ano após a apresentação da reclamação, não acompanhamos tal entendimento.

É certo que a dita norma está redigida em termos amplos e não se poderá excluir a sua aplicabilidade a situações em que revisão do acto tributário, por iniciativa do contribuinte, seja desencadeada através dos vários meios procedimentais legalmente consagrados, incluindo a reclamação graciosa.

Porém, no caso em apreço, propendemos para valorar o manifesto e assumido erro cometido pelo despacho datado de …/09/2011, do Director de Finanças de …, em substituição, notificado à requerente em …/10/2011, que indeferiu a reclamação graciosa,denegando assim a restituição do imposto à requerente.

Na verdade, como se dá por provado, o referido despacho de indeferimento foi proferido sobre informação da Divisão de Justiça Tributária da referida Direcção de Finanças, datada de …-06-2011, segundo a qual o “facto tributário invocado para efectuar o pagamento foi um contrato promessa com tradição (…)”.

Reconhecendo expressamente que tal decisão assentou em pressupostos errados, após diligências suplementares de prova, a autoridade requerida apurou que, afinal, não tinha existido qualquer tradição do bem e que, por consequência, o acto da liquidação só não foi anulado logo no processo de reclamação graciosa por erro exclusivamente imputável aos serviços fiscais.

Aliás, em coerência com a conclusão a que chegou, a autoridade requerida não teve qualquer dúvida em determinar a anulação da liquidação e a restituição do imposto à requerente.

Assim, concluímos que a regra prevista no citado n.º 1 do artigo 43.º da LGT, que deve ser interpretada em função dos contornos apresentados pela situação em apreço, fornece um critério mais justo e consistente para enquadrar a matéria dos juros indemnizatórios nesta situação.

Por outro lado, damos conta que a decisão que vamos proferir se pauta também pela orientação que decorre da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

Esta jurisprudência vai no sentido de reconhecer que uma decisão administrativa a denegar a restituição de um tributo manifestamente indevido preenche os pressupostos de erro imputável aos serviços para efeitos de determinar, quer a exigibilidade dos juros indemnizatórios, quer o momento a partir do qual os mesmos devem ser contados.

Com efeito, o douto Acórdão do STA de 28/10/2009, Proc. 601/09, versou sobre uma situação tributária que, quanto à parte dos juros indemnizatórios, teve contornos muito semelhantes à que constitui objecto da presente decisão arbitral.

Na verdade, no referido acórdão foi apreciado um caso em que uma determinada quantia de imposto foi retida na fonte e entregue nos cofres do Estado por exclusiva iniciativa do contribuinte, sem possibilidade de imputar qualquer erro aos serviços fiscais.

Porém, também aí o contribuinte deduziu reclamação graciosa invocando a inexigibilidade do imposto e pedindo a sua restituição, pretensão que foi indeferida mas que, posteriormente, em sede judicial, lhe veio a ser reconhecida razão, tendo sido ordenada a restituição do imposto e a liquidação de juros indemnizatórios a contar da data do indeferimento da reclamação com a invocação de que, neste indeferimento, foi cometido erro imputável aos serviços.


 

Decisão

Uma vez que o acto impugnado da liquidação de IMT, no montante de € 27.965,82, foi integralmente revogado e ordenada a restituição do referido imposto, na pendência da presente instância jurisdicional, declara-se nesta parte a inutilidade superveniente da lide e absolve-se a requerida da instância.

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios condena-se a autoridade requerida a proceder à sua liquidação e pagamento, devendo os mesmos ser contados desde …/10/2011, data em que foi notificado o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, até à data em que foi processado o título de crédito a favor da requerente.

Ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT conjugado com o disposto no artigo 4.º, n.º 4 e no artigo 6.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa, com aplicação dos critérios fixados no n.º 3 in fine e n.º 4 do artigo 450.º do Código de Processo Civil, fixo as custas no montante de € 1.530,00 a cargo da autoridade requerida.

Notifique-se

Lisboa, 18 de Julho de 2012


 

O árbitro singular,

Joaquim Silvério Dias Mateus


 

(Texto elaborado por computador nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT)

(A redacção seguiu as regras de ortografia anteriores ao último acordo ortográfico).