Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 585/2016-T
Data da decisão: 2017-08-21  Selo  
Valor do pedido: € 76.020,22
Tema: IS - Isenção prevista no artigo 269º, alínea e), do CIRE
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Acordam os Árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Árbitro Presidente), Maria José Pires e Nuno Maldonado Sousa, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, na seguinte

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

Em 28 de Setembro de 2016, a sociedade “A…, LDA.”, titular do número de identificação fiscal…, com sede na Rua …, nº…, … –…Lisboa (doravante Requerente) apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria tributária, aprovado pelo Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a anulação do acto de liquidação oficiosa de IS, de 2013, no valor global de € 76.020,22 (setenta e seis mil e vinte euros e vinte e dois cêntimos), por violação do disposto no artigo 269.º, alínea e), do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE).

Com efeito, não se conformando com a liquidação oficiosa de IS acima referida, a Requerente solicitou a constituição deste tribunal arbitral formulando os seguintes pedidos:

a)             Declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação oficiosa de IS com fundamento em vício de violação de lei por violação do disposto no artigo 269.º, alínea e), do CIRE;

b)             Condenação da Administração Tributária ao reembolso do imposto pago;

e

c)             Condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral da quantia em causa.

Com a petição juntou 3 documentos.

Como a Requerente optou pela não designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo a Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs, a Dra. Maria José Pires e o Dr. Nuno Maldonado Sousa que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram notificadas dessa designação, não tendo sido apresentado qualquer pedido de recusa da designação como árbitro dos que compõem este tribunal.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 e no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 23 de Dezembro de 2016.

Em 03 de Fevereiro de 2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida”) apresentou resposta na qual defendeu a manutenção do acto de liquidação oficiosa de IS por a sua aplicação consubstanciar uma correcta interpretação do disposto no artigo 269.º, alínea e), do CIRE.

Atendendo a que, no caso, não se verificava nenhuma das finalidades que legalmente estão cometidas à reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e, tendo em conta a posição tomada pelas partes nos articulados, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º alínea c) e 19.º do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição de actos inúteis, dispensou-se a realização desta reunião tendo as partes sido notificadas para, querendo, apresentar alegações. O Tribunal fixou o dia 23 de Junho como data limite de prolação da decisão arbitral, a qual foi prorrogada para o dia 23 de Agosto de 2017, por despacho de 18 de Junho.

 

Por despacho, de 25 de Maio, o Tribunal proferiu despacho com o seguinte conteúdo: 

 

“No seu requerimento inicial a Requerente alega ter adquirido o conjunto de imóveis que identifica, no âmbito da insolvência da sociedade B…, Lda. (“B…”). Na sua resposta a AT não contestou a aquisição. Do PA consta que o C…, S.A (“C…”) adquiriu os créditos dos bens à insolvente B..., Ldª.

Por outro lado, do PA consta, entre o mais, que a Requerente pediu a liquidação de IS, identificando a operação tributada por remissão para documentos que junta e destes consta referência a que se trata de dação ao C…, mas tais documentos são acompanhados da menção ao processo de insolvência n.º …/09…TYLSB.

Do PA constam igualmente documentos segundo os quais o c… cedeu à A… os créditos que detinha sobre a B…, incluindo os direitos de garantia sobre os imóveis transacionados na operação a que se refere a liquidação impugnada.

Em data não revelada nestes autos mas que foi subsequente a 10-01-2012 e anterior a 28-09-2012 a A… foi julgada habilitada para intervir nos autos de insolvência da B…, como cessionária dos créditos do C…, sobre a B… (no âmbito do processo de insolvência n.º …/09…TYLSB).

Em virtude de os autos, incluindo o PA, conterem informação algo contraditória ou imprecisa que suscita dúvidas a este tribunal sobre as datas e forma de aquisição dos imóveis pela Requerente, em nome do princípio do inquisitório e da verdade material (artigo 411.º do CPC),  convida-se a Requerente a juntar aos autos certidão do documento que titula a transmissão dos imóveis que constam identificados na liquidação impugnada.” 

 

Por requerimento, de 2 de Junho de 2017, a Requerente veio juntar aos autos certidão integral (o processo continha cópias apenas da parte decisória) da sentença proferida pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, em 28 de Setembro de 2012, no âmbito do processo n.º …/09…TYLSB. 

Notificada para exercer contraditório, a Requerida nada disse.

Ambas as partes prescindiram da apresentação de alegações escritas.

II. SANEAMENTO

Não há questões prévias a resolver.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e são legítimas.

Tudo visto, cumpre decidir.

III. DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada. Tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e o artigo 607.º, n.º 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º Código de Processo Civil aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Ora, atendendo às posições assumidas pelas partes, à prova documental e ao Processo Administrativo juntos aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. No processo de insolvência nº …/09…TYLSB que correu termos no … Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa e em que foi insolvente a sociedade “B…, Lda.”, foi aprovado um plano que previa a dação em pagamento ao C…, S.A., dos créditos por si reclamados, através dos imóveis descritos a fls. 20 da certidão junta aos presentes autos pela Requerente, e que foi homologado por sentença transitada em julgado em 12.04.2011 – cfr. fls. 1/60 e 20/60 da certidão emitida pelo Tribunal do Comércio de Lisboa em 28.09.2012, junta aos autos pela Requerente;
  2. De acordo com a certidão referida no número anterior, a Requerente “A…, S.A.” interveio nesse processo de insolvência como credora da insolvente – cfr. fls. 1/60 da certidão emitida pelo Tribunal de Comércio de Lisboa em 28.09.2012, junta aos autos pela Requerente;
  3. A fls. 6 e 6 v. do Processo Administrativo consta que a Requerente “A…, S.A.” requereu no referido processo de insolvência a sua habilitação em substituição do credor reclamante C…, S.A., habilitação que foi julgada procedente por sentença de 10.01.2012 e que declarou “a mesma habilitada para intervir nos autos na qualidade de cessionária dos créditos do  C… S.A. sobre B…, S.A.”, conforme o apenso nº …/09…TYLSB-G, decisão que transitou em julgado em 22.02.2012, como consta da certidão junta pela Requerente;
  4. Em 20.02.2013, foram emitidas guias referentes ao Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e Imposto do Selo relativas aos imóveis identificados pela Requerente no número 7 (sete) do pedido de constituição do tribunal arbitral, sem qualquer liquidação de imposto, mencionando como adquirente desses imóveis a Requerente e como alienante o C…, S.A., constando em cada uma dessas guias e em «observações» a menção  “Processo nº …/09…TYLSB, do Tribunal do Comércio de Lisboa (Habilitação de cessão de créditos)” – cfr. fls. 20 a 25 do P.A.;
  5. Através do Ofício n.º…, de 26 de Junho de 2016, a Requerente foi notificada pelo Serviço de Finanças do … para solicitar guias de pagamento de IMT e IS, este último no montante de 76.020,22 € – conforme doc. 2 junto pela Requerente e fls. 130 do PA;
  6. De acordo com a “Informação” anexa a essa notificação, “O SP A…, Lda, NIPC…, adquiriu ao C…, SA, através do Tribunal do Comércio de Lisboa –…Juízo (…) o(s) prédios(s) abaixo identificado(s) com isenção de IMT e Imposto Selo nos termos dos nºs 1 e 2  do artigo 270º e da alínea e) do artigo 269º respectivamente, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (…). Ora, no caso concreto, verifica-se que a aquisição efectuada pelo SP não se enquadra no supra citado, em virtude dos bens adquiridos não fazerem parte em planos de insolvência ou no âmbito da liquidação da massa insolvente do anterior titular (C…, SA), visto que este adquiriu os créditos dos bens à insolvente B…, Lda. Desta forma, há lugar à liquidação adicional de IMT (…) e IS (…)” – cfr. doc. 2 junto pela Requerente e fls. 130 do PA;
  7. A Requerente procedeu ao pagamento do IS no montante de 76.020,22 € em 29 de Junho de 2016 – conforme documento nº 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispões o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual.

IV. DA MATÉRIA DE DIREITO

Na Informação que serviu de base ao despacho de conversão da liquidação provisória em definitiva pode ler-se, em relação ao âmbito de aplicação da isenção de  IS, nos termos das disposições dos n.ºs 1 e 2 do artigo 270.º e da alínea e) do artigo 269.º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), entre o mais, que:

“1- Para efeitos de IS, a isenção inclui a venda, permuta ou cessão de elementos do activo (imobilizado ou permutável) da empresa, desde que integrados em planos de insolvência ou pagamentos ou no âmbito da liquidação da massa insolvente.

  2-Para efeitos de IMT, os bens imóveis transmitidos em actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimento, façam parte de um plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, desde que os bens imóveis transmitidos estejam integrados no todo da empresa (ou seja, em caso de transmissão da totalidade daquela) ou, pelo menos, integrados na transmissão global e completa de um dos seus estabelecimentos.

3-Que o insolvente seja pessoa (…)”

Ora no caso concreto, verifica-se que a aquisição efectuada pelo SP não se enquadra no supra citado, em virtude de os bens adquiridos não fazerem parte em planos de insolvência ou no âmbito da liquidação da massa insolvente do anterior titular (C…, SA), visto que este adquiriu os créditos dos bens à insolvente B…, Ldª. (…).”

Contra esta fundamentação se insurge a Requerente, argumentando que adquiriu os bens em causa, “no âmbito do processo de insolvência da pessoa colectiva seguidamente descrita – processo n.º…/09…TYLSB, que correu termos no …º juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa-, agindo na qualidade de credora da mesma, (…)”. 

A Requerida não questiona a aquisição dos bens em causa pela Requerente, mas apenas que os mesmos tenham sido adquiridos no âmbito de um processo de insolvência e se, no contexto em que a aquisição ocorreu, estão preenchidos ou não os requisitos de isenção de IS nos termos da alínea e) do artigo 269.º do CIRE.

Tendo a Requerente imputado diversos vícios ao acto tributário impugnado no conhecimento dos mesmos deve ser observada a ordem do artigo 124.º do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º, nº 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária[1].

A procedência de qualquer dos vícios invocados pela Requerente conduzirá à anulação dos actos tributários. Assim, analisar-se-á em primeiro lugar o vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito de que depende a liquidação, na medida em que é aquele que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” e em que a sua eventual procedência impedirá a renovação do acto, o que não sucede com a anulação decorrente dos demais vícios.

Em conformidade, o tribunal irá apreciar, em primeiro lugar, o vício de violação de lei.

 

IV.1.Quanto ao alegado vício de violação de lei

A primeira questão a decidir traduz-se em saber se a Requerente adquiriu ou não os bens em causa no âmbito de um processo de insolvência, para poder gozar do direito à isenção do IS nos termos do disposto no artigo 269.º, alínea e), do CIRE.

Vejamos então o preceito em causa que tem o seguinte conteúdo:

Artigo 269.º do CIRE Estão isentos de imposto do selo, quando a ele se encontrem sujeitos, os seguintes actos, desde que previstos em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente: a) As modificações dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos sobre a insolvência;

b) Os aumentos de capital, as conversões de créditos em capital e as alienações de capital;

c) A constituição de nova sociedade ou sociedades;

d) A dação em cumprimento de bens da empresa e a cessão de bens aos credores;

e) A realização de operações de financiamento, o trespasse ou a cessão da exploração de estabelecimentos da empresa, a constituição de sociedades e a transferência de estabelecimentos comerciais, a venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como a locação de bens;

f) A emissão de letras ou livranças.

(Redacção da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro - com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013)

Conforme consta da fundamentação da liquidação de IS impugnada (cfr. PA fls. 2 e doc. 2 anexo ao pedido de pronúncia) o Serviço de Finanças do … faz assentar a recusa da isenção, no caso, de IS, por considerar que a Requerente adquiriu os referidos imóveis ao C…, que, por sua vez os adquiriu à B…, através do processo de insolvência desta, na qualidade de credor hipotecário.

Este raciocínio, porém, não está correcto, como se passa a demonstrar:

Ao C…, na qualidade de credor reclamante no processo de insolvência em questão, foram atribuídos em dação em pagamento os imóveis aqui em questão, tal como consta do plano de insolvência homologado judicialmente.

Sucede que, os créditos do C… sobre a insolvente B… foram cedidos à Requerente[2] que, por esse facto, requereu a sua habilitação no processo de insolvência, em substituição do credor C…, tal como decorre da sentença proferida no Proc. …/09…TYLSB-G, que é o apenso relativo à habilitação da Requerente no processo de insolvência da B… .

Nos termos do artigo 577º, nº 1, do Código Civil, “O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor.

E o nº 2 do artigo 578º do Código Civil, determina que “A cessão de créditos hipotecários, quando não seja feita em testamento e a hipoteca recaia sobre bens imóveis, deve constar de escritura pública ou documento particular autenticado.

Por sua vez, no nº 1 do artigo 583º do Código Civil, estabelece-se que “(…) a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente.

E a nível da lei processual, a habilitação do adquirente ou cessionário está prevista no artigo 356º do Código de Processo Civil.

Assim sendo, no caso concreto, a habilitação da Requerente, no processo de insolvência supra identificado, em substituição C…, S.A, a quem haviam sido atribuídos, em dação em pagamento, os imóveis identificados no plano de insolvência aprovado e homologado por sentença naquele processo, traduz a aquisição desses imóveis no âmbito da liquidação do activo da insolvente em substituição do credor reclamante, tal como expressamente se refere na sentença que decretou a habilitação da Requerente naquele processo de insolvência.

Logo, foi no âmbito do processo de insolvência, que a Requerente adquiriu os imóveis em causa, integrantes do activo da empresa B…, em substituição do C… .

Aliás, a este respeito não é manifestado qualquer argumento em sentido contrário pela AT na sua resposta, que incide, no essencial, no entendimento de que o impedimento à aplicação ao caso concreto da isenção prevista no artigo 269º, alínea e), do CIRE, resulta do facto de terem sido transmitidos à Requerente “alguns bens em processo de liquidação da massa falida”, i.e., de não terem sido vendidos todos os imóveis de que a insolvente era proprietária, conforme está expresso nos números 9º, 10º, 44º e 45º da resposta da AT.

Porém, tratando-se, efectivamente, da aquisição de imóveis integrantes do activo da insolvente “B…, Lda.”, ainda que através de habilitação de cessionário dos créditos reclamados, tem plena aplicação a isenção de IS consagrada no artigo 269º, alínea e) do CIRE, uma vez que esses imóveis foram adquiridos no âmbito da liquidação do activo desta empresa.

Falece, por isso, o entendimento da AT subjacente à emissão da liquidação de IS impugnada, uma vez que a Requerente não adquiriu os imóveis aqui em causa ao C…, mas sim à insolvente “B…, Lda.”, por via de substituição da posição daquele credor reclamante no âmbito do plano de insolvência aprovado naquele processo.

Finalmente, também não assiste razão à AT quando na resposta vem argumentar que há violação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, preceito que estabelece uma isenção de IMT nos casos em que ocorram “actos de venda, permuta ou cessão de empresa ou de estabelecimento desta” bastando que tais actos sejam efectuados no âmbito de um plano de insolvência ou da liquidação da massa insolvente.

Contra esta orientação se insurge a Requerida defendendo que a disposição acima transcrita é única e exclusivamente aplicável às transmissões onerosas de bens imóveis integrados no todo da empresa ou integradas na transmissão global e completa de um dos seus estabelecimentos.

A questão aqui subjacente advém, portanto, de uma dúvida interpretativa relacionada com o texto do n.º 2 do artigo 270.º, que embora previsto para o IMT também tem de ser aqui convocado. Em concreto, a questão subjacente é a de saber se a referência a “actos de venda” deverá ser entendida como referindo-se a qualquer “acto de venda”, desde que inserido no âmbito de um plano de insolvência, de recuperação ou da liquidação da massa insolvente, ou se, pelo contrário, se deverá reportar apenas à “venda da empresa” ou à “venda dos estabelecimentos” nela integrados.

Tal como refere a Requerente, a questão tem vindo a ser amplamente discutida em sede judicial, tendo o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciado sobre a mesma por diversas vezes, nomeadamente no Acórdão de 30.05.2012, processo
n.º 0949/11, no Acórdão de 17.12.2014, processo n.º 01085/13 e no Acórdão de 18.11.2015, processo n.º 01067/15 (todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/), onde se decidiu que “estão isentas de IMT não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.

E mais decidiu o STA, no identificado processo:

Os bens que integram a massa insolvente são os bens do património da empresa declarada insolvente e nenhuns outros pertencentes a outra pessoa singular ou colectiva. Por definição, os bens que são vendidos em processo de insolvência são bens do insolvente ou que, pelo menos, que foram tidos como tal. Não há qualquer venda de bens diversos dos que integravam o património do insolvente.

O legislador para garantir que assim é prevê mesmo um procedimento de reclamação para a restituição e separação de bens destinado a separar da massa os bens de terceiro indevidamente apreendidos, ou aqueles de que o insolvente não seja pleno e exclusivo proprietário, ou sejam estranhos à massa ou insusceptíveis de apreensão para a massa – artº 141º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Além disso no capítulo da liquidação do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas encontram-se indicações claras e precisas dos bens que podem ser vendidos nessa liquidação e daqueles que deverão ser temporária ou definitivamente excluídos da venda, só se liquidando no processo de insolvência o direito que o insolvente tenha sobre bens de que é contitular – artº 159º -, não se procedendo à venda dos bens de titularidade controversa até ao transito em julgado da sentença que defina a titularidade do direito de propriedade relativamente a esses bens – artº 160º.

O processo de insolvência é – artº 1º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – um processo de execução universal cujo fim é a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência destinado a promover a recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não for possível, a liquidar o património do devedor insolvente com a subsequente repartição do produto obtido pelos credores. A massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo e ainda aqueles cuja impenhorabilidade não seja absoluta e sejam voluntariamente apresentados pelo devedor – artº 46º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - pelo que se não consegue conceber que haja bens que integrando a massa insolvente de uma empresa declarada insolvente possam ser integrados numa categoria de bens sem qualquer relação com essa empresa ou estabelecimento.”

Tratando-se de uma questão interpretativa, vejamos, numa primeira análise, aquilo que resulta exclusivamente da letra da lei.

Ora, a expressão que consta do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE “da empresa ou estabelecimentos desta” aparece apenas após a referência que na mesma norma se faz a “actos de… cessão”. Como consequência, de uma análise puramente literal, poder-se-á facilmente defender que a expressão “da empresa ou estabelecimentos desta” surge como complemento directo não só dos actos de cessão, mas também dos actos de venda e de permuta, assim determinando que só os actos de venda da empresa ou de estabelecimentos desta estariam abrangidos pela isenção.

No entanto, tal como refere o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão atrás citado de 30.05.2012, Proc. 0949/11:

“(…) embora a redacção do preceito seja ambígua, propiciando a interpretação de que tanto a “venda” como a “permuta”, conjuntamente com a “cessão”, estejam  reportadas à empresa ou a estabelecimentos desta, tal interpretação deve ser postergada sob pena de se concluir que a ser assim, haveria uma tautologia inexplicável, pois a “cessão” da empresa (ou do estabelecimento) mais não é do que a sua “venda”, julgando-se, pois, que a única interpretação plausível do referido preceito é a que o entende como reportando a isenção aos actos de venda e permuta dos próprios imóveis, incluindo os actos abrangidos pela cessão da empresa ou de estabelecimento desta.”

Com efeito, e fazendo uso do elemento histórico e teleológico da interpretação do preceito, a interpretação que é dada ao preceito pelo STA parece ser a interpretação que melhor se compagina com a finalidade pretendida pelo legislador, por ser aquela pela qual a norma em causa exterioriza o seu sentido mais profícuo, mais salutar e mais benéfico para os interesses que se destina a tutelar. (neste sentido, MANUEL DE ANDRADE, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, Arménio amado, editores, Coimbra, 1978).

Senão vejamos:

Tal como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-12-2014, Proc.º 01085/13, que se passa a citar, na parte relevante:

“Tendo em conta o fim que o legislador pretende alcançar com a concessão de tal isenção, - fomentar e apoiar a venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões de interesse dos credores, mas, também do interesse público de retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador, dando «um bónus» a quem adquirir os bens imóveis que integram a massa insolvente – compre estes bens que compra mais barato porque não tem de pagar o IMT que seria devido na aquisição de um imóvel similar fora do processo de insolvência – e que serão vendidos em fase de liquidação, o ambíguo texto do n.º 2 do artº 270º pode ser objecto de uma leitura mais clara e inequívoca sem recurso a qualquer interpretação extensiva. Basta que nos interroguemos se para alcançar o fim antes definido faz qualquer diferença que se esteja a vender globalmente a empresa com todo o seu activo e o seu passivo, que se esteja a vender um ou mais dos estabelecimentos comerciais que a integravam, que se esteja a vender bens que integravam o seu património mas não eram utilizados no seu giro comercial – por exemplo um imóvel recebido em pagamento de uma dívida de que a empresa insolvente era credora – para que se esteja perante uma venda que é praticada no âmbito da liquidação da massa insolvente? E, se nas mesmas situações se tratar não de vendas mas de permutas ou cessões – sendo que esta palavra há-de ter sido utilizada em sentido impróprio na medida em que associada ao mundo empresarial se costuma reportar a cessão de exploração, cessão do estabelecimento comercial, próximos da locação e não da alienação, e no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas se mostra utilizada também quanto à aquisição de bens pelos credores -?. Cremos que a resposta não pode deixar de ser negativa.”

Com efeito, a ratio legis do preceito afigura-se ser o incentivo à aquisição de imóveis pertencentes a sociedades em situação de insolvência, de maneira a acelerar a liquidação do activo. Esta permite aos credores a satisfação dos seus créditos em tempo útil e a resolução da situação incerta da sociedade insolvente, cuja definição é do interesse de todos os envolvidos, mas também beneficia a ordem e a paz públicas, incentivando ao mesmo tempo a atividade económica, razão pela qual são concedidos benefícios fiscais à transmissão dos imóveis do seu activo.

De tal modo que, e em concordância com o que nos parece ser a finalidade do regime, também o Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão de 18.11.2015, proferido no âmbito do processo n.º 01067/15 nele descortina que “(…) o objectivo que preside à teleologia da norma será igualmente prosseguido quando a aquisição tem por objecto elementos do activo da empresa, não se tornando necessário que o objecto seja a empresa ou estabelecimentos desta integrados no plano de insolvência”.

Idêntica interpretação parece resultar do sentido e extensão da autorização legislativa concedida ao Governo, constante da Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto, que corrobora este entendimento, ao abrigo da qual foi aprovado o CIRE. Com efeito, dispõe o seu artigo 9.º, n.º 3, que “Fica, finalmente, o Governo autorizado a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente: (…) c) (…) da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimento ou elementos dos seus activos (…)”.

Este foi, de resto, o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, propugnado no Acórdão de 30.05.2012, Proc. 0949/11, onde se refere que:

“o n.º 2 do art.º 270.º do CIRE, cuja redacção não é clara no que respeita ao âmbito da isenção de IMT aí consignada, deve ser interpretado em conformidade com a al. c) do n.º 3 do art.º 9.º da Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto, pois que entre dois sentidos da lei, ambos com apoio – pelo menos mínimo – na respectiva letra, deve o intérprete optar por aquele que o compatibilize com o texto constitucional (interpretação conforme à Constituição), em detrimento da interpretação que o vicie de inconstitucionalidade.”

Apelando ainda ao elemento histórico, é ainda de referir que o legislador, no ponto 49 do preâmbulo do CIRE, referiu ainda que se mantinham, no essencial, os regimes existentes no Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência (CPEREF) quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais.

Ora, o artigo 121.º, n.º 2, alínea c) do CPEREF isentava de imposto municipal de sisa “as transmissões de bens imóveis integradas em qualquer das providências de recuperação da empresa que decorram, designadamente, da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa” (sublinhado nosso).

Deste modo, e tendo por base o próprio preâmbulo do CIRE, o preceito actualmente constante do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE deverá também seguir a mesma linha interpretativa do seu antecessor.

O entendimento deste tribunal é, assim, totalmente consonante com jurisprudência recorrente do Supremo Tribunal Administrativo, sendo também aquele que vem sendo sufragado pela mais recente jurisprudência arbitral tributária, designadamente a decorrente dos processos n.ºs 95/2015-T, 99/2015-T e 123/2015-T (cujas decisões se encontram disponíveis em http://www.caad.org.pt/).

Reproduzindo o que ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 81/2016-T, “Assim, sem necessidade de ulteriores considerandos, numa situação onde existe pacífica e firmada jurisprudência, sufraga-se aqui o entendimento segundo o qual não estão sujeitos a IMT os actos de venda de imóveis realizados no âmbito de planos de insolvência ou de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, ainda que se tratem de “meros” elementos do activo da empresa e não de bens imóveis integrados no todo da empresa ou na transmissão global e completa de um dos seus estabelecimentos.”

Pelo exposto, conclui-se, pois, que o acto tributário de liquidação oficiosa de IS, referente ao ano de 2013, é ilegal, fundamentalmente por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito de que depende a liquidação, consubstanciado em violação do artigo 269º, alínea e) do CIRE, o que justifica a sua anulação nos termos do artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo, aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT e artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação da liquidação oficiosa objecto de impugnação.

IV.2. Quanto ao pedido de juros indemnizatórios

Cumula a Requerente com o pedido anulatório do acto tributário objecto dos presentes autos, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios pelo pagamento indevido do acto tributário em análise.

É pressuposto da atribuição de juros compensatórios que o erro em que laborou a AT lhe seja imputável[3].

No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos acto de liquidação, pelas razões que se apontaram anteriormente, se encontram preenchidos os pressupostos do direito a juros indemnizatórios.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação – conforme o disposto nos artigos 99.º e 124.º do CPPT – pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

 Por outro lado, há lugar a reembolso do imposto pago pela Requerente, por força do disposto nos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

Foi também esse o entendimento do tribunal arbitral constituído no âmbito do processo n.º 48/2013-T, onde estavam também em causa pedidos de reembolso e condenação no pagamento de juros indemnizatórios. Concluiu aquele tribunal que:“O pedido de constituição de tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a legalidade da dívida exequenda, pelo que, como resulta do teor expresso no n.º 1 do referido artigo 117.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.”

Aplicando a doutrina daquele acórdão, considera-se que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, sobre a quantia que indevidamente pagou, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 3/c), da LGT e 61.º do CPPT.

Os juros indemnizatórios são devidos e calculados com base no valor indevidamente pago, até à sua integral devolução à Requerente, à taxa legal, nos termos dos artigos, artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (sem prejuízo das eventuais alterações posteriores da taxa legal).

             

V. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

 

b)   Declarar a ilegalidade do acto tributário de liquidação oficiosa de IS e, nesta sequência, anular a liquidação de IS referente ao ano de 2013;

 

c)    Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, nos termos mencionados.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 76.020,22, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VII. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2 448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 21 de Agosto de 2017.

 

O Árbitro Presidente

 

 

(Fernanda Maçãs)

 

 

O Árbitro Vogal

 

(Maria José Pires)

 

          

 

(O Árbitro Vogal)

 

 

Nuno Maldonado Sousa

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 



[1] Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pág. 202.

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[2] Conforme consta da escritura pública de cessão de créditos junta ao PA.

[3] Cfr. artigo 43.º da LGT.