Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 581/2016-T
Data da decisão: 2017-04-26  IRC  
Valor do pedido: € 518.691,66
Tema: IRC - Benefícios fiscais - SGPS
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), António Martins e Américo Brás Carlos acordam o seguinte:

 

I.        Relatório

 

1.      A A… SGPS, S.A., sociedade com sede na … …, n.º…, …, na …, apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante também AT).

2.      A pretensão objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste na apreciação da legalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2016…, datada de 27.04.2016, demonstração de liquidação de juros e demonstração de acerto de contas n.º 2016…, datada de 29.04.2016, todas respeitantes ao exercício de 2011, no montante de €518 691,66.

3.      A Requerente pede, na sequência da procedência do pedido, a anulação do referido ato tributário consubstanciado na liquidação de IRC 2011 acima referido, e respetiva demonstração de liquidação de juros e demonstração de acerto de contas .

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-10-2016.

4.1.No exercício da opção de designação de árbitro prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e em cumprimento do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 10.º e no n.º 2 do artigo 11.º, do mesmo diploma, a Requerente designou como Árbitro o Prof. Doutor Martins.

4.2.Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do artigo 11.º do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) designou como Árbitro o Prof. Doutor Américo Brás Carlos.

4.3.De acordo com o disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD notificou a Requerente da designação do Árbitro pelo dirigente máximo do serviço da Administração Tributária a 05-12-2016 e notificou os árbitros designados pelas partes para designarem o terceiro árbitro que assume a qualidade de Árbitro presidente, tendo os Exmos. Árbitros designados pelas partes acordado, em 05-12-2016, na designação da Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs como Árbitro Presidente.

4.4.Em 05-12-2016, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT.

4.5.Em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 21-12-2016.

5.    A fundamentar o pedido, a Requerente alega que a procedência do mesmo é inquestionável, uma vez que os atos tributários em apreço são ilegais, por violarem, em síntese:

a) O disposto no n.º 2 do artigo do artigo 32.º do EBF ao considerar como fiscalmente não dedutíveis despesas com serviços bancários e Imposto do Selo sobre juros suportados pela Requerente – sociedade dominante do grupo -  assim como pela B…– sociedade dominada do grupo;

b) A mesma norma do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, quando consideram o montante relativo a “juros intra-grupo” como encargos financeiros não aceitos fiscalmente;

c) O disposto no referido n.º 2 do artigo 32.º do EBF, ao aplicar o método indirecto constante da Circular 7/2004, não relevando os elementos por si fornecidos;

d) O preceito legal anterior, aplicando o cálculo previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2004 também a prestações suplementares e suprimentos realizados, bem como ao aumento de capital em espécie na C…, LDA. (Brasil), e ainda à incorporação nesta última da sociedade D…;

e) O mesmo nº 2 do artigo 32º do EBF, quando considerou que a B… incorreu em encargos financeiros relativamente a um montante da participação detida na C…, LDA. (Brasil) que nunca chegou a pagar;

f) O preceito acima indicado, quando subsumiu no seu regime os passivos resultantes de empréstimos obtidos junto de entidades bancárias, utilizados na atividade operacional do grupo;

g) O princípio da segurança jurídica e o princípio da proibição da retroatividade em matéria fiscal, ao aplicar o nº 2 do artigo 32º do EBF aos encargos financeiros relativos a aquisições de participações sociais ocorridas em data anterior à entrada em vigor daquela norma;

h) Os princípios da legalidade, igualdade e da capacidade contributiva, ao    interpretar a norma do artigo 32º, nº 2 do EBF nos termos da Circular nº 7/2004, e por consagrar uma presunção inilidível em matéria de incidência tributária.

A Requerente requer também a indemnização respeitante à garantia bancária constituída para suspensão da execução fiscal entretanto instaurada.

 

6. Por sua vez, a Requerida juntou o processo instrutor e defendeu-se por impugnação alegando que os atos tributários em análise não padecem de qualquer ilegalidade, tendo, em síntese, invocado o seguinte:

a)      A Requerente não trouxe ao conhecimento da AT ou do Tribunal quaisquer elementos que permitam uma afectação específica dos empréstimos contraídos de forma a identificar os respeitantes à aquisição de participações sociais;

b)      Na impossibilidade de afectação específica ou directa dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais é legítimo à AT, face à letra e ao espírito do nº 2 do artigo 32º do EBF, aplicar um método de afectação indirecta ou não específica;

c)      O método patente na circular nº 7/2004, na impossibilidade dessa afectação específica, apenas contempla uma interpretação que respeita a referida norma face à mesma impossibilidade;

d)      Não há qualquer ilegalidade na aplicação do nº 2 do artigo 32º do EBF, segundo a fórmula constante da Circular nº 7/2004, ainda que não seja possível à AT e ao contribuinte proceder a uma afetação específica ou direta, dado que qualquer método (directo ou indirecto) é bom, desde que respeitada a ratio legis da norma;

e)      O acréscimo que a requerente designa por empolamento dos valores de aquisição de participações sociais baseou-se em valores remetidos pela Requerente, sendo que no conceito de valor de aquisição serão de englobar todos os reforços do capital social das associadas;  

f)       O ato tributário em análise não viola o princípio da legalidade porque não é a Circular n.º 7/2004 que cria normas de incidência, mas é a própria lei, interpretada nos termos acima expostos;

g)      Não existe violação do princípio da tributação pelo lucro real (art. 104º, nº 2 da CRP) porque o motivo que preside à utilização do método de imputação dos encargos financeiros às partes de capital, utilizado no caso em apreço, é o da tributação mais próxima do lucro real possível, respeitando o disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF;

h)      A liquidação de IRC em julgamento não viola o princípio da capacidade contributiva e da proporcionalidade, nem os princípios da segurança jurídica e da proibição da retroactividade em matéria fiscal;

i)       Não faz sentido falar-se em presunção inilidível no caso em concreto, notando que não se está perante qualquer tipo de presunção que a Requerente não pudesse afastar;

j)       A interpretação defendida pela Requerente, de que os encargos suportados com a aquisição de participações sociais são só aqueles que directa e inequivocamente se provem como tal, mostra-se contrária à lei fundamental, na medida em que viola os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real;

k)      Deve improceder na íntegra o pedido de indemnização por garantia indevida, na exacta medida em que improcederá o pedido principal da Requerente. 

 

7. Por despacho de 28-02-2017, o tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade. No mesmo despacho foi fixado o dia 21 de junho de 2017 como data limite para prolação da decisão arbitral.

8.      Nas alegações, as partes reafirmaram, no essencial, os argumentos constantes do pedido de pronúncia arbitral.

 

II.       Saneamento

 

9.O Tribunal encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer da presente ação, em sede declarativa.

9.1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

9.2. O processo não enferma de nulidades.

9.3. Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III.   Mérito

 

III.1. Matéria de facto

 

10. Factos provados

10.1. Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para decisão:

a) A Requerente é uma sociedade anónima que se dedica à gestão de participações sociais das sociedades do “Grupo E…”;

b) No exercício de 2011, a Requerente foi tributada, em sede de IRC, ao abrigo do regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), atualmente previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC;

c) A Requerente é a sociedade dominante do grupo em cujo perímetro se encontram as sociedades F…, S.A. (F…), G…, S.A. (G…), H…, Lda. (H…), I…, S.A. (I…), B… SGPS, S.A. (B…), N…, S.A. (N…), J…, LDA. (J…) e K… S.A. (K…), enquanto sociedades dominadas;

d) No exercício de 2011, em resultado das declarações de rendimento das sociedades do grupo, foi declarado um resultado fiscal do mesmo de € 4.966.762,44;

e) Visando o exercício de 2011 foram promovidas pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Lisboa ações de inspeção internas aos elementos contabilístico-fiscais constantes das declarações de rendimentos modelo 22 da sociedade Requerente, da sociedade dominada B…, SGPS, SA, bem como ação inspetiva externa aos elementos contabilístico-fiscais constantes da declaração de rendimentos modelo 22 do grupo, sob a ordem de serviço n.º OI2015…;

f) Das referidas ações inspetivas resultou uma correção ao lucro tributável da Requerente, no montante de € 1.039.603,30, bem como uma correção ao lucro tributável da sociedade dominada B…, no montante de € 893.368,86, ambas resultantes da desconsideração como custo do exercício de encargos financeiros alegadamente suportados com a aquisição de partes de capital, ao abrigo do n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF);

g) As aludidas correções ao lucro tributável da Requerente e da sociedade dominada B… fundaram-se, em suma, no entendimento de que os aludidos montantes de € 1.039.603,30 e € 893.368,86 consubstanciam encargos financeiros não dedutíveis nos termos do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, segundo a interpretação constante da Circular 7/2004, de 30 de março, da Direção de Serviços do IRC;

h) No apuramento do montante de IRC adicional do grupo de € 518.691,66 foi considerada a dedução de prejuízos fiscais dos exercícios de 2005 e 2006, no valor de € 34.814,39;

i) Em virtude da falta de pagamento do imposto e correspondentes juros adicionalmente liquidados foi instaurada a execução fiscal n.º …2016…, no âmbito da qual, com vista à sua suspensão nos termos do artigo 169.º do CPPT, a ora Requerente apresentou a garantia bancária n.º…, emitida pela L…, S.A..

 

 

10.2. Fundamentação da matéria de facto

 

A factualidade provada teve por base, a posição assumida por cada uma das Partes e não contrariada pela parte oposta, a análise crítica dos documentos juntos aos autos pela Requerente, cuja autenticidade e veracidade não foram impugnados, bem como o conteúdo do processo instrutor.

10.3. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

III.2. Matéria de Direito

 

 

Como vimos, em inspeções levadas a cabo, em 2011, às sociedades “A… SGPS, SA” e “B… SGPS, SA”, integrantes de um grupo fiscal cuja sociedade dominante é a primeira das entidades referidas, a AT desconsiderou, ao abrigo do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, então em vigor, as seguintes importâncias:

·         encargos financeiros no valor de 1.039.603,20 euro na “A…”;

·         encargos financeiros no valor 893.368,86 euro na “B…”.

 

Dispunha o n.º 2 do artigo 32.º do EBF, na redação em vigor no exercício de 2011, o seguinte (subl. do tribunal):

“2 - As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.”
 

Aquele normativo foi objeto de desenvolvimento pela Circular 7/2004, que fixava um método de imputação de encargos financeiros aos financiamentos obtidos pelas sociedades participantes para a aquisição de partes de capital em entidades participadas. A aplicação de tal Circular tem sido amiúde objeto de controvérsia entre os contribuintes e a AT, invocando, aqueles, alegadamente, quer deficiências na respetiva conceção, quer a sua ilegalidade, em virtude de fixar ou quantificar o modo de apuramento de gastos dedutíveis, e por isso do lucro tributável, por uma via que ofenderia princípios constitucionais da tributação. Ao que AT tem alegado que a dita circular apenas densifica uma regra legal de indedutibilidade de gastos de financiamento que expressa no artigo 32.º do EBF.

A questão central a decidir traduz-se em averiguar se as correções aos encargos financeiros de ambas as sociedades enfermam ou não dos vícios que lhes aponta a Requerente, a saber:

i)                   Do erro de direito decorrente da violação do artigo 32.º, n.º2, do EBF;

ii)                 Da ilegalidade da determinação dos encargos financeiros conexos com a aquisição de partes de capital através do método previsto na Circular n.º 7/2004- da violação do artigo 32.º, n.º2, do EBF;

iii)               Da violação de lei na determinação dos encargos incorridos com a aquisição de participações sociais;

iv)               Da inconstitucionalidade por violação dos princípios da legalidade e da capacidade contributiva.

 

A Requerente pede, ainda, uma indemnização por prestação de garantia indevida.

 

Vejamos.

 

III.2.1.A correção ao lucro tributável da “A…, SGPS”

 

 No caso da A…, o tribunal analisará, em seguida, se a correção efetuada pela AT no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), e à qual a requerente aponta na Petição Inicial (PI) vícios de fundamentação e de cálculo, é ou não legalmente sustentável.

Nos artigos 42.º e seguintes da PI refere-se que o grupo de sociedades dominado pela A… adota o sistema de “cash pooling zero balance “. Isso significa que os excedentes de tesouraria das sociedades participadas são enviados para a entidade centralizadora, a qual engloba igualmente todos os pagamentos e recebimentos (de clientes e fornecedores), por transmissão dos respetivos créditos. A gestão centralizada de tesouraria de um grupo (mesmo que neste processo não intervenha um banco, cujo envolvimento é habitual, conduz a economias de escala e melhor negociação de condições nas operações com fornecedores, clientes e outras entidades).

Quer dizer: em vez de cada sociedade considerada, movimentando um volume menor de meios monetários – necessidades de financiamento ou excedentes de tesouraria – obter condições de financiamento, ou de aplicação de fundos, individualmente negociadas, a junção (pooling) de tais montantes numa entidade centralizadora, multiplicando os recursos à sua disposição ou as necessidades de financiamento a negociar, produz condições de financiamento ou de remuneração de excedentes que beneficiam do fator escala ou volume. (É uma lógica similar, embora com contornos próprios, à das centrais de compras, que obtêm melhores condições de aquisição de bens ou serviços em função de volumes agregados e depois negociados).

No caso concreto, em face da prova documental disponível no processo, o apuramento de juros que é realizado a nível interno do Grupo com respeito às ditas operações de tesouraria não implica um dispêndio efetivo daquelas importâncias relativas a juros, atendendo à natureza das operações do cash pooling centralizadas na gestão da tesouraria por parte da A… .

Na PI (artigos 30º e seguintes) descreve-se a lógica de maior eficiência na gestão de tesouraria que subjaz à centralização da gestão de fluxos de tesouraria do grupo. Aliás,  a literatura relativa à Gestão Financeira trata o mecanismo de cash pooling como forma normal de gestão de tesouraria, em especial na administração de entidades (grupos) com atividades em múltiplas localizações geográficas. (Veja-se, neste sentido, R. Brealey, S. Myers e F. Allen, Principles of Corporate Finance, 2014, p. 791, sobre “internacional cash management”).

No caso da A…, o relatório e contas da Requerente, apresentado nos documentos anexos ao Processo (Documento 4)  é, como a seguir se verá, elucidativo a respeito dos encargos com juros daí resultantes creditados e debitados entre as sociedades que compõem o grupo.

Assim, em face de uma certa operação incluída no cash pooling da A…, regista-se o apuramento de um juro intra-grupo, a débito numa sociedade e a crédito noutra do mesmo grupo. Ilustremos tal situação com os elementos que surgem anexos ao processo.

No RIT (ponto III.2.1.2), para se apurar a base de encargos financeiros, que depois se desconsideraram, por via do artigo 32º do EBF e da Circular 7/2004, apresenta-se o seguinte quadro, que mostra os registos contabilísticos na conta 69-“Gastos de financiamento” da A…:

 

E comenta-se no RIT da seguinte forma:

 

"a) A conta 69183-Juros intra grupo apresenta no balancete o valor de € 309.187,20. Da consulta ao extrato da referida conta verificou-se que a mesma apresentava somente o lançamento do saldo no montante de € 309.187,20.

Foi pedido ao S.P. esclarecimento, tendo este enviado documentação contabilística auxiliar onde se constatou que a conta 69183 é debitada pelos gastos com financiamentos obtidos das participadas, pelo valor de 1.653.918,86, e creditada pelos ganhos de financiamentos concedidos às participadas pelo valor de 1.344.731,66, resultando um saldo no montante de € 309.187,20. (ver documento resumo enviado pelo S.P. anexo fls 2 frente e verso):

Para feitos de cálculo dos encargos financeiros não dedutíveis e relativamente à conta 69183-juros intra grupo, foram considerados os movimentos a débito no total de 1.653.918,86."

 

A menção no texto do RIT a “juros intra grupo” e a “financiamentos obtidos das participadas” deveria ter conduzido a AT a uma análise aprofundada e adaptada ao caso concreto, em face da informação sobre a existência de um sistema de cash pooling. Tal sistema, por definição, produz juros intra grupo que estão geralmente associados à gestão centralizada de excedentes e deficits de tesouraria, e não à aquisição de partes de capital. Ou seja, as sociedades com excedentes operacionais de tesouraria e que os “fornecem”, por isso, ao cash pooling, recebem juros, e as que têm deficit de tesouraria recorrem a financiamento por via do cash pooling e pagam juros. Assim, entende o tribunal que a evidência documental junta ao processo leva a considerar que a Requerente fez prova de que tais juros não se relacionam com a aquisição de partes sociais e estão por isso fora da alçada do artigo 32º do EBF.

Se na A… SGPS existe uma conta (“69-Gastos de financiamento”) que, num contexto de cash pooling, engloba juros recebidos e juros pagos, a AT teria de fazer algo mais para mostrar que o valor de encargos financeiros que considerou como não dedutíveis tinha diretamente que ver com a aquisição de partes de capital e era alheio à realidade documentada  de gestão centralizada de tesouraria do grupo.

Além de que, no RIT, explicitamente se refere que se utilizou o valor do saldo devedor dos juros intra grupo, não levando em conta o montante credor, o que se afigura ao tribunal como inapropriado, no contexto de indagação mais pormenorizada à verdadeira natureza dos montantes envolvidos.

Num exemplo hipotético de cash pooling, se a sociedade gestora obtém financiamento das participadas, que emerge da atividade operacional, e lhes paga 100 de juros, e também faculta financiamento às participadas para a respetiva atividade normal, e  recebe 90 de juros, então  numa ótica de lucro tributável do grupo tais operações não têm impacto. Tratando-se de movimentos financeiros que não estão associados ao financiamento de aquisições de partes sociais, e sim à gestão centralizada de tesouraria do grupo, e sendo o lucro fiscal do grupo a mera soma algébrica dos resultados tributáveis individuais, os valores compensam-se. (Questões fiscais aqui eventualmente a suscitar seriam, porventura, a dos preços de transferência, para saber se as taxas de remuneração ativas e passivas respeitavam o princípio de plena concorrência; e ainda se os juros passariam o teste geral de dedutibilidade constante do artigo 23º do CIRC).

Esta análise segundo a qual os juros desconsiderados pela AT não estão diretamente relacionados com a aquisição de partes sociais é ainda convalidada pelos elementos que se encontram no documento 4 anexo ao processo (Relatório e contas da Requerente) onde na página 15 se menciona o acordo de cash pooling que, em Abril de 2011, o grupo iniciou, centralizando na A… as operações ativas e passivas. Nas p. 18 e 19 desse mesmo relatório (no respetivo ponto 5.2 “Transações entre parte relacionadas) consta o quadro que a seguir se transcreve:

O valor que AT desconsidera parte de uma base que resulta da soma dos valores positivos (na coluna intitulada “juros e gastos similares” - entre entidades relacionadas) que constam do quadro acima e que são: (65.592+882.737+696.926+8.238+425) = 1.653.918 euro, precisamente o valor que, na transcrição do RIT, já antes mencionada, se apura.

A Requerente mostra que a correção efetuada pela AT se baseia em encargos intra grupo pagos às participadas (ignorando essa correção os valores da mesma coluna do quadro acima  com valores negativos,  relativos a juros recebidos), não tendo assim que ver com financiamento para a aquisição de partes sociais, e sim com o normal débito e crédito no funcionamento do cash pooling, cujo o modus operandum vem documentado no relatório anual da sociedade referente a 2011, e cuja taxa de juro (7%) está descrita no ponto 10.2 desse mesmo relatório.

Face ao descrito pode, pois, concluir-se que o montante de € 1.653.918,86, contabilisticamente reconhecido  na conta relativa aos juros intra-grupo, não constitui, para efeitos do disposto no artigo 32.º,  nº 2,  do EBF, um  montante de  encargos financeiros incorridos com financiamentos para a aquisição de partes de capital de participadas,  e que tenha concorrido até para a formação do lucro tributável apurado pela Requerente, face ao saldo entre débitos e créditos de juros que, na referida conta de encargos financeiros, origina o funcionamento do  cash pooling.

A Requerente alega, ainda, que a AT não demonstra que os encargos financeiros desconsiderados têm que ver com a aquisição partes sociais. Limita-se a aplicar a Circular 7/2004 ao saldo de uma subconta da conta 69. Não tendo a inspeção tributária escalpelizado como se forma esse saldo, a sua natureza operacional, financeira ou mista, e a sua relação com  a forma de gestão de tesouraria adotada no grupo, a correção efetuada parte de um pressuposto inaplicável ao caso em apreço.

Adicionalmente, verifica-se que, na sua Resposta, a AT não trata deste importante ponto, não suscitando qualquer contra argumento, qualitativo e quantitativo, que possa invalidar a análise apresentada pela Requerente na PI no que tange ao efeito do cash pooling na  quantificação e qualificação dos juros registados.

A Requerente alega também que a AT, não mostra, no RIT, uma indagação ou averiguação de um nexo entre juros pagos e financiamentos obtidos pela aquisição de partes de capital. E, com efeito, não se evidencia no RIT tal esforço. Não fazendo a administração tributária a demonstração da impossibilidade de proceder a uma afetação direta dos encargos financeiros conexos com a aquisição de partes de capital, não poderá recorrer ao método indireto previsto na Circular n.º 7/2004. Neste sentido se pronunciou já abundante jurisprudência, designadamente nas decisões proferidas no âmbito dos processos n.º 24/2013/-T, 738/2014-T, 269/2015-T, 292/2015-T, 295/2015-T, 326/2015-T, 663/2015-T e 679/2015-T, bem como o Tribunal Central Administrativo Norte, no acórdão de 15.01.2015, proferido no âmbito do processo n.º 00946/09.0BEPRT.

Por tudo o que se afirmou, entende o tribunal que procede o pedido arbitral quanto a esta correção ao lucro tributável da A…. SGPS.

 

III.2.2. A correção ao lucro tributável da “B…, SGPS”

 

A questão essencial que cabe agora analisar prende-se com o facto de a B… ter considerado como valor de aquisição das participações sociais o montante de € 4.869.154,00, e a administração tributária ter relevado a importância de € 22.389.865,00, correspondendo a diferença a prestações suplementares (€ 4.984.439,00) e suprimentos (€ 10.643.129,00) realizados pela primeira, e, ainda, ao aumento de capital em espécie na C…, LDA. (Brasil) (€ 1.543.921,00) e também ao valor da incorporação nesta última da sociedade D… (€ 349.221,00).

O quadro seguinte, extraído do RIT referente à B…, mostra a linha de raciocínio da AT. Com efeito, ao valor inicial de 4,8 milhões de euro, vão-se adicionando, nas diversas colunas do quadro, prestações suplementares, entradas em espécie e suprimentos, até perfazer um total de 22,3 milhões de euro.

 

A AT louva-se em várias fontes para sustentar que prestações suplementares, entradas em espécie e suprimentos incorporados são partes de capital. Assim, invoca-se no RIT e na Resposta o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC em vigor na data dos factos. Tal norma  dispunha (subl. do tribunal):

“3 — A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”

Adicionalmente, o RIT cita um parecer do CEF para sustentar que prestações suplementares e prestações acessórias devem ser consideradas partes de capital. E ainda uma informação da DSIRC, segundo a qual nas partes de capital referidas no artigo 32º, nº 2 do EBF se incluem as prestações suplementares.

Por fim, na parte da Resposta que a seguir se transcreve e sublinha, a AT louva-se também em entendimento do STA (subl. do tribunal):
“Neste sentido, melhor se admite que, após a aquisição (por objecto negocial ou constituição) de uma participação social, (…), as SGPS’s recapitalizam as sociedades associadas/participadas, ou, num outro prisma, primeiramente as mutuam (por via de suprimentos ) para lhes solver a tesouraria / permitir o seu ciclo de exploração, e, num segundo momento, as recapitalizam com a integração de suprimentos no capital social, por via do aumento deste.

No tocante às prestações suplementares (..)a argumentação expendida entra em contradição com o entendimento firmado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 26-10-2010, proc. 357/1999.P1.S1,: […] As prestações suplementares – que são sempre em dinheiro e não vencem juros –, justificam-se pelo facto de nem sempre haver possibilidade de prever qual o capital necessário para o desenvolvimento dos negócios sociais e, também, pelo facto de, não constituindo aumento de capital, serem a ele equivalentes

No mesmo sentido, não se compreende que a Requerente possa arguir, que a noção de aquisição, inscrita no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, se circunscreva ao tradicional significado de compra e venda. Mais uma vez, acompanhando o professor João Batista Machado “se a lei explicitamente contempla certas situações, para que estabelece dado regime, há-de forçosamente pretender abranger também outra ou outras que, com mais fortes motivos, exigem ou justificam aquele regime”.

Concomitantemente, no conceito de valor de aquisição será de englobar, todos os reforços do capital social, das associadas.”

Iniciaremos a análise primeiramente pela tese segundo a qual prestações suplementares, prestações acessórias e suprimentos terão o significado de “partes de capital” que consta do artigo 32.º do EBF.

Vejamos.

Quanto ao invocado artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, como arrimo legal para que as prestações suplementares sejam, para este efeito, qualificadas como partes de capital, o tribunal adere à tese da Requerente. Com efeito, as prestações suplementares são partes do capital próprio, mas do artigo 45, nº 3, resulta o oposto da tese que a AT propugna.

O preceito em causa menciona duas categorias de instrumentos financeiros (negrito do tribunal):

-  Partes de capital no sentido de participações sociais (quotas ou ações) – ao fazer referência às mais-valias e menos-valias por “transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital”

-   Perdas relativas a outras componentes de capital próprio, designadamente prestações suplementares.

Considera-se resultar claro que, para o legislador, as prestações suplementares não se subsumem no conceito de “partes de capital”, constituindo categoria diversa; caso contrário não haveria necessidade de as autonomizar tão distintamente na redação do artigo 45º, nº 3. Elas são capital próprio num sentido jurídico e contabilístico, mas não “partes de capital” no sentido que lhes dá o artigo 32º do EBF.

Quanto ao facto de o STA qualificar as prestações suplementares como capital próprio, o tribunal acompanha essa tese, uma vez que quer as disposições do Código das Sociedades Comerciais, quer as regras contabilísticas a isso conduzem. Entende-se, também, que, num plano de estratégia de financiamento, as prestações suplementares sejam equivalentes, ou tenham efeitos semelhantes, ao reforço do capital social, pois incrementam a autonomia financeira. 

Todavia, o que aqui se discute é se elas são partes de capital no sentido expresso pelo artigo 32.º do EBF. E a isso não podemos deixar de responder negativamente. Partes de capital são instrumentos financeiros (como as ações e as quotas) que determinam, no essencial, os direitos e deveres dos sócios. Assim sendo, não se confundem com outras componentes do capital próprio, como sejam as prestações suplementares ou as  prestações acessórias.[1]

Adere-se, desta forma, à jurisprudência vazada na Decisão Arbitral (Processo  12/2013-T), em que esta questão foi abordada, e onde se concluiu como se segue: “

“(…) os encargos financeiros suportados pela Requerente com a realização de prestações suplementares acessórias sem juros são dedutíveis em termos fiscais, por não preenchimento do disposto no art. 32.º do EBF. Na aplicação da Circular 7/2004, a Requerente pode incluir prestações suplementares e acessórias (sem juros) como encargos (custos) não imputáveis a partes de capital, concorrendo assim para o lucro tributável

(…)”.

Neste mesmo sentido se pronunciaram as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos processos n.º 69/2012-T, n.º 24/2013-T e n.º 326/2015-T.

Ainda no sentido de distinguir “partes de capital” das prestações suplementares, prestações acessórias e suprimentos, veja-se a doutrina expendida em F. Gonçalves da Silva e J. Esteves Pereira, “Contabilidade das Sociedades”, Plátano Editora, 1999, que a p. 38 afirmam: “No capital de uma sociedade participam vários sócios com parcelas (partes, quotas, quinhões, entradas)…”. A p. 103 afirmam, ainda, que: “…as prestações suplementares correspondem a uma parcela específica do capital próprio.”(subl. do tribunal).

Ou seja, para estes autores não oferece dúvida de que as prestações suplementares não são partes de capital, embora, como é consensual, se integrem no conceito, mais vasto, de capital próprio.

Também Alexandre Mota Pinto, em “A prestação de contas e o financiamento das sociedades comerciais”[2] afirma: “Estas prestações (suplementares) também constituem capital próprio da sociedade, uma vez que estão vinculadas à proteção do capital social”.

Outra vez se distingue prestações suplementares de partes sociais (ou seja, da parcela do capital que é representada por instrumentos como sejam as ações ou as quotas).

Ainda na doutrina, Joaquim S. Fernandes[3] em “Investimentos em associadas e empreendimentos conjuntos”, 2009, refere (p.14) que:

“As partes de capital da empresa-mãe detidas por elas próprias ou por empresas compreendidas na consolidação devem ser consideradas nas contas consolidadas como acções ou quotas próprias.”

 Isto é, o conceito de partes de capital volta a assimilar-se ao de participações sociais tout court  (v.g., ações e quotas) deixando fora outros instrumentos de capital próprio.

Por fim, Paulo Olavo Cunha, “Direito Empresarial”, Almedina, 2014, afirma a p. 180-181: “…pelo regime a que estão sujeitas, (as prestações suplementares) designam-se habitualmente por quase capital”. Afasta também este autor uma suposta identidade jurídica entre partes de capital e prestações suplementares. As últimas estão próximas da figura do capital, em particular pelo reforço da proteção dos credores, mas não se confundem com os valores de participação social ou partes sociais que, como o nome indica, conferem “posições de socialidade” (direitos e deveres societários). E adianta também Paulo Olavo Cunha que “o regime jurídico das prestações suplementares (…) permite enquadrá-las no conceito de capitais próprios…”, tese esta, como já vimos, consensual no plano jurídico -contabilístico.

Em suma, a equiparação legal efetuada pela AT de “parte de capital” a um conjunto de instrumentos que englobe capital social, prestações acessórias, prestações suplementares e suprimentos corresponde a uma interpretação errónea dos conceitos que se encerram no artigo 32.º do EBF, como ficou demonstrado.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente Pedido e, nesta sequência, anulada a liquidação de imposto de IRC, respeitante ao exercício de 2011, n.º 2016…, respetiva demonstração de liquidação de juros e demonstração de acerto de contas n.º 2016…, respeitantes ao exercício de 2011, no montante de €518.691,66.

III.2.3. Questões prejudicadas

            Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício de ilegalidade por erro de direito quanto ao sentido e alcance do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, que assegura efetiva e estável tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que são imputados ao ato tributário em causa.

            Na verdade, decorre do estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no artigo 124.º do CPPT, que julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados. Se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se fizesse.

 

III.2.4. Indemnização por garantia indevida

 

Como está provado, como não procedeu ao pagamento voluntário do imposto em causa, a Requerente foi citada para o processo de execução fiscal n.º …2016…, com vista à cobrança coerciva do mesmo. Com vista a obter a suspensão desse processo de execução fiscal, a Requerente, como resulta dos factos dados como provados, apresentou uma garantia bancária, no montante de € 657.920,39.

Assim, por entender que, no caso concreto, houve erro imputável à AT, a Requerente formula um pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada, a fim de ser ressarcida pelos prejuízos resultantes da prestação daquela garantia.

Cumpre apreciar.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos atos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objeto um ato em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.

Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD questões da legalidade de atos de liquidação ou de atos de fixação da matéria tributável e atos de segundo grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, atos esses cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

Isto é, constata-se que o legislador não implementou na autorização legislativa no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais a questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Mas, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de atos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT.

Embora o processo de impugnação judicial tenha por objeto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de atos dos tipos referidos, tem-se entendido pacificamente que nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do ato, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no art. 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do art. 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

«Artigo 53.

Garantia em caso de prestação indevida

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.»

No caso em apreço, os atos de liquidação de IRC e respetivas demonstrações de liquidação de juros e demonstrações de acerto de contas padecem, como já vimos, de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito designadamente quanto ao sentido e alcance do disposto no artigo 32.º,n.º2, do EBF, o que invalida totalmente aqueles atos tributários.

Ademais, os referidos atos de liquidação de imposto foram da exclusiva iniciativa da Administração Tributária, sendo que a Requerente em nada contribuiu para que eles fossem efetuados e, muito menos, nos termos em que o foram.

Neste enquadramento, a prestação da aludida garantia bancária, por parte da Requerente, tendo em vista a obtenção da suspensão do mencionado processo de execução fiscal, afigura-se indevida, pelo que a Requerente tem direito a ser ressarcida pelos prejuízos que efetivamente sofreu com a prestação daquela garantia bancária, os quais, como a própria Requerente refere, «só poderão, evidentemente, ser apurados no momento em que venha a ser possível levantar a garantia, uma vez que o seu montante está na dependência do prazo de duração da garantia»; ou seja, será em sede de execução de sentença que serão apurados tais prejuízos e fixada a indemnização devida à Requerente.

 

***

 

 

IV.    Decisão

Temos em que acorda este Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC 2011 n.º 2016…, demonstração de liquidação de juros e demonstração de acerto de contas n.º 2016…, no montante de €518 691,66 e, nesta sequência, anular a liquidação impugnada, com todas as legais consequências e
  2. Condenar a Administração Tributária e Aduaneira no pagamento de uma indemnização à Requerente, por prestação de garantia indevida, no valor que vier a ser fixado em execução de sentença;

 

V.           Valor do Processo

  De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2, do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do C.P.P.T., e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 518.691,66.

 

 

 

Lisboa, 26 de abril de 2017.

 

 

Os árbitros,

 

 

Fernanda Maçãs

 

 

António Martins

 

 

Américo Brás Carlos

 



[1] De notar que, as últimas, caso vençam juros e tenham vida finita, devem ser registadas como passivos e não como capital próprio.

[2] In J.L. Saldanha Sanches (org) “O Direito do Balanço e as normas internacionais de relato financeiro”, Coimbra Editora, Coimbra, 2007; p. 108

[3] Ver https://www.occ.pt/fotos/editor2/InvestimentosAssociadasDis1009.pdf