Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 571/2016-T
Data da decisão: 2017-04-17  Selo  
Valor do pedido: € 11.390,90
Tema: IS - Terreno para construção – verba 28.1 da TGIS
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Decisão Arbitral

 

I – Relatório

 

1. No dia 20-09-2016, a Requerente, A…, s.a., contribuinte n.º…, com sede no …, Avenida…, …, Lisboa, notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão que indeferiu a reclamação graciosa, apresentada contra a liquidação de imposto de selo efetuada pela Requerida  ao abrigo da Verba 28.1 da respetiva tabela geral, relativo ao ano de 2012,  tendo como sujeito passivo a Requerente, no valor de  € 11.390,90, incidente sobre o  terreno de construção, sito na…, …, …, freguesia de …, concelho de Loures, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…,  requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”),  em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista  à anulação  da identificada  liquidação.

A Requerente alegando que pagou o valor do imposto liquidado peticiona, ainda, a sua restituição,  acrescido de juros moratórios que se mostrarem devidos, à taxa legal.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 12-12-2016.

 

3. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.

 

 4. As ilegalidade apontada pela Requerente, como fundamento da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:

 

A)               Violação do disposto no artigo 1.º do CIS, conjugado com a Verba 28 da TGIS, na redação e aditamentos introduzidos pela Lei nº. 55-A/2012, de 29 de Outubro, porquanto não foi intenção do legislador, tributar os terrenos para construção, como o dos presentes autos;

B)                Duplicação de coleta, porquanto sobre o mesmo facto tributário, relativamente ao mesmo período de tempo, está pago um tributo por inteiro e, sobre essa mesma situação jurídica, recaiu outro tributo de igual natureza   (Imposto Municipal sobre Imóveis);

C)               Violação do disposto no nº. 3 do artigo 11º. da LGT, porquanto, a manter-se a liquidação impugnada, a mesma colide com o principio da prevalência da substância sob a forma;

D)               A tributação, em imposto do selo, da propriedade de terrenos para construção ultrapassa os limites da capacidade contributiva, é ofensiva de direito à propriedade, constitucionalmente consagrados e assume evidente natureza confiscatória;

E)                A interpretação que a AT faz das normas jurídicas aplicáveis, ela é manifestamente inconstitucional, por violação, entre outros, do disposto nos artigos 13º., 62º., 103º. e 104º. da CRP.

 

5. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente. Da sua resposta resulta que a sua posição é, em síntese, a seguinte:

 

a)      O  prédio sobre o qual recai a liquidação impugnada tem a natureza de prédio com afetação habitacional, expressão diferente e mais ampla do que as realidades identificadas no art. 6.º, n.º1, alínea a), do CIMI,  pelo que o ato de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido, por consubstanciar correta interpretação da Verba 28.1 da Tabela Geral, aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12.

b)   Por outro lado, a norma em questão não viola qualquer princípio constitucional.

 

6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

7. A questão a solucionar consiste em apurar se o ato em causa padece ao vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito.

 

II – A matéria de facto relevante

 

8. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a) A Impugnante era à data dos factos proprietária dum terreno para construção sito na …, …, …, freguesia de …, concelho de Loures, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo… .

b) A Requerida efetuou, em 22.03.2013, liquidação de o Selo ao abrigo da Verba 28.1 da respetiva Tabela Geral, relativo ao ano de 2012, incidente sobre o identificado terreno para construção, tendo como sujeito passivo a Requerente, no valor de € 11.390,90 (onze mil trezentos e noventa euros e noventa cêntimos).

c) A Impugnante apresentou reclamação graciosa contra esta liquidação, que correu sob o nº…, objeto de decisão de indeferimento, tendo desta apresentado recurso hierárquico, que correu sob o nº …2014…, também indeferido pela Requerida em 31.05.2016, decisão notificada à Requerente em 23.06.2016.

d) A Requerente pagou o valor da liquidação do imposto em causa em três prestações legalmente previstas.

 

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.

 

9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo bem como dos articulados apresentados, sendo de salientar ocorrer total concordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.

 

-III- O Direito aplicável

 

10. Estabelecia a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, na redação à data dos factos, que ficava sujeita a imposto de selo a propriedade de prédios com afetação habitacional com VPT igual ou superior a 1.000.000 euros, nos seguintes termos:

 

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a 1 000 000 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:[1]

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.

 

11. Já foi abundantemente sublinhado em diversas decisões arbitrais[2] (designadamente nos processos 42/2013-T, 48/2013-T, 49/2013-T, 51/2013-T, 53/2013-T, 144/2013-T e 202/2014-T) que o conceito de “prédio com afetação habitacional” (que não é objeto de qualquer definição específica no Código de Imposto de Selo) não é utilizado pelo CIMI[3], nem em qualquer outro diploma legislativo.

 

Todas estas decisões arbitrais, cuja doutrina se sufraga, vão, no essencial, no sentido de tal conceito exigir para o seu preenchimento, pelo menos, a possibilidade efetiva do prédio existente ser utilizado para habitação e, em todas elas, se entendeu que os terrenos para construção, mesmo que destinados à construção de edifícios habitacionais, não se subsumem no conceito de “prédio com afetação habitacional”, como resulta das seguintes passagens, dos mencionados processos:

 

Processo 42/2013-T:

 

A expressão “afetação habitacional” não parece poder ter outro sentido que não o de “utilização” habitacional, ou seja, prédios urbanos que tenham uma efectiva utilização para fins habitacionais, seja porque para tal estão licenciados, seja porque têm esse destino normal.

E não podemos confundir uma “afectação habitacional” que implica uma efectiva afectação de um prédio urbano a esse fim, com a expectativa, ou potencialidade, de um prédio urbano poder vir a ter uma “afectação habitacional”.

 

Processo 49/2013-T:

 

A expressão «com afectação habitacional» inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente. Da norma em causa não é possível extrair-se, por interpretação, que, como se afirma na resposta da requerida, a opção do legislador por aquela expressão tenha em vista integrar "outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI." Tal interpretação não tem apoio legal, face aos princípios contidos os arts. 9.º do Código Civil e 11.º da Lei Geral Tributária.

Com efeito, se o legislador pretendesse abarcar no âmbito de incidência do imposto outras realidades que não as que resultam da classificação regida pelo art. 6.º do CIMI, tê-lo dito expressamente. Mas não o faz, antes remetendo, em bloco, para os conceitos e procedimentos previstos no referido Código

 

Processo 51/2013-T:

 

O ponto que importa decidir é este: há diferença entre a expressão que o CIMI utiliza de «prédio urbano habitacional» e a expressão usada pelo art. 4º da Lei nº 55-A/2012, ao aludir a «prédio com afetação habitacional»?

Estamos em crer que não, uma vez que prevalece, ainda que usando palavras um pouco diversas, o mesmo sentido fundamental de tributar a titularidade de prédios com um mesmo destino, a efetividade ou a possibilidade de o uso ser para efeitos de habitação humana, com todas as consequências que a legislação em geral e o CIMI em particular lhe dá.”

 

Processo 53/2013-T:

 

“ (…) deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, «prédio com afectação habitacional», não  poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva  afectação a esse fim.”

 

Processo 144/2013-T:

 

“(..) julgamos que se impõe, na interpretação do disposto na verba 28.1 da TGIS, o entendimento segundo o qual a afectação habitacional de um prédio urbano sugere que se lhe dê esse efectivo destino, ou se lhe possa directamente dar esse destino.”

 

Proc. 202/2014-T

 

A expressão "com afectação habitacional" inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente. Da norma em causa não é possível extrair-se, por interpretação, que, como se afirma na resposta da Requerida, a opção do legislador por aquela expressão tenha em vista integrar "outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI." Tal interpretação não tem apoio legal, face aos princípios contidos os artigos. 9.º do Código Civil e 11.º da Lei Geral Tributária.

 

12. Também no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09-04-2014, recurso nº 048/14[4] se considerou que:

O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva  através da utilização       de         conceitos        que      se     encontram    legalmente  definidos  no artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de  2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.

Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se interpretação da recorrente, porquanto, ao contrário do alegado, não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.”
(…)

 “Conclui-se pois, com a recorrida e em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, (…)  como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.”

 

13. Este entendimento continuou a ser perfilhado pelo Supremo Tribunal Administrativo, de modo uniforme, nos demais processos em que foi chamado a pronunciar-se. Como se pode ler no acórdão proferido no processo 0707/14, de 10.09.2014[5]:

A questão foi já decidida por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo no dia 9 de Abril 2014, nos processos n.ºs 1870/13 (Ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f6fd29ac6d6ebaf380257cc30030891a?OpenDocument.) e 48/14 (Ainda não publicado no jornal oficial, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0e28073928824e5080257cc3003a0cbd?OpenDocument.), e, desde então, reiterada e uniformemente em numerosos acórdãos, podendo considerar-se firmada jurisprudência no sentido de que os terrenos para construção não podem ser considerados para efeitos de incidência do Imposto do Selo prevista na Verba 28.1 (na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29  de  Outubro) como prédios urbanos com afectação habitacional.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com ela concordarmos plenamente e atento o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil (CC)
(…).

 

14. Assim, ponto inequivocamente comum em todas estas decisões, e que acompanhamos, é o entendimento de que os terrenos para construção, mesmo que destinados à construção habitacional, não são prédios com afetação habitacional. Consideramos que a aplicação da verba nº 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redação aditada pela Lei nº 55-A/2012, exige, pelo menos, a atualidade da afetação do prédio para habitação, não sendo suficiente a mera potencialidade de edificação para fins habitacionais.

Na verdade, entendemos que, independentemente das razões que possam ter levado a Lei nº 55-A/2012 a utilizar a expressão “prédio com afetação habitacional”, em vez de “prédio habitacional” constante do art. 6º, nº 1, al. a) do CIMI, para a subsunção à verba 28.1 do CIS não pode deixar de se exigir, pelo menos, a potencialidade real e atual (relativamente ao facto tributário) do prédio em causa ser utilizado para habitação.

Um terreno para construção não pode, assim, ser considerado um prédio com “afetação habitacional”, uma vez que consiste numa realidade não apta à habitação humana. Para se atingir essa aptidão é necessária a ocorrência duma realidade que lhe é externa - a construção do edifício apto à habitação- sendo que, com tal evento deixa de existir um terreno para construção e passa a existir uma nova realidade: o edifício. E é este que pode ter afetação habitacional.

Assim sendo, os terrenos para construção não se subsumem no conceito de “prédio com afetação habitacional”, não lhe sendo aplicável a verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo.

 

15. Tendo em conta o exposto, sendo a verba 28.1 do Código de Imposto de Selo inaplicável ao prédio da Requerente, não pode a pretensão anulatória desta deixar de proceder, uma vez que o ato tributário está inquinado do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de Direito ficando, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscetíveis de fundamentar a anulação da liquidação em causa.

 

16. Veio, ainda, a Requerente pedir a condenação da Requerida a restituir as quantias pagas correspondentes à liquidação objeto do presente processo, bem como os  respetivos juros indemnizatórios.

 

Vejamos.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

Embora o artigoº 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.[6]

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se retira  do artigoº 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigoº 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Assim, o n.º 5 do artigoº 24.º do RJAT ao estabelecer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade do ato de liquidação, há lugar a reembolso do imposto, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária.

Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Sufragamos o entendimento de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que sustentam que “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (LEI GERAL TRIBUTÁRIA, Anotada e Comentada, encontros da escrita, 4ª Edição, 2012, pág. 342).

No caso “sub judice”, não sendo o erro que deu origem à liquidação ora anulada, imputável à Requerente, não poderá deixar de proceder o pedido de condenação da Requerida quanto aos juros indemnizatórios.

Assim, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira dar execução à presente decisão, nos termos do artigoº 24.º, n.º 1, do RJAT, restituindo as importâncias pagas pela Requerente relativamente à liquidação anulada, com juros indemnizatórios, à   taxa legal.

Os juros indemnizatórios são devidos desde a data do pagamento até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (artigoº 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

 

IV – Decisão

 

Assim, decide o Tribunal arbitral, julgando totalmente procedente o pedido de pronuncia arbitral:

a)  Decretar  a anulação da liquidação objeto do presente processo.

b) Condenar a Requerida a   restituir à requerente os montantes pagos com juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data do pagamento pelo requerente até à do processamento da nota de crédito.

 

 

Valor da ação: € 11.390,90 (onze mil trezentos e noventa euros e noventa cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida, no valor de 918.00 € (novecentos e dezoito euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 17.04.2017

 

O Árbitro

 

Marcolino Pisão Pedreiro

                       

 



[1] Esta norma foi alterada com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, alargando expressamente a base de incidência, passando a incluir os terrenos para construção.

[2] Que se podem consultar no sítio da internet  “https://caad.org.pt/tributario/decisoes/”

[3] O art. 67º, nº 2, do CIS dispõe que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitante à verba nº 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.” Por sua vez, o CIMI usa o conceito de prédio urbano habitacional, sendo considerado como tal os edifícios/construções para tal licenciados ou os que tenham como destino normal cada um destes fins, nos termos do art. 6º, nº 1, al. a) e nº 2. Este mesmo artigo diferencia, claramente, o conceito de terreno para construção, no seu nº 1, al. c) e no nº 3.

[4] Disponível em http://www.dgsi.pt/.

[5] Também disponível em http://www.dgsi.pt/.

[6] Sobre esta questão veja-se Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, págs. 110-116).