Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 586/2016-T
Data da decisão: 2017-03-14  IUC  
Valor do pedido: € 5.282,90
Tema: IUC - Liquidação do imposto único de circulação, ALD
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Decisão Arbitral

 

I. - RELATÓRIO

A - PARTES

A sociedade A… SUCURSAL EM PORTUGAL, designada por “Requerente”, com sede na Rua…, …, em Lisboa, com o número de pessoa colectiva…, impugnante no procedimento tributário acima e à margem referenciado, veio, invocando o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de tribunal arbitral singular, tendo em vista a apreciação da seguinte demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira, a seguir designada por “Requerida” ou “AT”.

B - PEDIDO

1 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 28 de Setembro de 2016 e, nessa mesma data, notificado à AT.

2 - A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o signatário, em 30-11-2016, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa como árbitro de Tribunal Arbitral Singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.

3 - As Partes foram, em 30-11-2016, devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1, do artigo 11.º e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

4 - Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi regularmente constituído em 19-12-2016.

5 - No dia 03 de Março de 2017, O Tribunal Arbitral, ao abrigo do art.º 16.º, alínea c) do RJAT (Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), e tendo em conta o teor do despacho proferido em 21 de Fevereiro de 2017, considerou dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do referido diploma legal.

6 - A ora Requerente pretende que o presente Tribunal Arbitral:

a) - Declare a ilegalidade do despacho de 20-06-2016 da Chefe de Divisão (em substituição) de Justiça Administrativa, da Direcção de Finanças de Lisboa, que indeferiu a reclamação graciosa n.º … - 2015…;

b) - Declare a ilegalidade e consequente anulação das liquidações relativas ao Imposto Único de Circulação (de ora em diante designado por IUC) e dos juros compensatórios (JC) que lhe estão associados, referentes aos anos de 2013 e 2014, tal como identificadas nos autos, respeitantes aos veículos, igualmente, identificados nos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

c) - Condene a AT ao reembolso da quantia de € 5.282,90, correspondente ao montante total pago a título de IUC e de JC, referente aos anos e veículos atrás referenciados;

d) - Condene a Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento, quer de juros indemnizatórios relativos aos montantes indevidamente liquidados e pagos, quer das custas do processo.

C - CAUSA DE PEDIR

7 - A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:

8 - Que é uma instituição financeira que, no âmbito do seu objecto social, pratica operações permitidas aos Bancos, com excepção da recepção de depósitos, celebrando com os seus clientes Contratos de Longa Duração (ALD); contratos de Aluguer de Curta Duração (renting) e contratos de Locação Financeira (leasing);

9 - Que, nesse contexto, celebrou com os seus clientes contratos de aluguer de veículos com promessa de compra e venda e contratos de locação financeira, veículos que adquire, como viaturas novas, aos importadores nacionais da … e da …, e que, findos tais contratos, são vendidos aos correspondentes locatários ou a terceiros;

10 - Que teve conhecimento, no Portal das Finanças, dos documentos de cobrança de IUC e de JC identificados nos autos, referentes a liquidações de IUC respeitantes aos anos de 2013 e 2014, cujo valor totalizava a quantia de € 5.282,90;

11 - Que não obstante ter sido surpreendida com as referidas liquidações, e embora delas discordando, procedeu ao pagamento dos respectivos montantes, uma vez que é seu apanágio ter uma situação tributária devidamente regularizada;

12 - Que deduziu Reclamação Graciosa contra 128 liquidações de IUC, com o valor total de € 5.282,90, relativas aos anos de 2013 e 2014, referentes aos veículos identificados nos autos, tendo então, instruído tal Reclamação, designadamente, com um dossier referente a cada uma das viaturas em análise, integrado quer, pelas cópias dos contratos de locação financeira e de locação operacional com promessa de compra e venda, quer pelas facturas de venda dos veículos, quer pela identificação das viaturas alienadas antes da data da exigibilidade do imposto;

13 - Que a Reclamação Graciosa foi, por despacho de 20-06-2016 da Chefe de Divisão (em substituição) de Justiça Administrativa, da Direcção de Finanças de Lisboa, objecto de indeferimento;

14 - Que em todos os contratos que celebrou, de locação financeira e de aluguer de veículos sem condutor com promessa de compra e venda, estão claramente identificados os utilizadores de cada um dos veículos, para os quais, ou para terceiros, após o termo dos contratos, transmitiu a propriedade dessas viaturas por um valor residual;

15 - Que nas datas da exigibilidade do IUC, referente aos veículos em causa nos autos, já não era, nuns casos, sua proprietária e, noutros casos, era locadora financeira ou locadora em contratos de locação operacional com promessa de compra e venda, não sendo, em qualquer dos casos, sujeito passivo do referido imposto;

16 - Que as vendas dos veículos ocorreram precisamente nas datas em que as correspondentes facturas foram emitidas, as quais documentam e demonstram a venda desses veículos em momento anterior ao da data da exigibilidade do IUC, sendo que, depois da concretização de tais vendas, nunca retoma a propriedade dos veículos;

17 - Que o IUC, embora tenha como objectivo a angariação de receitas, visa, igualmente, tributar os custos ambientais que cada indivíduo provoca à comunidade, sendo a unificação desses objectivos assegurada pelo princípio da equivalência estatuído no art.º 1.º do CIUC, o qual, sendo basilar em sede de tributação de IUC, deixa claro que os contribuintes devem ser onerados na medida dos impactos que causam ao ambiente e à rede viária, consagrando, assim, o princípio do poluidor-pagador;

18 - Que foi instituído, no CIUC, o princípio de que quem polui deve pagar, associando o imposto aos danos ambientais e viários que são causados com a efectiva utilização dos veículos;

19 - Que nunca foi a real poluidora e causadora dos danos ambientais, na medida em que se limitou a dar de locação os veículos em causa ou a vendê-los, nos casos em que os contratos de locação já tinham terminado;

20 - Que o n.º 1 do art.º 3.º do CIUC estabelece uma presunção legal ilidível, e que, face ao disposto no n.º 2, do referido artigo, os locatários financeiros e os titulares de contratos de aluguer de veículos sem condutor, com promessa de compra e venda, são os sujeitos passivos do imposto;

21 - Que, após o terminus dos referidos contratos, procede à transferência da propriedade dos respectivos veículos para os correspondentes locatários ou para terceiros, transferência que se dá por mero efeito dos contratos e que está suportada nas respectivas facturas de venda, em cujas datas de emissão é pago o respectivo preço;

22 - Que, em qualquer dos mencionados contratos, celebrados com os seus clientes, embora o locador continue a ser o proprietário dos veículos, só os locatários e os titulares da opção de compra e venda, no caso dos contratos de aluguer de veículos sem condutor, com promessa de compra e venda, têm o exclusivo gozo dos veículos, sendo os potenciais causadores de danos viários e ambientais;

23 - Que o registo de aquisição dos veículos automóveis não tem qualquer valor constitutivo, na medida em que apenas tem como objectivo publicitar a situação jurídica dos veículos, constituindo o mesmo uma presunção de que o registo existe e pertence ao titular inscrito, sendo, todavia, tal presunção ilidível;

24 - Que mesmo nos caos em que o comprador (novo proprietário do veículo), não providencie o registo do seu direito de propriedade, presume-se que esse direito continua a ser do vendedor, podendo, contudo, tal presunção ser ilidida;

25 - Que considerar como sujeitos passivos de IUC apenas os proprietários das viaturas em nome das quais as mesmas se encontrem registadas, não atendendo às situações em que tais registos já não coincidem com os reais proprietários ou com os reais utilizadores das mesmas, constitui uma restrição que, à luz dos fins do IUC, não encontra base de sustentação;

26 - Que a AT, ao contrário do que lhe cabia fazer, face ao princípio do inquisitório, não encetou qualquer diligência tendente à descoberta da verdade material, relativamente à real situação dos veículos em causa, demonstrando total desinteresse na procura dessa verdade, tendo-se limitado a considerar a informação constante das bases de dados;

27 - Que, em situações idênticas à dos presentes autos, a jurisprudência do CAAD tem vindo a reconhecer razão ao contribuinte, indicando nesse sentido, nomeadamente, a Decisão Arbitral proferida em 20.05.2015, no Processo n.º 688/2014-T; a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 374/2015-T; o Acórdão Arbitral proferido em 21.11.2014, no Processo n.º 250/2014-T; o Acórdão Arbitral proferido em 26.10.2015, no processo n.º 7/2015-T e o Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 49/2015-T.

D - RESPOSTA DA REQUERIDA

28 - A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT), apresentou a sua Resposta, em 02-02-2017, na qual entende que a pretensão da Requerente não pode, de todo, proceder, porquanto os contratos de locação financeira que, a mesma, alega terem sido celebrados não foram comunicados, nos termos estabelecidos no art.º 19.º do CIUC, não podendo, igualmente, proceder, o argumento de que a Requerente não era sujeito passivo do IUC nos casos em que alega já não ser proprietária dos veículos nas datas em que se venceu a obrigação de liquidação do referido imposto; (cfr. art.ºs 8.º a 28.º da Resposta)

29 - Por outro lado, a Requerida considera que a Requerente faz uma interpretação e aplicação das normas legais, aplicáveis ao caso, notoriamente erradas, na medida em que,

30 - Revelam um entendimento que incorre, não só numa leitura enviesada da letra da lei, mas também numa interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal, decorrendo ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC; (cfr. art.º 30.º da Resposta)

31 - Refere que o legislador tributário ao estabelecer, no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC, quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2 as pessoas aí mencionadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados; (cfr. art.º 41.º da Resposta)

32 - Salienta que o legislador não usou a expressão “presume-se” como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”; (cfr. art.º 42.º da Resposta)

33 - Considera que a redacção do art.º 3.º, n.º 1 do CIUC corresponde a uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, pelo que entender que aí se consagra uma presunção seria inequivocamente efectuar uma interpretação contra legem. (cfr. art.ºs 51.º, 52.º e 53.º da Resposta)

34 - Refere que o mencionado entendimento já foi adoptado pela Jurisprudência dos nossos tribunais, transcrevendo, para tanto, parte da sentença do tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida no Processo nº 210/13.OBEPNF; (cfr. art.º 55.º da Resposta)

35 - Sobre o elemento sistemático de interpretação, considera que a solução propugnada pela Requerente é intolerável, não encontrando o entendimento por esta sufragado qualquer apoio legal; (cfr. art.º 57.º da Resposta)

36 - Sobre a ignorância da “ratio” do regime, a AT considera que, à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrada em todo o Código do IUC, a interpretação propugnada pela Requerente no sentido de que o sujeito passivo do IUC é o proprietário efectivo, independentemente de não figurar no registo automóvel o registo dessa qualidade, é manifestamente errada; (cfr. art.º 80.º da Resposta)

37 - Acrescenta que o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando os sujeitos passivos do imposto a ser os proprietários constantes do registo de propriedade;

38 - Acrescenta que as facturas apresentadas pela Requerente, como prova de venda dos veículos, não são aptas e não revelam, por si só, a vontade de celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda; (cfr. art.º 99.º da Resposta)

39 - Por fim, refere não ter sido a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a Requerente, devendo, consequentemente, ser a Requerente condenada nas custas arbitrais “nos termos do art.º 527.º/1 do Novo Código de Processo Civil ex vi do art.º 29.º/1-e) do RJAT”, salientando, também, não se encontrarem reunidos os pressupostos legais que permitam a liquidação de juros indemnizatórios, cujo pedido foi formulado pela Requerente; (cfr. arts.º 131.º a 133.º da Resposta)

40 - Considera, a terminar, que, face a toda a argumentação aduzida, os actos tributários em crise são válidos e legais, devendo o pedido de pronúncia arbitral subjacente ao presente processo ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido.

E - QUESTÕES DECIDENDAS

41 - Cumpre, pois, apreciar e decidir.

42 - Face ao exposto, relativamente às posições das Partes e aos argumentos apresentados, as principais questões a decidir são as de saber:

a) - Se a norma de incidência subjectiva constante do artigo 3.º n.º 1 do CIUC, estabelece ou não uma presunção.

b) - Qual o valor jurídico do registo automóvel na economia do CIUC, particularmente para efeitos da incidência subjectiva deste imposto.

c) - Se, na data da exigibilidade do imposto, vigorar um contrato de locação financeira ou um contrato de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.ºs. 1 e 2 do CIUC, sujeito passivo do IUC é o locatário ou a entidade locadora, em nome da qual a propriedade do veículo se encontra registada.

d) - Se, nos termos de um contrato de locação financeira ou de um contrato de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, na data da exigibilidade do imposto, o veículo já tiver sido anteriormente alienado embora o direito de propriedade deste continue registado em nome do seu anterior proprietário, para efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º. 1, do CIUC, sujeito passivo do IUC é o anterior proprietário ou o novo proprietário.

e) - Se os documentos apresentados, relativos à locação e à venda dos veículos identificados no processo, são aptos a fazer prova da locação e da compra e venda de tais veículos.

F - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

43 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

44 - As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

45 - O processo não enferma de vícios que o invalidem.

46 - Tendo em conta a prova documental junta aos autos, e a informação inscrita no processo administrativo tributário, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, tal como se fixa nos termos abaixo mencionados.

II - FUNDAMENTAÇÃO

G - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

47 - Em matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:

48 - A Requerente é uma instituição financeira, especializada no ramo do financiamento automóvel, em cujo objecto social se inscreve, designadamente, a celebração com os seus clientes de Contratos de Longa Duração (ALD), de contratos de Aluguer de Curta Duração (renting) e de contratos de Locação Financeira (leasing);

49 - No contexto da sua actividade, celebrou, com os seus clientes, contratos de locação financeira e contratos de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda;

50 - O imposto único de circulação objecto de liquidação, relativamente aos veículos identificados nos autos, foi pago pela Requerente;

51 - A Requerente deduziu Reclamação Graciosa contra 128 liquidações de IUC, com o valor total de € 5.282,90, relativas aos anos de 2013 e 2014, referentes a 64 veículos, tendo, então, instruído tal Reclamação com um dossier referente a cada uma das viaturas em análise, integrado quer, pelas cópias dos contratos de locação financeira e dos contratos de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, quer pelas facturas de venda dos veículos;

52 - A Reclamação Graciosa, depois de substancialmente analisada, na Direcção de Finanças de Lisboa - Divisão de Justiça Administrativa, ou seja, após a reapreciação da legalidade dos actos de liquidação visados, foi, por despacho de 20-06-2016, da Chefe (em substituição) da referida Divisão, objecto de indeferimento;

53 - A Requerente, como prova dos referidos contratos de locação e das mencionadas vendas, tendo em vista, nomeadamente, ilidir a presunção que entende estar consagrada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, juntou, nomeadamente, quer, cópias dos mencionados contratos, quer das facturas referentes às correspondentes e alegadas vendas dos veículos;

54 - Nos contratos celebrados pela Requerente, sejam os de locação financeira, sejam os de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, estão identificados os utilizadores dos correspondentes veículos;

55 - As vendas dos veículos identificados no processo, ocorridas após o terminus dos contratos referenciados, estão documentadas e suportadas, designadamente, nas correspondentes facturas juntas aos autos;

56 - Nas datas da exigibilidade do IUC, referentes aos veículos identificadas nos autos, a Requerente, já não era, a sua proprietária;

57 - A AT não encetou, designadamente em obediência ao princípio do inquisitório, qualquer diligência tendente à descoberta da verdade material, relativamente à real situação dos veículos em causa nos autos.

 

 

FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

58 - Os factos dados como provados estão baseados nos documentos juntos ao processo pela Requerente, cuja autenticidade não foi posta em causa pela Requerida, não tendo a sua adesão à realidade sido questionada.

FACTOS NÃO PROVADOS

59 - Não existem factos dados como não provados, dado que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do pedido foram provados.

H - FUDAMENTAÇÃO DE DIREITO

60 - A matéria de facto está fixada, importando agora proceder à sua subsunção jurídica e determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas enunciadas no n.º 42.

61 - A questão decisiva nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT traduz-se em saber se a norma de incidência subjectiva constante do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC estabelece ou não uma presunção ilidível.

62 - As posições das partes são conhecidas. Com efeito, para a Requerente, o disposto no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC estabelece uma presunção legal ilidível, entendendo que, face ao disposto no n.º 2, do referido artigo, os locatários financeiros e os titulares de contratos de aluguer de veículos sem condutor, com promessa de compra e venda, são os sujeitos passivos do imposto;

63 - A Requerida, por seu lado, considera que o legislador tributário, ao estabelecer no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC quem são os sujeitos passivos do IUC, determinou, expressa e intencionalmente, que estes são os proprietários (ou nas situações previstas no n.º 2, as pessoas aí enunciadas), considerando-se, como tais, as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados. (cfr. art.º 41.º da Resposta)

I - INTERPRETAÇÃO DA NORMA DE INCIDÊNCIA SUBJECTIVA CONSTANTE DO N.º 1 DO ARTIGO 3.º DO CIUC

64 - Sobre esta questão, ou seja, a de saber se a norma de incidência subjectiva constante do n.º 1, do art.º 3.º do CIUC, consagra uma presunção, deve notar-se que a jurisprudência firmada no CAAD aponta no sentido de que a dita norma consagra uma presunção legal. Com efeito, desde as primeiras Decisões, proferidas sobre esta matéria, no ano de 2013, entre as quais se podem, nomeadamente, referir as proferidas no quadro dos Processos n.ºs 14/2013-T, 26/2013-T e 27/2013-T, até às mais recentes de que se podem indicar as Decisões proferidas no âmbito dos Processos n.º 69/2015-T e do n.º 79/2015-T, passando por inúmeras Decisões proferidas no ano de 2014, de que se mencionam, a título de mero exemplo, as Decisões proferidas nos Processos n.ºs 34/2014-T, 120/2014-T e 456/2014 - T, todas apontam para o entendimento de que o n.º 1, do art.º 3.º do CIUC consagra uma presunção legal ilidível.

A este propósito, deve também referir-se a recente Decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida, em 23-01-2017, no Proc. N.º 463/13.4BELRS, onde se considera que a “[…] impugnante logrou ilidir a presunção estabelecida no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC.

Deve ainda considerar-se o entendimento inscrito no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 19-03-2015, Processo 08300/14, disponível em: www.dgsi.pt, que secunda a referida jurisprudência, quando nele vem expressamente referido que o art.º 3.º, n.º 1 do CIUC “[…] consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível por força do art.º 73.º da LGT”.

Trata-se de um entendimento em que, de todo, nos louvamos e que se dá, sem mais, como válido e aplicável no presente caso, não se considerando, por conseguinte, necessário outros desenvolvimentos, face à abundante fundamentação vertida nas mencionadas Decisões e no referido Acórdão.

J - DA AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE DO VEÍCULO E DO VALOR DO REGISTO

65 - Antes de mais, deve acrescentar-se, face ao que adiante, explicitamente, se dirá sobre o valor do registo, que os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da transmissão da respectiva propriedade, com registo ou sem ele.

66 - São três os artigos do Código Civil que importa ter em conta, a propósito da aquisição da propriedade de um veículo automóvel. São eles, desde logo, o art.º 874.º, que estabelece a noção de contrato de compra e venda, como sendo “[…] o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”; o art.º 879.º, em cuja alínea a) se estatui, como efeitos essenciais do contrato de compra e venda, “a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito” e o art.º 408.º, que tem por epígrafe os contratos com eficácia real, e estabelece no seu n.º 1, que “a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei”. (sublinhado nosso)

Estamos, com efeito, no domínio dos contratos com eficácia real, o que significa que a sua celebração provoca a transmissão de direitos reais, no caso, veículos automóveis, determinada por mero efeito do contrato, como decorre expressamente da norma anteriormente mencionada.

67 - A propósito dos referidos contratos com eficácia real, cabe notar os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela, quando, em anotações ao art.º 408.º do CC, nos dizem que “Destes contratos ditos reais (quoad effectum), por terem como efeito imediato a constituição, modificação ou extinção dum direito real (e não apenas as obrigações tendentes a esse resultado) distinguem-se os chamados contratos reais (quoad constitutionem), que exigem a entrega da coisa como elemento da sua formação (cfr. arts. 1129.º, 1142.º e 1185.º) ”.

Estamos, assim, perante contratos em que a propriedade da coisa vendida se transfere, sem mais, do vendedor para o comprador, tendo, como causa, o próprio contrato.

68 - Também da jurisprudência, designadamente do Acórdão do STJ n.º 03B4369 de 19/02/2004, disponível em: www.dgsi.pt, se retira que, face ao disposto no art.º 408.º, n.º 1, do C. Civil, "a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei". É o caso do contrato de compra e venda de veículo automóvel (art.ºs 874.° e 879.º al. a) do C. Civil), o qual não depende de qualquer formalidade especial, sendo válido mesmo quando celebrado por forma verbal - conf. Ac do STJ de 3-3-98, in CJSTJ, 1998, ano VI, Tomo I, pág. 117”. (sublinhado nosso)

69 - Tendo o contrato de compra e venda, face ao que se deixa referido, natureza real, com as mencionadas consequências, há que considerar, também, o valor jurídico do registo automóvel objecto desse contrato, na medida em que a transação do referido bem está sujeita a registo público.

70 - Estabelece, com efeito, o n.º 1 do art.º 1.º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, relativo ao registo de veículos automóveis, que “O registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”. (sublinhado nosso)

71 - Ficando claro, face à referida norma, qual a finalidade do registo, não há, porém, clareza, no âmbito do referido Decreto-lei, sobre o valor jurídico desse registo, importando considerar o artigo 29.º do mencionado diploma legal, relativo ao registo de propriedade automóvel, quando aí se dispõe que “São aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo de automóveis as disposições relativas ao registo predial, […]”. (sublinhado nosso)

72 - Neste quadro, para que possamos alcançar o procurado conhecimento sobre o valor jurídico do registo de propriedade automóvel, importa ter em conta o que se estabelece no Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 06 de Julho, quando dispõe no seu artigo 7.º que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define”. (sublinhado nosso)

73 - A conjugação do disposto nos artigos atrás mencionados, particularmente o estabelecido no n.º 1 do art.º 1.º do DL n.º 54/75, de 12 de Fevereiro e no art.º 7.º do Código do Registo Predial, permite considerar, por um lado, que a função fundamental do registo é a de dar publicidade à situação jurídica dos veículos, permitindo, por outro lado, presumir que o direito existe e que tal direito pertence ao titular a favor de quem o mesmo está registado, nos precisos termos em que está definido no registo.

74 - Assim, o registo definitivo mais não constitui do que a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos exactos termos do registo, mas presunção ilidível, admitindo, por isso, contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência vem assinalando, podendo, a este propósito, ver-se, entre outros, os Acórdãos do STJ nºs 03B4369 e 07B4528, respectivamente, de 19/02/2004 e 29/01/2008, disponíveis em: www.dgsi.pt.

75 - A função legalmente reservada ao registo é, assim, por um lado, a de publicitar a situação jurídica dos bens, no caso, dos veículos e, por outro lado, permitir-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo, o que significa que o registo não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador.

76 - Assim, se os adquirentes dos veículos, enquanto seus “novos” proprietários, não promoverem, desde logo, o adequado registo do seu direito, presume-se, para efeitos do art.º 7.º do Código do Registo Predial e do n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, que os veículos continuam a ser propriedade da pessoa que no registo se mantém seu proprietário, sendo essa pessoa o sujeito passivo do imposto, na certeza, porém, que tais presunções são ilidíveis, seja por força do estabelecido no n.º 2 do art.º 350.º do CC, seja à luz do disposto no art.º 73.º da LGT. Daí que, a partir do momento em que se afastem as presunções em causa, mediante prova da respectiva transmissão, a AT não poderá persistir em considerar como sujeito passivo do IUC o transmitente do veículo, que, no registo, continua a constar como seu proprietário, mas sim os ex - locatários, enquanto adquirentes dos veículos.

L - DO SUJEITO PASSIVO DO IUC AQUANDO DA ALIENAÇÃO DO VEÍCULO OBJECTO DOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO FINANCEIRA OU DE ALUGUER DE VEÍCULO SEM CONDUTOR COM PROMESSA DE COMPRA E VENDA

77 - As transmissões dos veículos em causa nos autos, tiveram como adquirentes as pessoas que, nos correspondentes contratos de locação financeira, ou de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, figuravam como locatários ou como promitentes-compradores, sendo que as referidas vendas ocorreram (todas elas) antes das datas referentes às da exigibilidade do IUC.

78 - A alienação dos veículos referenciados nos autos ocorreu, nuns casos, durante a vigência dos aludidos contratos e, noutros, após o termo desses contratos, sendo que, em qualquer das situações, ou seja, nas que se referem às vendas dos veículos ocorridas ainda durante a vigência dos aludidos contratos, ou em datas posteriores ao fim desses contratos, as datas das mencionadas vendas reportam-se a momentos anteriores às da exigibilidade do imposto único de circulação, não sendo, pois, o seu pagamento da responsabilidade da Requerente, dado que, face ao que já atrás se referiu, a mesma não era, então, nestas circunstâncias, sujeito passivo do imposto.

M - DOS MEIOS DE PROVA APRESENTADOS

SOBRE OS CONTRATOS DE LOCAÇÃO FINANCEIRA E DE ALUGUER DE VEÍCULO SEM CONDUTOR COM PROMESSA DE COMPRA E VENDA

79 - Relativamente aos contratos de locação financeira e aos contratos de aluguer de veículo sem condutor com promessa de compra e venda, no quadro dos quais se inscreveram todas as transferências de propriedade dos veículos para os ex-locatários, deve entender-se que tais contratos são meios idóneos e com força bastante para fazer prova da qualidade de locatários. Não existem, aliás, quaisquer elementos que permitam entender que os dados inscritos em tais contratos não correspondem à verdade contratual, sendo também certo que a lei, no caso, o n.º 1 do art.º 75.º da LGT, atribui a esses documentos uma presunção de veracidade.

SOBRE AS FACTURAS

80 - Não sendo legalmente exigível a forma escrita para a transmissão da propriedade de veículos automóveis, a prova dessa transmissão poderá fazer-se por qualquer meio, nomeadamente por via testemunhal ou documental, nesta se incluindo, designadamente, as facturas relativas às vendas dos veículos.

81 - A propósito das facturas, enquanto documentos probatórios da venda de veículos automóveis, não se pode deixar de ter em conta o n.º 2, artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 177/2014, de 15 de Dezembro, em cuja estatuição se consideram as facturas como documentos que indiciam a efectiva compra e venda dos veículos.

82 - Por outro lado, importa também lembrar o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 29.º; no n.º 5 do art.º 36.º e nos n.ºs 1 e 2 do art.º 40.º, todos do CIVA, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de Agosto, donde se retira que apenas a factura, a factura-recibo e a factura simplificada corporizam documentos reconhecidos para efeitos da transmissão de bens ou da prestação de serviços.

83 - A Requerente, como meio de prova de que procedeu à venda dos veículos, tal como identificados no presente processo, em data anterior à da exigibilidade do imposto, juntou, nomeadamente, para além das cópias dos contratos mencionados, quer as facturas-recibo referentes às alegadas vendas (como ocorreu relativamente aos veículos com as matrículas: …-…-…; …-… -…; …-…. -…;…-…. -…; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -…;…-…. -… ; …-…. -… ; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -…;…-…. -… ; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -…; …-…. -… e …-…. -…), quer facturas e documentos de pagamento, facturas que, nuns casos, exibem a referencia ao seu processamento por computador e, noutros casos, a indicação de que foram processadas por Programa objecto de prévia certificação pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), identificado por Programa Certificado n.º 436/AT.

84 - Deve, aliás, salientar-se que nada permite considerar que quaisquer desses documentos, nomeadamente as facturas apresentadas, como suporte das vendas dos veículos em causa nos autos, não tenham correspondência com as vendas que, alegadamente, foram concretizadas.

85 - As facturas juntas aos autos, como prova da alienação dos veículos, tendo em conta o objecto social da Requerente, corporizado no aluguer de veículos automóveis e na venda desses veículos aos seus clientes, no termo dos respectivos contratos de aluguer, mostram-se totalmente ajustadas à mencionada realidade empresarial, sendo absolutamente verosímil a venda dos veículos que as facturas apresentadas visam provar, não se identificando, de todo, elementos que corporizem qualquer contrato simulado, antes permitem concluir estarmos perante facturas que reproduzem a real e verdadeira venda dos veículos às pessoas nelas indicadas.

86 - A conjugação dos diversos documentos apresentados permitem ao tribunal entender, com um elevado grau de probabilidade e de verosimilhança, que a alienação dos veículos em causa aos correspondentes locatários se concretizou. A este propósito cabe notar o que escreve Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume II, 6.ª Edição, Áreas Editora, SA, Lisboa, 2011, p. 256, em anotações ao art.º 115.º do referido Código, quando citando ALBERTO DOS REIS, refere que a prova suficiente conduz a um juízo de certeza; não de certeza lógica, absoluta, material, na maior parte dos casos, mas de certeza bastante para as necessidades práticas da vida, de certeza chamada histórico-empírica. Quer dizer, o que se forma sobre a base da prova suficiente é, normalmente, um juízo de probabilidade, mas de probabilidade elevada a grau tão elevado, que é quanto basta para as exigências razoáveis da segurança social.

87 - Em síntese, a prova da venda dos veículos em questão, a partir da junção aos autos dos mencionados documentos, afigura-se razoável e proporcional, sobretudo, tendo em conta o objecto social da Requerente, centrado na actividade de operações de financiamento para aquisição de viaturas automóveis, e na celebração dos correspondentes contratos de locação financeira e de aluguer de veículos sem condutor com promessa de compra e venda, não sendo, consequentemente, de estranhar, bem pelo contrário, que, tal como já se assinalou, na sequência dos contratos mencionados, se concretize a transferência da propriedade dos veículos identificados nos autos para os correspondentes locatários.

88 - As facturas em questão (cópias), referentes às vendas dos veículos, na medida em que gozam da presunção de veracidade que no n.º 1 do art.º 75.º da LGT lhes é conferida, cabendo à AT, atento o disposto no art.º 75.º, n.º 2 da LGT, no quadro das fundadas e objectivas razões que tivesse, demonstrar que as informações nelas inscritas não correspondem à realidade, permitem concluir pela real transferência da titularidade dos veículos, constituindo meio de prova suficiente para ilidir as presunções em causa nos autos, ou seja, a presunção estabelecida no art.º 7.º do Código do Registo Predial e a consagrada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, o que significa que, à data em que o imposto era exigível, a propriedade dos veículos em questão havia sido transferida da Requerente para os ex - locatários, não sendo a mesma sujeito passivo do imposto em causa.

89 - Cabe, ainda e por fim, lembrar que, em situações idênticas à dos presentes autos, a jurisprudência do CAAD tem vindo a propender no sentido do Pedido de Pronúncia Arbitral subjacente ao presente Processo, identificando-se, com essa orientação, nomeadamente, a Decisão Arbitral proferida em 20.05.2015, no Processo n.º 688/2014-T; a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 374/2015-T; o Acórdão Arbitral proferido em 21.11.2014, no Processo n.º 250/2014-T; o Acórdão Arbitral proferido em 26.10.2015, no processo n.º 7/2015-T e o Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 49/2015-T.

90 - Nestas circunstâncias, os veículos referenciados nos autos como tendo sido alienados, no quadro dos respectivos contratos locação financeira e de aluguer de veículos sem condutor com promessa de compra e venda, consideram-se como vendidos, nos termos já referidos, em datas anteriores às datas das respectivas liquidações de IUC, devendo, assim, considerar-se que a Requerente, relativamente a tais veículos, não era, à data a que dizem respeito as liquidações em causa, sujeito passivo do imposto em questão, não se podendo, pois, deixar de considerar que a presunção legal consagrada no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC foi ilidida.

91 - A AT, quando entende que os sujeitos passivos do IUC são, em definitivo, as pessoas em nome de quem os veículos automóveis se encontram registados, sem considerar que o art.º 3.º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção, nem tendo em conta os elementos probatórios que lhe foram apresentados, como resulta, designadamente, do processo administrativo tributário, está a proceder à liquidação ilegal do IUC, relativamente aos veículos atrás mencionados, assente na errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjectiva do Imposto Único de Circulação, constantes do referido art.º 3.º do CIUC, o que configura a prática de actos tributários falhos de legalidade por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, determinantes da anulação dos correspondentes actos tributários, por violação de lei.

N - REEMBOLSO DO MONTANTE PAGO E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

92 - Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT, e em conformidade com o que aí se estabelece, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.” (sublinhado nosso)

93 - Trata-se de comandos legais que se encontram em total sintonia com o disposto no art.º 100.º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT, no qual se estabelece que A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.(sublinhado nosso)

94 - O caso constante nos presentes autos, suscita a manifesta aplicação das mencionadas normas, posto que na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação, referenciados neste processo, terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, quer a título de imposto, quer de juros compensatórios, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, montantes esses que no caso dos autos totalizam € 5.282,90, correspondente às liquidações referentes aos veículos atrás referenciados.

95 - Quanto aos juros indemnizatórios, afigura-se manifesto, que, face ao estabelecido no artigo 61.º do CPPT e preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre a quantia de € 5.282,90.

O - CUSTAS ARBITRAIS

96 - A este propósito, mais concretamente sobre a responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais, que a AT considera serem devidas pela Requerente, “nos termos do artigo 527.º/1 do CPC ex vi do art.º 29.º/1-e) do RJAT”, cabe apenas notar que, face ao estatuído no n.º 2 do referido art.º 527.º do CPC, dá causa “[…] às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for”, sendo, isso mesmo, que se aplicará no caso dos autos, devendo também referir-se, sobre o valor da causa, que o mesmo, face ao disposto no n.º 1, do art.º 296.º do CPC, corresponde, no caso, ao valor das 125 liquidações, tal como identificadas nos autos e referenciadas no DOC 7, integrante do Processo, corresponde ao montante de € 5.282,90.

CONCLUSÃO

97 - No quadro circunstancial que se tem vindo a referir, a AT, ao praticar os actos de liquidação em causa no presente processo, fundados na ideia de que o artigo 3.º, n.º.1, do CIUC não consagra uma presunção ilidível, e que a Requerente é, nos casos previstos no n.º 2 do referido artigo, sujeito passivo do imposto, faz errada interpretação e aplicação desta norma, cometendo um erro sobre os pressupostos de direito, o que constitui violação de lei.

98 - Por outro lado, porque a AT, à data da ocorrência dos factos tributários, considerou a Requerente proprietária dos veículos referenciados no presente processo, considerando-a, como tal, sujeito passivo do imposto, quando tal propriedade, relativamente aos veículos em questão, já não estava inscrita na sua esfera jurídica, baseando-se, assim, em matéria de facto divergente da efectiva realidade, comete um erro sobre os pressupostos de facto, e portanto de violação de lei.

III - DECISÃO

99 - Destarte, atento a todo o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

- Anular a decisão proferida no quadro da Reclamação Graciosa referenciada nos autos, com o n.º … - 2015…;

- Julgar procedente, por provado, com fundamento em vício de violação de lei, o pedido de pronúncia arbitral no que concerne à anulação dos actos de liquidação de IUC e de juros compensatórios a que se refere o pedido da Requerente, referentes aos anos de 2013 e 2014, que perfazem o montante de € 5.282,90, tal como identificados nos autos, respeitantes aos veículos identificados no processo;

- Anular, consequentemente, quer os actos de liquidação de IUC, quer os actos de liquidação dos juros compensatórios que lhe estão associados, referentes aos anos de 2013 e 2014, respeitantes aos veículos, tal como identificados nos autos;

- Condenar a AT ao reembolso da quantia de € 5.282,90, referente ao IUC e aos juros compensatórios que foram pagos, respeitantes aos anos de 2013 e 2014, bem como ao pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data do pagamento da quantia referida, até ao integral reembolso da mesma;

- Condenar a AT a pagar as custas do presente processo.

VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, nº 2 do CPC (ex-315.º, nº 2) e 97.º - A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 5.282,90.

CUSTAS

De harmonia com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, in fine, no art.º 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I, que a este está anexa, fixa-se o montante das custas totais em € 612,00.

 

Notifique-se.

Lisboa, 14 de Março de 2017

O Árbitro

António Correia Valente

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (ex-138.º, n.º 5), aplicável por remissão do artigo 29.º n.º 1 alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)