Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 580/2016-T
Data da decisão: 2017-01-29  IUC  
Valor do pedido: € 14.021,13
Tema: IUC – Incidência subjetiva
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Decisão Arbitral

 

I. Relatório

 

1. A…, pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua …, Lote…, Lisboa, na qualidade de incorporante, por fusão, da sociedade B…, S.A, entretanto extinta, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral contra o ato de indeferimento de reclamação graciosa e, consequentemente, contra os atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) e juros compensatórios relativos aos períodos de 2009 e 2012 a 2015 e aos veículos automóveis identificados pelo respetivo número de matrícula em documento anexo ao pedido (Doc.4). Como consequência da referida anulação, requer a condenação da Administração Tributária ao reembolso da importância que considera indevidamente paga, no montante global de € 14 021, 53, acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios contados nos termos legais.

 

2. Como fundamento do pedido, apresentado em 26-09-2016, a Requerente alega, em síntese, que, embora os veículos em causa se encontrassem registados em seu nome à data a que se reportam os factos tributários a que respeitam as questionadas liquidações, os mesmos, nalguns casos, já não eram propriedade sua, por terem sido objeto de transmissão para terceiros ou, noutros casos, por se encontrarem cedidos a terceiros ao abrigo de contratos de locação financeira, nos quais a ora Requerente assumia a posição de locador.

 

3. Em resposta ao solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, na manutenção na ordem jurídica os atos tributários impugnados e, em conformidade, pugna pela absolvição da Requerida.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Sr. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida em 10-10-2016.

 

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 22-11-2016.

 

6. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular foi constituído em 12-12-2016.

 

8. Regularmente constituído, o tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

9. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

10. Não ocorrem quaisquer nulidades e não foram suscitadas questões prévias ou exceções, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito, encontrando-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.

 

11. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

II. Matéria de facto

 

12. Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, destacam-se os seguintes elementos factuais que, com base na prova documental junta aos autos, se consideram provados:

 

12.1. A Requerente é uma instituição financeira que, no âmbito do seu objeto social, pratica todas as operações e a prestação de todos os serviços permitidos aos bancos, com exceção da receção de depósitos;

 

12.2. No âmbito da sua atividade, celebra com os seus clientes contratos de aluguer de longa duração (ALD), aluguer de curta duração (renting) e contratos de locação financeira (leasing) de viaturas automóveis.

 

12.3. Para o efeito, a Requerente adquire viaturas novas aos respetivos importadores nacionais, cuja propriedade, no termo dos referidos contratos, é objeto de transmissão para os correspondentes locatários ou para terceiros.

 

12.4. Ainda que inconformada com as liquidações de IUC relativas aos períodos de 2009 e 2012 e 2015 e veículos identificados pelo respetivo número de matrícula a Requerente efetuou o pagamento integral do imposto e juros compensatórios delas constantes, na importância total de € 14 021,53.

 

12.5. Todavia, reagiu contra os referidos atos de liquidação através de reclamação graciosa interposta em 29-12-2015 (Doc. 5) em que, no essencial, alega não ser o sujeito passivo da obrigação de imposto porquanto, à data da ocorrência do respetivo facto gerador, dado os veículos a que aqueles respeitam terem sido já objeto de transmissão para terceiros ou se encontrarem cedidos aos respetivos locatários ao abrigo de contratos de locação financeira, aluguer de longa duração ou locação operacional, estes com promessa de compra e venda.

 

12.6. Por despacho de 20-06-2016, a reclamação foi indeferida com o fundamento de, à data da exigibilidade do imposto, os veículos a que o mesmo respeita se encontrarem registados em nome da Requerente, pelo que era esta o sujeito passivo do imposto, nos termos do artigo 3.º do CIUC (Doc. 2).

 

12.7. No presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente manifesta a sua discordância relativamente aos mencionados atos de liquidação, com os fundamentos já expostos em sede de reclamação graciosa, acima sumariados, pugnando pela anulação das liquidações em causa, identificadas em anexo à petição (Doc.4), bem como pelo reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

 

13. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

III. Cumulação de pedidos

 

14. O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a diversas liquidações de IUC. Todavia, atendendo à identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o tribunal considera que nada obsta, face ao disposto nos artigos. 3.º do RJAT e 104.º do CPPT, à cumulação de pedidos.

 

IV. Matéria de direito

 

15. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente submete à apreciação deste Tribunal o ato de indeferimento expresso de reclamação graciosa e, em consequência, a legalidade dos atos de liquidação de IUC, relativos aos períodos de 2009 e 2012 a 2015 e aos veículos que identifica em relação anexa ao pedido (Doc.4), invocando a circunstância de, à data a que se reportam os factos tributários que as originaram, terem aqueles sido já objecto de transmissão para terceiros ou de se encontrarem cedidos aos locatários no âmbito de contratos de locação financeira  ou outros contratos de locação, com opção de compra pelos respetivos locatários, e, consequentemente, não assumir a qualidade do sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado.

 

16. Está, pois, em causa determinar se a Requerente deve ou não ser considerada sujeito passivo de IUC quanto aos veículos e períodos a que o tributo respeita, devidamente identificados em anexo ao pedido (Doc.4), por, à data da exigibilidade do tributo, terem sido já objeto de venda a terceiros ou relativamente aos quais vigorarem contratos de leasing, ou outros contratos de locação com opção de compra, ainda que tais contratos não tenham sido objeto de registo junto da Conservatória de Registo Automóvel, neste se mantendo identificada como proprietária a locadora.

 

17. Relativamente a esta matéria, dispõe o artigo 3.º do CIUC, nos seus números 1 e 2, na redação vigente à data dos factos em análise, que:

 

"1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

2. São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes co reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força de contrato de locação"

 

18. Segundo entendimento da Requerida, a referida norma não comporta qualquer presunção legal, considerando que "O legislador tributário ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1, quem são os sujeitos passivos do IUC estabeleceu expressa e intencionalmente que estes são os proprietários (ou nas situações previstas n.º 2 as pessoas aí enunciadas), considerando-se como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

 

19. Por seu lado, sustenta a Requerente que aquela norma consagra uma presunção legal, ilidível nos termos gerais e, em especial, por força do disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária (LGT), segundo o qual as presunções de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.

 

20. Esta matéria tem vindo a ser objeto de numerosas decisões no âmbito dos tribunais arbitrais a funcionar no CAAD, em geral no sentido da procedência dos respetivos pedidos, com o fundamento de que a norma em causa, na redação em vigor à data dos factos a que se reporta o presente pedido, encerra uma presunção legal que admite prova em contrário.[i]

 

21. Aderindo, pois, à posição acima referida, dispensa-se, por desnecessária e fastidiosa, a reprodução da respetiva fundamentação, porquanto no presente processo nada de novo se adianta nessa matéria.

 

22. Porém, a conclusão de que a norma de incidência subjetiva do IUC consagra uma presunção ilidível não afasta uma outra questão que, para o presente caso, importa dilucidar, qual seja a de saber se a verificação da circunstância prevista no n.º 2 do artigo 3.º do CIUC afasta ou não a regra de incidência consagrada no n.º 1 do mesmo artigo, no caso de não ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 19.º do CIUC.

 

23. Estabelecia este preceito, em vigor à data dos factos a que se reporta o presente pedido, que " Para efeitos do disposto no artigo 3º do presente código, bem como no n.º 1 do artigo 3.º da lei da respetiva aprovação, ficam as entidades que procedam à locação financeira, à locação operacional ou ao aluguer de longa duração de veículos obrigadas a fornecer à Direcção-Geral dos Impostos os dados relativos à identificação fiscal dos utilizadores dos veículos locados."

 

23. Da norma do n.º 2 do artigo 3.º do CIUC, conjugada com o citado artigo 19.º do mesmo Código, não subsistem, pois, dúvidas de que estando os veículos cedidos a terceiros em regime de locação financeira ou de outros contratos de locação com opção de compra, o sujeito passivo deste imposto será o locatário e não o respetivo proprietário, ficando, assim, afastada a regra de incidência subjetiva do n.º 1 daquele artigo, desde que feita prova bastante para ilidir a presunção que o mesmo encerra.

 

24. Não será esse, porém, o entendimento da Requerida que, de resto, assinala que Não obstante a Requerente alegar ter celebrado contratos de locação financeira, certo é que aquela é responsável pelo pagamento dos respetivos IUC, uma vez que não comunicou a existência de locação financeira a que alude o artigo 19.º do CIUC.

 

25. Salienta-se que a relevância do incumprimento de tal obrigação no tocante à incidência do tributo em causa, tem vindo a ser objeto de diversas decisões arbitrais, recordando-se, a este propósito a Decisão Arbitral, de 14-07-2014, no Proc. 136/2014-T:

 

" Com efeito, o disposto no artigo 3º, nº 2, do CIUC é bem claro relativamente à incidência subjetiva do IUC, na vigência de contratos de locação financeira, sujeitando o locatário a essa obrigação, quando o equipara ao proprietário para este efeito.

Assim sendo, não atribuindo a lei essa obrigação ao proprietário-locador, não haverá lugar a nenhuma desoneração por parte deste, com a comunicação prevista no referido artigo 19º do CIUC, pela razão simples de nunca ter estado sujeito ao pagamento do imposto.

A incidência subjetiva do IUC está estabelecida, em todos os seus elementos, no artigo 3º do CIUC e será através da aplicação deste normativo que será apurado o sujeito passivo, não relevando para efeitos da incidência do imposto a falta de cumprimento da mencionada obrigação acessória. "[ii]

 

26. É, pois, a esta orientação jurisprudencial, a que, sem reservas, se adere, não se acompanhando, assim, o entendimento da Requerida acima expresso.

 

Da elisão da presunção

 

27. As presunções de incidência tributária podem ser ilididas através do procedimento contraditório próprio previsto no artigo 64.º do CPPT ou, em alternativa, pela via de reclamação graciosa ou de impugnação judicial dos atos tributários que nelas se baseiem.

 

28. No presente caso, a Requerente não utilizou aquele procedimento próprio, pelo que o presente pedido de decisão arbitral, na sequência de indeferimento parcial de reclamação graciosa, é meio próprio para ilidir a presunção de incidência subjetiva do IUC que suporta as liquidações tributárias cuja anulação constitui objeto do pedido, pois que se trata de matéria que se situa no âmbito da competência material deste Tribunal Arbitral (arts. 2.º e 4.º do RJAT).

 

29. Figurando a Requerente no Registo Automóvel como proprietária dos veículos identificados no pedido nos períodos de tributação a que as questionadas liquidações respeitam e alegando a mesma terem os mesmos já sido objeto de transmissão à data da exigibilidade do imposto ou encontrando-se cedidos a terceiros ao abrigo de contratos de locação sem que tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 19.º do CIUC, resta avaliar-se a prova apresentada, no sentido de se determinar se é a mesma bastante para ilidir a presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 3.º do mesmo Código.

 

30. Com vista à elisão da referida presunção, derivada da inscrição do registo automóvel, a Requerente apresenta, em anexo ao presente pedido, cópia das faturas de venda das viaturas bem como dos contratos de locação financeira e outros contratos de locação com opção de compra, aquelas emitidas e estes celebrados em data anterior à da ocorrência do facto tributário e da exigibilidade do imposto.

 

31. Pronunciando-se sobre os elementos de prova apresentados, considera a Requerida que os mesmos não são, só por si, bastantes para efetuar prova concludente da transmissão dos veículos em causa e que, quanto aos veículos locados, a Requerida entende que a Requerente só se poderia exonerar do imposto caso tivesse dado cumprimento à obrigação específica prevista no artigo 19.º do CIUC.

 

Da elisão da presunção com base nas faturas comerciais

 

32. Relativamente às cópias das faturas apresentadas como prova da transmissão dos veículos em data anterior à da exigibilidade do imposto, alega a Requerida que as faturas, em geral, não constituem documentos idóneos a efetuar a prova pretendida no sentido de não ser a Requerente proprietária dos veículos nos períodos de tributação a que se reportam as liquidações em causa.

 

33. Nesse sentido, sustenta a Requerida que As faturas não são aptas a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático como é a compra e venda, pois tais documentos não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (i.e., a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes.

 

34. Acresce, segundo a Requerida, que " as regras do registo automóvel (ainda) não chegaram ao ponto de meras faturas unilateralmente emitidas pela Requerente poderem substituir o requerimento de registo automóvel, aliás, documento aprovado por modelo oficial.".

 

35. Está, pois, em causa, saber se as faturas que titulam transações comerciais constituem elemento de prova para elisão da presunção constante do artigo 3.º do CIUC e, se assim se admitir, se as cópias das faturas apresentadas pela Requerente constituem prova bastante para o efeito.

 

36. Para tanto, importa ter-se presente que, na situação em análise, se está perante contratos de compra e venda que, relativos a coisa móvel e não estando sujeitos a qualquer formalismo especial (C.Civil, art. 219.º), operam a correspondente transferência de direitos reais (C.Civil, art. 408.º, n.º 1).

 

37. Tratando-se de contratos que envolvem a transmissão da propriedade de bens móveis, mediante o pagamento de um preço, têm aqueles, como efeitos essenciais, entre outros, o de entregar a coisa (C.Civil, arts. 874.º e 879.º).

 

38. No entanto, estando em causa contratos de compra e venda que têm por objeto veículos automóveis, em que o registo é obrigatório, o seu cumprimento pontual pressupõe a emissão da declaração de venda necessária à inscrição no registo da correspondente aquisição a favor do comprador, conforme vem sendo entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores.[iii] Tal declaração, relevante para efeitos de registo, poderá constituir prova da transação, mas não constitui o único ou exclusivo meio de prova de tal facto. 

 

39. Para efeitos registrais, também não é exigível qualquer formalismo especial, bastando a apresentação à entidade competente de requerimento subscrito pelo comprador e confirmado pelo vendedor que, através de declaração de venda, confirma que a propriedade do veículo foi por aquele adquirida por contrato verbal de compra e venda (vd. Regulamento do Registo Automóvel, art. 25.º, n.º 1, alínea a).[iv]

 

40. Não obstante serem estas as regras decorrentes das disposições da lei civil relativas ao informalismo da transmissão de coisas móveis e, sendo o caso, do respetivo registo, não pode deixar de ter-se também presente que, na situação em análise, estamos perante transações comerciais efetuadas por uma empresa no âmbito da sua atividade empresarial.

 

41. Nesse âmbito, a empresa vendedora está vinculada ao cumprimento de normas contabilísticas e fiscais específicas, em que a faturação assume especial relevância.

 

42. Desde logo, por força de normas fiscais, a entidade transmitente dos bens está obrigada a emitir uma fatura relativamente a cada transmissão de bens, qualquer que seja a qualidade do respetivo adquirente, seja ele uma empresa, sujeito passivo do IVA, seja um consumidor final (CIVA, art. 29.º, n.º 1, alínea b).

 

43. Também de acordo com o disposto em normas tributárias, a fatura deve obedecer a determinada forma, detalhadamente regulada nos artigos 36.º do Código do IVA e 5.º do Decreto-Lei n.º 198/90, de 19/06.

 

44 É com base nesse documento emitido pelo fornecedor dos bens que o adquirente, quando se trate de um operador económico, irá deduzir o IVA a que tenha direito (CIVA, art. 19.º, n.º 2) - salvo se o imposto suportado na aquisição do veículo, pelas características deste, não for dedutível -  e contabilizar o gasto da operação (CIRC, arts. 23.º, n.º 6 e 123.º, n.º 2).

 

45. Por seu lado, é também com base na faturação emitida que o fornecedor dos bens deverá contabilizar os respetivos rendimentos, conforme decorre do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 123.º do CIRC.

 

46. Desde que emitidas na forma legal e constituam elementos de suporte dos lançamentos contabilísticos em contabilidade organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal, os dados que delas constem são abrangidos pela presunção de veracidade a que se refere o artigo 75.º, n.º 1, da LGT.

 

47. Com efeito, a referida presunção abrange não só os livros e registos contabilísticos, mas também os respetivos documentos justificativos, conforme, de resto, constitui entendimento pacífico da própria administração tributária [v]  e da jurisprudência firmada dos tribunais superiores [vi]

 

48. A presunção de veracidade das faturas comerciais emitidas nos termos legais pode, porém, ser afastada sempre que as operações a que se referem não correspondam à realidade, bastando, para tanto, que a Administração Tributária recolha e demonstre indícios fundados desse facto (LGT, art. 75.º, n.º 2, al. a).[vii]

 

49. No presente caso, ainda que a Requerida afirme, generalizando, a irrelevância das faturas enquanto meio de prova bastante para afastar a presunção do artigo 3.º do Código do IUC, não suscita qualquer dúvida quanto às operações concretas tituladas pelas faturas apresentadas pela Requerente.

 

50. Considerada, pois, a relevância atribuída pela legislação tributária às faturas emitidas, nos termos legais, pelas empresas comerciais no âmbito da sua atividade empresarial e a presunção de veracidade das operações por elas tituladas, não pode deixar de considerar-se que as mesmas podem constituir, só por si, prova bastante das transmissões invocadas pela Requerente.

 

51. Na situação em análise, constata-se que as faturas que titulam as transações em causa identificam a empresa vendedora, o comprador e, pela respetiva matrícula, o veículo transacionado e o preço da venda, bem como a data em que foram emitidas, preenchendo os requisitos formais impostos pela lei fiscal.

 

52. Nestes termos, considera-se que as faturas apresentadas pela Requerente constituem prova bastante dos factos alegados para efeitos de elisão da presunção em causa, considerando-se, assim, ilidida a presunção de propriedade derivada do registo automóvel acolhida no artigo 3.º do CIUC, relativamente aos veículos a que aquelas se referem.

 

 

Da elisão da presunção com base em cópia dos contratos

 

53. No que diz respeito aos contratos de locação financeira ou de locações com opção de compra, enquanto prova suscetível de afastar a presunção do artigo 3.º do CIUC, assinala-se que os mesmos se configuram como documentos particulares que, quando devidamente assinados pelas partes intervenientes, revestem força probatória. O requisito legal, relevante para os efeitos de lhes atribuir força probatória formal, basta-se com a assinatura do seu autor, considerando-se esta verdadeira quando reconhecida, ou não impugnada, pela parte contra quem o documento é apresentado (C.Civil, arts. 373.º e 374.º, n.º 1).

 

54. No presente caso, encontrando-se devidamente assinados os documentos oferecidos pela Requerente como elemento de prova e não tendo sido impugnadas as assinaturas neles apostas nem tendo os mesmos sido objeto de arguição e prova de falsidade por parte da Requerida, fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (C.Civil, art. 376.º, n.º 1).

 

55. Assim, não sendo questionada a validade formal dos contratos juntos pela Requerente, considera-se documentalmente provado que à data da exigibilidade do imposto os veículos a que os mesmos se referem, sendo embora propriedade da Requerente, se entravam por esta dados em regime de locação financeira ou de locação com opção de compra. 

 

56. Como já antes se concluiu, nas situações em que os veículos, à data da ocorrência do facto tributário, se encontrem cedidos aos locatários, ao abrigo de contratos de locação financeira ou outras locações que envolvam opção de compra, o sujeito passivo da obrigação de imposto não é o proprietário locador mas, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do CIUC, o respetivo locatário, por ser quem tem o gozo do veículo. E tal se verifica independentemente do facto de ter ou não ter sido cumprido o disposto no artigo 19.º daquele Código e da circunstância de o registo de propriedade permanecer em nome do locador, sem que no mesmo tenha sido inscrito o contrato de locação.

 

57. Em face do exposto, conclui-se não haver fundamento legal para os atos de liquidação de IUC e de juros compensatórios relativamente aos veículos e períodos identificados em anexo ao pedido de pronúncia arbitral que, à data da exigibilidade do imposto, se encontravam cedidos aos respetivos locatários ao abrigo de contratos de locação com opção de compra.

 

58. Encontrando-se documentalmente provados os factos alegados pela Requerente, considera-se desnecessária a inquirição das testemunhas por ela arroladas, pelo que se dispensa a sua inquirição.

 

59. Nestes termos, considerando-se ilidida a presunção de propriedade derivada do registo automóvel acolhida no artigo 3.º do CIUC - na redação em vigor à data dos factos a que respeitam as liquidações em causa - deverá proceder-se à anulação das liquidações identificadas em anexo ao presente pedido de pronúncia (Doc.4), no montante global de € 14 021,53, com fundamento em ilegalidade e erro nos pressupostos em que se suportam.

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

60. A par da anulação das liquidações, e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas, a Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

61. Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido." Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

62. O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

63. No presente caso, ainda que se reconheça não ser devido o imposto pago pela Requerente, por não ser o sujeito passivo da obrigação tributária, determinando, em consequência, o respetivo reembolso, não se lobriga que, na sua origem, se encontre o erro imputável aos serviços, que determina tal direito a favor do contribuinte.

 

64. Com efeito, ao promover a liquidação oficiosa do IUC, considerando a Requerente como sujeito passivo deste imposto, a Administração Tributária não poderia proceder por forma diversa, limitando-se a dar cumprimento à norma do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, que, como acima abundantemente se referiu, imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.

 

65. Por outro lado, também como já se concluiu, a referida norma tem a natureza de presunção legal, de que decorre, para a AT, o direito de liquidar o imposto e exigi-lo a essas pessoas, sem necessidade de provar os factos que a ela conduz, conforme expressamente prevê o n.º 1 do artigo 350.º do C. Civil.

 

66. Todavia, relativamente às liquidações que constituem objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, importa saber se o ato de indeferimento da pretensão da ora Requerente, formulada na reclamação graciosa oportunamente interposta, configura, ou não, erro imputável à Administração Tributária para efeitos da exigibilidade de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

 

67. Nesta matéria tem-se em atenção a orientação decorrente da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que vai no sentido de reconhecer que uma decisão da Administração Tributária que indefere um pedido de anulação de liquidação reconhecidamente ilegal e consequente restituição de tributo indevidamente cobrado, constitui erro imputável aos serviços.

 

68. Segundo a mencionada jurisprudência – vertida em douto acórdão de 28-10-2009, no Proc. 601/09 – são devidos juros indemnizatórios a partir da data do indeferimento da reclamação até à data do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos do artigo 61.º do CPPT.

 

V. Decisão

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, no que concerne à ilegalidade das liquidações relativas aos veículos e períodos identificados em anexo ao pedido de pronúncia arbitral (Doc.4), determinando-se a sua anulação e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas;

 

b) Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, contados a partir da data do indeferimento da reclamação graciosa até à data do efetivo reembolso dos tributos, e juros compensatórios indevidamente cobrados.

 

Valor do processo: € 14 021,13

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 918,00, a cargo da Requerida (AT).

 

Lisboa, 29 de Janeiro de 2017,

 

O árbitro, Álvaro Caneira.

 

 

 



[i]  A título meramente exemplificativo, cfr. Procs.14/2013-T, 26/2013-T, 27/2013-T, 73/2013-T, 170/2013-T, 217/2013--T, 256/2013-T, 289/2013-T, 294/2013-T, 21/2014-T, 42/2014-T, 43/2014-T, 50/2014-T, 52/2014-T, 67/2014-T6, 68/2014-T, 77/2014-T, 108/2014-T, 115/2014-T, 117/2014-T, 118/2014-T, 120/2014-T, 121/2014-T, 128/2014-T, 140/2014-T, 141/2014-T, 152/2014-T, 154/2014-T,  173/2014-T, 174/2014-T, 175/2014-T, 182/2014-T, 191/2014-T, 214/2014-T, 219/2014-T, 221/2014-T, 222/2014-T, 227/2014-T, 228/2014-T, 229/2014-T, 230/2014-T,  233/2014-T, 246/2014-T, 247/2014-T, 250/2014-T. 262/2014-T, 302/2014-T, 333/2014-T,  414/2014-T, 646/2014-T, todos disponíveis em www.caad.org.pt.

[ii]  Cfr., entre outros, Procs. 128/2014-T, 134/2014-T, 136/2014-T, 137/2014-T, 224/2014-T, 228/2014-T, 232/2014-T, 233/2014-T e 341/2014-T

[iii] Cfr. STJ, Acs. de 23.3.2006 e de 12.10.2006, Procs. 06B722 e 06B2620.

[iv]  Assinala-se que, no âmbito do procedimento especial para o registo de propriedade de veículos adquiridos por contrato verbal de compra e venda, aprovado pelo Dec.Lei n.º 177/2014, de 15 de Dezembro, a factura constitui, entre outros, documento que indicia a efectiva compra e venda do veículo, desde que dela conste a matrícula do veículo bem como nome do vendedor e do comprador.

[v]  Cfr. Parecer do Centro de Estudos Fiscais, homologado por despacho do Director-Geral dos Impostos, de 2 de Janeiro de 1992, publicado em Ciência e Técnica Fiscal n.º 365.

[vi]  Cfr. STA, Ac. de 27.10.2004, Proc. 0810/04, TCAS, Ac. de 4.6.2013, Proc. 6478/13 e TCAN, Ac. de 15.11.2013, Proc. 00201/06.8BEPNF, entre outros.

[vii]  Cfr. STA, Acs. de 24.4.2002, Proc. 102/02, de 23.10.2002, Proc. 1152/02, de 9.10.2002, Proc. 871/02, de 20.11.2002, Proc. 1428/02, de 14.1.2004, Proc. 1480/03, entre muitos outros.