Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 607/2016-T
Data da decisão: 2017-05-19  IVA  
Valor do pedido: € 47.743,56
Tema: IVA - Atividade de medicina dentária, artigo 9.º n.º 1 do Código do IVA
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Decisão Arbitral

 

 

 

A Árbitro Dra. Filipa Barros (árbitro singular), designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 26 de Dezembro de 2016, acorda no seguinte:

 

       I.     RELATÓRIO

 

                 A A…, LDA. pessoa colectiva n.º…, com sede social na Rua … n.º…, …-…,  …, adiante “Requerente”, vem, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante referido por “RJAT”[1], requerer a constituição de Tribunal Arbitral para pronúncia sobre a ilegalidade e consequente anulação dos atos de autoliquidação de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) identificados com os nº…, …, …, … e …, referentes aos períodos de 2013/06T, 2013/09T, 2013/12T, 2014/06T, 2014/09T, as quais resultaram no pagamento de respectivamente de €10.826,03, €6.106,26, €11.600,89, €13.272,76 e €5.095,99, bem como a anulação das liquidações de juros de mora e compensatórios e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

 

                 Para fundamentar o seu pedido, considera a Requerente, em síntese, que o Dr. B… é um médico dentista, exercendo uma atividade médica na qual recorre – designadamente, no que se refere ao diagnóstico e tratamento de problemas e disfunções – à biorressonância. Tais serviços são efetuados pela Requerente com auxílio de equipamentos próprios devidamente certificados pela União Europeia para o efeito, sendo prestados aos seus utentes no âmbito de tratamentos medico-dentários, através da utilização de programas específicos para profissionais da saúde dentária.

       Defende a Requerente que grande parte dos tratamentos que realiza através da biorressonância, consistem em terapêuticas por si desenvolvidas no âmbito do exercício da sua atividade de médico dentista, aplicando conhecimentos de física molecular na modulação do aparelho, que, por seu turno, uma vez devidamente programado, emite frequências electromagnéticas sobre o corpo do paciente, com a finalidade de auto-regular o organismo e corrigir desequilíbrios existentes de vária ordem, contribuindo para a saúde geral do paciente. Com efeito, a biorressonância permite neutralizar e inverter o padrão de frequência de substâncias nocivas e, por outro lado, intensificar a componente de frequência saudável.

       Neste sentido, a Requerente refuta o entendimento defendido pela AT segundo o qual a referida atividade não é enquadrável no âmbito da isenção prevista no artigo 9.º n.º 1 do Código do IVA, pois, no entender da Requerente, deverá considerar-se como uma terapêutica da saúde.

       Nota ainda que tal entendimento é consentâneo com o disposto na alínea c), do artigo 132.º da Diretiva 2006/112/CE (doravante DIVA)[2], ao determinar que os Estados-Membros devem isentar “as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa”.

       Ora, a prestação de serviços em causa destina-se a prevenir e tratar doenças, sendo desenvolvida no âmbito do exercício da profissão de médico-dentista, por um prestador de serviços devidamente qualificado, pelo que a Requerente, apoiada na jurisprudência do TJUE, defende a verificação dos pressupostos necessários à aplicação da isenção prevista no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA. Caso vingasse o entendimento da AT ficaria a Requerente condicionada na aplicação das terapêuticas que entende serem as mais adequadas para o diagnóstico e cura das patologias dos respectivos utentes o que não seria de admitir.

       Refere ademais, na esteira da jurisprudência do TJUE, que embora o Dr. B… exerça uma atividade que não pertence ao domínio específico/tradicional da atividade para a qual teve formação académica – no caso em apreço, medicina dentária – é indubitável que os serviços de biorressonância e de acupunctura através da biorressonânica, prestados pela Requerente, são atividades de prestação de cuidados de saúde, que visam diagnosticar e, na medida do possível, corrigir os desequilíbrios existentes de forma a melhorar a saúde dos seus utentes, sendo certo, que ainda que se entendesse, o que não se concede, que o Sr. Dr. B… não disporia das qualificações para a prestação dos serviços em causa, sempre se dirá, que está ao menos, em condições de assegurar esses serviços a um nível de qualidade equivalente.

       Finalmente, apelando aos princípios da igualdade e da neutralidade fiscal, conclui que admitir a aplicação da isenção em sede de IVA à biorressonância praticada por um licenciado em outro ramo de medicina (que não medicina dentária) sem que a mesma atividade estivesse isenta quando praticada por um médico dentista, seria claramente ilegal, assumindo que ambos têm a mesma especialização para o exercício daquela atividade.          

 

                 No dia 11 de Outubro de 2016, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.

                 A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

                 Assim, nos termos e para os efeitos do disposto do nº 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foi designado árbitro do Tribunal Arbitral Singular a signatária, que comunicou, ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4.º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

                 Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 26 de Dezembro de 2016, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

                 A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

                 Para tanto, invoca, sem prejuízo da habilitação profissional do Sr. Dr. B… como médico dentista, não foi junta nenhuma prova ao processo tendente a comprovar que exerça tal especialidade, e nome individual ou em nome da sociedade. Por outro lado, não existe prova de que a Requerente utilize a biorressonância em exclusividade no âmbito de tratamentos médico-dentários por si prestados.

                 Contrariamente ao alegado pela Requerente as declarações do fabricante da máquina de biorressonância utilizada pelo sujeito passivo e as certificações juntas aos autos não permitem afirmar que o Dr. B… possua o módulo dentário da máquina, não se referindo na certificação da formação obtida qualquer especialização dentária. Acresce que estando em causa autoliquidações de IVA contra as quais apresentou a respetiva reclamação, o ónus da prova encontra-se a si acometido, nos termos do artigo 74.º do n.º 1 da LGT.

                 Por conseguinte, a AT considera que não basta afirmar que os serviços de biorressonância e de acupunctura são prestados no âmbito de tratamentos médicos dentários, impõe-se o cumprimento do ónus da prova dos factos alegados, maxime que as prestações de serviço subjacentes ao apuramento da base tributável autodeclarada nos períodos de IVA em questão, respeitem ao exercício da atividade médica dentária, única atividade para a qual o Dr. B… tem habilitação académica.        

                 A Requerida baseia o seu entendimento no disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 132.º da DIVA, onde se prevê que a concessão da isenção “às profissões médicas e paramédicas” é determinada nas condições “definidas pelo Estado-Membro em causa”. Por conseguinte, transferiu-se para a legislação interna de cada Estado-Membro a incumbência de delinear as noções profissionais por ela invocadas e, por inerência, as regras exigidas para o exercício da profissão.

                 Nesta senda, invoca o disposto no DL n.º 279/2009 de 6 de Outubro, bem como o DL n.º 127/2014 de 22 de Agosto e a Portaria n.º 167-A/2014 de 21 de Agosto, legislação que obriga os prestadores de serviços médicos dentários a estarem devidamente habilitados e legalmente reconhecidos pelas entidades competentes, aptos à prática clínica, não existindo evidência, no caso em apreço, de qualquer reconhecimento ou licenciamento da Requerente para o funcionamento como unidade de saúde privada, por exemplo, a licença concedida pela entidade reguladora da saúde, apólice de seguro, o regulamento interno, o registo nominativo dos cuidados efectuados, entre outros.

                 Adicionalmente, se por hipótese académica, fosse de admitir o enquadramento da referida atividade nas profissões paramédicas ou nas terapêuticas  não convencionais, (doravante TNC) considera a AT que a Requerente, na pessoa do seu sócio e único prestador de serviços, não faz prova de que exerce nenhuma das profissões, seja de médico-dentista, seja de paramédico ou profissional de uma TNC, pois também a este respeito a Requerente não apresentou nos autos prova de possuir habilitação académica e a certificação exigida para o efeito.

                 Por fim, a AT salienta que as orientações emitidas pela jurisprudência do TJUE nos acórdãos C-443/04 e C-444/04 invocados pela Requerente, reforçam a interpretação feita em sede de procedimento inspetivo, porquanto, as prestações de serviços realizadas pela Requerente, na medida em que se tratam de serviços médicos de carácter generalista, e não da atividade médica dentária para a qual o prestador se encontra qualificado, estão fora das habilitações próprias exigidas por lei, não podendo beneficiar da presunção de qualidade, presente na jurisprudência do TJUE, nem da aplicação da isenção de IVA prevista para os atos médicos e paramédicos.

                 A Requerida conclui pela manutenção da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

                 No dia 10 de Fevereiro de 2017 a Requerente junta um requerimento aos autos dando conta da promulgação e publicação da Lei n.º 1/2017 de 16 de Janeiro, na qual se reconhece a isenção, em sede de IVA, a profissionais que se dediquem ao exercício das TNC, defendendo que a biorressonância seria uma terapêutica enquadrável nas TNC, concluindo, uma vez mais, pela procedência do pedido de pronúncia arbitral.

                 Em 22 de Fevereiro de 2017 a Requerida no exercício do respetivo contraditório, invoca que é defendido neste último articulado uma posição contrária à pugnada no pedido de pronúncia arbitral, recordando que no primeiro se alegou que o Sr. Dr. B… é médico-dentista, exercendo uma atividade médica na qual recorre para o diagnóstico e tratamento de disfunções à biorressonância, serviços que são prestados no âmbito de tratamentos médico-dentários aos seus utentes. Por conseguinte, tendo a Requerente afastado a aplicação dos regimes previsto nas TNC, não faz sentido pretender aplicar ao caso o disposto na Lei n.º 1/2017 ao exercício de uma atividade que afirma ter natureza médica e a atos conexos com o exercício da profissão de médico-dentista.

                 Finalmente, defende que a biorressonância se encontra excluída do âmbito de aplicação da Lei n.º 1/2017 por não ser uma das TNC reconhecidas, encontrando-se fora do âmbito de aplicação material do referido diploma legal.

                

                 No dia 22 de Março de 2017 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, na qual teve lugar, além do mais, a inquirição da testemunha arrolada pela Requerente, o Senhor C… e a inquirição da testemunha arrolada pela Requerida Senhor D… (cf. Ata da Reunião do Tribunal Arbitral Singular).

                 Por requerimento apresentado na Reunião do artigo 18.º do RJAT, no dia 22 de Março de 2017, a Requerente pediu a junção aos autos de 6 documentos para prova dos factos alegados no pedido de pronúncia arbitral, tendo o Tribunal concedido à Requerida, um prazo de vistas de 10 dias. 

                 Em 29 de Março de 2017 a Requerida, exercendo o contraditório em relação aos documentos juntos, pede o desentranhamento dos mesmos, face à ausência de motivos de superveniência ou à invocação dos motivos inerentes à impossibilidade de apresentação daquela prova juntamente com o pedido de pronúncia arbitral ou em qualquer momento anterior  à  Reunião do artigo 18.º do RJAT.

                 Mediante despacho de 31 de Março de 2017, o Tribunal ordenou o desentranhamento dos documentos juntos aos autos por falta de verificação dos pressupostos de superveniência objetiva e subjetiva, previstos no artigo 423.º n.º 1 do C.P.C. e no artigo 10.º n.º 2 alíneas c) e d) do RJAT. 

                  

                 Foram apresentadas alegações escritas pela Requerente, seguidas das alegações da Requerida.

                 Nas alegações apresentadas, as partes reiteraram no essencial as posições defendidas nos respetivos articulados, nos termos seguidamente sintetizados.

 

A)    Alegações da Requerente

 

Como ponto prévio contesta o desentranhamento dos seis documentos juntos na reunião arbitral, defendendo a aplicação ao processo arbitral do artigo 125.º do CPA, nos termos do qual seria admissível a junção de documentos aos autos até à prolação da decisão arbitral caso os mesmos se mostrem convenientes como se verifica no caso em apreço, requerendo que o Tribunal considere valorar aquando da decisão em causa os documentos juntos aos autos.

Seguidamente a Requerente sublinha os factos que considera provados, especificando os esclarecimentos prestados pela prova testemunhal apresentada pelas partes.

Considera que à data em que foi elaborado o RIT, muito embora já tivesse entrado em vigor a Lei n.º 71/2013, de 2 de Setembro, era entendimento da AT que, inexistindo, para efeitos de isenção de IVA, equiparação entre as TNC e as profissões paramédicas, os serviços prestados no âmbito das primeiras eram sujeitos e não isentos de IVA, por não estarem abrangidos pela isenção prevista no n.º 1, do artigo 9.º, do Código do IVA. Ora, partindo desta premissa, a AT incorreu em diversos erros de raciocínio e fundamentação quanto à posição assumida no presente caso: por um lado, a AT não sentiu necessidade de explorar o facto de a Requerente exercer a sua atividade também no âmbito das TNC, restringindo a sua análise à alegada exclusão dos serviços prestados do âmbito da profissão de médico; por outro lado, não aprofundou a descoberta da verdade material no que se refere às TNC, por ter entendido que a biorressonância em si mesma era uma TNC que não estaria incluída no conjunto elencado nem no artigo 3.º, n.º 2, da Lei n.º 45/2003, de 22 de Agosto, nem no artigo 2.º, da Lei n.º 71/20013, de 2 de Setembro.

Contudo, segundo a Requerente não resultam expostos nem no RIT, nem na decisão de reclamação graciosa, os critérios objectivos, que não resultem do senso comum, com base nos quais terá a AT concluído que a biorressonância é, em si mesma, uma TNC, devendo tal ideia ser afastada pelo depoimento da testemunha Dr. C…, que esclareceu que a biorressonância é um aparelho utilizado para o diagnóstico e tratamento de doenças.

A Requerente refere ainda que a AT não produziu prova de que não exerce, através da utilização da biorressonância, medicina dentária, tendo-se baseado em critérios de senso comum, impróprios para suportar a exclusão dos serviços prestados pela Requerente da medicina e da paramedicina para efeitos do n.º 1, do artigo 9.º do Código do IVA.

Por conseguinte, entende que a AT não cumpriu o dever de fundamentação que sobre si recaía, pois não explicita em que medida a biorressonância não é utilizada pela Requerente para o exercício da medicina dentária, nem cumpriu o ónus da prova que sobre si recaia - não obstante tratar-se de uma autoliquidação - que através da biorressonância não são praticados atos no âmbito da profissão de médico.

Conclui, reafirmando que, para efeitos de IVA, os serviços prestados beneficiarão, em qualquer dos casos, de isenção de IVA: ora à luz do n.º 1, do artigo 9.º, do Código do IVA, enquanto serviços prestados no exercício da profissão de médico, ora ao abrigo do artigo 8.º-A da Lei n.º 71/2013, de 2 de Setembro, aditado pela Lei n.º 1/2017, enquanto serviços prestados no âmbito de TNC. Deste modo, devem as autoliquidações de IVA referentes aos períodos de tributação de 2013/06T, 2013/09T, 2013/12T, 2014/06T e 2014/09T, bem como as respectivas liquidações de juros e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa ser anuladas, com as demais consequências legais.

A 26 de Abril de 2017 a Requerida apresentou as suas contra-alegações.

 

 

B)    Contra-Alegações 

A Requerida reitera tudo quanto sustentou nos articulados anteriores, e alerta para o facto da Requerente vir reformulando e inovando a sua fundamentação a cada articulado que apresenta. Com efeito, no pedido de pronúncia arbitral afirmou que “o Dr. B… é médico-dentista exercendo uma atividade médica na qual recorre –nomeadamente no que se refere ao diagnóstico e tratamento de problemas e disfunções à biorressonância”, constando tal terapêutica da tabela de preços da clínica. Posteriormente, no segundo articulado apresentado e em sede de alegações, a causa de pedir para a pretendida anulação das autoliquidações diverge e a atividade exercida estaria isenta pois a biorressonância é apresentada como meio complementar através do qual são exercidas a homeopatia ou a acupunctura, no uso de competências que foram atestadas unicamente pela testemunha da Requerente.

Assim, no entender da Requerida, não foi feita prova da formação ou habilitação académica para a utilização da máquina Mora em tratamentos de qualquer espécie, não tendo o Dr. B… comprovado habilitações para a prática de atos médicos que não sejam os de estomatologia.

Porém, segundo a prova reunida, entende a Requerida que o Dr. B… não exerce a sua atividade no âmbito das respetivas habilitações de médico-dentista,  pois vários indícios apontam nesse sentido, designadamente não foi comprovado que o Dr. B… possuísse um dos módulos complementares da máquina Mora referido como módulo dentário, foi afirmado pela Requerente que na clínica não se pratica “medicina dentária tradicional”, não foi apresentada uma única fatura que identificasse os serviços concretamente prestados (salvo as que foram mencionadas na inquirição de testemunhas que continham a menção genérica de “serviços prestados”) e, a ausência na clínica de quaisquer equipamentos ou materiais usados pelos estomatologistas.

Ora, a este respeito, conclui a Requerida que não é por a Requerente ter formação académica em medicina dentária que todo e qualquer ato que pratique passe a ser qualificado automaticamente como ato médico.

Quanto à possibilidade de tais atos serem passíveis de enquadramento nas profissões paramédicas ou nas TNC, a Requerente não faz prova de que exerce nenhuma das profissões descritas, seja de paramédico ou de terapeuta não convencional, não tendo apresentado provas de possuir habilitações académicas para o efeito, nem a certificação bastante para o respectivo exercício, como seja a cédula profissional emitida pela Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. (ACSS).

Quanto ao vício da falta de fundamentação invocado, pela primeira vez,  em sede de alegações, a Requerida convoca o princípio da estabilidade da instância, suportando-se na jurisprudência proferida pelo STA, nos termos da qual incumbe ao impugnante, (salvo casos excepcionais de conhecimento oficioso ou de conhecimento superveniente),  o ónus de expor na petição de impugnação todos os factos e razões de direito que fundamentam o seu pedido, sob pena de impossibilidade de conhecimento de novas questões. 

Termina defendendo-se, à cautela, que fundamentou clara e coerentemente a sua posição quer em sede de procedimento inspectivo, quer em sede de reclamação graciosa, tendo esta sido notoriamente percepcionada pela Requerente, pedindo, por conseguinte, a improcedência total do pedido de pronúncia arbitral.  

 

 

II. SANEAMENTO DO PROCESSO

                

       O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º n.º 1, alínea a), 5.º e 6º, n.º 1, do RJAT.

       As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).

      

       O processo não enferma de nulidades.

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

 

1. Factos dados como provados

 

          Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos no âmbito do processo administrativo, o pedido de pronúncia arbitral, na prova testemunhal e na resposta apresentada pela AT, nos termos seguidamente indicados.

 

1)      A Requerente iniciou a sua atividade em 12.01.2001, tendo como objeto social a prestação de serviços de clínica geral, medicina dentária, reabilitação física, acupunctura, homeopatia, massagem, shiatsu e ayurverdica e comércio de produtos diatéticos e de cosméticos;

2)      Para efeitos de IVA a Requerente é um sujeito passivo enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral;

3)      A Requerente encontra-se coletada para o exercício de três atividades, a saber:

a.       Atividade de prática médica clínica-geral ambulatório (CAE 86210) – atividade principal;

b.      Atividade de medicina dentária e odontológica (CAE 86230) – atividade secundária;

c.       Comércio a retalho de produtos cosméticos e higiene, em estabelecimentos especializados (CAE 47750) – atividade secundária;

4)      No exercício da sua atividade, a Requerente conta com o seu sócio – Dr. B…– como o único prestador de serviços da clínica que realiza consultas aplicando a biorressonância;

5)      A certificação exibida pelo Dr. B… para a prática da biorressonância foi concedida pela empresa E…, a qual por seu turno comercializa a máquina de biorressonância da marca …;

6)      Do documento de certificação da máquina de biorressonância consta o seguinte: “E… confirma que a máquina Mora e os seus acessórios são vendidos exclusivamente a médicos ou profissionais de saúde naturistas devidamente certificados, nos termos da Lei Alemã. Adicionalmente o módulo dental da máquina só pode ser disponibilizado a médicos dentistas ou a cirurgiões dentistas.”;

7)      As faturas emitidas pela Requerente continham no seu descritivo a menção genérica de “serviços prestados”, factor que levou os serviços de inspeção tributária a procurar saber que tipo de serviços eram prestados na clínica; cfr. depoimento da testemunha Dr. D…;

8)      O Dr. B… é médico-dentista, encontrando-se inscrito na Ordem dos Médicos Dentistas;

9)      A biorresonância é uma máquina que pode ser utilizada como meio de diagnóstico, e que também funciona para o tratamento de doenças “da mesma forma que é um aparelho complementar uma ecografia, um raio-x (…), um ecocardiograma, através da qual são identificadas patologias e ministrado tratamento por via de ondas electromagnéticas”. Cfr depoimento da testemunha Dr. C…;

10)  A biorressonância tem um sistema informático “através do qual toda a estrutura orgânica normal está registada, por exemplo no olho temos a córnea registada através da informação eletromagnética. É uma técnica de diagnóstico de terapia multifacetada, porque posso tratar o que é tratado com os medicamentos, através do registo na Mora”, cfr. depoimento da testemunha Dr. C…;

11)  A título de exemplo “eu pego em furosemida que é um potente diurético, vou à máquina Mora registo a informação do medicamento e o doente começa a urinar. cfr. depoimento da testemunha Dr. C…;

12)   Relativamente à formação do Dr. B… refere-se que este é um “médico estomatoligista mas que não ficou por aí, sabe muita medicina, ao nível da bioquímica e da biofísica”. A testemunha explicou ainda que, “os dentes estão relacionados com diferentes órgãos e a patologia dentária aparece porque há distúrbios orgânicos que condicionam a patologia dentária, aliás a lesão num dente ou noutro está relacionada com patologia orgânica”, cfr. depoimento da testemunha Dr.C…;

13)  O Dr. B… realizou formação específica em medicina chinesa, tendo realizado um curso de especialização em medicina tradicional chinesa “não conferente de grau”, concluído a 10-02-2017;

14)  No exercício da sua atividade “o Dr. B… exerce medicina convencional e medicina integrativa (...) o Dr. B… serve bem o doente, sem efeitos colaterais (...) tratando o doente de forma global.cfr. depoimento da testemunha Dr. C…;

15)   No que respeita aos serviços concretamente prestados na clínica do Dr. B… foram apresentados os seguintes exemplos:

a)      “Um colega meu (...) que infelizmente já faleceu com neoplasia do cólon, 7 metástases pulmonares, já tinha tirado 2 por tarocomia, levei-o ao Dr. B…, foi feito o diagnóstico do vírus como causador do cancro, porque a biorressoância vai à causa (...) o tratamento foi feito e dois meses depois não tinha nenhuma metástase.” cfr. depoimento da testemunha Dr. C…;

b)      “O citamegalovírus (nome entendível de um vírus) (...) em doentes transplantados é um problema porque dá pneumonias gravíssimas. Aplicávamos o glancitrovir (nome entendível de um medicamento) que consistia numa terapia caríssima com efeitos colaterais bem marcados, o Dr. B… pediu-me se eu lhe dava um frasquinho vazio desse medicamento, registou a informação na biorressonância e começou ele a tratar doentes com citamegalovírus através dessa informação”.  cfr. depoimento da testemunha Dr. C…;

c)      “Senti formigueiros e alterações na sensibilidade dos pés, não me sentia bem dos intestinos, (...) comecei a andar com dificuldade, perguntei a outros colegas e ninguém chegava a um diagnóstico da situação (...) estava com uma intoxicação, fui ao Dr. B… fez o diagnóstico e comecei a terapêutica. (...) detectou também problemas na válvula direita, na tricúspide e na raiz da artéria pulmonar cfr. depoimento da testemunha Dr. C…;         

16)  No que respeita à realização de tratamentos dentários pelo do Dr. B… foi referido o seguinte: “ tratei os meus dentes porque tinha amálgamas diferentes e por alerta do Dr. B… estavam a ser nefastas. Não foi o Dr. B… que fez o tratamento das amálgamas foi o meu médico dentista”. cfr. depoimento da testemunha Dr. C…;

17)  Em sede de procedimento inspetivo apurou-se através da analise à contabilidade da Requerente, que o Dr. B… emitia facturas isentas de IVA nos termos do artigo 9.º n.º 1 do Código do IVA;

18)  Em sede de procedimento inspetivo, apurou-se que as facturas registadas na contabilidade apresentavam como descritivo “prestações de serviços” sem indicação de nenhum serviço em concreto. cfr. depoimento da testemunha Dr. D…;

19)  Igualmente, em sede de procedimento inspetivo, apurou-se através da analise à contabilidade da Requerente a inexistência de registos de compras de material típico de quem exerce a atividade de ortodontia, ou medicina dentária, designadamente, não foram encontrados registos de compras de amálgamas, de compósitos, de brocas ou de implantes. cfr. depoimento da testemunha Dr. D…;

20)  Em função das dúvidas suscitadas no âmbito da análise à contabilidade da Requerente, quanto à natureza dos serviços concretamente prestados, os SIT deslocaram-se à clínica do Dr. B…. cfr. depoimento da testemunha Dr. D…;

21)  Na clínica não foram encontradas cadeiras de dentista ou quaisquer equipamentos típicos relacionados com o exercício da medicina dentária; cfr. depoimento da testemunha Dr. D…;

22)  Foi igualmente apurado que a clínica estava dividida em vários gabinetes equipados com a máquina Mora,  existindo também “uma cápsula em que as pessoas se colocam dentro para tratar problemas relacionados com colesterol e hipertensão, também um microscópio que fazia análise de sangue, prateleiras com medicamentos e ampolas e um equipamento em espiral que o Dr. disse que era utilizado para tratar pessoas com cancro, portanto de medicina dentária não vimos nada;” cfr. depoimento da testemunha Dr. D…;

23)  Na sequência do procedimento de inspeção, os SIT contactaram o Dr. C…, responsável por uma clínica de diálise, a quem o Dr. B… prestava recorrentemente serviços, tendo em vista entender a possível ligação com a formação do Dr. B… como médico dentista; cfr. depoimento da testemunha Dr. D…;

24)  Foi referido pelo Dr. C… aos SIT que o Dr. B… fazia acompanhamento médico dos doentes do foro urinário que se encontravam a realizar tratamentos renais; cfr. depoimento da testemunha Dr. D…;

25)  No âmbito da ação inspectiva, os SIT contactaram a Ordem dos Médicos, tendo averiguado que o Dr. B… não estava inscrito nesta ordem; cfr. depoimento da testemunha Dr. D…;

26)   A ação de inspeção realizada à Requerente foi iniciada com a Ordem de Serviço n.º OI2013…, de âmbito parcial e referente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) de 2010, 2011 e 2012, bem como IVA de 2014/06T;   

27)  Paralelamente, foi iniciada com a Ordem de Serviço n.º OI2014…, uma outra inspeção, de âmbito geral, referente a IRC e IVA de 2013;

28)  No decurso das referidas inspeções, foi elaborado o relatório final, constante do processo administrativo, o qual se dá por integralmente reproduzido, concluindo-se, designadamente o seguinte: “O sujeito passivo exerce a atividade de medicina não convencional na área da biorressonância. Embora tenha formação na área da medicina dentária, o Dr. B… exerce apenas a atividade médica naquela área não convencional. Note-se que o Dr. B… está inscrito na ordem dos Médicos e Dentistas, mas de facto não exerce tal especialidade em nome individual nem em nome da sociedade. Apesar também ter como CAE secundário o comércio de produtos naturais, não exerce tal atividade. Na verdade o sujeito passivo não exerce qualquer atividade de entre aquelas que considera secundárias.”

29)  No decurso da ação inspectiva a Requerente procedeu à regularização voluntária das infracções apuradas, através da entrega das declarações de substituição, que deram origem aos atos de autoliquidação do IVA relativos aos períodos 1306T, 1309T, 1312T, 1406T e 1409T, acrescendo as respetivas liquidações de juros de mora e juros compensatórios;  

30)   Em 30 de outubro de 2014, através do Ofício n.º…, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção apresentado, o qual se dá por integralmente reproduzido, constando, designadamente, o seguinte:

Como se referiu o sujeito passivo presta serviços na área da medicina não convencional, desenvolvendo a sua atividade na área da bio-ressonância.

Na medida em tal atividade não se insere na medicina convencional, não tem enquadramento na isenção a que se refere a alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA. É este o âmbito de aplicação que resulta da norma, o qual tem sido firmado pela diversa doutrina emanada pela Direção de Serviços do IVA.

Note-se que nos termos previstos na alínea c) do n.º 1, ponto A do artigo 13.º da Sexta Diretiva, previa-se a isenção do imposto para as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício das atividades médicas e paramédicas, tal como são definidas pelo Estado-Membro em causa. No que respeita ao enquadramento ou não da atividade dita paramédica no âmbito da referida isenção, revela o Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de Julho, diploma que regula o exercício das atividades profissionais de saúde, designadas por atividades paramédicas, constantes da lista anexa ao referido diploma.

A atividade da bio-ressonância não se encontra ali prevista.

Em função do descrito, não poderia o sujeito passivo sustentar a não liquidação dos serviços prestados na alínea 1) do artigo 9.º do Código do IVA por dela não aproveitar por falta de enquadramento.

Contudo, não tendo outro fundamento, não liquidou IVA nas prestações de serviços de bio-ressonância.

Assim, por falta de outro enquadramento legal para o efeito, os serviços prestados estão sujeitos a IVA não lhes sendo aplicável qualquer isenção.”                     

31)   Discordando do teor do RIT, a 16 de Janeiro de 2016 a Requerente apresentou reclamação graciosa dos atos de autoliquidação de IVA efetuados no decurso do procedimento inspetivo, e ainda referente à autoliquidação do período 1409T;

32)   A 6 de Maio de 2016, por Ofício n.º … emitido pela Direção de Finanças de…, Divisão de Justiça Tributária – Contencioso, a Requerente foi notificada do projeto de indeferimento da referida reclamação e para exercer o Direito de Audição;

33)  A Requerente exerceu o direito de audição em 24 de Maio de 2016;

34)  Através do Ofício n.º…, datado de 11 de Julho de 2016 emitido pela Direção de Finanças de…, Divisão de Justiça Tributária – Contencioso, a Requerente foi notificada da decisão definitiva de indeferimento da Reclamação Graciosa;

35)  A Requerente encerrou atividade com efeitos a partir de 31 de Agosto de 2016, com fundamento no artigo 34.º n.º 1 al. b) do Código do IVA;

36)  Em 11 de Outubro de 2016, a Requerente deduziu o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo (cfr. requerimento electrónico ao CAAD).

2.    Factos não provados

 

1)      Relativamente aos serviços prestados na clínica Requerente, não foi carreado para os autos qualquer evidência que o seu sócio e único prestador de serviços Dr. B…, exerça a atividade de médico-dentista prestando serviços e desenvolvendo terapêuticas na área da medicina dentária;

2)      Relativamente à utilização da biorressonância não foi carreado para os autos qualquer evidência que esta técnica tenha sido aplicada em terapêuticas na área da medicina dentária;

3)      Relativamente aos tratamentos realizados pelo Dr. B… no domínio das diversas patologias descritas nos autos pelas duas testemunhas inquiridas, designadamente através da utilização da biorressonância, bem como de outras terapêuticas genericamente identificadas como terapêuticas não convencionais, não foram carreados para os autos quaisquer evidências da existência de habilitações académicas para praticar atos médicos para além dos que respeitem ao exercício da medicina dentária;

4)      Relativamente ao cumprimento dos requisitos exigidos para o funcionamento como unidade privada de saúde, não foram carreados para os autos quaisquer evidências de que a Clínica Dr. A… cumpre os requisitos técnicos de funcionamento aplicáveis nos domínios da medicina e da medicina dentária.

 

3.    Motivação

           

       Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

       Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

       Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7 do CPPT, a prova documental e testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

4.    MATÉRIA DE DIREITO

 

       A) Do Reenvio Prejudicial para o TJUE

 

            A Requerente, no seu pedido de pronúncia arbitral, solicita que seja ordenado o reenvio do processo ao TJUE, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), caso se entenda que a desconformidade das liquidações de IVA em causa com o Direito da União Europeia não é suficientemente clara ou pacífica na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

 

            Como se refere no Ponto 7 das recomendações aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01), do TJUE[3]:

o papel do Tribunal no âmbito de um processo prejudicial consiste em interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não em aplicar este direito à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”.

            Mais se recorda, no Ponto 12 daquelas mesmas recomendações que o reenvio prejudicial para o referido Tribunal, não se deverá dar quando:

i)                    já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou

ii)                  quando o modo correto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco.

       Consequentemente, continua-se no Ponto 13, “um órgão jurisdicional nacional pode, designadamente quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece”.

       Por fim, conforme consta do Ponto 18 das mesmas recomendações, “O órgão jurisdicional nacional pode apresentar ao Tribunal um pedido de decisão prejudicial, a partir do momento em que considere que uma decisão sobre a interpretação ou a validade é necessária para proferir a sua decisão.”.

            No caso, não se considera que uma decisão sobre a interpretação das normas comunitárias seja necessária para proferir decisão, nem a Requerente o demonstra, baseando em grande parte, a sua própria argumentação na interpretação que faz da jurisprudência abundante proferida pelo TJUE sobre a matéria que se discute nos autos.

            Por conseguinte, e como se demonstrará infra, entende-se que a Jurisprudência disponível do TJUE esclarece suficientemente, em termos de se poder decidir da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que se conhece.

            Deste modo, e pelo exposto, indefere-se o pedido de reenvio prejudicial.

 

       B) Da falta de fundamentação

 

       Vem a Requerente considerar, pela primeira vez, em sede de alegações finais que a AT não cumpriu o dever de fundamentação da sua decisão, relativamente à inaplicabilidade da isenção do artigo 9.º n.º1 do Código do IVA aos serviços prestados pelo Dr. B… .

       Assim, argui, por um lado, que a AT não explicou como terá concluído que a biorressonância  é em si uma terapêutica não convencional, conclusão que em seu entender resulta afastada pela inquirição de testemunhas, e por outro lado, não logrou provar que o Dr. B… não exerce medicina dentária nem, consequentemente, fundamentou porque motivos considera que o Dr. B… não exerce medicina dentária quando recorre à biorressonância. Atendendo ao vício de falta de fundamentação derivado do incumprimento do ónus da prova que sobre si recaia, a Requerente pede a anulação dos atos de autoliquidação de IVA referentes aos períodos de tributação 2013/06T, 2013/09T, 2013/12T, 2014/06T e 2014/09T, bem como as respectivas liquidações de juros.

       De acordo com Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa “No que concerne à fundamentação, a Constituição da República Portuguesa garante aos administrados o direito a fundamentação expressa e acessível de todos os atos administrativos (conceito em que se inserem os atos tributários face ao preceituado no artigo 120.º[4] do CPA) que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 268.º n.º 3 da CRP). No n.º4 do mesmo artigo 268.º garante-se aos interessados a impugnação contenciosa, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos[5], o que significa que em matéria tributária haja a consagração do dever de fundamentação dos atos decisórios de procedimentos tributários e dos atos tributários plasmado no artigo 77.º da LGT. A exigência constitucional e legal de fundamentação visa permitir aos interessados saber quais os fundamentos de facto e de Direito que estão na base da conduta da entidade administrativa com vista a aceitar a legalidade do ato praticado pela entidade administrativa ou impugnar o mesmo. Como referem os Autores acima citados “ (…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.”[6]

 

       No RIT estão claramente identificadas as razões de facto que motivaram as correções propostas relativamente aos períodos de imposto supra referidos.

Caso a Requerente não tivesse tido essa percepção e convicção aquando da receção do RIT, tinha ao seu alcance a possibilidade de lançar mão do procedimento previsto no artigo 37.º do CPPT, para sanar o vício de forma, relativo à falta ou insuficiência de fundamentação do RIT que alega, mas não o fez, de acordo com a prova produzida e carreada para os autos.

       Adicionalmente, a Requerente apresentou uma reclamação graciosa, seguida do seu pedido de pronúncia arbitral, bem como como vários requerimentos, peças estas onde discutiu os argumentos apresentados pela Requerida em sede de RIT, sem nunca invocar que a fundamentação ali vertida era insuficiente, apenas manifestado a sua divergência quanto ao enquadramento fiscal proposto no RIT para os serviços prestados pelo Dr. B…, como sujeitos a IVA e dele não isentos.

       Ora, do relatório de inspeção constam todos os elementos de facto e de direito, as correções propostas, as normas aplicáveis, a interpretação administrativa emanada pela Direção de Serviços do IVA sobre a matéria em discussão, no fundo todo o percurso realizado pela AT para justificar as correções propostas, esclarecendo-se sobejamente o que levou a decidir num determinado sentido e não em qualquer outro.

       Por conseguinte, não se pode deixar de estranhar que até ao momento das alegações finais – articulado que se destina a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que já integram o processo – a  Requerente não tenha sentido necessidade de invocar o vício de falta ou insuficiência de fundamentação, não manifestado qualquer dificuldade em compreender o itinerário cognoscitivo percorrido, pela AT, tendo inclusivamente formulado vários juízos críticos sobre os atos em causa.   

       Pelas razões acima descritas, improcede a arguição por parte da Requerente de falta ou insuficiência de fundamentação dos atos de autoliquidação de IVA relativos aos períodos de tributação 2013/06T, 2013/09T, 2013/12T, 2014/06T e 2014/09T.

 

       C) Do mérito da causa

 

       De acordo com o entendimento da AT, as correções em questão na presente ação arbitral, fundam-se no entendimento de que o sócio único e médico dentista ao serviço da Requerente, o senhor Dr. B…, não possui habilitações académicas para a prática de atos médicos que não os de estomatologia, sendo que, de acordo com o averiguado pelos SIT no decurso dos procedimento inspetivo, não foram encontradas evidências de que no referido estabelecimento de saúde sejam praticados atos de medicina dentária.

       Assim, segundo a AT, muito embora seja médico dentista, o Dr. B… exerce uma atividade médica de âmbito geral, utilizando um aparelho de biorresonância, circunstância que impede a aplicação da isenção prevista no artigo 9.º n.º 1 do Código do IVA.

       Adicionalmente, defende a AT, que não foram carreados para autos provas de que o Dr. B… exerce a atividade de paramédico ou de profissional de uma TNC regulada por Lei, não tendo, para este efeito, sido exibidas habilitações profissionais, ou a titularidade de cédula profissional emitida pela ACSS, para o exercício das referidas terapêuticas. Assim, não se cumprindo as condições para o exercício das TNC, previstas na Lei n.º 45/2004, de 22 de Agosto, regulada pela Lei n.º 71/2013, de 2 de Setembro, encontram-se sujeitas a IVA e dele não isentas as operações praticadas pela Requerente.

 

       Cumpre aferir, assim, da bondade de tais fundamentos. Vejamos a questão começando pelas disposições legais aplicáveis.

 

       Em causa, nos autos, está, então, a isenção prevista no artigo 9.º n.º 1) do Código do IVA, que prescreve o seguinte:

 

Estão isentas do imposto: 1) As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas;

 

       Ora, artigo 9.º do Código do IVA, enumera determinadas operações, as quais, por serem consideradas de interesse geral ou social e com fins de relevante importância, ficam abrangidas pela isenção prevista neste artigo, pretendendo-se assim desonerar, quer administrativamente, quer financeiramente, as atividades nele identificadas.

       Importa referir que a isenção prevista no artigo 9.º n.º 1 do Código do IVA resulta da transposição do disposto no artigo 132.º n.º 1 alínea c) da Diretiva IVA, ) correspondente à anterior alínea c) do n.º 1 da parte A do artigo 13.º da Diretiva 77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977 ("Sexta Diretiva"), nos termos do qual se determina a isenção de imposto sobre “as prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa”. 

 

       Assim, a questão a decidir passa por aferir se atividade prosseguida pela Requerente, desempenhada somente pelo Dr. B…, é passível de enquadramento na referida isenção, tendo em consideração as regras que regem este imposto de acordo com o Direito da União Europeia, com a respetiva transposição a nível interno e com a interpretação administrativa e judicial que sobre as mesmas tem vindo a ser levada a cabo, especialmente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

 

       A substância das operações em apreço, relevantes para efeitos tributários, e que resulta demonstrada e confessada pela Requerente, é que esta, através do seu sócio único, Dr. B…, realiza diagnósticos e aplica tratamentos aos seus pacientes, utilizando um aparelho de biorressonância.

       O Dr. B… é um médico dentista, formado em medicina dentária, que se encontra inscrito na Ordem dos Médicos Dentistas, não tendo demonstrado nos autos possuir formação académica em clínica geral ou em quaisquer outras especialidades médicas, na data a que respeitam os atos tributários em questão. Acresce que, muito embora as atividades prosseguidas pelas Requerente fossem a prática médica de clínica geral, ambulatório, (atividade principal), a medicina dentária e odontológica (atividade secundária) e o comércio a retalho de produtos cosméticos e higiene (atividade secundária), não se provou que a Requerente tivesse ao serviço outros profissionais se saúde. 

       De acordo com as palavras da Requerente os serviços prestados não se consubstanciam na realização de “tratamentos dentários clássicos”, como sejam a detecção e remoção de cáries, a aplicação de amálgamas, a extração de dentes, a realização de implantes, entre outros. É igualmente facto aceite pela Requerente, que nas respectivas instalações não é possível detectar a presença dos “clássicos equipamentos” que constituem o imobilizado de uma clínica onde se realizam tratamentos dentários, como sejam, uma cadeira de dentista, amálgamas, brocas, entre outros (ponto 21 do probatório).

       De resto, em sede de alegações finais, é a própria Requerente quem realça “a atividade profissional exercida pelo Dr. B… é de medicina integrativa”.

       Acresce que, onde possam surgir dúvidas quanto à natureza dos serviços prestados, a testemunha da Requerente, Dr. C…, cuidou de esclarecer decisivamente o Tribunal ao referir que o Dr. B… é um médico que trata os mais diversos distúrbios orgânicos, designadamente de natureza respiratória, pulmonar, intestinal, renal, urinária, cancerígena, (ponto 15 do probatório) afirmações estas corroboradas pela testemunha da Requerida, que no âmbito do procedimento inspetivo sentiu necessidade de se deslocar às instalações da Requerente, tendo encontrado a par de equipamentos de biorressonância, “uma cápsula em que as pessoas se colocam dentro para tratar problemas relacionados com colesterol e hipertensão, também um microscópio que fazia análise de sangue, prateleiras com medicamentos e ampolas e um equipamento em espiral que o Dr. disse que era utilizado para tratar pessoas com cancro, portanto de medicina dentária não vimos nada;”.

       Ora, da análise ao depoimento as duas testemunhas inquiridas é possível inferir que apesar do conjunto de conhecimentos deste médico dentista ter origem no estudo dos dentes e na relação destes com outras patologias em diferentes órgãos, o Dr. B… não trata os dentes dos seus pacientes, trata, outrossim, da saúde-geral do paciente, incidindo a sua atividade sobre um espectro bastante alargado de doenças, que vão do foro renal, respiratório, gástrico, hormonal até ao tratamento do cancro.

      

       A respeito da norma vertida na alínea c) do n.º 1 do artigo 132 da Diretiva IVA, o TJUE afirmou em vários arestos[7], que a mesma tem um carácter objectivo definindo as prestações isentas em função da natureza dos serviços prestados, sem mencionar a forma jurídica do prestador. Por este motivo para que a isenção opere deverão estar reunidos dois requisitos:

1)      Tratar-se de serviços médicos ou paramédicos;

2)      Realizados por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.

      

       Cabe igualmente referir que a alínea c) do n.º 1 do artigo 132 da Diretiva IVA determina que a concessão da isenção às profissões médicas e paramédicas é operada nas condições “definidas pelo Estado-Membro em causa”. Neste sentido, concede-se aos Estados-Membros autonomia para definir as condições de exercício destas profissões bem como as atividades consideradas no âmbito das mesmas, desde que não ponham em causa o princípio da neutralidade.[8]     

       O facto do comando comunitário remeter a definição do enquadramento destas profissões para as regras internas de cada Estado-Membro, pressupõe, como condição da isenção, que as prestações de serviços sejam asseguradas de acordo com a legislação interna do Estado-Membro em causa, deixando, assim, à margem da isenção as prestações de serviços exercidas ao arrepio das referidas regras.

       Com efeito, o poder de apreciação conferido aos Estados-Membro engloba não só o poder de definir as qualificações exigidas para exercer as referidas profissões, mas também o poder de definir as atividades específicas de serviços abrangidas por essas profissões.[9]

       Ora, de acordo com o Estatuto da Ordem dos Médicos[10], a medicina enquanto serviço público, só pode ser exercida mediante inscrição na Ordem dos Médicos, sendo esta uma condição legal necessária, sob pena de exercício ilícito da profissão. Nos autos resultou provado não existir ao serviço da Requerente qualquer médico inscrito na Ordem dos Médicos a prestar serviços que não os de medicina dentária, situação que viola diretamente o disposto naquele Estatuto, designadamente, o artigo 118.º.

       Por seu turno, nos termos do artigo 8.º do Estatuto da Ordem dos Médicos Dentistas[11], não se encontra autorizada a prestação de serviços de assistência médica que extravase o âmbito da medicina dentária definida como “O estudo, a prevenção, o diagnóstico, o tratamento das anomalias e doenças dos dentes, boca, maxilares e estruturas anexas.”.

       Ora, tendo ficado provada a realização pela Requerente de tratamentos tão diversificados como de natureza pneumológica, cancerígena, intestinal, renal, de colesterol, entre outros, e sendo estes levados a cabo por um médico dentista, tais prestações não se afiguram passiveis de qualificar como atos de medicina dentária, nos termos do referido artigo 8.º, configurando, antes de mais, o exercício não habilitado da medicina. 

       Quanto ao licenciamento da Requerente, não ficou provado que a sociedade se encontre licenciada como unidade privada de saúde, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 127/2014 de 22 de Agosto,[12] nem de que é titular de licenças emitidas pela Administração Regional de Saúde de Lisboa, e do registo do estabelecimento junto da Entidade Reguladora de Saúde, condições indispensáveis ao desenvolvimento da sua atividade em território nacional.

       À luz dos elementos carreados para os autos, bem como do regime legal aplicável à atividade alegadamente exercida pela Requerente, surpreende a afirmação de que a prova feita pela Requerida relativa ao não exercício da medicina dentária se baseie em raciocínios de senso comum, sendo considerados enquanto tal, segundo a Requerente,  a alegação pela AT da inexistência nas instalações de cadeira de dentista, de brocas, de equipamentos típicos de um consultório de medicina dentária, como amálgamas, material de ortodontia, material de implantes.

       Ao contrário do entendimento da Requerente, existem parâmetros mínimos legais que importa assegurar por parte das clínicas ou consultórios dentários, quer em matéria de instalações, quer em matéria de equipamentos de saúde, previstos na Portaria n.º 167-A/2014 de 21 de Agosto[13], que contrariam a tese da Requerente, segundo a qual uma clínica dentária não perderá a sua essência, ainda que, no limite, funcione independentemente da observância dos requisitos mínimos estipulados para a tipologia dos cuidados de saúde que se propõe prestar, desde que as prestações de serviços, quaisquer que sejam os serviços, se encontrem asseguradas por um médico.        

       Ainda em matéria de prova do exercício da medicina dentária pela Requerente, cabe referir que a declaração junta aos autos emitida pela empresa E…, - entidade que comercializa o equipamento de biorressonância, - não permite comprovar que aquela tenha efetivamente adquirido o módulo dentário, pois o que tal documento prova é apenas aquilo que nele se refere, de que “o módulo dentário da máquina só pode ser disponibilizado a médicos dentistas ou a cirurgiões dentistas.” (ponto 6 do probatório).

       Efetivamente, como bem lembra a Requerente, a circunstância de se tratar de uma autoliquidação não altera a presunção de veracidade de que gozam as declarações do contribuinte (artigo 75.º da LGT), nem a obrigação que cabe a AT da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, (artigo 74.º da LGT), pertencendo, por contrapartida, ao contribuinte apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos.

       Ou seja, e ao que nesta sede nos importa, recaia sobre a AT carrear para os autos os elementos adequados a suportarem a sua atuação corretiva, no sentido de demonstrar, de acordo com as diligência realizadas e os indício recolhidos, que a Requerente não exerce medicina dentária, prestando serviços de vária ordem que excedem as habilitações profissionais do seu único prestador, não estando, por isso, reunidas as condições de aplicação da isenção prevista no n.º1 do artigo 9.º do Código do IVA.

       Por seu turno, e baseando-se o nosso ordenamento jurídico no princípio do sistema declarativo, à Requerente competia demonstrar, apenas, que apesar de tais indícios, ainda assim, o declarado tem aderência à realidade.

       Sucede que a Requerente não o fez, antes confirmando, através dos elementos carreados para os autos, a legalidade das correções propostas no RIT.      

      

       Sobre a utilização da biorressonância nos tratamentos ministrados pela Requerente, cumpre referir que a AT não comprovou que a biorressonância se insere no âmbito de uma atividade da medicina não convencional, muito embora tenha demonstrado que as prestações em causa, ainda que realizadas com recurso à biorressonância, nada têm a ver com medicina dentária.  

       Por seu turno, de acordo com a testemunha da Requerente, Dr. C…, a biorressonância é um meio de diagnóstico e de tratamento dos pacientes, fundamental no exercício da atividade médica. Esclarece ademais a Requerente que, embora esta não se qualifique como uma TNC, na medida em que é possível prestar serviços de acupunctura e de homeopatia, o que a Requerente alegadamente também fazia, deve relevar para efeitos de aplicabilidade da isenção de IVA, com fundamento na Lei n.º 1/2017 de 16 de janeiro, que altera à Lei n.º 71/2013, de 2 de setembro, que regulamenta a Lei n.º 45/2003, de 22 de agosto, relativamente ao exercício profissional das atividades de TNC, aplicando-lhe o regime de isenção de IVA previsto no artigo 9.º n.º 1 do Código do IVA.

      

       Ora, na ausência de outros elementos de prova, para além das testemunhas inquiridas, em particular o Dr. C…, médico e paciente da clínica, que esclareceu a natureza dos serviços prestados, (note-se que as faturas emitidas pela Requerente apresentavam no descrito a menção manifestamente insuficiente de “prestações de serviços[14]) o que ficou provado, e confessado pela Requerente, é que a biorressonância, é uma máquina, constituindo um meio auxiliar utilizado para realizar um conjunto de prestações de serviços, no âmbito das diversas áreas da medicina em que a Requerente atua, e para as quais, não demonstrou, como lhe competia, possuir as devidas habilitações. 

       Por conseguinte, quanto ao tipo e ao conteúdo da atividade desenvolvida, o que se provou foi o exercício da medicina, sendo utilizada a biorressonância para o diagnóstico e tratamento de problemas relativos à saúde-geral dos pacientes.

       Assim, no quadro factual descrito, não é de aplicar à Requerente a doutrina administrativa emanada por via do Ofício-Circulado n.º 30189, de 02-05-2015[15], porquanto a Requerente afirmou, e encontra-se provado, que o Dr. B… é um médico dentista que exerce a sua atividade em vários domínios da medicina, sendo esta circunstância determinante para afastar a aplicação da Lei n.º 71/2013 de 2 de Setembro. 

      

       Prosseguindo-se na análise dos argumentos invocados, entende-se, como bem assinala a Requerente, que um médico não pode ser condicionado, por motivos de ordem fiscal, no princípio da livre escolha da terapêutica adequada para o diagnóstico e cura das patologias aplicadas aos utentes, no entanto, sublinhe-se, o Dr. B…, enquanto médico dentista, não demonstrou possuir qualificações para tratar problemas de clínica geral e até de outras especialidades médicas.

       Ora, aplicando com as devidas adaptações o raciocínio desenvolvido pelo TJUE no arresto C-555/2015 de 14 de Abril,  “os EstadosMembros estão, é certo, autorizados a não considerar como paramédica e, portanto, a excluir da isenção do IVA determinada profissão ou a reservála aos prestadores que disponham das qualificações profissionais enunciadas na regulamentação nacional pertinente e unicamente no que respeita às atividades específicas de serviços de assistência para as quais essas qualificações são exigidas (...).

32. Todavia, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a exigência de uma aplicação correta e simples das isenções não permite aos EstadosMembros prejudicarem os objetivos prosseguidos pela Diretiva IVA nem os princípios do direito da União, em especial o princípio da igualdade de tratamento, que se traduz, em matéria de IVA, no princípio da neutralidade fiscal(...).

 

       Ora, na medida em que a Requerente se dedica ao tratamento de patologias renais, respiratórias, hormonais, intestinais, cancerígenas, entre outras, que escapam ao âmbito da medicina dentária, tal como definida pelo Código dessa especialidade, haveria que comprovar as qualificações profissionais do prestador de serviços para efetuar tais operações, e o respeito pelas condições necessárias ao respectivo exercício, não se podendo afirmar que estas se encontram demonstradas no caso vertente.

       O TJUE desenvolve esta argumentação ao referir nos pontos 34 e 35 “A este propósito, no que respeita, em primeiro lugar, ao objetivo prosseguido pelo artigo 132.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva IVA, há que recordar que o requisito previsto por esta disposição, segundo o qual as prestações de serviços de assistência devem ser efetuadas no âmbito do exercício das profissões paramédicas tal como definidas pelo EstadoMembro em causa, visa garantir que a isenção se aplica apenas às prestações de serviços de assistência efetuadas por prestadores com as qualificações profissionais exigidas (...).

35. Daqui resulta que a exclusão de uma determinada profissão ou de uma atividade específica de serviços de assistência da definição das profissões paramédicas prevista pela regulamentação nacional para efeitos da isenção do artigo 132.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva IVA deve poder ser justificada por razões objetivas fundadas nas qualificações profissionais dos prestadores de serviços de assistência e, portanto, por considerações relativas à qualidade dos serviços prestados.(...)”.

 

Mais, entende TJUE, retomando jurisprudência anterior:

 

37. No que respeita, em segundo lugar, ao princípio da neutralidade fiscal, que é inerente ao sistema comum do IVA, importa recordar que este princípio se opõe a que prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA.

38 . A este propósito e no que respeita especificamente à profissão de fisioterapeuta, o Tribunal de Justiça já sublinhou que importa verificar se as pessoas que exercem essa profissão dispõem, para a prestação de serviços de assistência específicos, de qualificações profissionais aptas a assegurar a esses serviços um nível de qualidade equivalente ao dos serviços prestados por pessoas que, ao abrigo dessa mesma regulamentação nacional, beneficiam da isenção (...).

41. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se, à luz de todos esses elementos, a exclusão de certas atividades realizadas por um fisioterapeuta do âmbito do exercício das profissões paramédicas, para efeitos da isenção de IVA prevista no artigo 132.°, n.º 1, alínea c), da Diretiva IVA, ultrapassa os limites do poder de apreciação conferido aos EstadosMembros por essa disposição (...).”

      

       Ou seja, concretizando naquilo que para o presente caso interessa, de acordo com o TJUE, compete a cada Estado‑Membro definir, no seu direito interno, as profissões médicas e paramédicas em cujo âmbito os serviços de assistência são isentos do IVA, dispondo os Estados‑Membros de um poder de apreciação a esse respeito que engloba não só o poder de definir as qualificações exigidas para exercer as referidas profissões, mas também o poder de definir as atividades específicas de serviços de assistência abrangidas por essas profissões, estando autorizados a não considerar como médica ou paramédica e a excluir da isenção do IVA determinada profissão ou a reservála aos prestadores que disponham das qualificações profissionais enunciadas na regulamentação nacional pertinente e unicamente no que respeita às atividades específicas de serviços de assistência para as quais essas qualificações são exigidas (sublinhado nosso).

       Ainda de acordo com a mesma jurisprudência, compete aos órgãos jurisdicionais nacionais examinar se as autoridades competentes, ao recusarem esse reconhecimento, respeitaram os limites do poder de apreciação que lhes é conferido, ou se, pelo contrário ultrapassaram os limites de tal poder de apreciação, considerando:

a)      O objectivo prosseguido pelas isenções, tendo em conta que as prestações de serviços de assistência devem ser efetuadas no âmbito do exercício das profissões médicas e paramédicas tal como definidas pelo Estado‑Membro em causa, visando garantir que a isenção se aplica apenas às prestações de serviços de assistência efectuadas por prestadores com as qualificações profissionais exigidas;

b)      Que a exclusão de uma determinada profissão ou de uma atividade específica de serviços de assistência da definição das profissões médicas e paramédicas prevista pela regulamentação nacional para efeitos da isenção do artigo 132.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva IVA deve poder ser justificada por razões objectivas fundadas nas qualificações profissionais dos prestadores de serviços de assistência e, portanto, por considerações relativas à qualidade dos serviços prestado;

c)      O princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA, tendo em conta que este princípio se opõe a que prestações de serviços semelhantes, que estão em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA e, no que respeita especificamente à profissão de médico (profissão que é de facto exercida pelo Dr. B…), importando verificar se as pessoas que exercem essa profissão dispõem, para a prestação destes serviços, de qualificações profissionais aptas a assegurar um nível de qualidade equivalente ao dos serviços prestados por pessoas que, ao abrigo dessa mesma regulamentação nacional, beneficiam da isenção.

d)     Finalmente, à luz do princípio da neutralidade, o TJUE manda o tribunal de reenvio sopesar se os serviços prestados por este médico dentista, em causa nos autos, estão efetivamente em concorrência com os prestados por outros médicos dentistas que beneficiem da isenção de IVA prevista no n.º 1 do artigo 9.º do Código do IVA.

      

       Assim sendo, do ponto de vista do enquadramento fiscal da atividade desenvolvida pela Requerente, e da aferição da existência ou não de uma distorção de concorrência, conforme preconizada pelo TJUE, afigura-se irrelevante, se a biorressonância é utilizada enquanto técnica de terapêutica ou de diagnóstico, enquanto associada à electro-acupunctura ou à homeopatia, já que a biorressonância representa para a Requerente um “meio” e não um fim em si mesma.

        Apelando aos referidos critérios interpretativos, a Requerente estaria em concorrência com os demais médicos dentistas, se tratasse as mesmas patologias que estes médicos dentistas, legitimamente, - ou seja, dentro das competências legais da respectiva profissão - tratam.

       Nesta medida, e no que importa à liberdade de escolha dos meios utilizados, os médicos, e os médicos dentistas, em concreto, devem, como refere a Requerente, ser livres de utilizar os meios que, de acordo com o seu juízo, sejam adequados a prosseguir, da melhor maneira, as finalidades dos seus serviços, sendo estas, e não aqueles, a defini-los.

        Deve, por isso, sublinhar-se, que é o requisito da falta de habilitações do médico dentista ao serviço da Requerente para tratar de distúrbios da saúde em geral que inviabiliza a aplicação da isenção do artigo 9.º n.º 1 do Código do IVA, e não o facto deste utilizar a biorressonância ou quaisquer outras terapêuticas convencionais ou não convencionais, ao abrigo do referido princípio da liberdade de escolha dos meios utilizados.  

       Com efeito, a jurisprudência do TJUE é clara quanto à essencialidade da existência de habilitações profissionais em cumprimento do quadro legal em vigor, no exercício das profissões de médicos e paramédicos, tal como definidos pela legislação interna de cada Estado-Membro. 

       Em resultado do exposto, os serviços prestados devem enquadrar-se no âmbito legal do exercício da respetiva profissão, cabendo aos médicos dentistas, utilizar todos os meios, convencionais ou não, para tratar o que a um médico dentista compete na medida das respetivas habilitações profissionais:“ anomalias e doenças dos dentes, boca, maxilares e estruturas anexas.”[16]

       Ao invés, contrariamente do alegado pela Requerente, fora do quadro legal de uma concorrência (em sentido jurídico) que a neutralidade do IVA postula, não se poderá considerar como concorrencial, em termos de convocar a proteção do princípio da neutralidade do IVA, o exercício de uma atividade médica prestada ao arrepio das qualificações profissionais exigidas.

       Nestes termos, não podia a Requerente usufruir, conforme por si pretendido, da isenção prevista no artigo 9.º n.º 1 do Código IVA, nada havendo, sob esse ponto de vista, a censurar aos atos tributários sub iudice.

    

IV. DECISÃO

      

     Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado pela Requerente e, em consequência:

 

a)        Manter as autoliquidações de IVA supra identificadas, referentes aos períodos de tributação de 2013/06T, 2013/09T, 2013/12T, 2014/06T, e 2014/09T, bem como as respectivas liquidações de juros;

b)        Manter a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa;

c)        Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pagamento de juros indemnizatórios;

d)       Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 47.743,56, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2,142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que, o pedido foi totalmente improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 19 de Maio de 2017

 

A Árbitro

 

 

 

(Filipa Barros)

 

 



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

[2] Diretiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro, publicada no JO n.º L 347, de 11 de Dezembro de 2006.

[3] Vide in Jornal Oficial da União Europeia, C-338/1 de 6.11.2012.

[4] Atual artigo 148.º do CPA

[5] In “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, 4.º Edição – Encontro da Escrita 2012, pág. 675.

[6] In “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, 4.º Edição – Encontro da Escrita 2012, pág. 675.

[7] Entre outros, Acórdão de 10 de Setembro de 2002, C- 141/00, Kugler.

[8] Acórdão de 27 de Abril de 2006, C-443/04 e C-444/04, Solleveld.

[9] Vide, C-443/04 e C-444/04, Solleveld.

[10] Lei n.º 117/2015, de 31 de Agosto.

[11] Lei n.º 124/2015, de 2 de Setembro.

[12] Diploma que alterou o D.L. n.º 279/2009 de 6 de Outubro, em vigor à data dos factos tributários discutidos nos autos.

[13] Altera a Portaria n.º 268/2010, de 12 de Maio.

[14] Ponto 18 do probatório.

[15] Conforme peticionado no requerimento submetido pela Requerente a 03-05-2017.

[16] Artigo 8.º do Estatuto da Ordem dos Médicos Dentistas.