Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 599/2016-T
Data da decisão: 2017-05-26  IUC  
Valor do pedido: € 30.791,12
Tema: IUC – Incidência Subjetiva – Presunções Legais
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DECISÃO ARBITRAL-TRIBUTÁRIA

 

1           RELATÓRIO

 

1.1     – A…, com o NIP: …(docº 1), Reclamante no procedimento tributário, acima e, à margem referenciado, doravante, denominada “Requerente”, veio, invocando o disposto nos números 1 e 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT), do artigo 99º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e do números 1 do artigo 95º da Lei Geral Tributária (LGT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral Singular, visando um pedido de impugnação aos atos tributários consignados nas autoliquidações efectuadas pela Requerente, nos seguintes termos:

 

-   A anulação dos atos de liquidações do Imposto Único de Circulação (doravante designado por IUC), efetuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT), referente aos anos de: 2009 a 2014 conforme documento nº 4), que faz parte integrante do Pedido de Pronuncia Arbitral Tributária.

 

-   Ao pedido de reembolso do valor total de € 30.791,12, que incluem os correspondentes juros compensatórios, indevidamente pagos pela Requerente.

 

-   Considera a Requerente que tem, também, o direito aos juros indemnizatórios previstos nos artigos 43º da LGT e no artigo 61º do CPPT, ambos, ex vi, artigo 29º do RJAT.

 

1.2     Nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular, Maria de Fátima Alves, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo aplicável:

 

-   Em 30-01-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a nomeação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico,

-   Pelo que, o tribunal arbitral foi constituído em 19-02-2017, conforme o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

1.3     A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:

 

-   As autoliquidações impugnadas nos autos” foram efectuadas pela Requerente e integralmente pagas, apesar delas discordar”, através de documentos extraídos d o Portal das Finanças (docºs nº 4 e nº 5), anexos aos autos.

 

-   Ora, a Requerente é uma Instituição Financeira, especializada no ramo automóvel, pelo que, celebra com os seus clientes contratos de Aluguer de Longa Duração (ALD), contratos de Aluguer de Curta Duração (renting) e contratos de Locação Financeira (leasing), de veículos automóveis.

 

-   Resultando desse contexto, que no âmbito da sua actividade comercial, celebra contratos de diversa natureza com os seus clientes, dos quais se destacam os contratos de aluguer de veículo sem condutor “com ou sem promessa de compra e venda, contratos de locação e contratos de financiamento”.

 

-   Afirma, ainda, a Requerente que ao adquirir as viaturas novas aos importadores nacionais: … e …, faz locação financeira (leasing), aluguer de longa duração(ALD), renting (AOV) ou locação operacional, dessas mesmas viaturas a favor de terceiros.

 

-   Acresce que” após o termo dos contratos, por regra,” procede à transmissão da propriedade das viaturas aos correspondentes locatários ou a terceiros, por um valor residual”.

 

-   Sendo que, no que concerne aos veículos, em causa, a Requerente ou havia locado esses veículos a favor de terceiros ou não era a proprietária dos veículos controvertidos, por já os ter vendido aos respetivos locatários ou a terceiros, conforme” alegou e demonstrou na Reclamação Graciosa, junta aos autos, como docº nº 5”.

 

-   Reforça o facto de não ser, sujeito passivo à data da exigibilidade do imposto, conforme se pode observar “pelas cópias dos contratos e das faturas de venda que titulam a venda dos respectivos veículos, constantes do documento nº 6, dossier relativo a cada uma das viaturas controvertidas e, que faz parte integrante dos autos.

 

-   Faturas, essas, que são enviadas, automaticamente, após a sua emissão, aos respectivos clientes, transmitindo, assim, a propriedade dos veículos aos seus devidos proprietários.

 

-   Situação que se verifica, também, no âmbito dos contratos de locação, pois afasta a responsabilidade da Requerente pelo pagamento do respectivo IUC, nos termos do artigo 3º do CIUC, pois são estes os proprietários dos veículos por força do contrato de locação.

 

-    A Requerente põe em relevância o facto de ser “uma mera locadora dos veículos automóveis” e, por isso, nunca os conduziu por conta própria ou em seu interesse, qualquer dos veículos locados no quadro que anexa, como docº 7, pelo que a imputação do IUC só deve ser aplicada aos que causam danos à rede viária e ao ambiente, conforme o disposto no principio da equivalência, artigo 1º do CIUC, que consagra o princípio do pagador /poluidor.

 

-   Do qual resulta que: o prejuízo que advém para o ambiente, decorrente da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos reais poluidores, pois são estes os agentes utilizadores dos mesmos, que os conduzem no seu próprio interesse.

 

-   Pelo que a Requerente” nunca foi a real poluidora e causadora dos danos ambientais”, pois só se limitou a dar à locação os automóveis controvertidos e, a vendê-los,” nos casos em que os contratos já tinham terminado”, cfr., docºs nº s 5, 6 e 7, anexos aos autos.

 

 

 

 

 

-   Atento o contextualmente descrito, à data, dos factos tributários, a Requerente, não podia ser considerada, sujeito passivo do imposto, facto que lhe veda qualquer responsabilidade subjetiva pelo seu pagamento.

 

 

1.4     A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT), apresentou Resposta, da qual se retira que os atos tributários, controvertidos, não enfermam de qualquer vício de violação de Lei, pronunciando-se pela improcedência da requerida e pela manutenção dos atos de liquidação questionados, defendendo, sumariamente o seguinte:

 

-Alerta, a Requerida, para o facto do valor do Pedido não estar em conformidade com o valor da Reclamação Graciosa nº …2015…,” a qual foi parcialmente indeferida” e cujo valor corresponde, a fls.,40 do PA, a quantia de €31.532,31, enquanto que ao Valor do Pedido (PI) corresponde a quantia de € 30.791,12.

-Em resposta a um despacho arbitral, enviado, à Requerente, por este Tribunal,

veio a Requerente aos autos, esclarecer a divergência de valores, alegando que o valor de €31.532,31, corresponde ao valor, inicialmente, reclamado na antecedente RG que incidia sobre 476 autoliquidações de IUC, sendo que,

 

- o valor exato (€30.791,31), é o que corresponde à soma de 464 autoliquidações, concretamente impugnadas e à utilidade económica do Pedido, cfr., art.10º nº2 alinea e) do RJAT e art. 97º-A, nº 1, alínea a) do CPPT, ex vi, art. 29º, nº1 al.a) do RJAT.

Por Exceção

 

-A Requerida, vem alegar a intempestividade do Pedido de Pronuncia Arbitral, que será debatida mais à frente.

 

-Por impugnação

-Impugna, no âmbito de” erro sobre os pressupostos e na consequente violação dos artigos 19º e artigo 3º, ambos, do Código do Imposto Único de Circulação”: 

 

-   Alegando que a Requerente faz uma errada interpretação e aplicação das normas legais, subsumíveis ao caso sub judice;

-   Fundamenta que, no âmbito da “ilisão”do artigo 3º do CIUC, os locadores financeiros têm que, obrigatoriamente, de considerar o artigo 19º do CIUC.

-   Pelo que a Requerente ao não dar cumprimento à obrigação específica do artigo 19º do CIUC, não se pode exonerar do imposto ao abrigo do artigo 3º do CIUC, pelo que se deve considerar a Requerente, como, sujeito passivo do IUC.

 

-   Porque, pese, embora, o facto da Requerente “alegar ter celebrado contratos de locação financeira, é responsável pelo IUC, porque não comunicou a existência de locação financeira a que alude o artigo 19º do CIUC;

 

-   Contudo, embora o artigo 19º do CIUC remeta para o artigo 3º do mesmo diploma legal, há que considerar que no caso sub judice, se está perante uma análise específica da circulação de veículos, no espaço público que consubstancia os danos viários e ambientais causados, pelos respectivos  utilizadores/poluidores, que devem ser responsáveis, segundo o princípio da equivalência previsto no artigo 1º do CIUC( que será desenvolvido, no capítulo próprio);

-   A Requerida impugna, também, os factos efetuados pala Requerente, tanto no âmbito da matrícula como no âmbito do registo, em território nacional;

-   Factos que poem em causa a exigibilidade do imposto único de circulação de veículos;

-   Põe em causa a veracidade dos meios probatórios, contratos de locação e faturas de venda, correspondentes aos respectivos veículos;

-   Pois não os considera” aptos a comprovar a celebração de um contrato sinalagmático;

-   Ora, talvez, por lapso, a Requerida não considera, que neste caso específico, a compra e venda de veículo, tem liberdade de forma, nos termos do art.219º do CC., potenciando que o contrato de compra e venda possa ser por contrato verbal;

-   E, como se sabe, a alteração da titularidade do direito de propriedade, adquirida por forma verbal, de compra e venda de veículos” releva para efeitos do IUC, desde a data da transmissão dos respectivos veículos, conforme o disposto no artigo 17º-A do CIUC;

-   Fundamenta, a Requerida de que “o legislador tributário, nos artigos 3º e 6º do CIUC, estabeleceu claramente as premissas quanto ao facto gerador do imposto, bem como da sua exigibilidade, consignando inequivocamente que tal facto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional”;

-   Sendo, portanto, irrelevante que a Requerente tenha transmitido, com a venda, a propriedade dos veículos automóveis, a “terceiros”;

-   A Requerida, face os factos, sumariamente expostos:

-   Faz uma interpretação geral e objectiva do disposto, expressamente, nos artigos que invoca, não considerando a presunção do artigo 3º do CIUC, afastando, assim, o artigo 73º da LGT;

-   Não leva em linha de conta, o princípio da “equivalência”, previsto no nº 1º do CIUC, corolário do princípio do poluidor/pagador, com assento no nº2 do artigo 66º da CRP;

-   Não relevando os meios probatórios, consignados nos contratos e nas faturas de compra e venda, quando oficiosamente os tem ao seu alcance, no âmbito de IRC, pois a Requerente tem, necessariamente, uma escrita organizada.

 

1.5     A reunião prevista no artigo 18º do RJAT foi dispensada, por se tratar de questões já suficientemente debatida, quer nos autos quer na Jurisprudência, entendendo, este Tribunal Arbitral Tributário, desnecessário as alegações finais, prescindindo da inquirição de testemunhas.

1.6     Tendo este Tribunal designado o dia 12-05-207, para a Decisão Final, a mesma não se concretizou, devido ao Despacho Arbitral, enviado à Requerente para que esta se pronunciasse sobre o valor exato do Pedido de Pronúncia Arbitral, posto em causa pela Requerida.

 

 

 

2           QUESTÕES DECIDENDAS

 

2.1     Face ao exposto nos números anteriores, relativamente à exposição das partes e aos argumentos apresentados, as principais questões a decidir são as seguintes:

 

-   A alegação feita pela Requerente relativa à ilegalidade material dos atos de liquidação e à ilegalidade dos atos de juros acessórios, face aos anos de 2009 a 2014, referente ao IUC sobre os veículos supra referenciados na PI;

 

-   A errada interpretação e aplicação das normas de incidência subjetiva do imposto único de circulação liquidado e cobrado, o que constitui, a questão central a decidir no presente processo;

 

-   A questão prévia da exceção, invocada pela AT;

 

 

-   O valor jurídico do registo dos veículos automóveis.

 

3           FUNDAMENTOS DE FACTO

 

3.1     Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá o presente Tribunal por assente, face aos elementos existentes nos autos, os seguintes factos:

 

-   A Requerente apresentou elementos probatórios constantes dos documentos nºs; 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7, anexos à PI, que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais; 

 

3.1.1 FUNDAMENTAÇÃO DOS ATOS PROVADOS

-   Os factos dados como provados estão baseados nos documentos anexos ao pedido de pronúncia arbitral da supra referida PI, que se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

 

      3.1.2 FACTOS NÃO PROVADOS

-   Não existem factos dados como não provados, dado que todos os factos tidos como relevantes para a apreciação do mérito da causa foram provados.

 

4           FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

4.1     O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º nº 1, alínea a), 5º nº 2, alínea a), 6º nº 1, 10º nº1, alínea a) e nº 2 do RJAT:

 

-   As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, ex vi, artigos 4º e 10º, nº 2, do RJAT e artigo nº 1 da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março;

 

-   O processo não enfermo de nulidades;

 

-   Existe uma questão prévia sobre o qual o Tribunal se deve pronunciar.

 

QUESTÃO PRÉVIA

 

1º-A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), Requerida no presente processo, Vem,

 no âmbito da sua Resposta, apresentada, nos termos do disposto e para os efeitos previstos no artigo 17º do RJAT,” invocar uma exceção peremptória, nos termos do disposto no artigo 576º nº 3 do CPC, ex vi, artigo 29º do RJAT, que importa a absolvição parcial da AT, do Pedido, uma vez que impede o efeito jurídico dos factos articulados pela Requerente”;

2º-Assenta a sua alegação no facto da Requerente” ter requerido a constituição do Tribunal Arbitral em 2016-10-06, estando há muito ultrapassado o prazo estipulado na al. a) do nº 1 do art. 10º do RJAT, quanto aos atos de liquidação dos anos de 2009 a 2014, com exceção das viaturas com as matrículas: …-… -…; …-… -… e …-…-…, pelo que o pedido é extemporâneo”.

 

Réplica da Requerente

 

 

3ºFoi a própria Requerente quem liquidou e pagou o IUC controvertido nos autos, nos termos do nº 3 do artigo 16º do CIUC, que descreve “a liquidação do iuc pode ainda ser feita em qualquer serviço de finanças, por solicitação do sujeito passivo”;

4º A Requerente assenta a sua defesa na doutrina consignada no” artigo 16º do CIUC que, por regra, comete ao sujeito passivo a iniciativa da liquidação do imposto, quer na figura da autoliquidação, se o meio técnico utilizado for a internet, quer no requerimento (oral) da liquidação junto de qualquer Serviço de Finanças ( cfr., A. Brigas Afonso e Manuel T. Fernandes, in ISV e IUC, Códigos Anotados, Coimbra Editora, p. 218 e 219);

5º-Defende, ainda a Requerente que a Reclamação Graciosa foi apresentada contra as autoliquidações do IUC, dentro do prazo de dois anos, consignado no nº 1 do artigo 131 do CPPT;

6º-Que, ela, Requerente tomou a iniciativa de auto liquidar e pagar o respectivo IUC e JC, obtendo os respectivos documentos para pagamento por via da internet, no Portal das Finanças, embora discordasse dessa auto liquidações e respectivo pagamento ( cfr., docº nºs 4 e 5 junto aos autos).

 

Atentos os factos sumariamente expostos, com assento nos documentos probatórios, junto aos autos, devidamente analisados, entende este Tribunal

Improceder a exceção peremptória, alegada pela AT, referente à extemporaneidade do Pedido de Pronuncia Arbitral.

 

 

4.2     O pedido, objeto do presente processo consiste na declaração de anulação dos atos de liquidação do IUC, correspondente aos veículos automóveis melhor identificados nos autos;

 

4.2.1        Condenação da AT ao reembolso do montante do imposto relativo a tais liquidações no valor de € 30.791,12;

4.2.2        Condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios sobre o mesmo montante.

 

4.3     Segundo o entendimento da AT, basta que no registo, o veículo conste como propriedade de uma determinada pessoa, para que essa pessoa seja o sujeito passivo da obrigação tributária.

 

4.4     A matéria de facto está fixada, tal como consta do nº 3.1 supra, importando, agora, determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões decidendas, identificadas no nº 2.1 supra, sendo certo, que a questão central, em causa, nos presentes autos, relativamente à qual existem entendimentos absolutamente opostos entre a Requerente e a AT, consiste em saber se o nº 1 do artigo 3º do CIUC relativo à incidência subjetiva do imposto único de circulação consagra ou não uma presunção ilidível.

 

4.5     Tudo analisado e, tendo em conta, por um lado, as posições das partes em confronto, mencionadas nos pontos 1.3 e 1.4 supra e, considerando, por outro lado que a questão central a decidir é a de saber se o nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra ou não uma presunção legal de incidência tributária, cumpre, neste contexto, apreciar e proferir decisão.

 

5           QUESTÃO DA ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA NORMA DE INCIDÊNCIA SUBJETIVA DO IUC

 

5.1     Considerando ser pacífico o entendimento, na doutrina, de que na interpretação das leis fiscais valem plenamente os princípios gerais de interpretação os quais serão, apenas e naturalmente, limitados pelas exceções e particularidades ditadas pela própria lei objeto de interpretação. Trata-se de um entendimento que tem vindo a merecer acolhimento nas Leis Gerais Tributárias de outros países e que veio também a ter assento no artigo 11º da nossa Lei Geral Tributária, o que vem, aliás, sendo frequentemente sublinhado pela jurisprudência.

É consensualmente aceite que tendo em vista a apreensão do sentido da lei, a interpretação socorre-se, a priori, em reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, o que significa, procurar o seu sentido literal, valorando-o e aferindo-o à luz de outros critérios, intervindo, os designados elementos de natureza lógica, racional ou teleológicos e de ordem sistemática:

 

-   A propósito da interpretação da lei fiscal, há a considerar a jurisprudência, nomeadamente, os Acórdãos do STA de 05-09-2012, processo nº 0314/12, de 06-02-2013, processo 01000/12, disponíveis em www.dgsi.pt, a importância do disposto no artigo 9º do Código Civil (CC), enquanto elemento fundamental da hermenêutica jurídica;

 

-   Dispõe o nº 1 do artigo 3º do CIUC que “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”;

 

 

-   A formulação usada no referido, artigo, socorre-se da expressão “considerando-se” o que suscita a questão de saber se, a tal expressão pode ser atribuído um sentido presuntivo, equiparando-se à expressão “presumindo-se”, trata-se de expressões frequentemente utilizadas, com sentidos equivalentes;

 

-   Como ensina Jorge Lopes de Sousa, in Código do Procedimento e do Processo Tributário, Anotado e Comentado, volume I , 6ª Edição, Área Editora, SA, Lisboa 2011, p. 589, que em matéria de incidência tributária, as presunções podem ser reveladas pela  expressão “presume-se” ou por expressão semelhante, aí se mencionando diversos exemplos  dessas presunções, referindo-se a constante no artigo 40º, nº 1 do CIRS, em que se usa a expressão “ presume-se” e a constante no artigo 46º nº 2, do mesmo Código, em que se faz uso da  expressão “considera-se”, enquanto expressão com um efeito semelhante àquela e, consubstanciando, igualmente, uma presunção;

-   Na formulação legal exarada no nº 1 do artigo 3º do CIUC, em que se consagrou uma presunção, revelada pela expressão “considerando-se”, de significado semelhante e de valor equivalente à expressão “presumindo-se”, em uso desde a criação do imposto em questão;

 

-   O uso da expressão “considerando-se” mais não visou do que o estabelecimento de uma aproximação mais vincada e nítida entre o sujeito passivo do IUC e o efetivo proprietário do veículo, o que está em sintonia com o reforço conferido `a propriedade do veículo, que passou a constituir o facto gerador do imposto, nos termos do artigo 6º do CIUC;

 

 

-   A relevância e o interesse da presunção, em causa, que historicamente foi revelado por intermédio da expressão “presumindo-se” e que agora, se serve da expressão “considerando-se”, reside na verdade e na justiça que, por essa via, se confere às relações fiscais e, que corporizam valores fiscais fundamentais, permitindo tributar o real e efetivo proprietário e não aquele que, por circunstâncias de diversa natureza, não passa, por vezes, de um aparente e falso proprietário. Se o caso, assim não fosse considerado, não se admitindo e relevando a apresentação de elementos probatórios destinados à demonstração de que o efetivo proprietário é, afinal, pessoa diferente da que consta do registo e, que inicialmente, e em princípio, se supunha ser o verdadeiro proprietário, aqueles valores seriam objetivamente postergados.

 

5.2     Há a considerar, também, o princípio da equivalência, inscrito no artigo 1º do CIUC, que tem subjacente o princípio do poluidor-pagador e, concretiza a ideia nele inscrita de que quem polui deve, por isso, pagar. O referido principio tem assento constitucional, na medida em que representa um corolário do disposto na alínea h) do nº 2 do artigo 66º da constituição, tendo, também, assento no direito comunitário, seja ao nível do direito originário, artigo 130º-R, do Tratado de Maastrich (Tratado da União Europeia, de 07-02-1992), onde o aludido principio passou a constar como suporte da Politica Comunitária, no domínio ambiental e que visa responsabilizar quem contribui com os prejuízos que advêm para a comunidade, decorrentes da utilização dos veículos automóveis, sejam assumidos pelos seus proprietários-utilizadores, como custos que só eles devem suportar.

 

5.3     Atentos os factos supra descritos, importa salientar que os já referidos elementos de interpretação, sejam os relacionados com a interpretação literal, apoiada nas palavras legalmente utilizadas, sejam as respeitantes aos elementos lógicos de interpretação, de natureza histórica ou de ordem racional, apontam, todos eles, no sentido de que a expressão “considerando-se” tem um sentido equivalente à expressão “presumindo-se”, devendo, assim entender-se que o disposto no nº 1 do artigo 3º do CIUC consagra uma presunção legal que, face ao artigo 73º da LGT, onde se estabelece que “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, será necessariamente ilidível, o que significa que os sujeitos passivos são, em princípio, as pessoas em nome de quem tais veículos estejam registados. Serão, pois, essas pessoas, identificadas nessas condições a quem a AT se deve, necessariamente, dirigir;

 

 

-   Mas será, em princípio, dado que no quadro de audição prévia, de carácter obrigatório, face ao disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 60º da LGT, a relação tributária poderá ser reconfigurada, validando-se o sujeito passivo inicialmente identificado ou redirecionando-se o procedimento no sentido daquele que for, afinal, o verdadeiro e efetivo, sujeito passivo do imposto em causa.

 

-   O contribuinte tem o direito de ser ouvido, mediante audição prévia (José Manuel Santos Botelho, Américo Pires Esteves e José Cândido de Pinho, in Código do Procedimento Administrativo, Anotado e Comentado, 4ª edição, Almedina, 2000, anotação 8 do artigo 100º).

 

 

-   A audição prévia que, naturalmente, se há-de concretizar em momento imediatamente anterior ao procedimento da liquidação, corresponde à sede e altura própria para, com certeza e segurança se identificar o sujeito passivo do IUC.

 

 

 

6           SOBRE O VALOR JURIDICO DO REGISTO

 

6.1     Relativamente ao valor jurídico do registo, importa notar o que estabelece o nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro (diversas vezes alterado, sendo a última por via da Lei nº 39/2008, de 11 de Agosto), quando estatui que “o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respetivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico”:

 

-   O artigo 7º do Código do Registo Predial (CRP), aplicável, supletivamente, ao registo de automóveis, por força do artigo 29º do CRA, dispõe que” O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”;

 

-   O registo definitivo não constitui mais do que uma presunção ilidível, admitindo, por isso, contraprova, como decorre da lei e a jurisprudência vem assinalando, podendo ver-se, entre outros os Acórdãos do STJ nº 03B4369 de 19-02-2004 e nº 07B4528, de 29-01-2008, disponíveis em: www.dgsi.pt;

 

 

-   Portanto, a função legalmente reservada ao registo é por um lado a de publicitar a situação jurídica dos bens, no caso em apreço, dos veículos e, por outro lado, permite-nos presumir que existe o direito sobre esses veículos e que o mesmo pertence ao titular, como tal inscrito no registo, não tem uma natureza constitutiva do direito de propriedade, mas apenas declarativa, daí que o registo não constitua condição de validade da transmissão do veículo do vendedor para o comprador;

 

-   Os adquirentes dos veículos tornam-se proprietários desses mesmos veículos por via da celebração dos correspondentes contratos de compra e venda, com registo ou sem ele;

 

 

-   Neste contexto cabe lembrar que, face ao disposto no nº 1 do artigo 408º do CC, a transferência de direitos reais sobre as coisas, no caso sub judice, veículos automóveis, é determinado por mero efeito do contrato, sendo que nos termos do disposto na alínea a) do artigo 879º do CC, entre os efeitos essenciais do contrato de compra e venda, avulta a transmissão da coisa;

 

-   Face ao exposto, torna-se claro que o pensamento legislativo aponta no sentido de que o disposto no nº 1 do artigo 3º do CIUC, consagra uma presunção “juris tantum, consequentemente ilidível, permitindo, assim, que a pessoa, que, no registo, está inscrita como proprietária do veículo, possa apresentar elementos de prova destinados a demonstrar que tal propriedade está inserida na esfera jurídica de outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida;

 

 

-   O que no referente aos factos controvertidos, existem, junto aos autos documentos, que foram provados pela Requerente, tanto em sede de audição prévia, como no pedido de pronúncia arbitral, configurando, por isso a certeza de que pertence aos respetivos proprietários/utilizadores, dos veículos, a responsabilidade subjetiva dos IUCs, nos termos do nº 1 e 2 do artigo 3º do CIUC.

 

 

7           A PRESUNÇÃO DO ARTIGO 3ºDO CIUC E A DATA EM QUE O IUC É EXIGIVEL

 

7.1     DATA EM QUE O IUC É EXIGÍVEL

 

-   O IUC é um imposto de tributação periódica, cuja periodicidade corresponde ao ano que se inicia no ato da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, conforme o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 4º do CIUC;

 

-   É exigível nos termos do nº 3 do artigo 6º do referido Código;

 

 

-   Sendo de referir que, quanto à liquidação do IUC tributado à Requerente sobre os veículos supra referenciados, nos anos de 2009 a 2014, há que  considerar, que ao momento dos factos tributários, as viaturas em causa estavam na esfera jurídica dos proprietários/utilizadores dos referidos automóveis, porque estes detêm o uso e o gozo dos referidos veículos, pelo que nos termos do nº1 e 2 do art. 3º do CIUC, têm que ser responsabilizados, pelo pagamento da obrigação do referido imposto.

 

7.1.1        Em relevância sobre o ónus da prova, estipula o artigo 342º nº 1 do CC “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”;

7.1.2        Também o artigo 346º do CC (contra prova) determina, que “à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contra prova a respeito dos mesmos factos, destinados a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.” (Como afirma Anselmo de Castro, A., 1982, ED. Almedina Coimbra, “Direito Processual Civil Declaratório”, III, p. 163, “recaindo sobre uma das partes ónus probatório, à parte contrária basta opor contra prova, sendo esta uma prova destinada a tornar duvidosa os factos alegados pela primeira”.

Assim, no caso dos autos, o que a Requerente tem que provar, afim de ilidir a presunção que decorre quer do artigo 3º do CIUC quer do próprio Registo Automóvel, é que ela Requerente não era proprietária dos veículos em causa no período a que dizem respeito as liquidações impugnadas. Propõe provar, segundo resulta dos autos, é que a propriedade dos veículos, não lhe pertenciam nos períodos a que as liquidações dizem respeito. Apresentando, assim, as faturas de venda e os contratos de locação dos veículos constantes dos documentos, anexos à Reclamação Graciosa e junta aos autos como documentos nº 4,5, 6 e 7, que se dão por integralmente reproduzidas, para todos os efeitos legais.

 

7.2     ILISÃO DA PRESUNÇÃO

 

-   A Requerente, como se refere em 3.1., relativamente aos factos provados, alegou, com o propósito de afastar a presunção, não ser sujeito passivo do imposto, aquando da ocorrência dos factos tributários, oferecendo para o efeito os seguintes documentos;

 

-   Faturas de venda aos respectivos locatários e contratos de locação (cfr, documentos junto aos autos com os nºs,4, 5, 6 e 7);

 

-   Ora, esses documentos, gozam, da presunção da veracidade prevista no nº 1 do artigo 75º da LGT. Decorrendo daqui, que à data em que o IUC era exigível quem detinha a propriedade dos veículos automóvel eram os legítimos proprietários e utilizadores e não a Requerente.

 

8           OUTRAS QUESTÕES RELATIVAS À LEGALIDADE DOS ATOS DE LIQUIDAÇÃO

 

-   Relativamente à existência de outras questões atinentes à legalidade dos atos de liquidação, tendo em conta que está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimentos dos vícios, tal como o previsto no artigo 124º do CPPT, que procedendo o pedido de pronúncia arbitral baseado em vícios que impedem a renovação das liquidações impugnadas, fica prejudicado, porque inútil, o conhecimento de outros vícios, não se afigura necessário conhecer das demais questões suscitadas.

-   Pelo que neste contexto, entende este Tribunal, salvo melhor opinião, que o artigo 19º do CIUC “Obrigações Acessória, Fiscalização e regime Contra-Ordenacional” não se inserem nas competência deste Tribunal Arbitral.

 

9           REEMBOLSO DO MONTANTE TOTAL PAGO

 

-   Nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 24º do RJAT e, em conformidade com o aí estabelecido, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos de procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários ”Restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”

 

-   Trata-se de comandos legais que se encontram em total sintonia com o disposto no artigo 100º da LGT, aplicável ao caso, ex vi, do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, no qual se estabelece que “ A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, correspondendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”;

 

 

-   O caso constante nos presentes autos, suscita a manifesta aplicação das mencionadas normas, posto que na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, referenciados, neste processo, terá, por força dessas normas, de haver lugar ao reembolso dos montantes pagos, seja a título do imposto pago, seja dos correspondentes juros compensatórios, como forma de alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

10       DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

-   A declaração da ilegalidade e consequente anulação de um ato administrativo confere ao destinatário do ato o direito à reintegração da situação em que o mesmo se encontraria antes da execução do ato anulado.

-   No âmbito da liquidação do imposto, a sua anulação confere ao sujeito passivo o direito à restituição do imposto pago, acrescidos dos correspondentes juros compensatórios e, em regra, o direito a juros indemnizatórios, nos termos do nº 1 do artigo 43º da LGT e, artigo 61º do CPPT.

-   Pelo que tem a Requerente direito a juros indemnizatórios sobre o montante de imposto pago referente às liquidações anuladas.

 

11       DECISÃO

Face ao exposto, este Tribunal Arbitral decide:

-   Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação do IUC, respeitante aos anos de: 2009 a 2014, relativamente aos veículos automóveis identificados no presente processo, anulando-se, consequentemente, os correspondentes atos tributários;

-   Julgar procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de 30.791,12 euros, condenando a Autoridade Tributária e Aduaneira a efetuar estes pagamentos;

-   Deve, também, a AT efetuar o pagamento correspondente ao montante devido aos juros indemnizatórios, sobre o imposto pago referente às liquidações anuladas, nos termos do nº 1 do artigo 43º da LGT, ex vi, do nº 2 do artigo 61º, do CPPT (Redação da Lei nº 55-A/2010, de 31-12, entrada em vigor, em 2011-01-01.

 

VALOR DO PROCESSO: Em conformidade com o disposto nos artigos 306º nº 2 do CPC e 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 30.791,12.

CUSTAS: De harmonia com o nº 4 do artigo 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.836,00 nos termos da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária Aduaneira.

 

 

Notifique-se, as partes.

 

Lisboa, 26-05-2017

 

O Árbitro

Maria de Fátima Alves

 

 

 

 

 

 (o texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131, nº 5 do Código do Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1 alínea e) do Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redação pela ortografia atual)