Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 611/2016-T
Data da decisão: 2017-02-14  Selo  
Valor do pedido: € 29.808,38
Tema: Imposto de Selo - Verba 28.1 da TGIS; Terrenos para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

1. RELATÓRIO

 

1.1              A…, S.A., número único de pessoa coletiva e matrícula …, com sede na Rua …, … a …, no Porto, veio em 14.10.2016, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 6.º, n.º 1 e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante RJAT) e dos artigos 99.º e 102.º, n.º 1, alíneas e) e f) do CPPT, requerer a constituição do tribunal arbitral.

 

1.2              É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

 

1.3              O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou a ora signatária para formar o Tribunal Arbitral Singular, disso notificando as partes, e o Tribunal foi constituído a 26.12.2016.

 

 

1.4              O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato a decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa apresentada pela requerente e visa a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de imposto de selo referente ao ano de 2014, da verba 28.1 da TGIS, aditada Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, no valor total de € 29.808,38, relativa ao imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º da freguesia de …, concelho e distrito do Porto, propriedade da Requerente.

 

A Requerente manifesta a sua discordância com o ato de liquidação de imposto em crise e com a decisão proferida nos autos de reclamação graciosa, atendendo fundamentalmente a que o prédio sobre o qual incide o imposto não é um prédio para habitação, antes um terreno para construção, insuscetível de ser habitado, e relativamente ao qual não há previsão ou autorização de edificação de apenas prédios  - ou frações autónomas de prédio  - destinados a habitação, pelo que não se enquadra na previsão da verba n.º 28.1 da TGIS na redação introduzida pelo artigo 194.º da Lei 83-C/2013, de 31.12

 

Alega, em suma, que a propriedade deste imóvel é, atendendo à sua atividade comercial, investimento produtivo e não prédio de vocação habitacional de alto significado económico e, portanto, não revelador da capacidade contributiva que aquela verba da Tabela considera.

 

Entende ainda que, em interpretação diversa daquele que propõe, a norma será inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (na medida em que discriminará as empresas imobiliárias, e, bem assim, por violação do princípio da capacidade contributiva.

 

Pelo que conclui que deve ser recusada a aplicação da norma e que o ato de liquidação em crise é ilegal, peticionando a respetiva anulação e o reembolso das quantias pagas, acrescida dos juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento de cada uma das prestações até reembolso efetivo e integral.

 

 

1.5              A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA respondeu aos 02.02.2017, defendendo-se por impugnação, e juntou aos autos o processo administrativo.

 

1.6              Pugnou pela manutenção na ordem jurídica do ato impugnado por entender que “os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída a afetação habitacional no âmbito das respetivas avaliações, constando tal afetação das respetivas matrizes, estão sujeitos a Imposto de Selo”.

 

 

Insurge-se, ainda, contra o pedido de pagamento de juros formulado pela Requerente, por considerar que não estão preenchidos os pressupostos do artigo 43.º da LGT, por não se ter tratado, no seu entender, de “erro dos serviços”.

 

Termina pugnando pela legalidade da liquidação e pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral. 

 

 

1.7              O Tribunal proferiu, a 04.01.2017, despacho convidando a Requerente para vir aos autos indicar quais os factos aos quais pretendia fosse inquirida a testemunha arrolada, bem como a respetiva razão de ciência, para que se pudesse decidir sobre a necessidade de produção desta prova.

1.8              A Requerente respondeu a 25.01.2017.

1.9              Aos 02 de fevereiro de 2017, o Tribunal proferiu despacho no sentido de não obstante os esclarecimentos prestados pelo I. Mandatário da Requerente, indeferir a inquirição da prova testemunhal arrolada por esta e de dispensar a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT porquanto não se verifica qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, bem como as alegações.

 

1.10          As partes, notificadas, não se opuseram.

 

 

 

2. SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.

 

O processo não sofre de quaisquer vícios que o invalidem.

 

 

4. MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:

 

1.                                 A Requerente é proprietária do prédio urbano sito na …, …, …, …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º da freguesia da …, concelho do Porto;

2.                                 O prédio está descrito na matriz como “terreno para construção”;

3.                                 Na avaliação do prédio foi aplicado o “tipo de coeficiente de localização: habitação”;

4.                                  O prédio tinha, à data da liquidação, o valor patrimonial tributário de 2.980.838,01€;

5.                                 A 20.03.2015 a Autoridade Tributária procedeu à liquidação do Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS com referência ao prédio descrito no ponto 2. e ao ano de 2014, no valor total de 29.808,38€, e emitiu as notas de cobrança relativas às três prestações;

6.                                 A requerente deduziu reclamação graciosa contra aquele ato de liquidação aos 30.03.2016;

7.                                 A reclamação foi indeferida por despacho de 12.07.2016, notificado à requerente por ofício do dia 13.07.2016.

 

Factos não provados

 

Com relevo para a apreciação do mérito da causa, não se provou que no imóvel em causa tivesse sido autorizada, projetada ou prevista qualquer edificação, designadamente, destinada a habitação, facto cuja prova incumbia à Requerida, por constituir facto essencial à integração na norma de incidência real o imposto e ser, portanto, constitutivo do direito a liquidá-lo.

 

Não foram alegados pelas partes quaisquer outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.

 

Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto

 

A convicção sobre a matéria de facto fundou-se nas alegações do Requerente e da Requerida não contraditadas pela parte contrária, sustentadas na prova documental junta quer pelo Requerente quer pela Requerida, e no processo administrativo, cuja autenticidade e correspondência à realidade também não foram questionadas.

 

 

4. MATÉRIA DE DIREITO - QUESTÕES DECIDENDAS

 

Aos olhos do Tribunal, são as seguintes as questões sobre as quais lhe cumpre decidir:

 

A)    Para efeito da aplicação da aludida verba, o prédio em causa, terreno para construção, sem construção autorizada ou prevista, está abrangido pela norma de incidência?

 

B)    A verba 28.1 da TGIS, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 13 de Dezembro, é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da igualdade tributária e da capacidade contributiva, devendo, nesse caso, ser recusada a respetiva aplicação, o que retirará suporte legal ao ato de liquidação que, por ilegal, terá de ser anulado?

 

C)    Na hipótese de ser a liquidação anulada, por ilegal, a requerente tem direito aos juros indemnizatórios previstos no artigo 43.º da LGT?

 

 

Cumpre decidir:

 

A)    Se o prédio está abrangido pela norma de incidência:

 

A sujeição a IS dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS, efetuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:

 

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.

 

A Lei também aditou ao Código do IS o n.º 7 do artigo 23.º, respeitante à liquidação do IS: “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e o artigo 67.º, n.º 2 que dispõe que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.

 

A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro veio alterar a redação da norma, que passou a ser seguinte: “28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

 

Nos artigos 2.º a 6.º do Código do IMI enumeram-se as espécies de prédios nos seguintes termos:

  

Artigo 2.º - Conceito de prédio

1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.

2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afetos a fins não transitórios.

3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.

4 – Para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”

 

“Artigo 3.º - Prédios rústicos

1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:

a) estejam afetos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);

b) Não tendo a afetação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.

2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afetação.

3 – São ainda prédios rústicos:

a) Os edifícios e construções diretamente afetos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;

b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º.

4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.

 

“Artigo 4.º - Prédios urbanos

Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”

 

“Artigo 5.º - Prédios mistos

1 – Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.

2– Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.”

 

“Artigo 6.º - Espécies de prédios urbanos

1 – Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.

4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3.

 

É no presente quadro jurídico que importa apreciar a qualificação jurídica do prédio sobre o qual incidiu o imposto em crise.

 

Dúvidas não existem de que o prédio é “terreno para construção”. É uma qualificação que não foi colocada em causa por nenhuma das partes e que resulta do teor da respetiva caderneta predial e do confronto dos citados artigos 2.º, 4.º e 6.º do CIMI aplicável por remissão expressa da norma de incidência aplicada.

 

Essa norma é a verba 28.1 da TGIS que, recordemos, dispõe o seguinte: 28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

 

Necessário é, pois, para preenchimento da norma de incidência, que o prédio seja habitacional ou, não o sendo, seja terreno para construção e que tenha sido autorizada ou esteja prevista construção destinada a habitação.

 

Sendo que sempre se dirá que, nesse caso, que a redação adotada pelo legislador foi infeliz e não deixa claro se a construção terá que ser exclusivamente para habitação e, assim não sendo, se pretende que a base do imposto corresponda ao valor tributário do prédio, ou apenas à parte que seja destinada a habitação (sendo que a respetiva determinação não se nos afigura viável).

 

Não ignora o Tribuna o contexto em que a norma foi produzida, mas nem em contexto de urgência está o legislador dispensado de observar os preceitos Constitucionais, designadamente, o princípio da legalidade no sentido de tipificar com clareza os factos tributários que estão sujeitos a imposto.

 

O n.º 2 do artigo 5.º do CIMI vem clarificar o que entende por prédios “habitacionais” para efeitos da alínea a) do n.º 1, classificando como tal as construções licenciadas para habitação ou que na falta de licença, tenham esse uso normal, não se está a referir aos terremos para construção, mas às edificações já realizadas que serão habitacionais quando seja esse o uso licenciado pela edilidade ou quando, na falta de licença, seja essa a sua utilização normal. 

 

O critério da “utilização normal” na falta de licença não se pode, pois, extrapolar com o objetivo de adivinhar as edificações que possam vir a ser feitas nos terrenos para construção, espécie de prédio prevista na alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo, como parece pretender a Requerida.

 

Certo que na avaliação do terreno foi utilizado pela AT o coeficiente de localização do tipo habitação, sendo que o sujeito passivo podia, de facto, ter reagido contra a aplicação deste coeficiente, não se tendo demonstrado que o tenha feito.

 

Não é esse, porém, o critério adotado pelo legislador nem no CIMI nem no Código do Imposto de Selo para qualificar o prédio como habitacional ou com afetação habitacional. 

 

O legislador não atribuiu à utilização daquele coeficiente qualquer relevo na qualificação do prédio, tão só na respetiva avaliação. Diga-se en passant ainda que sem consequências na decisão do pleito, que nos parece haver erro da AT na utilização de tal coeficiente.

 

A verba 28.1 da TGIS afigura-se-nos - nessa parte, pelo menos - perfeitamente clara: estão sujeitos a imposto, além dos prédios habitacionais (os da alínea a) do número 1e do n.º 2 do artigo 5,º do CIMI), os terrenos para construção (i.e., a espécie de prédio previsto na alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo do CIMI), desde que tenha sido autorizada ou esteja prevista construção destinada a habitação (ficando apenas por definir se é total ou parcialmente e, neste último caso, qual é a o valor considerado para efeitos de sujeição a tributação).

 

Ora, não ficou demonstrado que o terreno para construção em discussão tivesse autorização, projeto ou previsão de edificação prevista para habitação, por forma a estar sujeito a IS nos termos da Verba n.º 28.1 da TGIS.

 

Prova que cabia à Requerida e deveria aliás constar da fundamentação do ato de liquidação, que não foi junta aos autos. Diga-se, aliás, que não se vislumbra no processo administrativo qualquer fundamentação da liquidação. O vício daí decorrente não foi, porém, arguido.

 

            Parece-nos, portanto, evidente que o prédio, terreno para construção relativamente ao qual não se provou ter autorização ou previsão de construção destinada a habitação, não preenche a norma de incidência do imposto que serviu de base à liquidação.

 

Pelo que, sem necessidade de ulteriores considerações e com este fundamento, se considera anulável o ato de liquidação, por ilegal, por não ser aplicável a verba do artigo 28.1 da TGIS ao prédio sobre o qual incidiu.

 

B)    Da inconstitucionalidade da norma de incidência, por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva

 

Face ao que se deixou exposto, fica prejudicado, por desnecessário, o conhecimento dos demais vícios apontados pela Requerente, designadamente, da invocada inconstitucionalidade da norma.

 

C)    Do direito a juros indemnizatórios

 

 Finalmente, tratemos do respeita ao pedido formulado pela Requerente de reembolso das quantias que aqui se julgaram já indevidamente liquidadas e pagas e do invocado direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre as quantias pagas em consequências das liquidações em crise.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão, de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

Ora, é pacífico que o processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como resulta do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do art.º. 61.º, n.º 4 do CPPT.

 

Assim, o n.º 5 do art.º. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de liquidação há lugar a reembolso do imposto pago, por força dos referidos artigos. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

 

Quanto aos juros, o regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

Ora, no caso em apreço, a ilegalidade da liquidação é totalmente imputável à AT, aqui Requerida, face ao que foi supra dado como provado.

 

Por outro lado, também a manutenção da situação ilegal, i.e., a decisão da reclamação graciosa é imputável à Administração Tributária, aqui requerida, que a indeferiu por sua iniciativa.

 

Tendo resultado da liquidação em crise imposto a pagar em três prestações, deve considerar-se, para efeitos de contagem, a data do pagamento de cada uma daquelas prestações.

 

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios sobre as quantias por ela pagas, nos termos do art.º. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), desde aquelas datas até integral pagamento.

 

 

 5. DECISÃO

 

Nestes termos e com a fundamentação supra, decide-se:

 

 

Julgar totalmente procedente o pedido da Requerente e, em consequência, anular o ato de liquidação em crise, devendo a Requerida, por efeito da anulação, devolver à Requerente as quantias que esta tenha pago a este título, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, desde a data do pagamento até efetivo e integral reembolso.

 

 

 

* * *

 

Fixa-se o valor do processo em 29.808,38€ (dezoito mil, novecentos e oitenta e nove euros e oitenta cêntimos) de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.

 

O montante das custas é fixado em 1.530,00€ (mil quinhentos e trinta euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT e 527.º do CPC.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, aos 14 de fevereiro de 2017

 

O Árbitro,

 

 

 

 

 

(Eva Dias Costa)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.