Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 608/2016-T
Data da decisão: 2017-02-05  Selo  
Valor do pedido: € 3.838,22
Tema: Imposto do Selo - Verba 28 da TGIS. Propriedade vertical
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Decisão Arbitral

 

 

I. Relatório

 

1. A…, pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua…, n.º…, ..., em Lisboa, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária suscitando pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade de liquidações de Imposto do Selo - Verba 28.1, da Tabela Geral - relativas a segundas prestações do ano de 2015, no montante global de € 3 838,22.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 12-10-2016, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), em 17 do mesmo mês.

 

3. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 30-11-2016.

 

4. Devidamente notificadas dessa designação, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral singular, para apreciar e decidir o litígio objeto do presente processo, foi constituído em 19-12-2016.

 

6. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).

 

7. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

8. Assim, atento o conhecimento que decorre das peças processuais, designadamente do processo administrativo e documentos apresentados pelo Requerente, que se julga suficiente, o Tribunal, decidiu dispensar, por desnecessária, a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

 

II. Matéria de facto

 

9. Está em causa no presente processo a incidência do imposto do Selo, prevista no artigo 1.º do Código do Imposto do Selo e Verba 28.1 da respetiva Tabela, sobre prédios urbanos habitacionais de valor igual ou superior a um milhão de euros, quando referida a imóveis em regime de propriedade total, ou vertical, mas compostos de partes suscetíveis de utilização independente.

 

10. Relativamente aos prédios que revestem tal característica entende a Administração Tributária que o valor limite a considerar para efeitos de incidência tributária é o valor resultante do somatório dos valores patrimoniais das partes habitacionais, objeto de avaliação separada. Diversamente, é entendimento da jurisprudência arbitral maioritária que tal valor limite deverá ser definido em função do valor patrimonial tributário atribuído a cada uma das unidades habitacionais suscetíveis de utilização independente.[i]

 

11. É, pois no quadro legal assim muito sumariamente definido que se insere o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral para cuja apreciação relevam os elementos factuais referidos nos pontos seguintes, que aqui se dão por inteiramente provados.

 

12. A Requerente, no ano de 2015, era proprietária do prédio urbano situado Rua…, n.ºs … a …, freguesia de …, em Lisboa, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo … .

 

13. Na respetiva matriz predial, o referido prédio, com o valor patrimonial total de € 1.976 910,00, é descrito como constituído em propriedade total, com 8 pisos, e diversos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente.

 

14. De acordo com as normas aplicáveis à avaliação de prédios urbanos compostos de unidades suscetíveis de utilização independente, o valor patrimonial de cada uma dessas partes foi determinado separadamente, verificando-se que o valor patrimonial tributário de cada uma das partes que integram o prédio em causa é inferior a um milhão de euros.

 

15. Considerando que o valor patrimonial tributário resultante do somatório dos valores patrimoniais das unidades habitacionais era, no ano de 2015, superior a um milhão de euros, a Administração Tributária procedeu à liquidação de Imposto do Selo a que se refere a Verba 28 da respetiva Tabela Geral relativamente a cada uma dessas unidades

 

16. O montante apurado nas referidas liquidações foi dividido para pagamento em prestações, apurando-se, com referência às segundas prestações o montante global de € 3 838,22, conforme consta do anexo ao pedido.

 

17. Para cobrança dessas segundas prestações foram emitidos pela Administração Tributária, os correspondentes documentos de cobrança, decorrendo o prazo de pagamento voluntário durante o mês de Julho de 2016.

 

18. Não existem factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

III. Matéria de direito

 

19. Relativamente às liquidações questionadas, como acima referido, a questão que motiva a discordância da Requerente é a que se relaciona com a aplicação da norma da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) aos prédios urbanos, que, constituídos em propriedade total, são compostos por andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, com afetação habitacional, mas cujo valor patrimonial tributário, considerado separadamente, é inferior ao valor limite que releva para efeitos da incidência tributária.

 

20. É a legalidade dessa tributação que a Requerente vem contestar, considerando ilegais as liquidações em causa, por errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, valores patrimoniais e outros factos tributários, e violação do princípio da igualdade tributária, alegando, em síntese, que: 

 

“Não está consagrado na lei conceito de prédio com afetação habitação, mas o CIMI, nos termos do artigo 12.°, nº 3 do CIMI, estabelece que cada andar ou parte suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também individualmente o respetivo valor patrimonial.

 

O artigo 67.º, n.º 2, do Código do Imposto de Selo estabelece que às matérias não reguladas no C.I.S. respeitantes à Verba 28 da T.G.I.S. aplica-se subsidiariamente4 as normas do CIMI.

 

Em sede de imposto municipal sobre imóveis cada andar tem um valor patrimonial autónomo e distinto.

 

Tal sucede com cada um dos andares do prédio urbano em propriedade vertical sito na freguesia de … e, em particular, os objeto das notas de liquidação aqui em causa.

 

O valor patrimonial de cada um dos andares é inferior a um milhão de euros.”

 

As liquidações são ilegais pois o valor considerado para efeitos de liquidação de imposto de selo não foi o valor patrimonial de cada andar suscetível de utilização económica independente mas sim a soma de todos eles.”

 

21. Com os fundamentos que, no essencial, acima se transcreve, a Requerente conclui pedindo a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação, a que correspondem os documentos de cobrança identificados em anexo ao pedido relativos às segundas prestações do imposto respeitante ao prédio em causa e ao ano de 2015, com o valor total de € 3838,22, com a sua consequente anulação e restituição das importâncias indevidamente cobradas, acrescidos dos correspondentes juros indemnizatórios.

 

22. A Requerida (AT) apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, alegando, no essencial, que:

 

A sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao CIS resulta da conjugação de dois factos: a afetação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00.

 

Na verdade, consta da caderneta predial que o prédio se encontra em regime de propriedade total, compostos por várias partes suscetíveis de utilização independente.

 

Sendo esta a informação matricial, de acordo com o artigo 23º, n.º 7 do CIS, as liquidações de imposto do selo reportados ao ano de 2015, foram efetuadas, pela Administração tributária, tendo em conta a natureza do prédio urbano, à data do facto tributário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.

 

De acordo com as regras do CIMI, concretamente o artigo 113º, n.º 1, a liquidação efetua-se com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que as mesmas respeitam (no caso do imposto de 2015).

 

Encontrando-se o prédio em regime de propriedade total, não possuindo frações autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio, porque da noção de prédio do artigo 2º do CIMI, só as frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios – n.º 4 do citado artigo 2º do CIMI.

 

Do exposto, deve o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas por configurarem uma correta aplicação da lei aos factos.”

 

IV. Matéria de direito

 

23. Sintetizados os elementos factuais relevantes bem como as posições que, em matéria de interpretação do direito aplicável, vêm sustentadas pelas partes, importa, antes de mais, analisar, como questão prévia de conhecimento oficioso, a da competência do tribunal arbitral para apreciar e decidir sobre o objeto do pedido.

 

24. O presente pedido de pronúncia arbitral tem como objeto a declaração de ilegalidade e consequente anulação de segundas prestações de liquidações do imposto do selo previsto na Verba 28 da respetiva Tabela, suscitando-se, desde logo, a questão da impugnabilidade autónoma de prestações de pagamento de um tributo.

 

25. No pedido que formula, a Requerente claramente especifica que o respetivo objeto são as segundas prestações de liquidações de imposto do selo previsto na Verba 28 da Tabela Geral com referência ao ano de 2015 e ao prédio urbano que identifica.

 

26. Nesse sentido, sustenta a Requerente que “o direito de reclamar ou impugnar as liquidações em questão consta da cada uma das notificações remetidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira à Requerente, conferindo-lhes um carácter cindível, como das mesmas se alcança.” Segundo a Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira “ao emitir as notas de cobrança do Imposto de Selo nos termos em que o faz, concede ao sujeito passivo o espaço para este se opor, de forma separada ao pagamento das mesmas, os seja, por prestação.”

 

27. Está, assim, claramente delimitado o objeto do pedido, conforme sustenta a Requerente e, de resto, se extrai dos demais elementos do processo: o que vem impugnado não são os atos de liquidação mas as segundas prestações relativas ao pagamento de um valor unitário de imposto.

Da não impugnabilidade autónoma das prestações

 

28. A tributação em Imposto do Selo dos prédios urbanos a que se refere a Verba 28.1 da TTGIS origina uma liquidação anual, por cada prédio que se encontre nas condições aí referidas, seguindo, por remissão expressa, as regras do Código do IMI no tocante à respetiva cobrança, conforme decorre do artigo 23.º, n.º 7, do Código do Imposto do Selo.

 

29. De acordo com o disposto nos artigos 113.º e 120.º do CIMI, o imposto apurado naquela liquidação anual, é posteriormente cobrado em várias prestações, a ser pagas ao longo do ano, variando o número de prestações em função do montante de imposto liquidado.

 

30. No presente caso, conforme decorre dos elementos do processo, as liquidações foram efetuadas em 2016, sendo o imposto apurado dividido para pagamento em  prestações. 

 

31. Para pagamento das segundas prestações, foram oportunamente emitidas as correspondentes notas de cobrança, decorrendo o respetivo prazo de pagamento voluntário até ao final do mês de Julho do mesmo ano.

 

32. Resulta, assim, que a Requerente vem impugnar prestações a que se referem notas de cobrança parcelares, relativas às segundas prestações do imposto que lhe foi liquidado com referência ao prédio já acima identificado.

 

33. Sobre a não impugnabilidade autónoma de prestações o Tribunal Arbitral já se tem pronunciado, em situações idênticas à do presente processo, destacando-se, entre outras decisões que vão no mesmo sentido [ii] , as conclusões formuladas no Proc. n.º 726/2014, a que inteiramente se adere:

 

“As prestações de pagamento de uma liquidação de IMI ou, na situação em análise, de uma liquidação de Imposto do Selo, nos termos da Verba 28, da TGIS, não são autonomamente sindicáveis, por terem origem numa única obrigação anual. Não sendo cada uma das prestações das liquidações de Imposto do Selo identificadas nos autos autonomamente impugnáveis, … estar-se-á perante um caso de incompetência do tribunal arbitral para apreciação e declaração da sua ilegalidade e consequente anulação. A conclusão de que a liquidação de Imposto de Selo, da verba 28 da TGIS, é incindível, não podendo cada uma das suas prestações ser autonomamente impugnada, determina a incompetência do tribunal arbitral e obsta ao prosseguimento do processo, bem como à apreciação de mérito da causa. Motivos pelos quais se decide absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância.” 

 

34. A fundamentação da decisão acima transcrita, que, sem reservas, se subscreve. é identicamente aplicável ao presente pedido de pronúncia arbitral, pelo que, não sendo cada uma das prestações relativas a liquidação de Imposto do Selo autonomamente impugnáveis resta concluir, com os fundamentos acima expostos, que este Tribunal  Arbitral carece de competência para apreciar e decidir o pedido que constitui objeto do presente processo que, assim, não pode prosseguir, conforme decorre do disposto na artigo 89.º, n.º 4, al. i) do CPTA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT.

 

35. Nestes termos, ocorrendo exceção dilatória, de conhecimento oficioso, impeditiva do conhecimento do mérito da causa, obsta esta ao conhecimento do presente pedido e conduz à absolvição da Requerida (AT) da instância, nos termos do disposto nos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, al. a), do Código de Processo Civil (CPC), e 89.º, n.ºs 2 e 4.º. al. a), do CPTA, aplicáveis ao processo arbitral por remissão do artigo 29.º do RJAT.

 

V. Decisão

 

Nos termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

 

a) Declarar a incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciação do pedido formulado pela Requerente, o que obsta ao prosseguimento do pedido e apreciação do mérito da causa, absolvendo-se a Requerida (AT) da instância.

 

b) Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

Valor do processo: € 3 838,22

 

Custas: Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 612,00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 5 de fevereiro de 2017,

 

O árbitro, Álvaro Caneira

 

 



[i]  A título meramente indicativo e referindo apenas as mais recentes decisões arbitrais, podem ver-se, neste sentido, as proferidas nos seguintes processos: 749/2014-T, 752/2014-T, 754/2014-T, 808/2014-T, 812/2014-T, 818/2014-T, 822/2014-T, 824/2014-T, 849/2014-T, 41/2015-T, 65/2015-T, 70/2015-T, 73/2015-T, 110/2015-T, 174/2015-T, 236/2015-T, 449/2015-T, 461/2015-T e 463/2015-T.

[ii]  Vd. Procs. 120/2012-T, 408/2014-T, 797/2014-T, 37/2015-T, 90/2015-T. 137/2015-T e 140/2015-T, entre outros.