Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 595/2016-T
Data da decisão: 2017-02-23  IMT  
Valor do pedido: € 4.290,00
Tema: IMT – Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosa de Imóveis
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Decisão Arbitral

 

 

I – RELATÓRIO

 

1         A…, CF[1] … e B… CF …, residentes na …, nº…–…– Urbanização …, …, …-…, apresentaram um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,do nº 1 do artigo 3º e da alínea a) do nº 1 do artigo 10º, todos do RJAT[2], sendo requerida a AT[3], com vista à apreciação da legalidade do ato tributário de liquidação de IMT[4] nº…, no montante de € 4 290,00 do ano de 2016, incidente sobre a transmissão onerosa, operada por título de transmissão de 15 de Julho de 2016, lavrado pelo Dr. C…, Administrador Judicial, no âmbito da liquidação do ativo imóvel da insolvente D… SA, do terreno para construção sito no …, lote…, freguesia de …, concelho de Loures, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da União de freguesias de …, … e … .

2         Que o pedido foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmo Senhor Presidente do CAAD[5] e automaticamente notificado à AT em 06/10/2016.

 

 

3         Nos termos e para efeitos do disposto no nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi, em 30/11/2016, designado árbitro do tribunal Arlindo José Francisco, que comunicou a aceitação do encargo, no prazo legalmente estipulado.

4         O tribunal foi constituído em 19/12/2016 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5          Com o seu pedido, visam os requerentes, a anulação do referido imposto, previamente pago à transmissão, conforme consta do respetivo título.

6         Suportam o seu ponto de vista, em síntese, no entendimento de que o ato tributário de liquidação não deveria ter ocorrido, uma vez que a transmissão beneficiaria da isenção prevista no nº2 do artigo 270º do CIRE[6].

7         Consideram, que a AT, ao interpretar a norma no sentido de que só beneficiam da referida isenção os bens imóveis transmitidos quando integrados na universalidade da empresa ou estabelecimento insolvente, não se aplicando às transmissões isoladas, como é o caso, desrespeita a letra da norma.

8         Esta posição da AT, não vem sendo aceite pela jurisprudência do STA[7] e também em decisões dos tribunais arbitrais se têm entendido que a isenção prevista no referido nº 2 do artigo 270º do CIRE se aplica também aos atos de venda isolada de imóveis da massa insolvente, devendo por isso ser anulada a referida liquidação.

9         Por último e como procederam ao pagamento do imposto, pedem o seu reembolso acrescido de juros indemnizatórios, dado ter havido erro imputável aos serviços.

10     Na resposta a requerida considera não existir qualquer razão à pretensão dos requerentes devendo o pedido improceder com as devidas e legais consequências.

11     Suporta o seu ponto de vista, também síntese, que, o legislador do CIRE, apenas pretendeu manter a isenção para o caso da transmissão da universalidade de bens associados ao exercício da atividade económica da empresa.

12     Que a doutrina invocada pelo requerente não foi vertida pelo legislador na Lei 39/2003 e uma vez que a aquisição não envolveu a compra da universalidade de todos os bens afetos à atividade da empresa insolvente, não pode a transmissão em causa usufruir do benefício fiscal previsto no nº 2 do artigo 270º do CIRE.

13     Concluindo que a liquidação em crise não padece de qualquer ilegalidade, devendo o pedido de pronúncia ser declarado improcedente e a requerida absolvida de todos os pedidos.

 

II - SANEAMENTO

 

O tribunal foi regularmente constituído, é competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

Na resposta a AT pediu a dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como da produção de alegações orais ou escritas, tendo o tribunal determinado a notificação dos requerentes para se pronunciarem em 10 dias.

Em 10/02/2017 os requerentes, vieram aos autos dizer que não se opunham à dispensa da reunião do artigo 18º do RJAT, e também prescindiam da produção de alegações orais ou escritas.

Por despacho da mesma data o tribunal considerou reunidas as condições para proferir decisão.

Deste modo, não enfermando o processo de nulidades, cumpre decidir.

 

III- FUNDAMENTAÇÃO

 

1 – As questões a dirimir, com interesse para os autos, são as seguintes:

 

a)      Se o ato de liquidação de IMT aqui posto em crise, deveria ou não beneficiar da isenção prevista no nº 2 do artigo 270º do CIRE.

 

b)       Se, em caso de anulação, o seu reembolso, deverá ou não ser acompanhado do pagamento de juros de indemnizatórios.

 

 

       2- Matéria de Facto

 

a)       Os requerentes apresentaram proposta de aquisição do imóvel (terreno para construção) inscrito na matriz predial urbana sob o nº … da União de freguesias…, … e …, pertencente à massa insolvente da Sociedade D… SA.

b)      O referido imóvel foi-lhe adjudicado em 01 de Julho de 2016 e, conforme título de transmissão de 15 do referido mês de Julho, outorgado pelo senhor Administrador de Insolvência, adquiriram-no pelo, preço de € 66 000,00.

c)       Do referido título de aquisição consta que os requerentes pagaram o respetivo IMT no montante de € 4 290,00.

 

Os factos descritos estão provados por documentos juntos aos autos e consideramos serem os relevantes para apreciação do mérito da causa.

 

 

3        – Matéria de Direito

 

3.1 – Da aplicação ou não da isenção prevista no nº 2 do artigo 270º do CIRE ao caso concreto.

 

Os requerentes pretendem que lhe seja reconhecido o direito de beneficiarem de isenção de IMT, prevista no artigo 270º do CIRE, que se transcreve:

“1 - Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis integrados em qualquer plano de insolvência, de pagamentos ou de recuperação:

 

a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;

b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;

c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores.

2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta, integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.

 

Na perspetiva dos requerentes os atos referidos no nº 2 do citado normativo abrangem não só as transmissões de bens imóveis integrados numa universalidade da empresa ou estabelecimento da massa insolvente, mas também as transmissões isoladas do seu ativo, desde que integrados no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.

Na perspetiva da requerida AT a isenção só tem lugar quando a transmissão respeite à universalidade de bens associados ao exercício da atividade económica da empresa. Daí não ter aplicabilidade ao caso concreto, uma vez que estamos em presença de uma transmissão isolada que, por esse motivo, não fica abrangida pela previsão da norma do nº 2 do citado artigo 270º do CIRE.

 

Há já vários Acórdãos do STA e decisões dos tribunais arbitrais em questões semelhantes à dos presentes autos e vamos seguir de perto o decidido no Acórdão nº 0949/11, de 30 de Maio de 2012, e que também foi seguido no processo 95/2015 do CAAD.

Vamos transcrever a parte que nos interessa do referido Acórdão do STA:

 

“Em face da letra da lei, quer uma, quer outra das interpretações são defensáveis, afigurando-se, contudo, gramaticalmente mais correcta a sustentada pela Administração tributária, pois que os verbos “vender”, “permutar” e “ceder” são todos eles verbos transitivos, daí que na frase a referência à “empresa ou estabelecimentos desta” surgisse

como complemento directo de todos três. Esta interpretação, choca, contudo como bem observado na sentença recorrida , com aquilo que o legislador consignou no n.º 49 do preâmbulo do CIRE no que respeita aos benefícios fiscais, onde se afirma que: «mantêm-se, no essencial, os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais», sendo certo que a alínea c) do n.º 2 do artigo 121.º do CPEREF isentava de imposto municipal de sisa as transmissões de bens imóveis integradas em qualquer das providências de recuperação da empresa que decorram, designadamente, da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa. E choca, também como bem observado pelo Ministério Público em 1.ª instância (cfr. o parecer de fls. 66 a 68 dos autos)

com o sentido e extensão da autorização legislativa concedida ao Governo ao abrigo da qual foi aprovado o CIRE, fixado nos artigos 2.º e seguintes da Lei n.º39/2003, de 22 de Agosto, pois que, no que se refere às isenções de imposto municipal de sisa (hoje IMT), dispunha o n.º 3 do artigo 9.º daquela lei de autorização legislativa que: «Fica, finalmente, o Governo autorizado a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente: c) (...) da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimento ou elementos dos seus activos (...)».

Pode, é certo, defender-se que, na perspectiva do legislador do CIRE, as diferenças quanto ao âmbito da isenção de IMT relativamente à que existia no CPEREF para a SISA não se afiguraram como essenciais, daí que não lhes haja feito qualquer referência particular. É que, designadamente em matéria fiscal, nem sempre o preâmbulo dos diplomas espelha com rigor o respectivo conteúdo, não sendo sequer inédito que incluam menções que o articulado da lei infirma (cfr. no que respeita à SISA/IMT o Acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Novembro de 2010, rec.nº 499/10).E pode, também, defender-se que na concretização da autorização legislativa para aprovação do CIRE, na matéria que nos ocupa, o Executivo decidiu ser mais parcimonioso que a Assembleia da República quanto à concessão de isenção de IMT, decidindo excluir essa isenção nos casos de venda, permuta ou cessão de elementos dos seus activos, concedendo a apenas nos casos de venda, permuta ou cessão da empresa ou seu estabelecimento. Se assim foi, contudo, não teria respeitado o sentido e extensão da autorização legislativa que lhe foi concedida, tendo legislado em matéria reservada à Assembleia da República (cfr. o n.º 2 do artigo 103.º e a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição) em desrespeito da credencial parlamentar que lhe foi conferida. Como é sabido, entre dois sentidos da lei, ambos com apoio pelo menos mínimo na respectiva letra, deve o intérprete optar por aquele que o compatibilize com o texto constitucional (interpretação conforme à Constituição), em detrimento da interpretação que o vicie de inconstitucionalidade. É por essa razão fundamentalmente que se entende que a decisão recorrida não merece censura, pois que sendo embora duvidoso que o legislador ordinário do CIRE tenha pretendido conferir à isenção de IMT prevista no n.º 2 do seu artigo 270.º o mesmo âmbito que tinha a anterior isenção de SISA prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 121.º do CPEREF, a opção do sentido da sua restrição não lhe era consentida, pois que em matéria de benefícios fiscais legisla em domínio reservado à Assembleia da República, havendo que respeitar os limites que esta lhe fixe, designadamente os respeitantes ao sentido e extensão da autorização (cfr. o n.º 2 do artigo 165.º da Constituição da República)”.

 

Partilhando este tribunal do que foi defendido no Acórdão citado, que o nº 2 do artigo 270º do CIRE tem aplicação não só às transmissões onerosas de imóveis integradas na universalidade da empresa ou do estabelecimento da massa insolvente, mas também às transmissões isoladas de elementos do seu ativo, desde que integradas no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, como é o caso.

Mesmo que se entenda que a utilização da autorização legislativa pode ser integral ou parcial, a sua utilização não pode é restringir, em matéria de benefícios fiscais, o sentido e a extensão do que foi autorizado.

Deste modo concluímos que assiste razão aos requerentes devendo a liquidação de IMT ser anulada, com as inerentes consequências legais. 

 

 

3.2 – Pagamento de juros indemnizatórios conjuntamente com o reembolso do IMT

 

 

Anulada a liquidação, o artigo 46º do CIMT[8], nºs 1 e 3 determinam que são devidos juros indemnizatórios, previstos no artigo 43º da LGT[9], assim, uma vez declarada a ilegalidade da liquidação de IMT e a sua consequente anulação a AT fica obrigada a reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, conforme artigo 100º da LGT.

Comprovado o pagamento do IMT em questão pelos requerentes têm direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos precisos termos do citado artigo 43º, nº 1, da LGT e artigo 61º do CPPT[10].

 

IV DECISÃO

 

 

Face ao exposto, o tribunal decide o seguinte:

 

a)      Declarar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação do ato de liquidação de IMT e o seu reembolso aos requerentes no montante de € 4 290,00 acrescido dos respetivos juros indemnizatórios calculados à taxa legal, desde a data em que ocorreu o pagamento e a data em que ocorra o reembolso.

b)      Fixar o valor do processo € 4 290,00 de harmonia com as disposições contidas no artigo 299º, nº 1, do CPC[11], artigo 97º-A do CPPT, e artigo 3º, nº2, do RCPAT[12].

c)      Fixar as custas, ao abrigo do nº4 do artigo 22º do RJAT, no montante de € 612,00 de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT, que ficam a cargo da requerida.

 

Notifique.

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2017

 

Texto elaborado em computador, nos termos, nos termos do artigo 131º, nº 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.

O árbitro

 

 Arlindo José Francisco

 



[1] Acrónimo de Contribuinte Fiscal

[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

[3] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[4] Acrónimo de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis

[5] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[6] Acrónimo de Código da Insolvência e Recuperação de Empresas

[7] Acrónimo de Supremo Tribunal Administrativo

[8] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis

[9] Acrónimo de Lei Geral Tributária

[10] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário

[11] Acrónimo de Código de Processo Civil

[12] Acrónimo de Regulamento de Custas Nos Processos de Arbitragem Tributária