Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 150/2012-T
Data da decisão: 2013-05-03  IMI  
Valor do pedido: € 310.765,45
Tema: Declaração de ilegalidade de ato de liquidação; aplicabilidade do benefício fiscal previsto no artigo 49.º do EBF
Versão em PDF

Processo Arbitral n.º 150/2012-T

 

 

Acordam, nestes autos, os juízes-árbitros, Jorge Lopes de Sousa, presidente, Luís Menezes Leitão e Manuela Roseiro, adjuntos:

 

 

1. RELATÓRIO

 

1.1 A... - SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIOS, S.A.”, com sede na …, em Lisboa, contribuinte fiscal nº …, na qualidade de sociedade gestora e em representação de “B... - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º…, e “C...– Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, doravante “A...” ou “Requerentes”, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante “RJAT”), sendo a “Requerida”, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).

 

As Requerentes pretendem a declaração da ilegalidade das liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) identificadas nos autos, no valor total de € 310.765,45 e a condenação da AT no reembolso dos valores indevidamente liquidado pela A..., acrescido dos devidos juros indemnizatórios.

 

1.2 Como fundamento do seu pedido, as Requerentes alegaram em síntese que: /2012-T

 

O B... - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, é um fundo de investimento imobiliário fechado (“FIIF”) de subscrição particular, que foi constituído em 25 de Julho de 2004 e cujas unidades de participação eram, em 1 de Novembro de 2006, tal como actualmente, integralmente subscritas por um investidor qualificado

 

O C... – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado é um FIIF de subscrição particular, que foi constituído em 18 de Outubro de 2009 e cujas unidades de participação eram, em 1 de Novembro de 2006, detidas por investidores qualificados e por investidores não qualificados.

 

Os referidos Fundos beneficiaram, até ao final do ano de 2009, de isenção de IMI prevista no art. 49.º do Estatuto dos benefícios Fiscais (EBF), na redacção à data em vigor (redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2007), com ligeiras alterações subsequentes, no caso do C..., aplicado de acordo com a norma transitória prevista no art. 88º al. j) da LOE 2007.

 

Com as alterações introduzidas ao art. 49.º do EBF pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que aprovou o Orçamento de Estado para 2010, foi revogada a isenção de IMI aplicável aos FIIF, sem que tenha sido introduzida qualquer norma transitória específica.

 

Posteriormente, o artigo 49.º veio a ser novamente alterado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2011, passando os FIIF de subscrição pública a beneficiar novamente da isenção de IMI.

 

Na sequência das referidas alterações ao art. 49.º do EBF, com referência aos exercícios de 2010 e 2011, a AT deixou de aplicar a isenção estabelecida na anterior redacção deste artigo, tendo emitido as seguintes liquidações de IMI aos Requerentes respeitantes aos anos de 2010 e 2011:

 

  • Ao “B... - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, com respeito ao ano de 2011, um montante total de IMI de € 84.313.87 (liquidação nº 2011…, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 30 de Setembro de 2012).

 

  • Ao “C... – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”, também com respeito a 2011, um montante total de IMI de € 226.451,68 (liquidação nº 2011…, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 30 de Setembro de 2012).

As Requerentes procederam ao pagamento das liquidações de IMI cujo prazo de pagamento voluntário já terminara aquando da dedução do pedido de pronúncia arbitral, no montante total de € 310.765,45.

 

Entendem as Requerentes ilegais as supra referidas liquidações de IMI, requerendo a sua anulação com todas as consequências legais, por entenderem ser-lhes aplicável a isenção de IMI prevista no art. 49.º do EBF, na redacção dada pela referida Lei nº 53-A/2006 (que aprovou o Orçamento de Estado para 2007).

 

Defendem os Requerentes que estando em causa um benefício fiscal temporário, o mesmo de acordo com o disposto no art. 3.º do EBF deve vigorar pelo prazo de 5 anos, (i.e. até 31 de Dezembro de 2011).

 

Consideram os Requerentes, de acordo com o art. 3.º e 11.º, ambos do EBF, quer ainda de acordo com o princípio da protecção da confiança que lhes está inerente, que esta revogação apenas produz efeitos com relação a eles a partir de 1 de Janeiro de 2012, 5 anos após a entrada em vigor da norma em apreço, uma vez que a norma revogatória não estabeleceu qualquer norma transitória, utilizando a prerrogativa prevista na parte final do n.º 1 do art. 11.º do EBF, que determinasse a aplicação imediata da nova redacção da lei aos contribuintes que se encontrassem a aproveitar do beneficio fiscal aplicável ao FIIF previsto no art. 49.º EBF, na redacção dada pelo OE 2007.

 

Mais detalhadamente, referem os Requerentes que a generalidade dos benefícios fiscais devem considerar-se temporários, considerando o exposto no art. 3.º, n.º 1 do EBF, introduzido pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro.

 

Em relação aos fundos de investimento imobiliário, o art. 56º do EBF (introduzido pelo Decreto-Lei 188/90, de 8 de Junho) previa inicialmente que "ficam isentos de contribuição autárquica os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário", visando-se "incentivar esta forma de investimento" (vide preâmbulo do Decreto-Lei 188/90, de 8 de Junho).

 

A norma referida veio a sofrer diversas alterações (não relevantes no caso em concreto) até à entrada em vigor da Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro (LOE 2007), que alterou significativamente os termos da isenção.

 

Efectivamente, o art. 49º, nº 1 do EBF na redacção dada pela referida Lei nº 53-A/2006 isentava de IMI os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões ou em fundos de poupança-reforma, que se constituíssem e operassem de acordo com a legislação nacional.

 

O nº 2 deste artigo referia, no entanto, que os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular, ou por instituições financeiras por conta daqueles, não beneficiarem da isenção prevista no nº 1, sendo as taxas reduzidas para metade.

 

O art. 88º, alínea j) da Lei nº 53-A/2006 (OE 2007), previa um regime transitório que limitava a aplicação do referido art. 49º, nº 2 do EBF aos imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular, por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles, constituídos após 1 de Novembro de 2006, ou que realizassem aumentos de capital após essa data e, bem assim, aos imóveis integrados em fundos com idênticas características cujas unidades de participação fossem, à data de 1 de Novembro de 2006, detidas exclusivamente por instituições financeiras não qualificadas ou por instituições financeiras por conta daqueles.

 

O novo regime do art. 49º, nº 1 do EBF não teve, assim, aplicação imediata quanto aos fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados detidos total ou parcialmente por investidores qualificados constituídos anteriormente a 1 de Novembro de 2006 e que não realizassem qualquer aumento de capital após essa data, como é o caso das requerentes.

 

A LOE 2010 veio revogar o nº2 do art. 49º do EBF, tendo também alterado o nº2 do mesmo preceito no sentido de apenas poderem beneficiar da isenção os fundos de investimento imobiliário abertos, passando assim os FIIF de subscrição pública e de subscrição particular por investidores qualificados a estar sujeitos às taxas normais de IMI.

 

Posteriormente. o art. 49º do EBF veio ainda a ser alterado pela LOE 2011, passando os FIIF de subscrição pública a beneficiar novamente da isenção de IMI, mantendo-se, no entanto, a exclusão da isenção para os FIIF de subscrição particular por investidores qualificados.

 

O art. 49.º do EBF inserido na parte II do EBF deve qualificar-se como um benefício fiscal temporário. Também o beneficio fiscal decorrente da norma transitória introduzida pelo OE 2007 deve qualificar-se como um benefício temporário, na medida em que mais não é do que uma extensão do próprio artigo 49.º, n.º1, inserido na parte II do EBF.

 

Este entendimento é confirmado pelo n.º 2 do art. 142.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2012), que vem prorrogar por mais 5 anos determinados benefícios fiscais temporários cuja manutenção se pretende, pois caso contrário estes caducariam em 31 de Dezembro de 2011.

 

Referem as Requerentes que as normas fiscais são de aplicação imediata, mas importa considerar o disposto no art. 11.º, n.º 1 do EBF que conjuntamente com o art. 3.º do EBF tem subjacente a ideia de protecção de direitos adquiridos, logo as normas que alterem benefícios fiscais temporários não se aplicam aos contribuintes que já aproveitem dos mesmos.

 

Considerando a letra e o espírito das normas analisadas defendem as Requerentes “que (i) os benefícios fiscais temporários conferem direitos adquiridos durante o respectivo prazo de vigência aos contribuintes que deles aproveitem; (ii) a alteração ou revogação de tais benefícios fiscais temporários não deve, de acordo com os princípios constitucionais de confiança, da protecção, da boa-fé e da segurança jurídica, aplicar-se aos contribuintes que tenham um direito adquirido durante o prazo de vigência inicialmente previsto; (iii) independentemente de considerações de natureza constitucional, o artigo 11.º, n.º 1 do EBF será sempre aplicável a normas que alterem ou revoguem benefícios fiscais temporários na ausência de disposição em contrário, pelo que estas normas não serão aplicáveis aos contribuintes que já aproveitem do direito ao benefício fiscal respectivo até ao fim do prazo pelo qual tais benefícios estavam previstos; (iv) (…) os benefícios previstos no artigo 49.º do EBF tratam-se de benefícios fiscais temporários que, como tal, conferem aos que dele aproveitem um direito adquirido à sua manutenção durante o prazo de vigência inicialmente previsto, sendo, a este respeito, integralmente aplicável o disposto no artigo 11.º, n.º 1 do EBF”.

 

Concluem os Requerentes que as referidas liquidações de IMI são ilegais por, dada a inexistência de disposição em contrário, violação dos artigos 3.º e 11 do EBF e se assim não se entender, inconstitucionais, por violação dos princípios referidos de confiança, da protecção, da boa-fé e da segurança jurídica, pelo que estas deverão ser anuladas com todas as consequências legais.

 

1.3 A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu alegando, desde logo, que, os fundamentos arguidos pelas Requerentes careciam de base legal, pelos motivos que, em resumo, passamos a expor:

 

Refere a AT que a temporariedade, no sentido de todos os benefícios fiscais terem uma duração simultaneamente máxima e mínima, não é caracterísitica de todos os benefícios a que se refere o EBF e, em particular, do benefício fiscal do art. 49º, mas apenas dos benefícios a que se refere a Parte III do EBF.

 

Temporários são apenas os benefícios fiscais com carácter temporário, sujeitos a uma duração pré-determinada que, com essa epígrafe, integram a Parte III do EBF e não os benefícios com carácter estrutural a que se refere a parte II do mesmo diploma, onde se inclui o benefício fiscal associado à matéria aqui controvertida.

 

O benefício fiscal reflectido no art. 49.º do EBF tem natureza estrutural, tal como todos os benefícios fiscais incluídos na Parte II do EBF.

 

Esta qualificação é igualmente aplicável ao referido regime transitório abrangendo imóveis integrados em fundos de imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular, por investidores qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles, constituídos anteriormente a 1 de Novembro de 2006 e que não realizassem aumentos de capital após essa data e, bem assim, aos imóveis integrados em fundos com idênticas características cujas unidades de participação não fossem, à data de 1 de Novembro de 2006, detidas exclusivamente por instituições financeiras qualificadas ou por instituições financeiras por conta daqueles, criado pelo art. 88.º, j) da lei n.º 53-A/2006.

 

O prazo referido no art. 3.º, n.º 1 do EBF é um prazo de caducidade dos benefícios fiscais, não consubstanciando qualquer proibição da sua revogação nos cinco anos posteriores à sua criação.

 

A AT evidenciou também o facto de o EBF não ser considerado uma lei reforçada, nos termos do art. 112.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, pelo que o mesmo não vincula o legislador ordinário, que pode aprovar legislação em sentido contrário ao mesmo.

 

Aplica-se assim plenamente à sucessão das normas do EBF por outras normas integradas ou não formalmente nesse Estatuto o princípio "lex posterior legi anteriori derrogat".

 

Em face do exposto, conclui não ser aplicável à revogação do regime transitório acima descrito o disposto na 1.ª parte do art. 11.º, n.º 1 do EBF, pelo que a eliminação deste regime efectuada através do art. 109.º da Lei n.º 3-B/2010 tem efeitos imediatos.

 

Acrescenta referindo ainda que o art. 176.º da Lei n.º 3-B/2010, que aprovou o Orçamento de Estado por 2010, determina a sua entrada em vigor no dia seguinte à respectiva publicação, entendendo-se que o legislador quis expressamente afastar a aplicação do critério associado à sucessão de normas sobre benefícios fiscais definido no art. 11.º, 1.ª parte, sobrepondo-lhe assim o referido na 2.ª parte dessa mesma norma.

 

Concluindo pela legalidade das liquidações IMI em questão.

 

1.4. As requerentes apresentaram um articulado superveniente em que expressam a sua discordância com o decidido num caso semelhante pelo Tribunal Arbitral do processo 107/2012, articulado esse que foi junto aos autos.

 

2. FUNDAMENTAÇÃO

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem, não foram arguidas excepções e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostraram-se legítimas e as Requerentes estão regularmente representadas por Advogado, cumpre, pois, apreciar e decidir.

 

Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se as liquidações de IMI acima enunciadas, relativas ao exercício de 2011, no valor total de € 310.765,45, enfermam de ilegalidade por violação de norma de isenção.

 

Conforme salientam as requerentes, questão idêntica já foi objecto de apreciação no processo 107/2012 deste Centro, no qual teve intervenção um dos membros do presente Tribunal Arbitral e cuja fundamentação e decisão merecem a concordância da maioria dos Árbitros que integram o presente Tribunal Arbitral. Irá por isso seguir-se o referido nesse acórdão.

 

Importa assim começar por analisar o cariz temporário ou estrutural do benefício fiscal em apreço – art. 49.º do EBF, aplicável a fundos de investimento imobiliário, fundos de pensões e fundos de poupança-reforma.

 

Nesta matéria, o EBF parece-nos claro ao dividir os benefícios fiscais em dois grandes grupos, os incluídos na Parte II, sob a epígrafe “Benefícios fiscais com caracter estrutural” e os incluídos na Parte III, sob a epígrafe “Benefícios Fiscais com carácter temporário”.

 

Estando incluído na Parte II do EBF, o benefício fiscal em apreço tem, portanto, cariz iminentemente estrutural.

 

Esta qualificação é, naturalmente, também aplicável ao regime transitório previsto no art. 88.º, j) da Lei n.º 53-A/2206 que abrangia os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular, por investidores qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles, constituídos anteriormente a 1 de Novembro de 2006 e que não realizassem aumentos de capital após essa data e, bem assim, aos imóveis integrados em fundos com idênticas características cujas unidades de participação não fosse, à data de 1 de Novembro de 2006, detidas exclusivamente por instituições financeiras qualificadas ou por instituições financeiras por conta daqueles.

 

Mesmo que se reconheça que alguns benefícios fiscais incluídos na Parte II do EBF têm uma componente temporária, como sejam, a título de exemplo e por todos, o artigo 19.º - “Criação Liquida de Emprego”, onde o legislador na redacção da norma optou por referir expressamente um horizonte temporal mínimo de aplicação do referido benefício fiscal (neste caso 5 anos).

 

Constata-se que tal não sucede com o art. 49.º n.º1 do EBF onde não é feita qualquer referência expressa ao horizonte temporal da aplicação deste benefício.

 

Ou seja, o legislador teve a opção de incluir na norma em questão – art. 49.º EBF – a definição de um período temporal mínimo e/ou máximo de aplicação, conferindo-lhe, deste forma, expressamente também cariz temporário, mas optou por não o fazer.

 

Entendemos, portanto, que o benefício fiscal em apreço deverá ser qualificado como estrutural, não beneficiando de qualquer prazo predeterminado de duração/aplicação, tendo duração indeterminada, não obstante o prazo de caducidade a que está sujeito “ex vi” art. 3.º do EBF.

 

Efectivamente, o art. 3º do EBF, ao estabelecer um prazo de cinco anos de vigência dos benefícios fiscais, visa, conforme resulta da sua epígrafe, estabelecer previsivelmente a sua caducidade no fim desse prazo, mas não garantir a plena vigência do benefício durante cinco anos, tornando as leis que estabelecem benefícios fiscais, imunes a qualquer alteração legislativa durante esses cinco anos.

 

Se fosse esse o entendimento da lei, chegaríamos à solução perversa de o legislador poder alterar a todo o tempo, com os enormes agravamentos que se têm verificado nos últimos tempos, o regime geral de tributação, mas não poderia mexer durante cinco anos nas normas que estabelecem benefícios fiscais.

 

Quanto ao disposto no art. 3º, nº2, do EBF, parece claro que o mesmo ao prever que "são mantidos os benefícios fiscais cujo direito tenha sido adquirido durante a vigência das normas que os consagram, sem prejuízo de disposição legal em contrário", visa precisamente ressalvar os benefícios adquiridos durante o tempo em que vigorou a norma que os consagrou, impedindo a sua extinção retroactiva, não garantir um prazo mínimo de vigência desses benefícios que lei futura não pudesse alterar.

 

Assim, a norma que de facto estabelece a exclusão da aplicação da lei nova aos benefícios em curso é apenas o art. 11º, nº1, do EBF, mas este é apenas aplicáveis aos benefícios fiscais convencionais, condicionados ou temporários, o que já se viu não ser o caso do art. 49º do EBF, que tem natureza estrutural e não temporária.

 

Deverá também considerar-se a característica de lei reforçada da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (que aprovou o Orçamento de Estado para 2010) e que revogou a isenção de IMI que as Requerentes entendem ser-lhes aplicável (cfr. o actual art. 112.º, n.º 3 da CRP).

 

A CRP no seu art. 112.º, n.º 3 é clara ao referir que “têm valor reforçado, além das leis orgânicas, as leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas”.

 

Conforme refere Jorge Miranda e Rui Medeiros “As leis de valor reforçado são, umas (a maioria) de vinculação específica – apenas adstringem certas leis, com que se encontram em relação necessária; e outras (os estatutos político-administrativos regionais e as leis orçamentais), de vinculação genérica – impõem-se a quaisquer outras leis” (in, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, 2006, pág. 271).

 

O cariz de lei reforçada da norma que põe termo a este regime de isenção não pode ser ignorado e merece clara valoração.

 

Conforme refere a AT, e em nossa entender bem, “constitucionalmente, o EBF não é uma lei orgânica, não tendo de ser, como não foi, aprovada pela Assembleia da República por qualquer maioria qualificada”.

 

A Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril ao referir a sua entrada em vigor no dia seguinte ao da publicação, expressamente pôs termo ao regime transitório a que se refere o art. 88.º, j) da Lei n.º 53-A/2206.

 

Parece-nos claro que foi intenção do legislador, inequivocamente, acabar com esta isenção de IMI, com efeitos imediatos, não sendo aplicável à matéria controvertida a salvaguarda do art. 11.º, n.º 1 do EBF, nos termos arguidos pelos Requerentes.

 

Com efeito, o legislador ao incluir esta alteração ao regime do art. 49.º do EBF no âmbito de uma lei reforçada – Orçamento do Estado para 2010, cuja entrada em vigor definiu expressamente no art. 176.º deste diploma (dia seguinte ao da publicação da Lei) – pretendeu também afastar o definido no art. 11.º, n.º 1, 1.ª parte, sobrepondo-lhe o referido na 2.ª parte dessa norma.

 

Não têm por isso razão as Requerentes quando sustentam e requerem a declaração de ilegalidade das liquidações de IMI em apreciação, por violação dos artigos 3.º e 11 do EBF.

 

Por fim, as Requerentes vêm também arguir a violação dos princípios de confiança, da protecção, da boa-fé e da segurança jurídica.

 

Não têm razão, porém, os Requerentes.

 

Aos argumentos acima referidos, com destaque para a qualificação deste benefício fiscal como estrutural e não temporário, conforme defendem os Requerentes, importa acrescentar o seguinte.

 

O facto tributário em IMI ocorre a 31 de Dezembro do ano a que o imposto respeitar, com a propriedade do respectivo bem imóvel (cfr. art. 8.º, n.º 1 código IMI).

 

Ora, se o facto constitutivo do direito ocorre a 31 de Dezembro de cada civil, o direito à isenção só se pode considerar adquirido com a verificação dos pressupostos da aplicação da isenção nessa data.

 

Não está portanto aqui em causa qualquer violação de direito adquirido pelas Requerentes.

 

É absolutamente claro que não estamos perante um caso onde possa ser questionada a questão da retroactividade da lei fiscal, no limite a alteração do regime em apreço poderá ter implicado frustração de expectativas na subsistência de um regime de benefício fiscal, violando-se, deste modo, o princípio da confiança.

 

Como se disse, a norma de isenção opera simultaneamente com a norma de incidência objectiva e subjectiva do IMI. Ora, à altura em que, no caso, o facto tributário aconteceu, ou seja em 31 de Dezembro de 2011, já não estava em vigor a norma que anteriormente previa a isenção, em virtude da mesma haver sido revogada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que aprovou o Orçamento de Estado para 2010, ao dar uma nova redacção ao art.º 49.º do EBF. Assim sendo, não se verifica qualquer aplicação retroactiva da lei tributária.

 

As Requerentes invocam inclusivamente como argumento a entrada em vigor tardia da LOE 2010, mas essa não tem qualquer relevo para a questão das liquidações em análise, as quais são referentes a 2011.

 

Relativamente à alegada violação dos princípios da protecção da confiança, da boa-fé e da segurança jurídica, socorremo-nos do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferido no âmbito do Proc. n.º 0894/10, datado de 07 de Dezembro de 2011, que remete para o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 128/09, de 12 de Março de 2009, que entendemos aplicável à matéria controvertida.

 

Refere o referido Acórdão que “A norma sancionada, incluída na categoria de benefício fiscal, veio, muito simplesmente, revogar um tratamento excepcional”.

 

E continua referindo que “a isenção apresenta-se tendencialmente como uma medida de natureza conjuntural, ou seja, decorrente de uma opção legislativa por natureza mutável. Se se recordar a distinção feita, a propósito dos elementos essenciais do imposto, por Alberto Xavier (Manual de Direito Fiscal, I, Lisboa, 1974, p. 282) entre contribuinte isento e não contribuinte, a situação da recorrida é a de uma contribuinte que, em dado contexto temporário, se viu na posição de contribuinte isento. Assim sendo, e atentando agora aos pressupostos ou requisitos da protecção de confiança que se deixaram já enunciados, necessário é concluir pelo não preenchimento de, pelo menos, dois desses pressupostos. Desde logo, não pode afirmar-se que, in casu, tenha o Estado (maxime, o legislador) encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade (pois desde o momento em que a isenção foi aprovada que os particulares sabem tratar-se, aqui, de uma situação excepcional e condicionada). Depois, também não pode considerar-se que fossem fundadas em «boas razões» as expectativas privadas de manutenção do regime jurídico da isenção: já que de nenhum elemento do regime de Sisa se pode deixar de retirar a regra geral segundo a qual todas as transmissões de imóveis são objecto de tributação, a revogação da norma que previa a isenção não podia surgir aos olhos da recorrida como algo de improvável ou inverosímil”.

 

Também com referência aos argumentos dos Requerentes alegando a frustração das expectativas e a violação da confiança, acompanhamos a argumentação deste Acórdão e concluímos, com referência à matéria controvertida, que não consideramos como provado que o investimento das Requerentes esteja directamente e intrinsecamente relacionado com a manutenção deste regime de isenção de IMI.

 

Acolhemos portanto o entendimento exposto neste Acórdão quanto a esta matéria, concluindo também pela não relevância jurídica desta expectativa para o efeito de merecer tutela do princípio constitucional da confiança.

 

Não têm por isso razão os Requerentes quando sustentam e requerem a declaração de ilegalidade das liquidações de IMI em apreço por se entenderem inconstitucionais, por violação dos princípios constitucionais da confiança, da protecção, da boa-fé e da segurança jurídica.

 

Pelo que por esta razão deverá também improceder o pedido das Requerentes.

 

3. DECISÃO

 

Destarte, atento tudo o exposto, acordam, neste Tribunal Arbitral, em julgar improcedente o pedido formulado pelos Requerentes no presente processo arbitral tributário quanto à ilegalidade das liquidações de IMI e respectivos juros compensatórios, respeitantes ao exercício de 2011.

 

De acordo com o disposto no art.º 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em € 310.765,45.

 

Nos termos do art.º 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.508,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo devidas pelas Requerentes.

 

* * *

 

Lisboa, 3 de Maio de 2013

 

Os Árbitros,

 

 

 

Luís Menezes Leitão

 

 

 

Manuela Roseiro

 

 

Jorge Lopes de Sousa (vencido nos termos da declaração de voto anexa)


 


 

Voto de vencido


 

Discordo da tese que fez vencimento pelas seguintes razões:


 

1. Questões relativamente as quais estou em desacordo

A minha discordância limita-se às questões da violação do artigo 3.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais e do princípio constitucional da confiança.


 

1.1. Benefícios fiscais estruturais e temporários

 

O EBF qualifica como «Benefícios fiscais com carácter estrutural» os que são incluídos na sua Parte II e como «Benefícios fiscais com carácter temporário», os que constam da sua Parte III, como se conclui das respectivas epígrafes, que foram mantidas após a revisão e renumeração operada pelo do Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho. Nesta revisão, para além de renumeração de artigos e supressão de referência aos já revogados, foram efectuadas alterações sistemáticas e várias alterações de epígrafes, arroladas no artigo 2.º daquele diploma, pelo que não há qualquer suporte normativo para concluir que, além das alterações de epígrafes que forma feitas devem considerar-se como efectuadas outras alterações que o não foram, designadamente as referentes às Partes II e III do EBF. Na verdade, num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa) o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio adoptaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.

O benefício fiscal atribuído a fundos de investimento imobiliário consta da Parte II, pelo que é legalmente qualificado como benefício fiscal com carácter estrutural e essa qualificação, perante a divisão dicotómica legislativamente adoptada entre benefícios fiscais com carácter estrutural e benefícios fiscais cm carácter temporário tem precisamente o alcance prático de afastar a aplicação das regras que se pretendeu reservar para os qualificados como temporários àqueles a que foi atribuída natureza estrutural.

Sendo assim, não se estando perante um benefício fiscal de origem convencional ou condicionado ou temporário não é aplicável à sucessão de normas sobre este benefício fiscal o regime do artigo 11.º, n.º 1, do EBF, em que se refere que «As normas que alterem benefícios fiscais convencionais, condicionados ou temporários, não são aplicáveis aos contribuintes que já aproveitem do direito ao benefício fiscal respectivo, em tudo que os prejudique, salvo quando a lei dispuser em contrário».


 

2. Evolução legislativa subjacente ao artigo 3.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais


 

2.1. Origem do actual artigo 3.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais


 

O artigo 3.º do EBF, na redacção que resultou da republicação operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho, tem a seguinte redacção:


 

Artigo 3.º

Caducidade dos benefícios fiscais

1 – As normas que consagram os benefícios fiscais constantes das partes ii e iii do presente Estatuto vigoram durante um período de cinco anos, salvo quando disponham em contrário.

2 – São mantidos os benefícios fiscais cujo direito tenha sido adquirido durante a vigência das normas que os consagram, sem prejuízo de disposição legal em contrário.

3 – O disposto no n.º 1 não se aplica aos benefícios fiscais constantes dos artigos 16.º, 17.º, 18.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º e 44.º, bem como ao capítulo v da parte ii do presente Estatuto.

 

Trata-se de uma mera reprodução do anterior artigo 2.º-A, aditado pela Lei n.º Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), que estabelece o seguinte:


 

Artigo 2.º-A

Caducidade dos benefícios fiscais

1 – As normas que consagram os benefícios fiscais constantes das partes II e III do presente Estatuto vigoram durante um período de cinco anos, salvo quando disponham em contrário.

2 – São mantidos os benefícios fiscais cujo direito tenha sido adquirido durante a vigência das normas que os consagram, sem prejuízo de disposição legal em contrário.

3 – O disposto no n.º 1 não se aplica aos benefícios fiscais constantes dos artigos 14.º, 15.º, 21.º, 22.º, 22.º-A, 22.º-B e 40.º, bem como ao capítulo V do presente Estatuto.


 

Constata-se, assim, que o regime daquele artigo 2.º-A passou integralmente para este o artigo 3.º, apenas havendo alteração do n.º 3, derivada da renumeração que aquele diploma operou, substituindo-se as referências aos artigos do Estatuto dos Benefícios Fiscais pelas que lhes correspondem na nova redacção.

O regime legal continuou, por isso, a ser precisamente o mesmo, antes e depois do DL n.º 108/2008.

 

2.2. Origem do artigo 2.º-A do EBF introduzido pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro


 

Por sua vez, o artigo 2.º-A do EBF introduzido pela Lei n.º 53-A/2006, tem como antecedente o artigo 14.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, que, na sua redacção inicial, estabelecia:


 

Benefícios fiscais

. Sem prejuízo dos direitos adquiridos, as normas que prevêem benefícios fiscais vigoram durante um período de cinco anos, se não tiverem previsto outro, salvo quando, por natureza, os benefícios fiscais tiverem carácter estrutural.


 

Esta norma foi eliminada da LGT pela mesma Lei n.º 53-A/2006, ao mesmo tempo que foi introduzido no EBF o artigo 2.º-A, pelo que, tratando da mesma matéria (período de vigência de benefícios fiscais e salvaguardada de direitos adquiridos) é evidente que aquela norma da LGT é o antecedente legislativo deste último, tendo-se por inseri-la no Estatuto dos Benefícios Fiscais.

A razão de ser daquela norma da LGT transparece da respectiva autorização legislativa em que se baseou o Governo para a aprovas (Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto) que indica como sentido da autorização, no seu artigo 2.º:


 

7) Regular o período de vigência dos benefícios fiscais, em termos de assegurar a sua previsibilidade, em obediência ao princípio da segurança jurídica, e a avaliação periódica dos respectivos resultados;

 

Conclui-se, assim, que a norma do actual artigo 3.º (como o anterior artigo 2.º-A do EBF e o artigo 14.º, n.º 1, da LGT, na redacção inicial) visa, primacialmente, assegurar a previsibilidade que é exigida pelo princípio da segurança jurídica, princípio de valor constitucional, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), embora também tenha em vista impor ao legislador a avaliação periódica dos resultados da aplicação dos benefícios fiscais.

Por isso, o prazo de cinco anos previsto no artigo 3.º, n.º 1, do EBF, não é apenas um prazo máximo de duração dos benefícios fiscais, mas também um prazo mínimo, que os contribuintes podem justificadamente prever que será o prazo durante o qual podem usufruir do benefício fiscal, sempre que a norma que o consagra não disponha em contrário, pois só assim se atinge o objectivo de permitir a previsibilidade da manutenção e caducidade de benefícios fiscais.


 

3. Interpretação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do EBF


 

O n.º 1 do artigo 3.º do EBF não assegura que quem se encontre numa situação em que usufrua de benefícios fiscais tenha direito a mantê-los por cinco anos, mas apenas que as normas que os criam vigorarão durante cinco anos, se não dispuserem em contrário (n.º 1). Por isso, se, por exemplo, um contribuinte adquire o direito no 3.º ano de vigência de uma norma, o que lhe assegura o n.º 1 do artigo 3.º é que, não havendo disposição em contrário, poderá usufruir do benefício fiscal nesse 3.º ano e nos dois subsequentes. Da letra do n.º 1 do artigo 3.º resulta que a disposição em contrário que permite o afastamento da vigência de um benefício fiscal durante cinco anos tem de ser a norma que o consagra: a parte final, «salvo quando disponham em contrário», reporta-se às «normas que consagram os benefícios fiscais». Assim, o n.º 1 só admite o afastamento da sua estatuição quando a própria norma que consagra o benefício fiscal dispõe em contrário, estabelecendo uma vigência diferente dos cinco anos previsíveis. Aliás, só com uma interpretação deste tipo se satisfaz o desígnio de garantir a previsibilidade quanto à duração dos benefícios fiscais, que legislativamente se pretendeu assegurar.

Por seu turno, o n.º 2 assegura que quem adquira um benefício fiscal durante a vigência de uma norma que o consagra mantém o direito a usufruir dele, salvo disposição em contrário.

Assim, no exemplo aventado, quem adquira um benefício fiscal no 3.º de vigência da norma que o consagra manterá o direito a usufruir do benefício fiscal até ao previsível termo de vigência da norma, isto é, nesse 3.º ano e nos dois anos subsequentes. Só não se manterá este benefício fiscal se existir «disposição legal em contrário», pois a parte final do n.º 2, estabelecendo que o aí estatuído é prejudicado pela existência de disposição legal em contrário, condiciona a sua estatuição.

No entanto, embora aparentemente não se exija no n.º 2 que a «disposição legal em contrário» que afaste o regime regra de manutenção dos direitos aos benefícios fiscais adquiridos tenha de ser concomitante da aquisição do benefício fiscal, isso está implícito na natureza da própria norma de garantia de salvaguarda de direitos adquiridos. Na verdade, ficaria anulado o efeito garantístico que se pretende atingir se se entendesse que esses direitos adquiridos poderiam ser eliminados por normas posteriores à sua aquisição.

Por isso, a única interpretação logicamente admissível do n.º 2 é a de que é assegurada a manutenção dos benefícios fiscais adquiridos, a não ser que norma anterior ou contemporânea da aquisição do benefício estabeleça que ele tem natureza precária ou condicionada.

A interpretação adoptada pela tese que fez vencimento, no sentido de que «Quanto ao disposto no art. 3º, nº2, do EBF, parece claro que o mesmo ao prever que "são mantidos os benefícios fiscais cujo direito tenha sido adquirido durante a vigência das normas que os consagram, sem prejuízo de disposição legal em contrário", visa precisamente ressalvar os benefícios adquiridos durante o tempo em que vigorou a norma que os consagrou, impedindo a usa extinção retroactiva, não garantir um prazo mínimo de vigência desses benefícios que lei futura não pudesse alterar», conduz a uma conclusão que nada acrescenta em matéria de segurança jurídica à que resulta da aplicação das regras gerais de aplicação das leis no tempo, e, por isso, está ao arrepio da razão primordial da introdução legislativa do prazo de cinco anos como tempo de duração de benefícios fiscais.

Na verdade, é regra básica sobre a aplicação no tempo das normas jurídicas «a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular» (artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil).

A interpretação adoptada pela tese que fez vencimento reconduz-se a que sejam ressalvados «os benefícios adquiridos durante o tempo em que vigorou a norma que os consagrou, impedindo a usa extinção retroactiva», mas, como consta da parte final do n.º 2, não deixa de ser admissível disposição legal em contrário. Quer dizer, o n.º 2 do artigo 3.º, nesta tese, asseguraria que os benefícios fiscais adquiridos não serão eliminados retroactivamente se não houver uma norma que diga que o são. Não se vislumbra o que é que esta norma, nesta interpretação, acrescentaria àquela regra básica do artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil.

Por outro lado, a eliminação da previsibilidade da duração de benefícios fiscais declaradamente pretendida com o artigo 14.º da LGT estaria ao arrepio da linha geral de reforço das garantias dos contribuintes que foi adaptada na LGT e que, até 2006, não se vê que haja razões que justificassem que se invertesse essa opção legislativa, designadamente que se tivesse pretendido prosseguir como objectivo legislativo a reintrodução da imprevisibilidade da duração de benefícios fiscais que anteriormente subsistia, quando é facto consensual há muito reconhecido que a imprevisibilidade do sistema fiscal português é um obstáculo estrutural ao investimento internacional, de importância crucial para o desenvolvimento da economia nacional.

Assim, sendo de presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada e que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), o que pressupõe que a norma do n.º 2 do artigo 3.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais tenha algum alcance útil, a única interpretação aceitável é a de que se pretendeu manter o direito ao prazo de cinco anos de previsibilidade da duração de benefícios fiscais, que se tinha adoptado no artigo 14.º da LGT.

 

3.1. A «disposição em contrário»


 

A «disposição em contrário» exigida pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do EBF tem de consistir nisso mesmo, numa norma que estabeleça que, em determinada situação, não se aplica o regime do n.º 1 ou do n.º 2 do artigo 3.º do EBF.

Não pode entender-se que constitui «disposição em contrário» para este efeito, uma norma que se limita a revogar a norma que consagra um benefício fiscal e a fixar a data da revogação, mesmo dentro do período de cinco anos previsto no n.º 1.

Na verdade, de uma norma deste tipo apenas se pode concluir que, a partir da sua entrada em vigor, deixa de se constituir o benefício, mas não que não se mantenham os benefícios cujo direito já deve considerar-se adquirido, nos termos em que o foi, durante o período legalmente previsto para a sua duração no momento e que ele foi adquirido.

Uma «disposição legal em contrário» tem de ser para este efeito uma norma que estabeleça explicitamente ou, pelo menos, de forma clara, que os benefícios fiscais cujo direito anteriormente se tenha constituído não é respeitado. Na falta de um dispositivo deste tipo, é de entender que a lei só vale para o futuro, não atribuindo os benefícios a situações jurídicas que só venham a ocorrer no futuro, em sintonia com o princípio geral de aplicação da lei fiscal no tempo de que «as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor» (artigo 12.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, que está em sintonia com o artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil).


 

4. A prevalência das leis de valor reforçado

 

A questão de saber se têm ou não valor reforçado das normas do Orçamento para 2010 (Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), que revogou a anterior redacção do artigo 49.º do EBF, não tem qualquer relevo para a apreciação desta questão.

Na verdade, as normas do artigo 2.º-A, n.ºs 1 e 2, do EBF, de que os n.ºs 1 e 2 do actual artigo 3.º é mera reprodução, foram introduzidas no EBF pela Lei n.º 52-A/2006, de 29 de Dezembro, que é também uma lei orçamental, pelo que tem idêntico valor normativo.

Por outro lado, nem a Lei n.º 3-B/2010 nem qualquer outra lei posterior revogou aqueles n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do EBF. Pelo contrário, o n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 3-B/2010 expressamente refere que «durante o ano de 2010, o Governo é autorizado a cobrar as contribuições e os impostos constantes dos códigos e demais legislação tributária em vigor e de acordo com as alterações previstas na presente lei», o que contém ínsita uma reafirmação da vigência durante o ano de 2010 das normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do EBF, já que não foram por essa lei orçamental alteradas. Esta norma do artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, é também uma norma orçamental, pelo que, se as normas orçamentais têm valor reforçado, aqueles terão o mesmo valor reforçado que terá qualquer outra norma do Orçamento para 2010, e que entrou em vigor no mesmo momento que a norma que alterou o artigo 49.º do EBF.

Da mesma forma, a Lei de Orçamento do Estado para 2011, que é a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, aplicável ao caso em apreço, reafirma também para este ano, no n.º 2 do seu artigo 1.º que «durante o ano de 2011, o Governo é autorizado a cobrar as contribuições e os impostos constantes dos códigos e demais legislação tributária em vigor e de acordo com as alterações previstas na presente lei», norma este que remete também, simultaneamente, para os artigos 3.º, n.ºs 1 e 2, e 49.º do EBF.

Por isso, é inequívoco que tem de ser aplicados no ano de 2011 aqueles n.ºs 1 e 2, do artigo 3.º do EBF.

Consequentemente, não se pode basear no valor reforçado das normas dos artigos 109.º (que alterou o artigo 49.º do EBF) e do artigo 176.º (que fixou a data de entrada em vigor) da Lei n.º 3-B/2010, nem no artigo 187.º da Lei n.º 55-B/2010, de 31 de Dezembro, nem no princípio de que a lei posterior revoga a anterior o afastamento da aplicação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do EBF, que ambas estas Leis, por remissão, também determinam que sejam aplicáveis à cobrança de impostos em 2010 e 2011, isto é, até ao termo do prazo de cinco anos referido no n.º 1 daquele artigo 3.º.

Quando normas concomitantemente vigentes podem colidir e não há algum elemento interpretativo que aponte para a prevalência de uma sobre a outra em determinado campo específico de aplicação, a interpretação adequada é a que as compatibilize, pois é essa a presumível intenção legislativa subjacente à sua vigência simultânea e a reclamada pelo princípio da unidade da ordem jurídica, que é o elemento primordial da interpretação jurídica (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil).

Neste contexto, há que notar que as normas dos n.ºs 1 e 2 do actual artigo 3.º do EBF são normas sobre a aplicação de outras normas, normae normarum, normas de segundo grau, que fazem parte de uma teoria geral da aplicação das normas sobre benefícios fiscais e que, por isso, a sua aplicação se impõe na interpretação de todas as normas sobre esta matéria quando não exista, como nelas se admite, disposição legal em contrário. Aliás, para além de ser evidente esta natureza das normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º, o artigo 1.º do EBF expressamente determina a aplicação das disposições da sua Parte I «aos benefícios fiscais nele previstos», pelo que não há razão para duvidar que aquelas regras se aplicam à interpretação do seu artigo 49.º, em qualquer das suas redacções.

Por isso, na falta de qualquer disposição da Lei n.º 3-B/2010 ou da Lei n.º 55-B/2010 que estabeleça que estas regras dos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do EBF são afastadas, é em sintonia com elas que há que interpretar o alcance da revogação do benefício fiscal previsto no artigo 49.º então vigente, quanto a fundos de investimento imobiliário


 

5. Aplicação ao caso concreto


 

Os Requerentes são fundos de investimento imobiliário de fechados de subscrição particular, constituídos em 2004 (…) e 1999 (…).

As unidades de participação do Fundo … eram, em 1-11-2006, detidas por um investidor qualificado.

As unidades de participação do Fundo … eram, em 1-11-2006, detidas por investidores qualificados e por investidores não qualificados.

Os Requerentes beneficiaram, até ao final do ano de 2009, da isenção de IMI prevista no artigo 49.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais ("EBF") na redação dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2007), no caso do …, aplicada de acordo com a norma transitória prevista no artigo 88.º, alínea j) daquela Lei.

De acordo com as alterações introduzidas ao artigo 49.º do EBF pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2010, foi revogada a isenção de IMI aplicável aos fundos de investimento imobiliários fechados, sem que tenha sido introduzida qualquer norma transitória específica.

À face das regras dos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do EBF, o benefício fiscal inovatoriamente atribuído pela Lei n.º 52-A/2006 aos fundos de investimento imobiliários fechados de subscrição particular, que está incluído na Parte II do EBF, deveria ter a duração de cinco anos e manter-se até 2011, para quem estivesse na situação de dele usufruir, já que nenhuma disposição daquela Lei dispõe em contrário.

Consequentemente, o não reconhecimento do direito ao referido benefício fiscal no ano de 2011 viola o preceituado naqueles n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do EBF, o que justifica a anulação das liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida.


 

6. Violação do princípio da confiança


 

Entendo que há violação do princípio da confiança.

Assente que houve com a LGT uma preocupação legislativa em assegurar a previsibilidade dos benefícios fiscais, que foi transposta para o artigo 2.º-A do EBF, pela Lei n.º 52-A/2006, a eliminação de benefícios fiscais antes do decurso do prazo de cinco anos da sua duração previsível constituirá manifesta violação do princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático, já que se estará perante não observância de uma norma que, precisamente, tem em vista assegurar a confiança e, por isso, é presumível que os contribuintes fiquem com reforçada convicção de que podem esperar que o que nelas se garante será mantido.

Por outro lado, não haverá, neste caso, razão para compressão (ou eliminação) do princípio da confiança por exigências prementes de finanças públicas que têm servido de pretexto ao desrespeito da maior parte das normas garantísticas de conteúdo económico, designadamente por considerações derivadas da «grave crise financeira» que refere a AT na sua resposta.

Na verdade, estão em causa tributos que são receitas específicas dos municípios em que se situam os prédios que beneficiam de isenção de IMI e não se ter alegou nem provou que algum deles se encontre em situação de crise financeira, nomeadamente de tal forma grave a não poder suportar os ónus dos benefícios em causa, o que, aliás, é confirmado pelo facto de em 2011 ter havido um novo alargamento do âmbito do benefício atribuído a fundos de investimento imobiliário em sede de IMI.


 

Lisboa, 3-5-2013


 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)