Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 2/2013-T
Data da decisão: 2013-06-20  IMI  
Valor do pedido: € 240.326,82
Tema: Artigo 49.º do EBF; Caducidade dos benefícios fiscais
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Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 2/2013 - T

Requerentes: “A...– Fundo Especial de Investimento Imobiliário” e outros

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

Tema: IMI – Declaração de ilegalidade de ato de liquidação / Artigo 49.º do EBF / Caducidade dos benefícios fiscais

 

 

Os Árbitros Juiz Conselheiro Benjamim Silva Rodrigues (árbitro presidente), Dr. Luís Máximo dos Santos e Prof. Doutora Maria do Rosário Anjos (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para integrarem o Tribunal Arbitral, constituído em 4 de março de 2013, acordam o seguinte:

 

IRelatório

 

I.1. “A...– Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “B... - Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “C... - Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “D... - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “E... - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “F... - Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “G... - Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “H... - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “I... - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “J... - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “K... - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “L... - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “M... - Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “N... - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “O... - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “P... - Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “Q... - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “R...- Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “S...- Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “ T… - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “U...- Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “V… - Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, “ T II … - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado”, contribuinte fiscal n.º …, em conjunto Requerentes, representados por X…, S.A., contribuinte fiscal n.º …, com sede na …, na qualidade de sociedade gestora, requereram a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante designado por RJAT).

 

I.2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida) nessa mesma data. No pedido de pronúncia arbitral os Requerentes não designaram árbitro, pelo que os árbitros signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral coletivo, tendo sido aceites as respetivas nomeações nos termos legalmente previstos.

I.3. Em consequência, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 2 de janeiro de 2013 e notificado à AT na mesma data. A constituição do Tribunal Arbitral processou-se em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º, ambos do RJAT, tendo sido designados pelo Conselho Deontológico o Exmo. Senhor Conselheiro Benjamim da Silva Rodrigues, o Exmo. Senhor Dr. Luís Máximo dos Santos e a Exma. Senhora Professora Doutora Maria do Rosário Anjos, que comunicaram a aceitação do encargo nos termos e prazo aplicáveis.


 

O tribunal arbitral coletivo foi constituído em 4 de março de 2013, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.


 

A reunião prevista no artigo 18.º do RJAT teve lugar em 2 de maio de 2013, pelas 11 horas, nas instalações do CAAD, tendo comparecido os Árbitros designados e os representantes dos Requerentes e da Requerida, como consta da respetiva ata, que se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais.


 

Os Requerentes manifestaram a sua vontade de não manter o articulado superveniente junto aos autos mas antes de o convolarem em alegações escritas antecipadamente apresentadas. Ouvido o representante da AT por ele foi dito nada ter a opor ao manifestado pelos Requerentes, sem prescindir de prazo para, também por escrito, apresentar as suas alegações. Nesta conformidade, o tribunal decidiu a convolação do articulado superveniente em alegações e fixou prazo de 15 dias à AT para o mesmo efeito.

A AT apresentou as suas alegações em 17 de maio de 2013.

 

I.4. A pretensão objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste no pedido de anulação parcial (de 50%) do valor dos atos de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), melhor identificados no pedido de pronúncia arbitral, nos documentos n.ºs 1 a 23, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, bem como na condenação da requerida AT na devolução aos Requerentes dos montantes que se alega terem sido indevidamente pagos, no valor de €240.326,82, acrescidos de juros indemnizatórios, que peticionam.

 

I.5. Da petição e das alegações resulta que o pedido de pronúncia arbitral deduzido pelos Requerentes se pode sintetizar nos seguintes termos:

a) Os Requerentes são fundos de investimento imobiliário fechados (FIIF), de subscrição particular, cujas unidades de participação são, na totalidade ou em parte, subscritas por investidores não qualificados;

b) Beneficiaram, até ao final do ano de 2009, de redução a metade da taxa de IMI aplicável, prevista no artigo 49.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)1, na redação à data em vigor, que resultou da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro (a Lei do Orçamento do Estado para 2007 – LOE 2007);

c) De acordo com as alterações introduzidas pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei do Orçamento do Estado para 2010 – LOE 2010), foi revogado o benefício de redução da taxa do IMI aplicável aos FIIF de subscrição particular por investidores não qualificados, sem que tenha sido introduzida qualquer norma transitória específica;

d) Em consequência da revogação de tal benefício, a AT deixou de aplicar a redução a metade da taxa de IMI, tendo emitido as liquidações de IMI respeitantes aos anos de 2010 e 2011, considerando a taxa de IMI aplicável pela sua totalidade;

e) Em causa nos presentes autos estão as liquidações de IMI relativas ao ano de 2011 e notificadas aos Requerentes com prazo de pagamento voluntário até 30 de setembro de 2012, pelas quais estes liquidaram o valor de €480.653,63, quando deviam ter liquidado o valor de €240.326,82, precisamente por os Requerentes entenderem que beneficiavam, ainda, da redução da taxa de IMI.


 

I.6. Os Requerentes sustentam o seu pedido alegando, no essencial, o seguinte:

a) As liquidações são ilegais, parcialmente, porquanto os Requerentes entendem que com referência ao ano de 2011 (assim como em relação ao ano de 2010) a redução a metade da taxa do IMI, prevista no artigo 49.º, n.º 2, do EBF, na redação dada pela LOE 2007, com ligeiras alterações subsequentes, deve ser aplicável, uma vez que está em causa um benefício fiscal temporário com a vigência de 5 anos, por força do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do EBF;

b) Apesar de ter sido revogado o benefício de redução a metade da taxa de IMI aplicável antes do período de cinco anos ter decorrido, consideram os Requerentes que, de acordo com os artigos 3.º e 11.º, ambos do EBF, quer ainda de acordo com o princípio da proteção da confiança que lhes está inerente, essa revogação apenas produz efeitos com relação aos Requerentes a partir de 1 de janeiro de 2012;

c) Invocam a seu favor as razões ou objetivos subjacentes ao regime jurídico fiscal dos FIIF, nomeadamente os resultantes do Decreto-Lei n.º 246/85 de 12 de julho, bem como do Decreto-Lei n.º 134/85 de 2 de maio, e da evolução do próprio benefício fiscal em causa;

d) Em suma, os FIIF subscritos após 1 de novembro de 2006 ou que a essa data fossem detidos exclusivamente por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles, passariam a estar sujeitos a IMI, sendo a sua taxa reduzida a metade, continuando os FIIF de subscrição particular que em dezembro de 2006 fossem parcialmente detidos por investidores não qualificados a beneficiar da isenção prevista no n.º 1 do artigo 49.º do EBF;

e) A LOE 2010 veio revogar o n.º 2 do artigo 49.º do EBF, tendo também alterado o n.º 1 do mesmo preceito no sentido de apenas poderem beneficiar de isenção os fundos de investimento imobiliário abertos;

f) A Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011 – LOE 2011), alterou novamente o artigo 49.º do EBF passando os FIIF de subscrição pública a beneficiar novamente da isenção de IMI, mantendo-se a exclusão da isenção e da redução a metade das taxas aplicáveis aos FIIF de subscrição particular;

g) Alegam ainda que o benefício fiscal em presença (redução da taxa de IMI) é um benefício fiscal temporário e, nessa medida, deve vigorar por um prazo de cinco anos, nos termos previstos no artigo 3.º, n.º 1, do EBF;

h) Este horizonte temporal deve configurar um verdadeiro pacto de estabilidade para os benefícios fiscais (…) delimitar com alguma precisão em que medida o benefício constitui um direito adquirido pelo respetivo beneficiário que o salvaguarda de mudanças eventuais de regime;

i) Invocam, também, como princípio da aplicação no tempo das normas sobre benefícios fiscais a proteção dos direitos adquiridos, desde logo nos termos previstos no artigo 11.º do EBF, segundo o qual “as normas que alterem benefícios fiscais convencionais, condicionados ou temporários, não são aplicáveis aos contribuintes que já aproveitem do direito ao benefício fiscal respectivo, em tudo que os prejudique, salvo quando a lei dispuser em contrário”;

j) Em abono da sua posição em torno da proteção do princípio da confiança invocam a jurisprudência do Tribunal Constitucional constante do Acórdão n.º 410/95, proferido no âmbito do proc. n.º 248/94, e a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) vertida no Acórdão de 4 de Março de 1998, proferido no recurso n.º 16580, sendo de referir também a junção aos autos das Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.º 107/2012-T (cuja jurisprudência contrariam) e n.º 150/2012-T, esta última junta aos autos pelos Requerentes em requerimento de 6 de maio de 2013, onde apelam, em particular, para a declaração de voto vencido do Exmo. Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa;

k) Consideram que os benefícios fiscais temporários conferem direitos adquiridos durante o respetivo prazo de vigência aos contribuintes que deles aproveitem, como decorre do artigo 11.º do EBF, sublinhando que este, apesar de poder ser afastado por disposição expressa do legislador, não o foi no caso concreto;

l) Nas suas alegações reforçam esta ideia, bem como a necessidade de interpretação das disposições legais em causa em conformidade com Constituição, concluindo que a interpretação segundo a qual o facto constitutivo do direito aos benefícios fiscais coincide sempre com a verificação do facto tributário, sob pena de se retirar qualquer efeito útil aos artigos 3.º, n.ºs 1 e 2, e artigo 11.º, n.º 1, do EBF, consubstanciando, desse modo, violação da Constituição da República Portuguesa (CRP) por ofensa aos princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica, ínsitos na ideia de Estado de Direito constante dos artigos 2.º e 8.º da CRP;

m) Sustentam assim que as liquidações de IMI em crise nos presentes autos são ilegais se outro for o entendimento, e que, nesse caso, serão ainda inconstitucionais;

n) Concluem requerendo a anulação parcial das liquidações de IMI e a devolução dos montantes que consideram ter sido indevidamente pagos, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios.

 

I.7. A Requerida apresentou resposta e, posteriormente, alegações nas quais, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

a) Os benefícios fiscais temporários são apenas os compreendidos na Parte III do EBF;

b) Não são temporários mas estruturais os benefícios contidos na Parte II desse Estatuto; o critério relevante para determinar a natureza estrutural ou temporária de um benefício fiscal é a determinação de um prazo de duração do benefício fiscal, critério suportado pela doutrina e jurisprudência;

c) À luz desse critério o benefício fiscal contido no n.º 2 do artigo 46.º (atual 49.º) aditado pela LOE 2007, vigente até à LOE 2010, tem a natureza de benefício fiscal estrutural, por o legislador ter sido omisso quanto à sua duração temporal;

d) O prazo referido no artigo 3.º, n.º 1 do EBF é um prazo de caducidade dos benefícios fiscais, não consubstanciando qualquer proibição da sua revogação nos cinco anos posteriores à sua criação.

e) Apenas poderia não ser, caso o EBF pudesse ser considerado, nos termos do artigo 112.º, n.º 3, da CRP uma lei reforçada;

f) Assim, o benefício fiscal referido no artigo 49.º do EBF tem carácter estrutural, inserindo-se nesta Parte II;

g) Esta qualificação é igualmente aplicável ao regime transitório abrangendo os imóveis integrados em FII mistos ou fechados de subscrição particular;

h) Nessa medida, não é aplicável à revogação do regime transitório o disposto na primeira parte do artigo11.º, nº 1, do EBF, pelo que a sua eliminação, efetuada pelo artigo 109.º da Lei n.º 3-B/2010, tem efeitos imediatos;

i) Ainda que assim não fosse, o artigo 176.º da Lei 3-B/2010 determina a sua entrada em vigor no dia seguinte da sua aplicação, pelo que se deve entender o legislador ter expressamente pretendido afastar a aplicação do critério aplicável à sucessão de normas sobre benefícios fiscais definido no artigo 11.º, nº 1, primeira parte, sobrepondo-se-lhe assim, o referido na segunda parte dessa norma legal;

j) A postura da AT no processo administrativo n.º …/2012 é diferente da ora apresentada por, naquele processo, se encontrar em análise a manutenção de um benefício fiscal de natureza temporária, constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF, cuja norma tinha sido revogada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012 – LOE 2012), e, no presente caso, se encontrar em causa um benefício fiscal de natureza estrutural;

k) Conclui pugnando pela legalidade das liquidações impugnadas e pela improcedência dos pedidos formulados pelos Requerentes.

 

II – Saneamento

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e no artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. Não há quaisquer vícios que invalidem o processo.

Cumpre, assim, apreciar o mérito do pedido.

 

III – Matéria de facto

III.1. Factos provados

III.1.1. Para a decisão das questões suscitadas nos autos, a delimitação da matéria de facto relevante, a partir da análise da prova documental e do processo administrativo tributário junto e em face dos factos alegados, fixa-se nos termos seguintes:

a) O A...foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011 …, referente ao ano de 2011, no valor total de €776,94, (correspondendo a parte contestada a €388,47);

b) O B... foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €33.704,30, (correspondendo a parte contestada a €16.852,15):

c) O C... foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €6.284,90, (correspondendo a parte contestada a €3.142,45);

d) O D... foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €77.889,40, (correspondendo a parte contestada a €38.944,72);

e) O E... foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €25.668,84, (correspondendo a parte contestada a €12.834,42);

f) O F... foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €612,18, (correspondendo a parte contestada a €306,09);

g) O G... foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €10.394,19 (correspondendo a parte contestada a €5.197,10);

h) O H... foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €25.898,12 (correspondendo a parte contestada a €12.949,06);

i) O I... foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €24.565,61 (correspondendo a parte contestada a €12.282,81);

j) O J... foi notificado da liquidação de IMI n.º …, referente ao ano de 2011, no valor total de €4.498,90, (correspondendo a parte contestada a €2.429,45);

k) O K... foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €32.566,82 (correspondendo a parte contestada a €16.283,41);

l) O L… foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €7.188,52, (correspondendo a parte contestada a €3.559,26);

m) O CO…foi notificado da liquidação de IMI nº 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €3.256,04, (correspondendo a parte contestada a €1.628,02);

n) O N... foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €68.679,49 (correspondendo a parte contestada a €34.339,75)

o) O O... foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €24.949,37 (correspondendo a parte contestada a €12.474,69);

p) O GE… foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €15.763,85 (correspondendo a parte contestada a €7.881,93);

q) O Q... foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €10.410,86, (correspondendo a parte contestada a €5.205,43);

r) O R...foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €4.405,27, (correspondendo a parte contestada a €2.202,64);

s) O S...foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €41.964,69 (correspondendo a parte contestada a €20.982,35);

t) O T… foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €21.971,48, (correspondendo a parte contestada a €10.985,74);

u) O U... foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €1.931,71 (correspondendo a parte contestada a €965,86);

v) O UN… foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €20.830,69 (correspondendo a parte contestada a €10.415,35);

w) O T II … foi notificado da liquidação de IMI n.º 2011…, referente ao ano de 2011, no valor total de €16.511,42 (correspondendo a parte contestada a €8.255,35).

 

III.1.2.Todas as supra descritas liquidações resultam demonstradas pelo teor dos documentos n.ºs 1 a 23 juntos aos autos pelos Requerentes.

III.13.Todos os valores nelas constantes se encontram pagos, como resulta provado pelos documentos n.ºs 24 a 45 juntos aos autos, em anexo ao Pedido arbitral, pelos Requerentes.

III.1.4. A convicção sobre os factos assim dados como provados fundou-se na prova documental junta aos autos pelos Requerentes em anexo ao seu pedido arbitral.

III.1.5. Não se provaram outros factos com relevância para a decisão.

 

III. 2. Factos não provados

Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.


 

IV. Apreciação do pedido de declaração de ilegalidade parcial dos atos de liquidação de IMI


 

IV.1. O quadro legal relevante


 

IV.1.1. Para apreciar o pedido, importa identificar o quadro legal relevante para o efeito e a sua evolução.

Assim, na sequência da redação que lhe foi dada pelo artigo 82.º da LOE 2007, o artigo 46.º do EBF, sob a epígrafe “fundos de investimento imobiliário, fundos de pensões e fundos de poupança-reforma”, estatuía o seguinte:

“1. Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis (IMI) e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2. Os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles não beneficiam das isenções referidas no número anterior, sendo as taxas

de IMI e de IMT reduzidas para metade.”.


 

Esta redação entrou em vigor em 1 de janeiro de 2007, importando, no entanto, ter em conta o disposto na alínea j) do artigo 88.º, também da LOE 2007, que contêm uma disposição transitória do seguinte teor: “O disposto no n.º 2 do artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais é aplicável, a partir da entrada em vigor da presente lei, aos imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles constituídos após 1 de Novembro de 2006 ou que realizem aumentos de capital após esta data e, bem assim, aos imóveis integrados em fundos com idênticas características cujas unidades de participação eram, à data de 1 de Novembro de 2006, detidas exclusivamente por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles”.


 

Ao abrigo da autorização legislativa constate do artigo 86.º da LOE 2007, o Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho, procedeu à republicação e renumeração do EBF, tendo o artigo 46.º passado a corresponder ao artigo 49.º.

O artigo 109.º da LOE 2010, através da nova redação que deu ao preceito, veio limitar a isenção prevista no artigo 49.º, n.º 1, do EBF aos fundos de investimento abertos, excluindo, portanto, os fundos de investimento imobiliários fechados (ou mistos), ainda que de subscrição pública, e eliminou o benefício fiscal constante do n.º 2 do artigo 49.º do EBF2, que foi revogado.

Todavia, o artigo 119.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011 – LOE 2011) ampliou de novo a isenção de IMI (e de IMT) aos imóveis integrados em fundos de investimento imobiliários fechados de subscrição pública mas não repôs a redução de taxa para os imóveis integrados em fundos de investimento imobiliários fechados (ou mistos) de subscrição particular, eliminada, como vimos, pela revogação do n.º 2 do artigo 49.º do EBF operada pelo LOE 2010.

 

IV.1.2. Invocando o cumprimento do Programa do XVII Governo Constitucional, que previa a realização de uma avaliação “de todo o sistema de benefícios fiscais”, tendo em vista, designadamente, a simplificação do sistema e a eliminação dos que já não se justificassem à luz dos objetivos de política económica e de critérios de equidade, o Ministro de Estado e das Finanças, através de Despacho datado de 1 de maio de 2005, criou um grupo de trabalho para a reavaliação dos benefícios fiscais visando a formulação de propostas de alteração legislativa nesse domínio. O mandato da avaliação abarcou, fundamentalmente, os impostos sobre o rendimento e sobre o património, embora, quanto a estes últimos, estivessem em causa, sobretudo, os benefícios que se prendiam com medidas relativas à concentração, cooperação e reestruturação de empresas.

Muitas das propostas desse grupo de trabalho3 viriam a ter acolhimento na LOE 2007, que reformou profundamente o EBF.

Assim, o artigo 82.º da LOE 2007 alterou a redação de diversos artigos do EBF, o artigo 83.º aditou vários artigos e alterou a sistemática do diploma, fazendo nele incluir benefícios que constavam de legislação avulsa, um número muito significativo de benefícios fiscais foi eliminado (cf. artigo 87.º), para só mencionarmos as modificações mais significativas.

Entre os artigos aditados ao EBF pelo artigo 83.º da LOE 2007 consta, sob a epígrafe “caducidade dos benefícios fiscais”, o artigo 2.º-A, que corresponde ao atual artigo 3.º, na sequência da já aludida renumeração do EBF operada pelo Decreto-Lei 108/2008, de 26 de junho4.

O artigo 3.º do EBF estatui atualmente o seguinte:

“1. As normas que consagram os benefícios fiscais constantes das partes II e III do presente Estatuto vigoram durante um período de cinco anos, salvo quando disponham em contrário.

 

2. São mantidos os benefícios fiscais cujo direito tenha sido adquirido durante a vigência das normas que os consagram, sem prejuízo de disposição legal em contrário.

 

3. O disposto no n.º 1 não se aplica aos benefícios fiscais constantes dos artigos 16.º, 17.º, 18.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 32.º, 44.º, 60.º e 66.º-A, bem como ao capítulo V da parte II do presente Estatuto.”.


 

Importa sublinhar também que a alínea a) do artigo 88.º da LOE 2007 (disposição que, como já vimos, contém diversas disposições de natureza transitória) estatui que “são mantidos, nos termos em que foram concedidos, os benefícios fiscais constantes das partes II e III cujo direito tenha sido adquirido até 31 de Dezembro 2006”, esclarecendo a alínea b) do mesmo preceito que “da aplicação do regime previsto no n.º 1 do artigo 2.º-A não pode resultar a ampliação dos prazos estabelecidos para a duração dos benefícios constantes do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1de Julho”. Ou seja, o legislador, por um lado, salvaguardou os benefícios fiscais constantes das partes II e III do EBF cujo direito foi adquirido até 31 de Dezembro de 2006 mas, por outro, impediu expressamente que a entrada em vigor da norma de caducidade dos benefícios fiscais pudesse conduzir a uma ampliação da duração dos benefícios anteriormente vigentes.

Tendo presente o disposto no artigo 3.º, n.º 1, do EBF, cumpre ainda assinalar que o legislador veio, através do n.º 2 do artigo 146.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012 – LOE 2012), prorrogar a vigência de um conjunto de normas do EBF que consagram benefícios fiscais, evitando, assim, a sua caducidade pelo decurso do prazo de 5 anos.

Refira-se, por último, o disposto no artigo 11.º do EBF, que, sob a epígrafe “aplicação no tempo das normas sobre benefícios fiscais”, estatui o seguinte:

1. As normas que alterem benefícios fiscais convencionais, condicionados ou temporários, não são aplicáveis aos contribuintes que já aproveitem do direito ao benefício fiscal respetivo, em tudo que os prejudique, salvo quando a lei dispuser em contrário.


 

2. É aplicável o disposto no número anterior quando o fundamento do benefício fiscal for um regime jurídico de direito comum que limite os direitos do contribuinte, especialmente quando restrinja os poderes de fruição ou de disposição dos seus bens, designadamente nos casos previstos no n.º 2 do artigo 15.º que revistam essa natureza.


 

3. O disposto nos números anteriores não prejudica o estabelecido no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho.”.


 


 

IV.2. Fundamentação


 

IV.2.1. Sustentam os Requerentes que apesar de o benefício fiscal previsto no artigo 49.º, n.º 2, do EBF ter sido revogado pela LOE 2010, tendo em conta o disposto nos artigos 3.º e 11.º, ambos do EBF, e ainda o principio da proteção da confiança que lhes está inerente, essa revogação apenas produziria efeitos em relação aos Requerentes (enquanto sujeitos passivos que dele beneficiavam) a partir de 1 de janeiro de 2012, uma vez que a norma revogatória não estabeleceu qualquer regime transitório onde fosse utilizada a prerrogativa na parte final do n.º 1 do artigo 11.º do EBF, que determinasse a aplicação imediata da nova redação da lei aos contribuintes que se encontrassem a aproveitar do benefício em causa.

Daí inferem a ilegalidade parcial, por violação de lei, dos atos de liquidação de IMI supra identificados.

Para os Requerentes, a partir de 1 de janeiro de 2007, em face do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do EBF, a generalidade dos benefícios fiscais assumiu natureza temporária. Com efeito, na medida em que a norma de caducidade se aplica também aos benefícios incluídos na parte II do EBF, os quais, portanto, caducam no prazo de 5 anos, se o legislador não prorrogar a sua vigência (como o fez para muito benefícios previstos no EBF na LOE 2012), tais benefícios passaram todos a ter um prazo mínimo de vigência e, assim, devem ser classificados como benefícios temporários. O objetivo da regra da caducidade, a ratio legis do artigo 3.º, n.º 1, do EBF, seria o de garantir aos contribuintes que os benefícios fiscais por ela abrangidos vigorariam, pelo menos por 5 anos, salvo disposição que lhes fixasse prazo de duração maior ou menor.

Logo, sendo na parte II do EBF que se insere o artigo 49.º, o benefício fiscal previsto em tal preceito teria natureza temporária uma vez que caduca ao fim de 5 anos se a sua vigência não for prorrogada pelo legislador.

A distinção entre benefícios fiscais “de caráter estrutural” e benefícios fiscais “temporários” teria mesmo deixado de ter “qualquer sustentação legal” e a referência a benefícios fiscais de caráter estrutural só se terá mantido no EBF “com certeza por lapso”. Por outras palavras, desde 2007 existiriam apenas benefícios fiscais temporários (seja por efeito da regra da caducidade, seja por efeito da fixação de um prazo de duração específico para o beneficio) e benefícios fiscais permanentes (os que beneficiam da exceção prevista no n.º 3 do artigo 3.º).


 

IV.2.2. A tese sustentada pelos Requerentes no sentido de que com a regra da caducidade a generalidade dos benefícios fiscais previstos no EBF se tornou de caráter temporário é engenhosa, talvez mesmo apelativa, mas não resiste, no entendimento deste Tribunal, a uma análise mais profunda das normas em questão e do seu contexto.

De facto, uma regra de caducidade de benefícios fiscais não se confunde com a fixação de um prazo de duração para um específico benefício.

Quando o legislador cria um benefício e lhe fixa um prazo específico de duração fá-lo em atenção do interesse público extrafiscal que esse benefício prossegue, dos objetivos económicos e sociais que visa alcançar, da ponderação concreta entre esses interesses e o interesse da tributação que fica impedida por essa medida excecional em que se traduz o benefício, para usar a expressão do artigo 2.º, n.º 1, do EBF que nos dá a definição legal de benefício fiscal. Sem prejuízo de também existirem benefícios fiscais incluídos na parte II do EBF que têm uma componente temporal, como sucede, por exemplo, no benefício fiscal relativo à criação líquida de emprego, previsto no artigo 19.º do EBF, em regra só os benefícios fiscais que têm um prazo específico de duração fixado são suscetíveis de ser qualificados como temporários.

Ora, como se procurará demonstrar, o fundamento da regra de caducidade prevista no artigo 3.º, n.º 1, do EBF é completamente diferente das motivações que levam o legislador a fixar um prazo de duração a um benefício fiscal concreto.

Com efeito, a razão que a fundamenta é a de evitar que, em virtude da mera inércia do legislador, subsistam na ordem jurídica benefícios fiscais que deixaram de se justificar à luz das razões que inicialmente ditaram a sua criação, que perderam utilidade do ponto de vista do interesse público extrafiscal, mas que continuam a ser uma fonte de desperdício de recursos públicos através da despesa fiscal que geram.

De facto, nos últimos anos diversos relatórios, nacionais e internacionais, que têm estudado o sistema fiscal português assinalam invariavelmente a inusitada proliferação de benefícios fiscais, a qual distorce e complexifica desnecessariamente o sistema, tornando-o de muito difícil gestão, com o inerente acréscimo do seu custo administrativo, para além de gerar uma despesa fiscal excessiva e inútil do ponto de vista do interesse público5.

O fundamento da regra da caducidade prevista no artigo 3.º, n.º 1, do EBF é, pois, o de impor ao Estado, indiretamente, uma obrigação de reavaliação periódica do sistema de benefícios fiscais, de modo a que o legislador possa decidir com critério que benefícios se devem manter e quais se pode deixar cessar. É um contributo muito relevante para o surgimento de uma cultura de avaliação dos resultados das políticas públicas, neste caso traduzidas na intervenção económica através da concessão de benefícios.

Desde que existem benefícios fiscais, no sentido moderno e próprio do termo, que tal necessidade existe. Mas a integração de Portugal na União Económica e Monetária (UEM) e o acesso do Pais à sua terceira fase, traduzida na adoção do euro, mais premente tornou essa necessidade.

De facto, em resultado da adoção do euro, Portugal perdeu dois importantes instrumentos de política económica: a política monetária e a política cambial. Ou seja, passou a ter menos instrumentos para prosseguir os objetivos de sempre da política económica: o crescimento económico, o pleno emprego, a estabilidade dos preços e o equilíbrio da balança de pagamentos. O regime económico do euro revalorizou – e bastante – o papel da política fiscal e orçamental, também ela, no entanto, sujeita aos constrangimentos decorrentes da necessidade de cumprir os critérios constantes do Tratado de Maastricht e do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Significa isto, que à míngua de instrumentos de política económica para prosseguir os tradicionais objetivos da mesma, foi para a política fiscal que os decisores políticos se viraram, o que ajuda a explicar a proliferação de benefícios fiscais para alcançar as mais diversas finalidades. É o mecanismo de intervenção na economia que está mais acessível.

Daí a preocupação adicional para introduzir válvulas de segurança e controlo, de que a regra da caducidade é um claro exemplo.

Por isso, na sua génese está não propriamente uma preocupação de garantir estabilidade ou previsibilidade aos contribuintes mas antes a necessidade de consagrar um instrumento de travão ao crescimento desmesurado dos benefícios fiscais e, consequentemente, de controlo da despesa fiscal.

É a essa luz que ela tem de ser entendida, e é por isso que a sua interpretação correta é a de que os cinco anos que fixa devem ser considerados um prazo máximo de vigência dos benefícios, que evidentemente pode ser prorrogado quantas vezes o legislador o entender, e não um prazo mínimo para a sua vigência.

A regra da caducidade, tal como foi concebida e está em vigor, não é uma norma de garantia dos contribuintes mas um instrumento de racionalização da política fiscal a benefício do Estado.

Podia, obviamente, não ser assim. Não se ignora, aliás, que o teor do Relatório do Grupo de Trabalho constituído pelo Despacho n.º 130/97-XII do Ministro das Finanças6, e designadamente as passagens do mesmo que são citadas pelos Requerentes na sua petição inicial, parecem apontar em sentido diferente. Mas é algo excessivo procurar a interpretação de uma lei adotada em 2007 através de um relatório elaborado em 1998, num contexto muito diferente, sendo certo que há elementos bastante mais recentes e com uma ligação muito mais direta com o processo legislativo do Orçamento do Estado para 2007. E que, nessa medida, são bastante mais relevantes enquanto elementos interpretativos.

Sem pretender hipervalorizar o valor que se pode extrair de tais relatórios para a interpretação de normas legais (são sempre fontes muito indiretas e, com frequência, as suas propostas não são seguidas pelo legislador, pelo menos nos seus exatos termos), importa lembrar que, como já foi citado, há um relatório de 2005 sobre a mesma matéria do de 1998. E desse sim podem extrair-se, admite-se, com maior proveito, alguns elementos para interpretar as alterações do EBF em 2007.

Com efeito, se lermos a 3.ª Recomendação de caráter geral do Relatório de 2005 o que aí se diz é o seguinte: “Relativamente à problemática da regra da caducidade dos benefícios fiscais:

  1. Revisão do artigo 14.º, n.º 1, da LGT de modo a criar uma regra operativa de caducidade dos benefícios fiscais, cuja verificação implique a falta de legitimidade na sua concessão pela administração e a impossibilidade de o contribuinte poder auferir os regimes excecionais neles consagrados;

  2. Que a regra de caducidade se aplique à generalidade dos benefícios fiscais propriamente ditos, afastando os desagravamentos definidos no artigo 3.º do EBF, ocorrendo no sexto ano da sua vigência subsequente ao da entrada em vigor do benefício, a menos que o legislador expressamente disponha em sentido diferente, isto é, preveja um prazo maior ou menor de vigência;

  3. Que a verificação da caducidade dos benefícios esteja associada à construção de um classificador” [dos benefícios fiscais]7.

Daqui não se infere, cremos, que se teve em vista a fixação de um período mínimo de vigência para os benefícios fiscais. Nem tão pouco isso resulta da parte do Relatório em que se fundamenta a recomendação8. Aí se diz que “a definição de um horizonte temporal [para os benefícios fiscais] constitui um instrumento de racionalização da gestão do sistema de benefícios” (itálico nosso)9. E se é verdade que neste Relatório se alude tanto na parte de fundamentação (aí alude-se inclusive ao já citado Relatório de 1998) como na parte da formulação das recomendações ao disposto no artigo 14.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), na sua versão inicial, importa sublinhar que dessa norma nada de útil se pode extrair pela simples razão de que, apesar de ter estado em vigor 8 anos (!), a mesma pura e simplesmente nunca foi aplicada, como, aliás, os Requerentes reconhecem na sua petição. E porquê? Justamente porque não se lhe conseguia extrair um sentido claro e operativo.

É certo que alguma doutrina invocada pelos Requerentes interpretou essa norma como procurando estabelecer um prazo mínimo de vigência para os benefícios fiscais, mas ainda assim não deixou de concluir pelo caráter “pouco claro” da norma10. A verdade é que, conforme se assinala no Relatório de Reavaliação dos Benefícios Fiscais de 200511, dada a sua obscuridade, eram dois os entendimentos possíveis que podíamos retirar dessa norma [o artigo 14.º, n.º 1, da LGT na sua redação inicial]:

“a) Que o prazo indicado é um prazo mínimo, funcionado como garante das expetativas individuais dos contribuintes;

b) Que o prazo fixado é um prazo máximo de duração dos benefícios e que, consequentemente, uma vez decorrido, os benefícios têm de considerar-se caducados”.

 

Atente-se, aliás, que a versão inicial do n.º 1 do artigo 14.º da LGT estatuía o seguinte: “Sem prejuízo dos direitos adquiridos, as normas que prevêem benefícios fiscais vigoram durante um período de cinco anos, se não tiverem previsto outro, salvo quando, por natureza, os benefícios fiscais tiverem caráter estrutural” (itálico nosso). Ou seja, os comentários doutrinários invocados pelos Requerentes foram feitos relativamente a uma norma que excluía expressamente do seu âmbito de aplicação os benefícios fiscais estruturais, algo que agora não sucede com o artigo 3.º n.º 1, do EBF, circunstância que não é, evidentemente, irrelevante para a fixação do alcance desta norma.

Não obstante ser verdade que no mesmo instrumento legislativo que criou a regra da caducidade se procedeu à eliminação da redação inicial do n.º 1 do artigo 14.º (cf. artigo 89.º da LOE 2007), daí não pode inferir-se nada de particularmente útil para a fixação do alcance do artigo 3.º, n.º 1, do EBF, dada precisamente a obscuridade do preceito da LGT, unanimemente reconhecida, de resto, e que levou, inclusivamente, à sua inaplicabilidade durante 8 anos!

Mas talvez o elemento histórico mais importante para a interpretação da norma seja o Relatório da Lei do Orçamento do Estado para 2007. Ora, pode ler-se nesse documento, sob o título “Reformulação e Reforço da Regra Geral de Caducidade dos Benefícios Fiscais”, o seguinte: “Reformula-se a regra de caducidade aplicável aos benefícios fiscais constantes do EBF, salvaguardando-se aqueles cujo direito tenha sido adquirido durante a vigência das normas que os consagram. Pela criação de uma regra de caducidade, pela primeira vez o legislador português assume em termos legais efetivos, a necessidade de rever, de forma periódica, os benefícios fiscais vigentes (itálico nosso).”12.

Como se vê, nenhuma referência se encontra – e seria normal que se encontrasse, pela sua inegável relevância -, ao objetivo de criar com a regra da caducidade um prazo mínimo de vigência dos benefícios fiscais em ordem a garantir as expetativas dos contribuintes. Pelo contrário, aponta-se outra finalidade.

Obviamente, não nos estamos a pronunciar sobre se essa opção legislativa foi ou não a melhor. Estamos apenas a referir que é a que se entende resultar da consideração de todos os elementos relevantes para a interpretação da norma em causa13.

Assim, em face de tudo quanto antecede, afigura-se poder concluir que o artigo 3.º, n.º 1, do EBF estabelece um prazo máximo de vigência dos benefícios fiscais a que se refere (sem prejuízo, evidentemente, da possibilidade da sua prorrogação indefinida) e não um prazo mínimo.

 

IV.2.3. A ser assim, cai pela base a tese de que o benefício fiscal previsto no artigo 49.º do EBF e, em particular no seu n.º 2 (até à revogação operada pela LOE 2010), seria um benefício de caráter temporário.

Os benefícios fiscais previstos no artigo 49.º do EBF são benefícios de caráter estrutural, mesmo após as alterações introduzidas pela LOE 2007.

É verdade que, com demasiada frequência para o que seria desejável, nos deparamos com incongruências do legislador, lapsos de ordem vária.

Mas pretender que a subsistência no EBF da divisão dos benefícios fiscais em “estruturais” e “temporários” se deveria a um lapso, seria admitir que o legislador incorrera num lapso muito grosseiro. Demasiado grosseiro, na verdade, para poder ser real. Com efeito, a revisão do EBF operada pela LOE 2007 foi uma revisão extensa, em que se alteraram muitos aspetos da sistemática do EBF, introduzindo-se, por exemplo, vários capítulos novos. Porque teria passado então tão grande “lapso”?

A resposta é que, de facto, não há lapso nenhum. A sistemática quanto a esse aspeto foi mantida, pela simples razão de que, ao contrário da tese dos Requerentes, e pelas razões que julgamos ter deixado suficientemente explicitadas supra, a introdução da regra da caducidade não conduziu ao resultado de tornar os benefícios com caráter estrutural em benefícios temporários e, portanto, continua a justificar-se essa grande divisão.

Deste modo, forçoso é concluir que o benefício fiscal constante do artigo 49.º do EBF ao constar da parte II do EBF tem de ser qualificado como um benefício com caráter estrutural e essa qualificação tem precisamente como efeito maior afastar a aplicação das regras que o EBF reservou para os benefícios qualificados como temporários.

Significa sito, portanto, que o disposto no artigo 11.º do EBF, designadamente no seu n.º 1 não tem aplicação ao caso dos autos.

Na verdade, não sendo o benefício fiscal constante do n.º 2 do artigo 49.º do EBF suscetível de ser qualificado como benefício convencional, condicionado ou temporário, estamos fora da previsão do n.º 1 do artigo 11.º.

Como também se torna desnecessário analisar todas as alegações de caráter doutrinário e jurisprudencial que partem do pressuposto que o benefício fiscal em causa tem natureza temporária, o que já vimos que não ser o caso.


 

IV.2.4. Cumpre agora apreciar o problema da alegada violação de direitos adquiridos pelos Requerentes à fruição do benefício em causa e, bem assim, do princípio da proteção da confiança.

Ora, pelas razões já aduzidas, este Tribunal entende que o n.º 1 do artigo 3.º não garante aos contribuintes um prazo mínimo de duração dos benefícios, visto que é outra a ratio legis do preceito. Se a lei não garante um prazo mínimo de duração para o benefício não é possível sustentar que um contribuinte que esteja a usufruir de um benefício fiscal, de caráter estrutural, adquiriu o direito a mantê-lo para além vigência da norma que o consagra até completar cinco anos de usufruição.

Tal regime é perfeitamente compreensível e é por isso que continua a fazer sentido a distinção entre benefícios de caráter estrutural e benefícios temporários.

Nestes há uma legítima expetativa, que o legislador protege, sem prejuízo, ainda assim, de norma em contrário. É o regime do artigo 11.º do EBF. A eles se equiparam os benefícios convencionados e condicionados. Há implícito em tais benefícios uma expetativa clara quanto à sua duração.

Pelo contrário, a regra de caducidade tem na sua génese garantir a periódica reavaliação dos benefícios. Para o contribuinte poderá gerar uma mera expetativa de que a norma possa manter-se, mas claramente não é uma expetativa tutelada pelo direito.

É verdade que o artigo 3.º, n.º 2, do EBF estatui que “são mantidos os benefícios fiscais cujo direito tenha sido adquirido durante a vigência das normas que os consagram, sem prejuízo de disposição legal em contrário.”.

Como interpretar então esta norma? Não se trata, seguramente, de uma norma que vise salvaguardar os benefícios adquiridos antes da entrada em vigor da regra da caducidade, porque esses foram protegidos pelas disposições transitórias constantes da LOE 2007, a que já fizemos referência supra. Visará, como pretendem os Requerentes, proteger o direito dos contribuintes a manter os benefícios fiscais de caráter estrutural adquiridos ao abrigo de uma norma cuja revogação tenha entretanto ocorrido?

Cremos que não. Como a regra da caducidade também se aplica aos benefícios fiscais previstos na parte III do EBF, ou seja, aos benefícios temporários, o legislador quis assegurar que a cessação de um benefício temporário também por força da regra geral da caducidade não punha em causa a tutela dos direitos adquiridos constante do artigo 11.º n.º1, do EBF. Face ao teor literal da norma, pode dizer-se que se trata de uma interpretação restritiva. Mas a coerência do sistema impõe tal interpretação, tendo em conta o entendimento deste Tribunal de que a regra da caducidade prevista no n.º 1 do artigo 3.º do EBF não fixa um prazo mínimo de duração dos benefícios, entendimento que temos por indubitável.

Admite-se que a norma do n.º 2 do artigo 3.º do EBF pudesse ser dispensável, tendo em conta o já disposto no artigo 11.º do mesmo diploma. Mas, face a uma tão grande novidade no nosso ordenamento jurídico como foi a consagração da figura da caducidade geral dos benefícios fiscais, compreende-se que o legislador tenha corrido o risco de uma eventual redundância.


 

Nestes termos, não se verifica igualmente qualquer violação dos princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica, a que os Requerentes também fazem apelo. Ou seja, pelas razões supra expostas, não emergindo do artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do EBF a garantia de uma duração por cinco anos dos benefícios fiscais de caráter estrutural, como é o caso do que se encontra em discussão nos autos, a revogação do benefício não violou qualquer expetativa tutelada pelo direito.


 

V. Decisão


 

Em face de tudo quanto se deixa exposto, decide-se:

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido dos Requerentes;

  2. Manter integralmente os atos de liquidação de IMI cuja declaração de ilegalidade foi pedida.

Fixa-se o valor do processo em € 240.326,82, nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força do das alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2

do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.284,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pelos Requerentes, uma vez que o seu pedido foi integralmente indeferido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 20 de junho de 2013

 

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

Benjamim Silva Rodrigues

(Presidente)

 

 

Luís Máximo dos Santos

 

 

Maria do Rosário Anjos

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo

Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime de Arbitragem Tributária.

1 O EBF foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, e foi republicado por duas vezes: pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de julho, e pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho.

2 Benefício que consistia, como já se referiu, na redução para metade das taxas de IMI (e de IMT) aplicadas aos imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário mistos ou fechados de subscrição particular por investidores não qualificados ou por instituições financeiras por conta daqueles.

3 O Relatório final do referido grupo de trabalho foi publicado sob a designação “Reavaliação dos Benefícios Fiscais – Relatório do Grupo de Trabalho criado por Despacho de 1 de maio de 2005 do Ministro de Estado e das Finanças”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 198, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, 2005.

4 Sublinhe-se que os n.ºs 1 e 2 artigo 3.º do EBF correspondem integralmente aos n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º-A introduzido pela LOE 2007. O n.º 3 teve uma ligeira alteração formal decorrente das alterações que se impuseram por mero efeito da renumeração dos artigos do EBF e, mais recentemente, uma alteração operada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012 – LOE 2012), que acrescentou os artigos 32.º, 60.º e 66.º aos artigos excecionados da aplicação da regra da caducidade prevista no n.º 1.

5 Sobre todas estas questões, cf. Reavaliação dos Benefícios Fiscais..., cit., pp. 19 a 92.

6 Cf. “Reavaliação dos Benefícios Fiscais – Relatório do Grupo de Trabalho constituído pelo Despacho n.º 130/97-XII do Ministro das Finanças”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 180, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, 1998.

7 Cf. “Reavaliação dos Benefícios Fiscais...”, 2005, cit., p. 351.

8 Cf. idem, pp. 79-82.

9 Cf. idem, p. 80.

10 Cf. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Comentada e anotada, 3.ª ed., Vislis Editores, Lisboa, 20003, p.107.

11 Cf. “Reavaliação dos Benefícios Fiscais…”, 2005, cit., p. 80.

12 Cf. Relatório do Orçamento do Estado para 2007, p.54, disponível no site da Direção-Geral do Orçamento.

13 Também no sentido de que a temporalidade de uma regra de caducidade se prende com a avaliação periódica da excecionalidade à igualdade, própria dos benefícios fiscais, cf. Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins, Os Benefícios Fiscais: Sistema e Regime, Cadernos IDEFF n.º 6, Almedina, 2006, p. 87.