Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 622/2016-T
Data da decisão: 2017-05-02  IRC  
Valor do pedido: € 114.473,94
Tema: IRC - Beneficio fiscal relativo a interioridade previsto no artigo 43.°, n.°1, alínea a),do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redacção em vigor em 2011.
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Jónatas Machado e António Pragal Colaço, (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:  

 

I.                   Relatório

 

1.A Requerente A…, LDA., pessoa colectiva n.º…, com sede no …, Lote…,  …-… … (doravante, apenas A… OU REQUERENTE), e cujo serviço periférico local é o Serviço de …), apresentou em 17/10/2016, pedido de pronúncia e constituição de Tribunal Arbitral, contra Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por Requerida ou ATA nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “Regime da Arbitragem Tributária” ou “RJAT”), especificamente ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n. 1, al. a) e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, do ano de 2011, com o número …-… de 2012 (auto-liquidação), onde através da entrega de declaração Modelo 22 de IRC procedeu à reposição de benefícios fiscais, em virtude de considerar que o limite “de minimis” aplicável seria de 200.000,00 e não de 500.000,00€, na parte em que reflecte a reposição de benefícios fiscais inscrita no campo 906 do quadro 09 do Anexo D e no campo 372 do quadro 10 da respetiva declaração de IRC Modelo 22.

 

2. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste em concreto, por em 2011 a Requerente ter procedido à reposição do montante de 114.473,94€, correspondente à diferença entre o valor global dos benefícios fiscais concedidos no triénio de 2009-2011 de 314.473,94 (trezentos e catorze mil quatrocentos e setenta e três euros e noventa e quatro cêntimos) e o limite de 200.000,00 (duzentos mil euros) fixado no artigo 2.º, n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 1998/2006 da Comissão de 15 de dezembro de 2006 relativo à aplicação dos artigos 87.º e 88.º do Tratado aos auxílios “de minimis” (cf. quadro 09 do Anexo D), pedindo a anulação desse valor acrescido das demais consequências legais daí decorrentes.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite, em 18/10/2016, pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira no mesmo dia e posteriormente notificada a ATA em 4/11/2016.

 

3.1.A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.

 

3.2. Em 21/12/2016, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo arguido qualquer impedimento.

 

3.2. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 5/1/2017.

 

3.3.Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

a)      Argumenta a Requerente que a ATA, ao não considerar válido o limite de 500.000,00€, aplicável ao benefício fiscal da alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (benefícios fiscais relativos à interioridade), no exercício de 2011, incorre no vício de violação de lei.

b)      O benefício fiscal da alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF (anterior artigo 39.º-B do EBF aditado pela Lei do OE para 2007, Lei n.º 53-A/2006 de 29.12) que se reconduz à redução a 15% da taxa de IRC para as entidades cuja actividade principal se situe nas “áreas territoriais beneficiárias” dos incentivos à interioridade, cujo mapa consta, actualmente, em anexo à Portaria n.º 1117/2009, de 30.09, é um benefício automático na acepção do n.º 1 do artigo 5.º do EBF.

c)      E que a sua regulamentação “ex vi” o n.º 7 do artigo 43.º do EBF, além de estar desenvolvida no Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26.03, cai na previsão da norma do n.º 1 do artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011, de 09.02, limitando os auxílios “de minimis” concedidos entre Janeiro e Dezembro de 2011 (contabilizando todos os apoios atribuídos entre 01 de Janeiro de 2008 e 31 de Dezembro de 2011) ao montante de 500 000,00 euros, ao abrigo ao auxílio estatal 13/2009.

d)      E para isso defende que se deve recorrer a uma interpretação correctiva da referida norma (n.º 1 do artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011, de 09.02), recorrendo ao elemento lógico e elemento sistemático, uma vez que a anterior Portaria n.º 184/2009, de 20.02, que regulamentava a matéria, em derrogação do limite de 200 000,00 (período de 3 exercícios financeiros) previsto n.º 2 do artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 1998/2006 da Comissão, fixava no seu artigo 1.º o limite dos auxílios “de minimis” em 500 000,00 euros por empresa, durante o período de três exercícios financeiros, sem se ater aos benefícios serem automáticos ou sujeitos a reconhecimento.

e)      Entende que o legislador ao emitir o n.º 1 do artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011, de 09.02, “não teve em consideração o facto do limite de minimis ser aplicado a benefícios fiscais que não se encontram dependentes da apresentação de qualquer pedido de ajuda completo”.

f)       Ao não se entender desta forma resultaria violado o princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da CRP).

 

5. A ATA não apresentou resposta nem juntou processo administrativo;

 

6. Por não haver razões que o justificassem o tribunal dispensou a realização da primeira reunião prevista no art. 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo. O Tribunal designou o dia 5/7/2017 para o efeito da prolação do acórdão.

 

7. A Requerida não apresentou alegações.

 

O Requerente apresentou as suas alegações em 7/3/2017, reiterando os argumentos apresentados nas anteriores peças processuais e trazendo factos supervenientes aos autos.

Na verdade, trouxe a requerente aos autos nota de factos supervenientes, que teve conhecimento no dia 8 de fevereiro de 2017.

A Requerente foi notificada do Despacho, proferido em 25 de novembro de 2016, pela Senhora Directora de Serviços do IRC, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, juntando o respectivo documento aos autos.

De acordo com a informação sancionada nesse Despacho, a Administração Tributaria acolhe os argumentos da Requerente, concluindo que «deverá proceder-se à revisão oficiosa, ao abrigo do consagrado no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, atendendo a que o sujeito passivo tem direito à taxa reduzida de IRC de 15% prevista na alínea a) do n.º1 do artigo 43.º do EBF e que o montante acumulado de benefícios que lhe foram atribuídos de 1 de Janeiro de 2008 a 31 de Dezembro de 2011, não ultrapassa o limite de 500.000,00, fixado no artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011, de 9 de fevereiro e ao reembolso do imposto entregue a mais».

No entanto, apesar do vertido quanto à concordância com o pedido deduzido pela Requerente, na revisão oficiosa, a Direcção de Serviços do IRC não revogou o acto, remetendo todo o processo para a Direcção de Serviços de Consultoria Jurídica e Contencioso («DSCJC»), face à existência do presente processo arbitral, apesar de na notificação, constar por ordem do Ex. Chefe de Divisão da Direcção de Serviços de IRC, em que apesar da proposta de decisão de deferimento da presente revisão oficiosa, se determina a remessa do procedimento ao Centro de Arbitragem Administrativa, em virtude de pedido de constituição do mesmo, para efeitos de apensação, nos termos do artigo 13.°, n.º 4, do RJAT, o que nunca aconteceu. Segundo a Requerente não tendo sido revogado o acto impugnado, mantem-se a utilidade da lide. Notificada a Requerida para exercer contraditório nada disse.

 

II.                Saneamento

 

8. 1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

8.2. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

8.3.O processo não enferma de nulidades.

8.4. Não foram suscitadas excepções.

8.5.Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III.             Mérito

 

III.1. Matéria de facto

 

9. Factos provados

 

9.1.Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias, e de mérito, dão–se como assentes e provados os seguintes factos:

1)     A Requerente é uma sociedade de direito português, sujeito passivo de IRC, com sede no …, Lote …, em …, dedicando-se diretamente e a título principal, ao comércio por grosso, à importação e à exportação de produtos médicos e farmacêuticos, atividade a que corresponde o CAE 46460;

2)     A Requerente tem a sua sede no concelho de …;

3)     A requerente quanto ao exercício de 2008, beneficiou de um benefício fiscal decorrente da aplicação da taxa reduzida ao montante de 50.545,66 (cinquenta mil, quinhentos e quarenta e cinco euros e sessenta e seis cêntimos), conforme campo 346 do quadro 09;

4)     A Requerente beneficiou em 2009 e em 2010 de incentivos fiscais sujeitos à regra de minimis no valor de 67.575,11 euros e de 118.664,58 euros, respectivamente, totalizando 186.239,69 euros, conforme consta do quadro 9 (campos 901 e 902) do Anexo D – Benefícios Fiscais - do Modelo 22 de 2011. No quadro 9, campo 903 do Anexo D – Benefícios Fiscais do Modelo 22 de 2011, a requerente colocou o valor de 5.521,25 euros e no campo 904, do mesmo Anexo, a requerente colocou o valor de 122.713,00 euros, conforme declaração Modelo 22 – Anexo D, junta pela requerente como documento 5;

5)     A soma dos incentivos fiscais de IRC à interioridade, dos anos de 2008 a 2011, não excede o valor de 500.000,00 euros;

6)     No quadro 9, campo 905 do Anexo D – Benefícios Fiscais - do Modelo 22 referente a 2011 a requerente colocou o valor de 314.473,94 euros, que é a soma de todos os campos indicados, 901, 902, 903 e 904, conforme declaração Modelo 22 – Anexo D, junta pela requerente como documento 5;

7)     A Requerente repôs 114.473,94 euros de benefícios fiscais na mesma declaração de IRC, conforme campo 906, do Anexo D, Declaração Modelo 22, que corresponde à diferença entre o limite de 200.000,00 euros e o total dos benefícios auferidos;

8)     A Comunicação da Comissão Europeia de 07.01.2011 que versa sobre a prorrogação do auxílio estatal 13/2009 até 31.12.2011 quanto ao limite de 500 000,00 por empresa e durante 3 exercícios financeiros, (em derrogação do limite fixado no n.º 2 do artigo 2.º do Regulamento CEE 1998/2006, da Comissão, de 15.12), sob a epígrafe “State aid SA.32122 (2010N). Portugal – Prolongation of the State aid scheme N …/2009 «Limited amounts of aid»”, refere que essa prorrogação cumpre os requisitos do ponto 2.2 do “Temporary Union Framework” (Quadro Temporário da União) e é compatível com o mercado interno europeu, e teor da comunicação em http://www.ifdr.pt/;

9)     A comunicação da Comissão Europeia a que se alude no ponto anterior (Auxílio de Estado n.º 32122 (2010N) – Portugal), nos seus pontos (3) a (6) refere: (3) De acordo com a prorrogação notificada, a ajuda pode ser concedida até 31 de Dezembro de 2011 na condição do beneficiário ter submetido a sua candidatura (application) ao abrigo do “Temporary Community Framework” no máximo até dia 31 de Dezembro de 2010. (4) A ajuda não aumentará o montante recebido pelo beneficiário durante o período entre 1 de Janeiro de 2008 e 31 de Dezembro de 2011 para um nível superior ao tecto de € 500.000. (5) O volume da ajuda disponível durante o período prolongado foi estimado não exceder 250 milhões de euros. (6) O plano entrará em vigor em 1 de Janeiro de 2011 e expirará em 31 de Dezembro de 2011, conforme teor da comunicação, versão em inglês, em http://www.ifdr.pt/.;

10) O Tribunal arbitral Colectivo foi constituído em 5/1/2017;

11) Em 6 de Janeiro de 2017, o Tribunal notificou a Requerida para apresentar resposta;

12)  Em 8 de Janeiro de 2017, a Requerente foi notificada do Despacho, proferido em 25 de novembro de 2016, pela Senhora Directora de Serviços do IRC, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa (cfr. documento n.º1 junto aos autos pela Requerente com as alegações);

13) De acordo com a informação sancionada nesse Despacho, a Administração Tributaria acolhe os argumentos da Requerente, concluindo, entre o mais, que «deverá proceder-se à revisão oficiosa, ao abrigo do consagrado no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, atendendo a que o sujeito passivo tem direito à taxa reduzida de IRC de 15% prevista na alínea a) do n.º1 do artigo 43.º do EBF e que o montante acumulado de benefícios que lhe foram atribuídos de 1 de Janeiro de 2008 a 31 de Dezembro de 2011, não ultrapassa o limite de 500.000,00, fixado no artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011, de 9 de fevereiro e ao reembolso do imposto entregue a mais»;

14) O acto tributário objecto do pedido arbitral não foi revogado.

 

9.2. Fundamentação da matéria de facto

 

A factualidade provada teve por base os documentos que foram juntos aos autos pela Requerente, bem como a condução processual da Requerida, na medida em que não ofereceu resposta nem juntou o processo administrativo, nos termos do disposto no art. 110.º, n.ºs 6 e 7, do CPPT.

 

9.3. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

III.2. Matéria de Direito

 

III.2.1. Da ilegalidade do acto tributário de liquidação por vício de violação de lei

 

Como vimos, a Requerente alega, como facto superveniente, a notificação do Despacho, proferido em 25 de novembro de 2016, pela Senhora Diretora de Serviços do IRC, no âmbito do procedimento de revisão oficiosa, onde se pode ler, entre o mais, que “a Administração Tributaria acolhe os argumentos da Requerente, concluindo que «deverá proceder-se à revisão oficiosa, ao abrigo do consagrado no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, atendendo a que o sujeito passivo tem direito à taxa reduzida de IRC de 15% prevista na alínea a) do n.º1 do artigo 43.º do EBF e que o montante acumulado de benefícios que lhe foram atribuídos de 1 de Janeiro de 2008 a 31 de Dezembro de 2011, não ultrapassa o limite de 500.000,00, fixado no artigo 1.º da Portaria n.º 70/2011, de 9 de fevereiro e ao reembolso do imposto entregue a mais»”.

Tal invocação não colide, porém, com a utilidade da presente instância, na medida em que, apesar de ter ficado provado ter havido proposta de deferimento do pedido de revisão oficiosa, este não teve lugar, mantendo-se incólume o acto objeto do pedido arbitral, que cumpre apreciar.

Vejamos.

A questão central a decidir consiste em saber se é aplicável ao caso “sub judice” o limite de 500 000,00 euros por empresa, a título de benefício fiscal em IRC relativo a interioridade previsto no artigo 43.°, n.°1, alínea a), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redacção em vigor em 2011, ou é aplicável o limite de 200.000,00 euros, ao exercício fiscal da Requerente de 2011.

A resposta à questão sub judice impõe que se comece por atentar para o teor literal do artigo 43.°, n.°1, alínea a), do EBF, na redação em vigor em 2011, sob a epígrafe “benefícios fiscais relativos à interioridade”, que determinava que “às empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias»” seria concedida, entre outros benefícios fiscais, uma redução para 15 % da taxa de IRC, prevista no n.º 1 do artigo 80.º do respectivo Código, abrangendo as entidades cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias. Trata-se aí de um benefício automático na aceção do n.º 1 do artigo 5.º do EBF, tendo como tal sido qualificado pela Decisão do CAAD no Processo 74/2013 –T, de 8-12-2013.  

O n.º 3 do artigo 108.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) (antigo n.º 3 do artigo 88.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia (TCE)) estabelece a obrigação de notificação dos auxílios estatais à Comissão Europeia para verificação da sua compatibilidade com o mercado interno segundo os critérios do n.º 1 do artigo 107.º do TFUE (antigo n.º 1 do artigo 87.º do TCE).

Certas categorias de auxílios podem, no entanto, ser isentas da obrigação de notificação por força do Regulamento (CE) n.º 994/98. A regra de minimis foi estabelecida com o propósito de isentar as subvenções de montante reduzido, fixando um limiar abaixo do qual o auxílio não é abrangido pelo âmbito de aplicação do n.º 1 do artigo 107.º do TFUE e, consequentemente, não está sujeito ao procedimento de notificação do n.º 3 do artigo 108.º do TFUE.

O artigo 2.º, n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 1998/2006 da Comissão, de 15 de dezembro de 2006, veio determinar que os auxílios concedidos num período de três anos, correspondente aos três exercícios fiscais, e que não excedam um limiar de 200 000 euros não são considerados auxílios estatais na aceção do antigo n.º 1 do artigo 87.º do TCE, (n.º 1 do artigo 107.º do TFUE), não carecendo de notificação à Comissão. Paralelamente, o Decreto-Lei n.° 55/2008, de 26 de março, no qual se estabeleceram «as normas de regulamentação necessárias à boa execução das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade». A Portaria n.° 111//2009, de 30 de setembro, identificou o concelho de … como uma das áreas territoriais benefìciárias dos incentivos às regiões com problemas de interioridade, e, portanto, como uma das zonas abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 43.° do EBF. A Requerente havia manifestado a intenção de beneficiar, nos anos de 2008 a 2011, da taxa reduzida de 15% de IRC ao preencher as correspondentes declarações Modelo 22.

Entretanto, as circunstâncias económicas conheceram significativas alterações, tendo a situação de crise global constituído um fator significativo de perturbação do normal funcionamento da economia portuguesa. Neste contexto, foi emanada a «Comunicação da Comissão Europeia — Quadro comunitário temporário relativo às medidas de auxílio estatal destinadas a apoiar o acesso ao financiamento durante a actual crise financeira e económica» (2009/C 16/01, de 22 de Janeiro), tendo como pano de fundo o impacto da crise financeira na economia real e a necessidade de medidas temporárias. Aí se prescreveu a utilização do limite de minimis de 500 000€ (n.º 4.2.2) em todos os regimes de auxílio implementados ou a implementar ao abrigo da regra de minimis prevista no Regulamento (CE) n.º 1998/2006, da Comissão, de 15 de Dezembro.

Nesse sentido, as autoridades portuguesas notificaram a Comissão Europeia, em 12 de Janeiro de 2009, do novo regime temporário que as mesmas tencionavam adoptar para contemplar a possibilidade de utilizar os novos limites de minimis. A Comissão considerou o regime apresentado compatível com os Tratados, tendo registado que o mesmo deveria ser aplicado mediante acto administrativo interno. Foi assim aprovada a Portaria n.º 184/2009 de 20.02, a qual dispunha, no artigo 1º, que “Os auxílios concedidos ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 1998/2006, da Comissão, de 15 de Dezembro, relativo aos auxílios de minimis, passam a ter um limite de € 500 000 por empresa, durante um período de três exercícios financeiros.”

Posteriormente, e em face da permanência do quadro de acentuada crise económica no nosso país, foi emanado o Comunicado da Comissão Europeia de 7 de janeiro de 2011, C (2011) 63 final, referente ao assunto «Stataid SA.32122 (2010/•) - Portugal/Prolongation of the State aid scheme N…/2009 "Limited amounts of aid'. Esta comunicação esteve na base da Portaria n.º 70/2011, de 09.02, que veio estabelecer o limite de auxílios de minimis concedidos entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Dezembro de 2011 e as respectivas condições de aplicação. O seu artigo 1.º n.º 1 limitava os auxílios de minimis concedidos entre as duas datas ao montante de € 500 000 por empresa, embora contabilizasse todos os apoios atribuídos entre 01 de Janeiro de 2008 e 31 de Dezembro de 2011, desde que o beneficiário tenha apresentado, junto do organismo responsável pela concessão da ajuda, um pedido de ajuda completo até 31 de Dezembro de 2010 ao abrigo do auxílio estatal n.º 13/2009. Por seu lado, o nº 2 alínea a) da mesma Portaria n.º 70/2011, de 09.02, dispunha que os auxílios concedidos a partir de 1 de Janeiro de 2011 cujos pedidos de ajuda tivessem sido apresentados pelos beneficiários depois de 31 de Dezembro de 2011 votariam a ter o limite de 200 000 durante um período de três exercícios financeiros.

Em face deste quadro normativo, coloca-se a questão de saber se a Requerente pode ver abrangidos os benefícios fiscais de que havia usufruído no triénio de 2009-2011, no valor global de 314.473,94 €, dentro do limite de 500. 000 €., não tendo que repor o montante de 114.473,94€, correspondente à diferença entre o valor global dos benefícios fiscais concedidos e o limite de 200.000,00 € inicialmente previsto. Em causa está saber se, tratando-se de benefícios de concessão automática e não dependentes de reconhecimento, se pode considerar que, ao manifestar a sua intenção de beneficiar dos auxílios na declaração de rendimentos, a Requerente apresentou, junto do organismo responsável pela concessão da ajuda, um “pedido de ajuda completo” até 31 de Dezembro de 2010 ao abrigo do auxílio estatal n.º 13/2009.

Na senda da orientação adotada pela Decisão do CAAD no Processo 74/2013 –T, de 8-12-2013, deve entender-se que a interpretação do artigo 1º/1/2 da Portaria n.º 70/2011, de 09.02, deve ser efetuada em conformidade com o instrumento de direito da União Europeia que a mesma visa concretizar, a saber, o “Temporary Union Framework” (Quadro Temporário da União). Neste âmbito, a referida Comunicação da Comissão Europeia de 07.01.2011 – que versa sobre a prorrogação do auxílio estatal 13/2009 até 31.12.2011 quanto ao limite de 500 000 € por empresa e durante 3 exercícios financeiros, (em derrogação do limite fixado no n.º 2 do artigo 2.º do Regulamento CEE 1998/2006, da Comissão, de 15.12), sob a epígrafe “State aid SA.32122 (2010N) Portugal, Prolongation of the State aid scheme N …/2009 «Limited amounts of aid»” – refere que essa prorrogação cumpre os requisitos do ponto 2.2 do “Temporary Union Framework” (Quadro Temporário da União) e é compatível com o mercado interno europeu (cfr. em http://www.ifdr.pt).

Esta comunicação da Comissão Europeia (Auxílio de Estado n.º 32122 (2010N) – Portugal), nos seus pontos (3) a (6) refere: (3) De acordo com a prorrogação notificada, a ajuda pode ser concedida até 31 de Dezembro de 2011 na condição de o beneficiário ter submetido a sua candidatura (application) ao abrigo do “Temporary Community Framework” no máximo até dia 31 de Dezembro de 2010. (4) A ajuda não aumentará o montante recebido pelo beneficiário durante o período entre 1 de Janeiro de 2008 e 31 de Dezembro de 2011 para um nível superior ao tecto de € 500.000. (5) O volume da ajuda disponível durante o período prolongado foi estimado não exceder 250 milhões de euros. (6) O plano entrará em vigor em 1 de Janeiro de 2011 e expirará em 31 de Dezembro de 2011, conforme teor da comunicação (versão em inglês, em http://www.ifdr.pt/.)

Os conceitos de “submissão da candidatura” e de “pedido de auxílio completo” têm que ser entendidos em termos funcionalmente adequados ao tipo de auxílio em presença, a saber, de concessão incondicionada e automática ou condicionada e dependente de reconhecimento, consoante os casos. Na situação em análise, em que se está diante de um benefício de concessão automática, os referidos conceitos devem abranger a manifestação de vontade de usufruir dos benefícios automáticos em presença vertida na declaração de rendimentos apresentada pela Requerente. De resto, o termo “application” que consta da versão original da Comunicação da Comissão europeia é compatível com várias expressões da língua portuguesa, como “pedido”, “petição”, “candidatura”, “requerimento”, “solicitação”, súplica”, “diligência”, etc. O artigo 1.º, n.º1, da Portaria n.º 70/2011, de 09.02, confere o benefício fiscal de prorrogação do auxílio 13/2009 até 31.12.2011 – elevando para 500 000 € por empresa durante três exercícios financeiros o limite de minimis – independentemente da sua natureza automática ou condicionada e da correspondente formalização, contanto que os beneficiários tenham manifestado de forma inequívoca, até 31 de dezembro de 2010, a intenção de dele virem a beneficiar. Foi esse o caso da Requerente, que não deixou de assinalar essa intenção quando do preenchimento das declarações de IRC Modelo 22, cabendo subsequentemente à Autoridade Tributária a verificação dos requisitos constantes do artigo 2.º, n.° S I e 2, do Decreto-Lei n.° 55/2008, de 28 de março.

No quadro dos princípios de interpretação lógico-sistemática e teleológico-racional das normas fiscais, tanto basta para que se considere estar cumprido o requisito do “pedido de ajuda completo” a que se refere o nº1 do artigo 1º da Portaria nº 70/2011, de 09.02.

Em causa está o acolhimento dos princípios geralmente válidos de interpretação dos instrumentos de direito interno em conformidade com o direito da União Europeia. Estes princípios hermenêuticos são especialmente pertinentes no domínio em análise, na medida em que não seria facilmente compreensível que, por via de uma interpretação híper-formalista e literalista uma expressão constante de um ato nacional de execução de um instrumento da Comissão europeia, o Estado português viesse frustrar a realização dos objetivos económicos europeus de apoio às empresas portuguesas num contexto de especial vulnerabilidade, com um forte impacto negativo nos planos laboral e social.

Se a Comissão europeia, diante do cenário de grave crise económica nacional, achou por bem derrogar temporariamente o limite das ajudas de minimis e elevar o seu limiar de 200 000 € para 500 000 €, fê-lo certamente porque considerou que a situação das empresas portuguesas o justificava. Os considerandos da mencionada Comunicação da Comissão — Quadro comunitário temporário relativo às medidas de auxílio estatal destinadas a apoiar o acesso ao financiamento durante a atual crise financeira e económica (2009/C 16/01) demonstram que a Comissão estava bem consciente da ampla dimensão do impacto da crise financeira na economia real na sua globalidade, e do modo como a mesma atingia as pequenas e médias empresas e, reflexamente, o emprego e as famílias, impondo-se, no seu entender, tomar medidas de curto prazo para estimular a procura, preservar postos de trabalho, contribuir para restabelecer a confiança e realizar “investimentos inteligentes” para favorecer uma aceleração do crescimento e uma prosperidade sustentável a longo prazo.

Contra este pano de fundo, afigura-se que o requisito do “pedido de ajuda completo”, tanto pode ser preenchido através de um requerimento formal como pela inserção numa declaração de rendimentos, consoante as circunstâncias, na medida em que tanto num caso como noutro se afigura inquestionável a manifestação da intenção de aceder ao auxílio de Estado legalmente previsto.

Não seria razoável interpretar esse requisito a partir de uma preferência pela complexidade burocrática, postergando a realização das finalidades extrafiscais subjacentes aos auxílios, nos casos em que estes possam ser concedidos ao seu beneficiário com base unicamente numa manifestação de vontade a assinalar na declaração de rendimentos.

Além de ofender os princípios da interpretação do direito nacional em conformidade com o direito da União Europeia e da interpretação lógico-sistemática e teleológico-racional das normas de ambos os ordenamentos, semelhante entendimento acabaria por atentar contra o espírito e a letra de princípios jurídico-administrativos fundamentais, como sejam os princípios da boa administração (art. 5.º do CPA), da proporcionalidade (art. 7.º do CPA), da justiça e razoabilidade (art. 8.º do CPA e da adequação procedimental (art. 56.º do CPA). Estando em causa neste contexto uma atuação nacional no âmbito da execução de atos de direito da União Europeia, estes princípios têm que ser interpretados e aplicados à luz do direito fundamental à boa administração, consagrado no artigo 41º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia. Nem o direito nacional pode ser dissociado dos objetivos político-económicos da União Europeia, nem o direito fiscal pode ser concebido como um ramo do direito isolado da ordem jurídica multinível globalmente considerada.  

Conclui-se, pois, que a Requerente manifestou de forma inequívoca e suficiente a intenção de utilizar a taxa reduzida prevista no artigo 43.º, n.°1, alínea a), do EBF, através das declarações de IRC Modelo 22, dentro do prazo de 31 de dezembro de 2010, devendo considerar-se preenchido o requisito do “pedido de ajuda completo” nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1º n.º da Portaria n.°70/2011, de 9 de fevereiro, aplicando-se-lhe o limite de minimis de 500.000 € acumulado, por referência ao período de 1 de janeiro de 2008 e 31 de dezembro de 2011.

  Termos em que deve proceder o pedido arbitral e, nessa sequência, ser anulado o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2011, por manifesta falta de fundamento legal.

 

III.2.2. Questões prejudicadas

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício de ilegalidade por erro de direito quanto ao sentido e alcance do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, que assegura efetiva e estável tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que são imputados ao ato tributário em causa.

            Na verdade, decorre do estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no artigo 124.º do CPPT, que julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados. Se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se fizesse.

 

 

IV.             Decisão

 

Termos em que acorda o presente Tribunal em:

 

Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do acto de autoliquidação de IRC, relativo ao ano de 2011, na parte em que reflecte a reposição de benefícios fiscais, com a consequente, anulação do acto de autoliquidação, com as demais consequências legais.

 

 

     V.Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 114.473,94€, (cento e catorze mil, quatrocentos e setenta e três euros e noventa e quatro cêntimos).

 

 

VI. Custas

 

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em €, 3.060,00, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

Lisboa, 2 de Maio de 2017

 

 

Os árbitros,

 

Fernanda Maçãs (Presidente)

 

 

Jónatas Machado (Adjunto)

 

 

António Pragal Colaço (Adjunto)