Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 640/2016-T
Data da decisão: 2017-05-02  Selo  
Valor do pedido: € 23.997,40
Tema: IS - terreno para construção
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Pedido  

A… LDA, contribuinte nº…, com sede na Rua …, nº…–…, …, …-… Lisboa, de ora em diante designada como Requerente, apresentou, em 26-10-2016, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2º e no art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA de ora em diante designada como Requerida, com vista a:

 

-          A declaração de nulidade e subsidiariamente a declaração de anulabilidade e subsequente anulação do acto de indeferimento da reclamação graciosa interposta do acto de liquidação de imposto do selo nº 2015…, incidente sobre o terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia do …– Lisboa.

-          A declaração de nulidade e subsidiariamente a declaração de anulabilidade e subsequente anulação do acto de liquidação supra identificado.

-          A condenação da requerida à restituição à Requerente dos montantes de imposto indevidamente pagos, acrescidos dos competentes juros indemnizatórios;

A Requerente alega, no essencial e com relevância para a decisão da causa, o seguinte:

-          Sendo proprietária do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia do …– Lisboa e tendo a Autoridade Tributária procedido à liquidação de imposto do selo sobre o mesmo (ao abrigo da verba 28.1 da respectiva Tabela Geral), a Requerente nunca foi notificada desta liquidação, pelo que estamos perante o vício de nulidade do acto e de todo o processado;

-          Os documentos – notas de cobrança – apresentam o vício de falta de identificação do autor do acto, o que, violando o art. 151º, nº 1, al. a) do Código do Procedimento Administrativo, constitui causa de nulidade do acto;

-          Subsidiariamente, tais vícios constituem causa de anulabilidade dos actos, nos termos do art. 163º do CPA;

-          A Requerente é uma sociedade cujo objecto social é a indústria da construção civil, prédios e armações de ferro, especialmente a construção de edifícios, aquisição, venda, loteamentos de imóveis, incluindo os de propriedade horizontal;

-          No âmbito do seu objecto social a Requerente adquire terrenos para construção, desenvolve os projectos e executa a construção, constitui a propriedade horizontal e vende as respectivas fracções;

-          O terreno para construção em causa é a matéria prima para transformação com a edificação de casas destinadas a ser vendidas com diversas afectações;

-          A verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) passou a ser aplicável aos terrenos para construção com edificação autorizada ou prevista para habitação com a redacção introduzida pela lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro;

-          A razão por detrás da introdução da verba 28.1 da TGIS é a tributação dos imóveis de luxo, como resulta patente da exposição de motivos da Lei 55-A/2012;

-          Os prédios não habitacionais, por conseguinte, os destinados ao exercício da actividade produtiva estão excluídos da previsão da verba 28.1;

-          O art. 81º, al. f) da Constituição da República Portuguesa (CRP) determina que “compete ao Estado garantir o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas o que, como se decidiu na decisão arbitral no processo 507/2015-T, não se coaduna com a distinção tributária destas em função do valor tributário dos imóveis necessários ao desenvolvimento da actividade;

-          O que consta da inscrição na matriz (do prédio urbano em causa) não é “habitação” mas sim “terreno para construção”;

-          O fim a que a Requerente destina o terreno não é a habitação, mas a transformação em edifícios que, no caso, após a venda, resultará em habitação e comércio, afetação esta que resulta do contrato-promessa de compra que faz parte integrante da escritura de compra e venda: habitação, 4730,12 m2, comércio 413,90 m2;

-          Por sua vez, o Plano Director Municipal (PDM) prevê para o local uma afectação habitacional mínima de 70% e máxima de 90%, e uma afectação para comércio mínima de 10% e máxima de 30%;

-          Porém a Autoridade Tributária não separa esta afectação comercial e tributa-a também como habitacional, com o que se viola os princípios constitucionais da legalidade e da tipidade do imposto;

-          Por outro lado, as fracções a serem construídas terão um valor patrimonial tributário (VPT) claramente inferior a um milhão de euros, pelo que também não irão caber na verba 28.1 da TGIS; por conseguinte, por maioria de razão, também o terreno não cabe, violando a sua tributação o princípio constitucional da igualdade consignado no artigo 13º da CRP;

-          Há uma exclusão objectiva e subjectiva atento o objecto social da Requerente o qual se encontra documentado na Autoridade tributária e é verificável no seu objecto social;

-          O facto de se encontrarem excluídos do imposto (verba 28.1 da TGIS) os prédios urbanos não habitacionais, portanto destinados a actividades empresariais e produtivas determina que esta está igualmente excluída da sujeição;

-          A tributação do terreno dos autos em imposto do selo penaliza fiscalmente de modo agravado a Requerente que no âmbito da sua liberdade de iniciativa económica desenvolve a sua actividade no sector de compra de terrenos, construção e subsequente venda dos edifícios construídos, sem que isso possa ser tido como acréscimo de capacidade contributiva, mas tão só como factor produtivo, determinando tratamento fiscal desigual com outros sectores de actividade produtiva, violando também o princípio da igualdade tributária;

-          O art. 7º, nº 2 da Lei Geral Tributária (LGT) estipula que a tributação deverá ter em atenção a competitividade e a internacionalização da economia portuguesa no quadro de uma sã concorrência”, aditando o nº 3 do mesmo artigo que a tributação não discrimina qualquer profissão ou actividade;

-           Por sua vez o art. 5º, nº 1 da LGT determina que “a tributação promove a justiça social, a igualdade de oportunidades e as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento,” acrescentando o nº 2 que a tributação respeita os princípios da generalidade, da legalidade, da igualdade e da justiça material;

-          Não é claramente o que se verifica no caso dos autos que viola também, para além das normas constitucionais invocadas, estes normativos, ao discriminar sujeitos passivos que têm por objecto a actividade produtiva, com violação do princípio da igualdade de tratamento na competividade da economia e com distorção administrativa da sã concorrência;

-          Encontram-se igualmente violados os pressupostos dos tributos consignados no nº 1 do art.º 4º da mesma LGT, que determinam que os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património, nenhuma das quais situações ocorre no presente caso.

  1. Resposta da Requerida

Na sua Resposta, a Requerida alega, resumidamente, o seguinte:

 

a)      Quanto à falta de notificação

-          Da leitura da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, resulta que o imposto devido pela Verba 28.1 da TGIS tem carácter periódico e a sua liquidação é feita oficiosamente pela AT, com base nos elementos pré-determinados na matriz predial;

-          Como refere Jorge Lopes de Sousa, em relação às notificações dos impostos periódicos mencionados no n.º 4 do art. 38.º do CPPT, “embora (...) se atribua a designação de “notificações”(...), não se trata de atos com a natureza das notificações previstas no art. 36.º do CPPT, pois não têm subjacentes qualquer decisão procedimental da Administração Tributária, qualquer ato em matéria tributária, antes são emitidas mecanicamente pelos serviços” (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 6.a edição, Vol. I, pag. 376);

-          Assim, a notificação remetida à Requerente mais não é do que o documento de cobrança respectivo, emitido nos termos do art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro, do n.º 1 do art. 119.º do CIMI, através do mecanismo previsto no n.º 4 do art. 38.º CPPT;

-          A este propósito, o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se no Acórdão n.º 1089/09, de 20-10-2010, onde se lê: “ (...) a liquidação de CA e de IMI, efectuada dentro do prazo normal, não carece de notificação ao sujeito passivo, bastando o envio do documento de cobrança aludido nos artigos 22.º e 23.º do CCA e nos artigos 119.º e 120.º do CIMI para tornar a divida exigível. Essa notificação do acto de liquidação apenas se impõe quando está em causa uma liquidação “fora do prazo normal” ou quando se trata de uma “liquidação adicional”.

-          Pelo que improcede a invocada falta de notificação das liquidações de imposto do selo, invocada pela Requerente;

b)     Quanto à falta de identificação do autor do acto

-          No portal das finanças, em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/, podem encontrar-se as seguintes informações (que são, obrigatoriamente, do conhecimento da Requerente):

A notificação eletrónica consiste numa notificação gerada em formato digital (PDF) e enviada por transmissão eletrónica de dados para a Caixa Postal Eletrónica, que é um serviço que permite receber correio em formato digital, com valor legal, respeitando as características definidas no n.º 1 do art. 3.º da Lei do Comércio Eletrónico (Dec.-Lei n.o 7/2004, de 7 de janeiro), que garante a integridade e a confidencialidade do seu correio.

Este serviço está concessionado aos CTT (Serviço ViaCTT).

 

-          A ViaCTT é uma caixa postal eletrónica que funciona como um receptáculo de correio digital. Os CTT apenas colocam na CPE documentos de entidades previamente autorizadas (subscritas) pelos cidadãos ou empresas.

-          A adesão às notificações eletrónicas, com a activação da caixa postal eletrónica, está consignada na lei (art. 19.º, n.º 9 da Lei Geral Tributária – LGT) com carácter obrigatório para todos os sujeitos passivos de IRC e para os sujeitos passivos residentes, enquadrados no regime normal de IVA.”

-          Acresce que, o artigo 4º do Decreto-Lei n.º 112/2006, de 9 de Junho, estipula que:

1 – O serviço público de caixa postal electrónica é o serviço que permite ao aderente receber, por via electrónica ou por via electrónica e física, comunicações escritas ou outras provenientes dos serviços e organismos da administração directa, indirecta ou autónoma do Estado, bem como das entidades administrativas independentes e dos tribunais, incluindo, designadamente, citações e notificações no quadro de procedimentos administrativos ou de processos judiciais, de qualquer natureza, facturas, avisos de recepção, correspondência e publicidade endereçada.

(...)

4 – Cada aderente apenas pode ser titular de uma caixa postal electrónica, independentemente do prestador de serviço, para efeitos de recepção por via electrónica de comunicações escritas ou outras provenientes das entidades indicadas no n.º 1, podendo, no entanto, a mesma ser igualmente destinada à recepção de comunicações escritas ou outras provenientes de outras entidades.

 

-          Face ao exposto, recebida que foi a notificação remetida em nome da Requerente e para a sua caixa postal electrónica, há que considerá-la como correcta e em conformidade com as normas legais vigentes.

-          Nessa circunstância, torna-se claro que a notificação da liquidação em causa produziu todos os seus efeitos na esfera jurídica da Requerente.

-          Tanto assim é, que a Requerente apresentou reclamação graciosa.

 

c)      Quanto à ilegalidade da liquidação

-           Os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída a afectação habitacional no âmbito das respectivas avaliações, constando tal afectação das respectivas matrizes, estão sujeitos a Imposto de Selo;

-          O legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos ‘terrenos para construção’, como resulta da expressão ‘valor das edificações autorizadas’ a que se refere o artigo 45º, n.º 2 do CIMI e aplicando-lhe por conseguinte o coeficiente de afectação que vem previsto no artigo 41º do CIMI;

-          Em conclusão, na avaliação dos terrenos para construção o legislador quis que fosse aplicada a metodologia da avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes, supra identificados, nomeadamente o coeficiente de afectação previsto no art. 41º do CIMI, mais resultando tal imposição legal do n.º 2 do art. 45º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no mesmo terreno para construção;”

-          Donde, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação;

-          Fiscalmente os imóveis são terrenos para construção, nessa qualidade foram adquiridos e assim estão predialmente classificados e, por isso, são sem dúvida, lotes de terreno para construção, mais exactamente prédios urbanos com vocação habitacional;

 

d)     Da atividade prosseguida pela requerente

 

-          Não deverá o Tribunal Arbitral aferir ou discutir da bondade da medida legislativa e do seu alcance, devendo cingir-se à sua apreciação na vertente da sua conformação com o texto constitucional;

-          Ou seja, este Tribunal deverá, neste conspecto, na óptica de proibição do arbítrio que brota do principio da igualdade, «tão-somente verificar se a solução legislativa se apresenta em absoluto intolerável ou inadmissível, de uma perspetiva jurídico-constitucional, por para ela se não encontrar qualquer fundamento inteligível», verificando se, no caso em apreço, se estabeleceram «distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional» in Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 528/2012, de 7 de Novembro;

-          O legislador definiu um pressuposto económico, constitucionalmente válido, como manifestação da capacidade contributiva (cujos destinatários têm efectivamente uma especial capacidade contributiva em face do critério adoptado) exigida para o pagamento deste imposto.

 

e)      Da alegada (mas inexistente) inconstitucionalidade das liquidações

-          Neste sentido o princípio da igualdade concretiza-se e possui, assim, diversas dimensões, como sejam (i) a proibição do arbítrio, (ii) a proibição da discriminação e (iii) a obrigação de diferenciação.

-          No caso sub judice a Requerente suscita a violação do princípio da igualdade perante a lei fiscal na dimensão da proibição de diferenciação em situações iguais.

-          A propósito desta dimensão, pronunciou-se o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 563/96, de 16 de Maio, nos seguintes termos:

«O princípio da igualdade do cidadão perante a lei é acolhido pelo artigo 13º da CRP que, no seu nº 1, dispõe, genericamente, terem todos os cidadãos a mesma dignidade social, sendo iguais perante a lei, especificando o nº 2, por sua vez, que "ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social".

(...)

-          O princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais) - cfr., entre tantos outros, e além do já citado acórdão nº 186/90, os acórdãos nos 39/88, 187/90, 188/90, 330/93, 381/93, 516/93 e 335/94, publicados no referido jornal oficial, I Série, de 3 de Março de 1988, e II Série, de 12 de Setembro de 1990, 30 de Julho de 1993, 6 de Outubro do mesmo ano, e 19 de Janeiro e 30 de Agosto de 1994, respectivamente.

-          O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, "razoável, racional e objectivamente fundadas", sob pena de, assim não sucedendo, "estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes", no ponderar do citado acórdão nº 335/94. Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada (o que importa é que não se discrimine para discriminar, diz-nos J.C. Vieira de Andrade - Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pág. 299).

-          Perfila-se, deste modo, o princípio da igualdade como "princípio negativo de controlo" ao limite externo de conformação da iniciativa do legislador – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 127 e, por exemplo, os acórdãos nos 157/88, publicado no Diário da República, I Série, de 26 de Julho de 1988, e os já citados nos 330/93 e 335/94 – sem que lhe retire, no entanto, a plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou mais) grupos de destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de tratamento jurídico diverso, na comparação das concretas situações fácticas e jurídicas postadas face a um determinado referencial ("tertium comparationis"). A diferença pode, na verdade, justificar o tratamento desigual, eliminado o arbítrio (cfr., a este propósito, Gomes Canotilho, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124, pág. 327; Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, pág. 425; acórdão nº 330/93).»

-          Reforçando, «só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que dela resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, perceptíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem”, bem como que "[e]ste princípio, na sua dimensão de proibição do arbítrio, constitui um critério essencialmente negativo (...) que, não eliminando a "liberdade de conformação legislativa" - entendida como a liberdade que ao legislador pertence de "definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente" -, comete aos tribunais não a faculdade de se substituírem ao legislador, "ponderando a situação como se estivessem no lugar dele e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução razoável, justa e oportuna (do que seria a solução ideal do caso)", mas sim a de "afastar aquelas soluções legais de todo o ponto insuscetíveis de se credenciarem racionalmente» in Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/2013 de 5 de Abril;

-          Assim, este Tribunal deverá, neste conspecto, na óptica de proibição do arbítrio que brota do principio da igualdade, «tão-somente verificar se a solução legislativa se apresenta em absoluto intolerável o inadmissível, de uma perspetiva jurídico-constitucional, por para ela se não encontrar qualquer fundamento inteligível» verificando se, no caso em apreço, se estabeleceram «distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional» in Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 528/2012, de 7 de Novembro;

-          No caso em apreço tal não se verifica;

-          O legislador definiu um pressuposto económico, constitucionalmente válido, como manifestação da capacidade contributiva (cujos destinatários têm efectivamente uma especial capacidade contributiva em face do critério adoptado) exigida para o pagamento deste imposto;

-          Da norma não resultam diferenças injustificadas de tratamento entre contribuintes, pois que são tratadas de forma diferente situações diferentes, ao arrepio daquele principio constitucional;

-          Com a verba 28.1 da TGIS o legislador assumiu como uma medida de igualdade, que se destinava a «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento», sendo que a igualdade na repartição dos sacrifícios visada com a verba 28.1 da TGIS pelo «esforço fiscal exigido» aos proprietários de «prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor» comparava com «aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho»;

-          Assim, para o legislador, a verba 28.1 da TGIS visava, reequilibrar a repartição dos sacrifícios, de modo a que estes não incidissem apenas sobre «aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho» (o que, evidentemente, tinha em mente as medidas concretizadas em sede de IRS quanto à alteração da estrutura de taxas e de escalões do IRS, à sobretaxa de 3,5%, e à taxa adicional de solidariedade);

-          Do expendido, é então claro que o legislador tributário considerou que a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio habitacional ou de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse habitação, de VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 representava uma manifestação de riqueza e era suscetível, por si só, de revelar significativa capacidade contributiva, fazendo, por isso, incidir a verba 28.1 da TGIS sobre a posse de determinado tipo de prédios, por contraposição aos rendimentos do trabalho e de pensões, já atingidos por outras medidas fiscais (e não só);

 

 

Tramitação subsequente

Por despacho de 4 de Março de 2017, após obtida a anuência das Partes, o Tribunal determinou a prescindência da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAMT. 

 

II – SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 12-01-2017, tendo sido o árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respectivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, n-º 1, als. a) e b) do RJAMT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD).

As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAMT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

III – QUESTÕES A DECIDIR

 

São questões a decidir:

1)      A existência do vício de falta de notificação do acto de liquidação impugnado e, em caso afirmativo, as suas consequências;

2)      A existência de um vício de forma por falta de indicação do autor do acto de liquidação impugnado e, em caso afirmativo, as suas consequências;

3)      A inaplicabilidade da tributação estabelecida na verba 28.1 da TGIS, na redacção que a mesma passou a ter com a lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro, a um terreno para construção, como o que foi objecto da liquidação impugnada, quando pertencente a uma empresa que o destina à edificação de prédios urbanos;

4)      A violação, por parte da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS, na parte e na medida em que for aplicável aos terrenos para construção detidos por empresas de construção, das normas contidas nos artigos 7º, nºs 2 e 3, 5º, nº 1, e 4º nº 1 da LGT e as respectivas consequências no plano da invalidade do acto de liquidação;

5)      A constitucionalidade da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS.

 

IV – FACTOS PROVADOS

 

São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão:

-          A Requerente figurava à data dos factos tributários no registo predial tributário (matriz predial) como proprietária do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia do …– Lisboa;

-          A Requerida liquidou imposto do selo sobre o terreno supra identificado, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, relativamente ao ano 2015, no valor de 23.997,40 €;

-          A Requerente recebeu três notas de cobrança do imposto liquidado, correspondentes a três prestações;

-          As notas de liquidação não identificam o número da liquidação nem o autor do acto;

-           A Requerente deduziu reclamação graciosa contra a liquidação em 22-04-2016;

-          A referida reclamação graciosa recebeu decisão de indeferimento em 7-7-2016, que foi notificada à Requerente em 31-08-2016;

-          No contrato-promessa integrado na escritura de compra e venda através da qual a Requerente adquiriu o terreno para construção objecto da liquidação impugnada, consta que o edifício a construir terá uma área de 4730,12 m2 afectada a habitação e uma área de 413,9 m2 afectada a comércio.

Os factos considerados provados foram-no com base nos elementos de prova documental contantes do processo e fornecidos pelas Partes.

 

V - FUNDAMENTAÇÃO        

 

1)      A existência do vício de falta de notificação do acto de liquidação impugnado e, em caso afirmativo, as suas consequências

A obrigatoriedade de notificação dos actos administrativos com eficácia externa encontra-se consagrada no artigo 268°, n° 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), integrando-se, pois no quadro dos direitos e garantias dos administrados.

A mesma obrigatoriedade encontra previsão expressa ao nível das normas tributárias, nomeadamente nos artigos 36°, n° 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e 45º, n° 1 da Lei Geral Tributária (LGT).

O artigo 36º do CPPT determina:

 1 - Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.

2 - As notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências.

Por sua vez, o artigo 45º, nº 1 da LGT diz:

1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

Sobre o alcance a atribuir à expressão “actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes” deve entender-se que o são, entre outros, os actos tributários de correcção ou fixação da matéria colectável e da liquidação do imposto (TC, acórdão nº 130/2002 de 14-03-2002).

Por outro lado, o artigo 119º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) determina que:

“1 - Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios.”

Esta disposição tem um antecedente no domínio do Código da Contribuição Autárquica, cujo artigo 22º, nº 1 dispunha que “Os serviços centrais da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos enviarão a cada sujeito passivo, até ao fim do mês de Janeiro, um aviso para pagamento, com discriminação, em relação a cada município, dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor tributável e colecta.”

Com base nestas disposições da Contribuição Autárquica e do IMI, o Supremo Tribunal Administrativo tem entendido, algumas vezes, que não existe necessidade de notificação do acto de liquidação de IMI quando realizado dentro dos prazos normais (STA, acórdão de18-11-2015, proc. nº 319/14; STA, acórdão de 20-10-2010, proc. nº 1089/09; STA, acórdão de 18-09-2008, proc. nº 300/08; STA, acórdão de 20-10-2010, proc. nº 1089/09).

Com a devida reverência, não deixaremos de apontar que esta doutrina do Supremo Tribunal Administrativo, por um lado, não se nos afigura inteiramente consolidada, e por outro lado equivale a admitir que o legislador ordinário pode afastar, sem razão de peso aparente, a obrigatoriedade de notificação dos actos administrativos consagrada no 268°, n° 3, da Constituição da República Portuguesa, operando assim um debilitamento legislativo das garantias dos contribuintes consagradas constitucionalmente.

Temos também dificuldade em acompanhar a fundamentação desta doutrina, exposta nos seguintes termos no acórdão do STA de 18-09-208, proc. 300/08: “a falta de notificação de uma liquidação pode ser que em nada contenda com a (i)nexigibilidade da obrigação liquidada. Pode acontecer que a obrigação se encontre já vencida, e, portanto, seja exigível independentemente da notificação da sua liquidação. Na verdade, a notificação da liquidação só é devida, quando legalmente imposta – valendo a notificação como interpelação para pagamento da obrigação liquidada, e ficando o contribuinte constituído em mora a partir de tal notificação. Sendo certo que, independentemente de notificação-interpelação, há mora do devedor, se a obrigação tiver prazo certo – cf., v. g., a alínea a) do n.º 2 do artigo 805.º do Código Civil. E, assim, se esse for o regime legal consagrado, a dívida de imposto pode tornar-se certa, líquida e exigível sem necessidade da respectiva notificação, logo após a sua liquidação.”

Equipara o Supremo Tribunal, neste excerto, a função da notificação do acto tributário à função que tem a interpelação para pagamento de uma dívida cujo vencimento depende dessa mesma interpelação.

Ora, mais uma vez com a devida reverência, cremos que a razão da obrigatoriedade de notificação dos actos administrativos consagrada no art. 268º, nº 3 da Constituição vai muito além do aspecto do vencimento da dívida tributária. É certo que a notificação válida torna eficaz a liquidação, fazendo com que se vença a dívida tributária. Mas uma das principais razões da obrigatoriedade da notificação dos actos tributários reside em permitir efectivamente ao contribuinte, através da notificação, o exercício de vários meios de defesa contra o acto, como, desde logo, o exercício da audição prévia.

Ouçamos, sobre esta matéria, - sobre a razão de ser da obrigatoriedade de notificação do acto de liquidação e sobre a sua importância enquanto garantia dos contribuintes -  o que diz o Tribunal Constitucional no acórdão nº 72/09 de 11-02-2009:

“Pode perguntar-se por que razão consagrou o legislador constituinte este dever da Administração, ao invés de lhe conferir, sem mais, o poder de praticar actos (e de os executar) sem se ocupar do conhecimento dos mesmos por parte dos seus destinatários.

A razão de ser desta opção constitucional reside na tutela de dois diferentes valores que se reconduzem, no essencial, a dois princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico: de um lado, o princípio da segurança (ínsito na ideia de Estado de Direito), do qual decorre a necessária cognoscibilidade, por parte dos destinatários dos actos da Administração, de todos os elementos que os integrem; de outro lado – mas de forma indissociável do primeiro – o princípio da tutela jurisdicional efectiva, dado que só será impugnável o que for cognoscível.

Daqui decorre a relação estreita que se estabelece, a este propósito, entre o disposto no nº 3 e o disposto no nº 4 do artigo 268º da CRP. O dever de notificação vem consagrado no nº 3. Tal dever tem, como acabou de se ver, uma razão de ser ou um fundamento autónomo, na medida em que é ele próprio concretização de uma ideia mais vasta de segurança – ou da necessária cognoscibilidade de todos os actos do poder –, que vem inscrita no princípio do Estado de direito. Mas é este um dever que se justifica por ser, ele também, instrumento de realização do princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no nº 4 do mesmo artigo, dado que, se não forem cognoscíveis os actos da administração, se não poderá nunca vir a garantir a efectiva protecção judicial dos «direitos e interesses» dos administrados.”

Parece-nos, pois, que, estando-se perante matéria de direitos e garantias dos administrados perante a administração pública, e faltando um fundamento válido para o afastamento quer do art. 268°, n° 3 da CRP, quer do art. 36°, n° 1, do CPPT, quer do art. 45º, n° 1 da LGT, e não existindo, sequer, e além de tudo o mais, uma norma legal que expressamente afaste a obrigatoriedade de notificação dos actos de liquidação do IMI, não pode deixar de ser considerada necessária a notificação do acto de liquidação de IMI, a qual deve ser efectuada nos termos do art. 38º, nº 4 do CPPT, por se tratar de um imposto periódico, desde que efectuada nos prazos previstos na lei.

Sendo certo que não se nos afigura faltar ao acto de liquidação de IMI qualquer característica ou elemento que faça com que o mesmo se subtraia à espécie de actos tributários que, nos termos do art. 36º, nº 1 do CPPT, requerem ser notificados, nomeadamente quanto o requisito de ser susceptível de afectar direitos e interesses legítimos dos contribuintes.

Não nos parece igualmente válido o argumento baseado no carácter massificado dos actos de liquidação do IMI. A maior parte dos elementos necessários à notificação constam já da nota de cobrança que é gerada automaticamente por um programa informático. Tudo o que a administração fiscal tem a fazer é alterar esse programa, de forma a incluir no documento enviado ao sujeito passivo os elementos que possam faltar para que se esteja perante uma notificação completa e conforme com a lei, nomeadamente, a alusão à concessão de um prazo para exercício do direito de audição prévia e incluir uma menção ao carácter de “notificação” da comunicação.

A notificação é o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa (ou se chama alguém a juízo), nos termos do art. 35º, nº 1 do CPPT.

No caso das liquidações de IMI, elas são - na prática, que não em observância estrita da lei - levadas ao conhecimento do sujeito passivo através do “documento de cobrança”.

De onde se pode dizer que o “documento de cobrança”, se enviado ao sujeito passivo, não deixa de ser uma notificação. Ora, este entendimento é também, em algumas ocasiões, acatado pelo próprio Supremo Tribunal Administrativo, o que justifica a nossa opinião de que a doutrina do Supremo Tribunal anteriormente exposta não s encontra plenamente consolidada:

Atentemos no que diz o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 19-09-12, proc. nº 659/12:

“É também inequívoco, e nisso todos os intervenientes processuais estão de acordo, que o documento de cobrança remetido ao Contribuinte – do qual constam os únicos elementos que podem considerar-se integrantes da declaração fundamentadora da liquidação ora impugnada que foram externados pela AT – refere a localização do prédio, o artigo matricial, o VPT, a data da liquidação, o ano a que respeita, a taxa aplicada, a ausência de isenção e a colecta apurada, sendo certo que do processo administrativo não constam quaisquer outros.

A questão suscitada nos autos resume-se a saber se os elementos constantes daquela nota, por que foi notificada a liquidação ao sujeito passivo, são ou não suficientes para dar cumprimento às exigências legais de fundamentação, designadamente se a declaração fundamentadora deve integrar os motivos por que o VPT foi fixado no montante aí referido.”

Ora, tudo o que nesta matéria é válido para o IMI era igualmente válido para a tributação imposta ao abrigo da verba 28 do imposto do selo (até à revogação desta com a Lei 42/2016, de 28/12), ao abrigo do art. 67º, nº 2 do respectivo código. Portanto, não é certo, em nosso entender, e em consonância, sublinhe-se, com a doutrina do próprio Supremo Tribunal Administrativo vertida no acórdão anteriormente citado, que não tenha havido notificação da liquidação de imposto do selo. Essa notificação foi efectuada através da nota ou documento de cobrança, como também considerou o Supremo Tribunal Administrativo na sentença anteriormente citada. Se essa notificação se efectuou em conformidade com a lei, é questão diversa.

Improcede, pois, a alegação de nulidade e, subsidiariamente, de anulabilidade do acto de liquidação impugnado por falta de notificação, já não só porque a falta de notificação não produziria a invalidade do acto de liquidação mas porque não se verifica o apontado vício de falta de notificação.

2)      A existência de um vício de forma por falta de indicação do autor do acto de liquidação impugnado e, em caso afirmativo, as suas consequências;

O artigo 36º do CPPT determina:

 1 - Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.

2 - As notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências.

Ora, o termo “entidade” não tem, no direito administrativo, um significado preciso, podendo entender-se em sentido mais amplo que o de pessoa colectiva mas certamente não podendo confundir-se com órgão de uma pessoa colectiva.

Por sua vez, o artigo 114º, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) dispõe, em matéria de notificação dos actos administrativos:

2 - Da notificação do ato administrativo devem constar:

(...)

b) A identificação do procedimento administrativo, incluindo a indicação do autor do ato e a data deste;

(...)

A importância da indicação do autor do acto prende-se com a possibilidade de defesa dos destinatários do acto, nomeadamente por via administrativa, uma vez que a reclamação é dirigida ao autor do acto, enquanto o recurso hierárquico é dirigido ao órgão hierarquicamente superior ao autor do acto.

O sistema de notificação electrónica e a obrigatoriedade de as pessoas colectivas serem notificadas através de uma caixa de correio electrónica não pode, obviamente, traduzir-se numa dispensa dos requisitos legalmente exigidos para a notificação, entre eles o da indicação do autor do acto, pois nenhuma norma o legal prevê que assim seja.

Ora, o autor do acto é o órgão que praticou o acto (como se extrai, por exemplo, do art. 126º do CPA). Os actos administrativos são, com efeito, praticados por “órgãos”, e não por “entidades”.

Assim entendido o nº 2 do artigo 36º do CPPT, em consonância aliás, como já vimos, com o artigo 114º, nº 2 do CPA, do mesmo se retira que a notificação de um acto de liquidação deve conter a identificação do órgão que o praticou.

Analisando as notas de cobrança que foram comunicadas à Requerente, e através das quais foi notificado o acto de liquidação, verifica-se que as mesmas não contêm, efectivamente, a indicação do órgão autor do acto.

Simplesmente, a consequência da falta de indicação do autor do acto não é a nulidade do acto, como a Requerente pretende, e nem sequer a sua anulabilidade, mas apenas a sua ineficácia (TCAN, acórdão de 28-02-2013, processo nº 11/04.7BEBRG; TCAN, acórdão de 04-05-2012, processo nº 544/07.3BECBR).

Nula é, sim, a própria notificação, por força do nº 12 do art. 39º do CPPT.

Sendo nula a notificação, tal nulidade não afecta a validade do acto, em relação ao qual é um elemento extrínseco, mas apenas a sua eficácia, nos termos do art. 77º, nº 6 da LGT   (TCAS, acórdão de 30-10-2013, proc. nº 6346/13).

Este efeito de ineficácia do acto, no caso de liquidação, projecta-se em dois vectores principais. Por um lado, não pode a liquidação dar lugar a processo de execução, sendo a falta de notificação fundamento de oposição à mesma (STA, acórdão de 07-02-2007, processo nº 1169/06). Por outro lado, a falta de notificação válida faz com que não se desencadeie o decurso dos prazos para defesa contra o acto, seja por via administrativa, seja por via contenciosa (STA, acórdão de 12-07-2000, processo nº 044474).

Mas a nulidade da notificação não determina a invalidade do acto, nem na forma de nulidade nem de anulabilidade.

Improcede, pois, a alegação de nulidade e, subsidiariamente, de anulabilidade do acto de liquidação impugnado por falta de indicação do autor do acto na notificação.

 

3)      A inaplicabilidade da tributação estabelecida na verba 28.1 da TGIS, na redacção que a mesma passou a ter com a lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro, a um terreno para construção, como o que foi objecto da liquidação impugnada, quando pertencente a uma empresa que o destina à edificação de prédios urbanos.

 

3.1)            A aplicação da verba 28.1 aos terrenos para construção

A verba 28.1 da TGIS (na versão resultante da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro) sujeitava a Imposto do Selo a “propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000”, especificando duas categorias de prédios que ficam abrangidos pelo imposto: os prédios habitacionais e os terrenos para construção “cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” (redacção da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de Dezembro).

A norma não faz qualquer distinção quanto à qualidade do proprietário do terreno para construção.

Em face do texto da norma, é notório, desde logo, que os terrenos para construção não se encontram excluídos nem objectiva nem subjectivamente do âmbito de aplicação da norma 28.1 da TGIS. Por conseguinte, o que a Requerente alega nos parágrafos 19º e 20º do pedido de pronúncia não é correcto.

Também não é correcto o que a Requerente alega no parágrafo 24º do pedido, em que se afirma que “os prédios não habitacionais, por conseguinte os destinados ao exercício da actividade produtiva, estão exluídos da previsão da verba 28.1 da TGIS”.

É certo, como a Requerente alega nos parágrafos 22º 2 23º, que, inicialmente, o legislador visou, com o imposto da verba 28.1, atingir apenas as casas de habitação de elevado valor.

Mas através da Lei nº 83-C/2013 de 31 de Dezembro, o legislador ampliou o âmbito de aplicação do imposto, estendendo-o aos terrenos para construção, o que é um facto tributário totalmente novo, deixando de valer, nesta parte, como elemento subjectivo de interpretação, as justificações que o legislador revelou aquando da aprovação da versão inicial da lei.

3.2)            O conceito de terreno para construção

Quanto ao que sejam terrenos para construção, não parece haver qualquer dúvida de que o conceito deve ser encontrado no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), nos termos da parte final do enunciado da verba 28.1 da TGIS – “nos termos do disposto no Código do IMI”.

De acordo com o artigo 6.º, n.º 3 do CIMI, “Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos”.

O prédio objecto da liquidação impugnada está classificado como terreno para construção na matriz predial e o contrato de compra e venda através do qual a Requerente adquiriu a propriedade do terreno menciona expressamente que o mesmo se destina a construção, o que o torna um terreno para construção por força do art. 6º, nº 3 do Código do IMI.

Portanto, não há dúvida de que o prédio em causa preenche os requisitos para ser classificado como terreno para construção.

3.3)             “Edificação, prevista ou autorizada, para habitação”

Porém, para que o prédio possa ficar abrangido pela incidência da verba 28.1 da TGIS, não basta reunir os requisitos para ser classificado como terreno para construção, sendo ainda necessário tratar-se de terreno “cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

Esta segunda parte da norma é a que levanta maiores problemas de interpretação e aplicação prática.

Desde logo, não é claro o que se pretendeu significar com a expressão “nos termos do CIMI”, já que o CIMI não contém a categoria de “terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”. Prevê apenas no artigo 6.º, n.º 3, a categoria dos “terrenos para construção”, não distinguindo segundo o tipo de edificação prevista ou autorizada para os mesmos.

A fim de retirar um sentido útil da remissão, deve entender-se que a mesma autoriza procurar um preenchimento atomizado da previsão normativa, recorrendo a vários lugares do Código do IMI.

Assim, cremos dever entender-se que, se a expressão “terrenos para construção” remete para o n.º 3 do art.º 6º, a expressão “para habitação” remete para o n.º 2 do mesmo preceito. Uma edificação será para habitação quando a edificação prevista ou autorizada tenha como destino normal o fim habitacional.

Quando pode dizer-se, por outro lado, que um terreno tem uma edificação “prevista ou autorizada”?

A edificação deve considerar-se autorizada quando foi requerida uma licença de construção aos serviços competentes e essa licença foi concedida. Não é o que se verifica no caso vertente.

Já quanto a encontrar-se “prevista” uma edificação, o conceito é muito mais vago.

Refira-se que o art.º 45.º, n.º 2 do CIMI também fala em “edificações autorizadas ou previstas”, sem, no entanto, definir em que consistem.

Como é evidente, o que está previsto pode não se concretizar. A possibilidade de não concretização é inerente a qualquer previsão. Sendo assim, quando a lei – na verba 28.1 da TGIS – fala em edificações previstas está necessariamente a aceitar essa possibilidade de não concretização. Ou seja, a lei pretende que os terrenos para construção sejam tributados quando exista previsão de edificação, independentemente da sua futura concretização.

No caso concreto, há dois elementos relevantes para se poder falar de “edificações previstas”.

Um é o contrato-promessa integrado na escritura de compra e venda através da qual a Requerente adquiriu o terreno para construção objecto da liquidação impugnada. Nesse contrato-promessa e, portanto, na escritura de compra e venda, consta que o edifício a construir terá afectada a habitação uma área de 4730,12 m2, enquanto uma área de 413,9 m2 será afectada a comércio.

O segundo elemento é o Plano Director Municipal aplicável que prevê, para o local, a construção de edificações urbanas em que a parte habitacional ocupará entre 70% a 90% da área a construir e a parte comercial entre 10% a 30% da área a construir.

Parece assim isento de dúvida que, no caso vertente, existe uma previsão de edificação.

Resta-nos determinar se é possível afirmar no caso que nos ocupa que a “edificação prevista é para habitação”.

Para que uma edificação prevista ou autorizada preencha a previsão desta norma, basta que seja em parte para habitação, exige-se que seja predominantemente para habitação, ou é necessário que seja exclusivamente para habitação?

Em primeiro lugar, observa-se que qualquer um dos três sentidos acima apontados cabe dentro da letra da disposição legal em causa, uma vez que o enunciado não contém o advérbio “unicamente” ou “exclusivamente”. Logo, qualquer um deles será, à face da literalidade da norma, admissível.

No entanto, tendo em conta que um terreno para construção habitacional com um VPT igual ou superior a 1 000 000 de euros se destina, em princípio, à construção de edificações urbanas em propriedade horizontal e que as edificações urbanas em propriedade horizontal nunca são exclusivamente habitacionais, sendo sempre complementadas com fracções para fins comerciais ou para serviços, parece-nos de excluir que o legislador tenha querido limitar o âmbito de incidência do imposto às edificações exclusivamente habitacionais. O contrário implicará concluir que o legislador não se expressou bem, dizendo uma coisa quando queria dizer outra, e estabelecendo com esse erro de expressão uma norma de conteúdo inútil, inaplicável, o que seria contrário ao disposto no nº 3 do art. 9º do Código Civil: “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

Tendo em conta este elemento auxiliar, e considerando que, como já atrás foi dito, que a letra da lei permite qualquer um dos sentidos apontados, é possível dizer que, desde que esteja prevista para um terreno a construção de prédio com afectação habitacional, o terreno caberá dentro do âmbito de incidência da norma.

No caso vertente, as edificações previstas são em 92,2% para habitação e apenas nos restantes 7,8% para fins comerciais. Parece, portanto, claro que a parte não habitacional tem um lugar unicamente complementar da parte habitacional nas edificações a construir no terreno em causa.

Neste sentido, cremos ser correcto considerar que o prédio objecto da liquidação impugnada é um terreno para construção “cuja edificação, autorizada ou prevista, é para habitação”, na medida em que é predominantemente para habitação, sendo a parte comercial apenas complementar. Ou seja, consideramos que, no caso concreto, existem elementos que permitem determinar com segurança que a edificação prevista para o terreno em causa é de habitação.

Nos termos expostos, conclui-se ser improcedente a alegação (difusa) de ilegalidade da liquidação por erro quanto à verificação dos pressupostos de facto e de direito da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS.

 

4)      A violação, por parte da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS, na parte e na medida em que for aplicável aos terrenos para construção detidos por empresas de construção, das normas contidas nos artigos 7º, nºs 2 e 3, 5º, nº 1, e 4º nº 1 da LGT e as respectivas consequências no plano da invalidade do acto de liquidação

Alega a Requerente, nos pontos 48º a 53º do pedido de pronúncia, sem especificar que consequências daí resultam no plano da invalidade do acto de liquidação, que este viola: o art. 7º, nº 2 da LGT, que determina que a tributação deverá ter em consideração a competitividade e a internacionalização da economia portuguesa, no quadro de uma sã concorrência; o art. 7º, nº 3 da mesma lei que determina que a tributação não discrimina qualquer profissão ou actividade; o art. 5º, nº 1 da mesma lei que determina que a tributação promove a justiça social, a igualdade de oportunidades e as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento.

Acontece que a Lei Geral Tributária é uma lei ordinária, não sendo sequer uma lei reforçada, e portanto não pode conter comandos imperativos dirigidos ao legislador, não podendo determinar a invalidade de normas (STA, acórdão de 15-03-2017, proc. nº 262/16).

Por conseguinte, a eventual - e insuficientemente demonstrada - desconformidade da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS – na qual já vimos caberem os terrenos para construção pertencentes a empresas de construção – com os referidos preceitos da LGT não teria nunca a virtualidade de se projectar numa invalidade da liquidação impugnada.

Improcede, portanto, a alegação de invalidade (não especificada) da liquidação por violação das referidas normas e preceitos da LGT.

 

5)      A constitucionalidade da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS na parte referente aos terrenos para construção

 

5.1)            Violação do artigo 81º, al. f) da CRP

A Requerente alega que o artigo 81º, al. f) da CRP, prescrevendo que compete ao Estado assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, não se coaduna com a distinção tributária destas em função do valor dos imóveis necessários ao desenvolvimento da actividade, no caso imóveis como matéria prima dessa actividade.

A al. f) do art. 81º da CRP não visa directamente matéria fiscal.

Além disso, também não se insere, dentro da Constituição, nem no âmbito dos princípios fundamentais, nem dos direitos fundamentais.

Trata-se de um princípio respeitante à matéria da organização económica do Estado e, dentro desta, mais concretamente, ao problema da concorrência. Além disso, é uma norma de carácter programático vocacionada para ser concretizada essencialmente no plano do direito da concorrência.

O sistema fiscal ou uma determinada lei de imposto podem ser mais ou menos harmoniosos com diversos princípios constitucionais que não são princípios constitucionais fiscais, como o princípio da protecção da família, da saúde ou do direito à habitação. Todo o direito fiscal, aliás, dirigido à apropriação coerciva de fracções do património dos indivíduos e das pessoas colectivas, está em inevitável tensão com o princípio da protecção da propriedade privada.

Mas o direito fiscal tem por base um conjunto de fundamentos, também de valor constitucional, e que se materializam nos princípios constitucionais fiscais. Se o sistema fiscal ou a lei fiscal em concreto não se afastam desses fundamentos constitucionais próprios, há que concluir que a tensão que possa existir com outros valores constitucionais não gera inconstitucionalidade.  

Consideramos assim não se verificar vício de violação de lei constitucional, por parte da norma de incidência aplicada, no que diz respeito ao art. 81º, al. f) da CRP.

5.2)            Violação do princípio da legalidade na vertente material/ tipicidade das leis fiscais, estabelecido no artigo 103º nºs 2 e 3 da CRP

Alega a Requerente que ao tributar-se, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, um terreno no qual está prevista a edificação de um prédio com uma afectação simultaneamente habitacional e comercial quando a lei fala apenas em afectação habitacional, se incorre numa violação dos princípios da legalidade e da tipicidade das leis fiscais, estabelecidos no artigo 103º nºs 2 e 3 da CRP.

O princípio da legalidade fiscal (i.e. dos impostos), encontra-se consagrado, na Constituição Portuguesa, fundamentalmente nos artigos 165º, nº 1, al. i) e no art. 103º, nº 2 da CRP.

Os dois preceitos devem ser interpretados conjuntamente, segundo doutrina dominante embora não unânime em Portugal.

No sentido de que os dois preceitos estão intimamente ligados e devem ser lidos em conjunto, profere o acórdão do Tribunal Constitucional nº 274/86, de 8-10-1986:

“Pode dizer-se ser hoje pacífica a interpretação segundo a qual a reserva de competência legislativa da AR em matéria fiscal corresponde às áreas enunciadas nos n.os 1 e 2 do artigo 106.º da CRP. Existe uma evidente ligação textual entre os preceitos. Em ambos os lugares se fala em «sistema fiscal» e em «criação de impostos».

Aqui interessa sobretudo a conexão entre a alínea i) do n.º 1 do artigo 168.º e o n.º 2 do artigo 106.º Com efeito, apesar de a primeira referir apenas a «criação de impostos» e não fazer qualquer referência ao artigo 106.º, n.º 2 (ao contrário do que sucedia com o preceito paralelo da Constituição de 1933, na sua última versão), é hoje indisputada a interpretação de que ela abrange todos os elementos referidos no n.º 2 do artigo 106.º e que existe uma perfeita homologia, nessa área, quanto ao âmbito dos dois preceitos. Em matéria de regime dos impostos, aquilo que é reserva de lei segundo o artigo 106.º, n.º 2, é reserva de lei da AR segundo o artigo 168.º”.

O princípio da legalidade dos impostos significa, então, que está reservado à Assembleia da República, salvo autorização ao governo, criar ou extinguir impostos, e definir os seus elementos essenciais, entre os quais estão a incidência e a taxa (assim como está reservado a este órgão de soberania legislar, salvo autorização legislativa ao governo, em matéria de benefícios fiscais e garantias dos contribuintes).

Este entendimento do princípio da legalidade, no ordenamento português, corresponde a um entendimento “originário” do princípio. Neste sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional nº 274/86, de 8-10-86 dizia: “Em matéria de regime dos impostos, aquilo que é reserva de lei segundo o artigo 106.º, n.º 2, é reserva de lei da AR segundo o artigo 168.º”. 

Não ignorando que os amplos poderes legislativos que o governo tem em matéria fiscal no ordenamento constitucional português introduzem turbidez nesta concepção do princípio da legalidade dos impostos, tendo em conta que não é a vertente orgânica do princípio que interessa à questão levantada pela Requerente, vamos aceitar como válido este entendimento “originário”.

Portanto, no ordenamento constitucional tributário português, o princípio da legalidade significa que existe uma reserva relativa de competência da Assembleia da República quanto à criação ou extinção de um imposto e quanto à definição dos seus elementos fundamentais, nos quais se incluem a incidência e a taxa do imposto.

Esta segunda parte do princípio – exigência de que os elementos fundamentais do imposto sejam definidos por lei da Assembleia da República – corresponde ao princípio da tipicidade dos impostos (CASALTA NABAIS, J., Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Editorial Notícias, 1993, pp. 265 e 266; no mesmo sentido, o acórdão do TC nº 127/2004 de 3-3-04.

O princípio da legalidade dos impostos, na sua vertente de princípio da tipicidade, tem uma função garantista, que está associada à segurança jurídica e à previsibilidade e calculabilidade da obrigação fiscal (DOURADO, A. P., Direito Fiscal, 1ª ed., Almedina, 2015, p. 124).

A função de garantir a previsibilidade da obrigação fiscal exclui que a administração tributária possa aplicar o imposto sobre situações que não estão cobertas pela norma de incidência e também que os tribunais possam sancionar uma tal actuação.

A Requerente alega que existe violação do princípio da tipicidade na medida em que a administração tributária aplicou o imposto a uma situação – um terreno para o qual se encontra prevista a edificação de um prédio com afectação habitacional e comercial – que não está coberta pela norma de incidência, que se refere apenas a afectação habitacional.

A questão que devemos dilucidar é a de saber se a norma de incidência cobre ou não a situação do terreno da Requerente. Se a norma de incidência não cobre a situação do terreno da Requerente, então a liquidação terá efectivamente violado o princípio da tipicidade dos impostos.

Para dilucidar a questão apontada, há que interpretar a norma de incidência que diz que o imposto incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de (...) prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.”

Na actualidade, encontra-se ultrapassada a doutrina da interpretação estritamente literal das normas fiscais. As leis fiscais, como todas as outras, utilizam fórmulas linguísticas imperfeitas que têm de ser interpretadas como todas as outras leis (STA, acórdão de 8-6-77, proc. nº 830; STA, acórdão de 25-01-1995, proc. nº 18490; STA, acórdão de 24-01-2001, proc. nº 25699; STA, acórdão 06-02-2013, proc. nº 1004/12).

Neste sentido, dispõe o nº 1 do art. 11º da LGT que “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.”

A expressão “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”, porque não se encontra definida na lei, tem de ser interpretada. E como já anteriormente se afirmou, afigura-se que um terreno para o qual está prevista uma edificação cuja afectação habitacional ocupa 92,2% da área a construir cabe dentro da previsão “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”. O contrário, ou seja dizer que a edificação prevista para esse terreno não é para habitação, é que nos parece ser contrário ao sentido mais natural da norma legal.

E sendo assim, a aplicação do imposto ao terreno em causa não contende com o princípio da tipicidade dos impostos.

 

5.3)            Violação do princípio da igualdade tributária

Diz a Requerente que as fracções autónomas que irão ser construídas no terreno terão um valor patrimonial tributário manifestamente inferior a um milhão de euros, “pelo que também não irão caber na previsão da verba 28.1 da TGIS. Logo, por maioria de razão, também o terreno não cabe. E assim a tributação deste viola o princípio da igualdade tributária.

Como já se disse anteriormente, a lei previa, na sua versão inicial, apenas a tributação de prédios construídos habitacionais. Resultava dos trabalhos preparatórios da lei que o legislador pretendera, com essa versão inicial, atingir as habitações (casas) de luxo.

Com a Lei nº 83-C/2013 de 31 de Dezembro, o legislador criou um facto tributário novo, independente do primeiro, para o qual já não valem os mesmos elementos de interpretação subjectiva.

Sustentar que existe violação do principio da igualdade em tributar o terreno para construção quando não se irão, no futuro, tributar os prédios que lá irão ser construídos, é o mesmo que dizer que existe violação do princípio da igualdade tributária em tributar as fracções habitacionais em IMI quando os terrenos estão do mesmo isentos, ao abrigo do art. 9º, nº 1 al. d) do Código do IMI.

Não tem, pois, fundamento e não pode ser considerada procedente, a alegação de violação do princípio da igualdade tributária nesta parte.

Alega também a Requerente que existe violação do princípio da igualdade na tributação de um terreno que é para ela um factor produtivo, quando empresas de “outros sectores de actividade” não têm que suportar tributos sobre os seus factores de produção.

O princípio da igualdade tributária postula que se tratem de maneira igual, a nível tributário, situações de igual capacidade contributiva. Mas esse juízo tem que ser feito por referência a um imposto. Não se afigura razoável, para fundamentar um juízo de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade tributária, invocar, vagamente, a tributação ou não tributação dos factores de produção de empresas de diferentes sectores de actividade independentemente dos impostos que possam estar em causa.

Até porque existem vários impostos que incidem ou podem incidir sobre factores de produção e atingem diferentes sectores de actividade com diferente intensidade. Bastaria dar como exemplo o IMI que a maior parte das empresas, em todos os sectores produtivos, tem que suportar sobre os imóveis onde tem as suas instalações ou o IUC que as empresas suportam sobre os seus veículos.

Também nesta parte se considera que é vaga e não se encontra suficientemente fundamentada, e não pode proceder a alegação de violação do princípio da igualdade tributária.

5.4)            Violação do princípio da confiança

A Requerente não fundamenta esta alegação, pelo que não é possível apreciar a questão.

 

V – DECISÃO

Em face de todo o exposto, decide-se não declarar ilegal o acto de liquidação indirectamente impugnado, mantendo-o na ordem jurídica, e consequentemente, não declarar ilegal o acto de indeferimento de reclamação directamente impugnado, desestimando na totalidade a pretensão da Requerente.

 

Valor da utilidade económica do processo: Fixa-se o valor da utilidade económica do processo em 23.997,40 euros.

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAMT, fixa-se o montante das custas em 1224,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 2 de Maio de 2017

 

 

O Árbitro

 

 

(Nina Aguiar)