Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 21/2013-T
Data da decisão: 2013-09-25  IRC  
Valor do pedido: € 742.399,82
Tema: Dedução de prejuízos fiscais de sociedades incorporadas.
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Processo n.º 21/2013-T

 

 

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof. Doutor António Carlos dos Santos e Dr. António Américo Coelho (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 22-4-2013, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

, S.A., NIF n.º …, com sede no lugar da …, apartado …, …, formulou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante RJAT).

A Requerente apresentou os seguintes pedidos:

i) a declaração da ilegalidade e anulação parcial da liquidação adicional de IRC com o n.º 2012…, relativa ao exercício de 2008, na qual se apurou um reembolso de € 9.560,59, mas que dá origem a um valor a pagar de € 650.682,01 em consequência da anterior liquidação;

ii) a declaração da ilegalidade e anulação parcial da liquidação adicional de IRC n.º 2012…, relativa ao exercício de 2009, a qual dá origem a um valor de imposto devido de € 184.295,27, que considerando a anterior liquidação resulta num valor a pagar de € 202.859,34;

iii) a condenação da Administração Tributária no reembolso à Requerente do montante € 136.895,94, decorrente da correcção resultante de ajustamentos de dívidas de terceiros;

iv) a condenação da Administração Tributária no reembolso dos encargos suportados com a prestação e manutenção das garantias que vierem a ser prestadas para efeitos de suspensão dos processos de execução fiscal instaurados por falta de pagamento daquelas liquidações.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral colectivo, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, defendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente e que, em caso de procedência, é a Autoridade Tributária e Aduaneira a entidade competente para levar a cabo a execução. Defendeu ainda Autoridade Tributária e Aduaneira que o pedido de condenação em reembolso da quantia de € 136.895,94, decorrente de correcção de IRC de 2009, respeita a execução de uma decisão administrativa favorável à Requerente que não se insere na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD. Defendeu ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que a fixação de indemnização por garantia indevida também não se insere na competência destes Tribunais.

A Requerente apresentou resposta às excepções, por escrito, defendendo, em suma, que o reembolso é uma consequência da anulação da liquidação relativa ao exercício de 2009 e que a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciação do pedido de condenação em indemnização por garantia indevida deriva do artigo 171.º do CPPT, subsidiariamente aplicável.

Na reunião prevista no art. 18.º do RJAT, realizada em 8-3-2013, foi marcada diligência de produção de prova testemunhal, que teve lugar no dia 10-7-2013, e fixado o prazo de 15 dias, a contar dessa data para apresentação de alegações escritas.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.


 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A … S.A. foi constituída em Junho de 1989, anteriormente com a denominação social de B… S.A. e anteriormente C… S.A. (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral e páginas 5 e 6 do processo administrativo digitalizado que contém o relatório da inspecção tributária, cujo teor se dá como reproduzido, doravante referido como “Relatório”);

  2. O objecto social do sujeito passivo é a produção, comercialização, importação de argilas expandidas, de materiais e equipamentos para a construção civil, para o ambiente e para a reabilitação de edifícios, construção civil e obras públicas (página 6 do processo administrativo digitalizado);

  3. Através de escritura pública celebrada em 28-12-2006, a Requerente que tinha passado a denominar-se B…, S.A. (anterior C… S.A.) incorporou a sociedade D... S.A. e da sociedade E…, Lda, de que a incorporante era detentora em 99,98% e 99,99%, respectivamente, na modalidade de incorporação de todo o património destas, sendo, por despacho do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais n.º …/2010 – … deferido pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais das sociedades incorporadas e não aplicabilidade da limitação prevista no n.º 8 do artigo 52.º (anterior art. 47.º do CIRC) (documentos n.ºs 3, 3-A e 8-B, juntos com pedido de pronúncia arbitral e páginas 6 e 8 do processo administrativo digitalizado);

  4. A operação de fusão foi registada na conservatória do registo comercial, pela inscrição 3, apresentação …/2006.12.29 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  5. Na sequência da fusão foram deduzidos os seguintes prejuízos fiscais:

– Em 2007, € 1.026.797,86 (€ 999.998,14 respeitam a sociedade incorporante e € 26.799,42 à sociedade incorporada com o NIPC … (linha 11, colunas 3,6 e 11 do quadro 3 do Relatório);

– Em 2008, € 1.900.785,30 (€ 1.851.174,80 respeitam à sociedade incorporante e € 49.610,50 à sociedade incorporada com o NIPC … (linha 12, colunas 3,6 e 11 do quadro 3 do Relatório);

– Em 2009, € 1.387.744,63 (€ 1.271.546,18 respeitam à sociedade incorporante e € 116.198,45 respeitam à sociedade incorporada, com NIPC … (linha 13, colunas 3,6 e 11 do quadro 3 do Relatório);

  1. Em 30-12-2008 foi lavrada no Cartório Notarial de …, em …, nova escritura de fusão, aumento do capital e alterações ao contrato de sociedade da Requerente (então denominada B... S.A.) que adoptou a designação social de … , S.A (página 10 do processo administrativo digitalizado);

  2. Esta segunda fusão foi registada na Conservatória do Registo Comercial de … em 31-12-2008 (página 10 do processo administrativo digitalizado);

  3. Nesta segunda fusão, a sociedade incorporante, é a Requerente, então designada como B… S.A., e a sociedade incorporada, designa-se por … Industriais, S.A. (doravante “F” ou “sociedade incorporada“), com o NIPC 500 778 027 (página 10 do processo administrativo digitalizado);

  4. A “F” foi constituída em 1978, com a denominação social de FA…, Lda e, em 1991, foi adquirida pelo Grupo A…, tendo sido transformada de sociedade por quotas em sociedade anónima, com alteração de denominação social para … Industriais, S.A.; em 1996, o Grupo A… foi adquirido pelo Grupo B…, e a sociedade incorporada procedeu de novo à alteração da sua designação social, para … Industriais, S A. (fls. 6 e 7 do processo administrativo digitalizado);

  5. Do ponto de vista contabilístico, foi fixado para esta segunda fusão o dia 1-1-2008, como data a partir da qual se consideram as operações efectuadas por conta da sociedade incorporante, se a fusão for registada até 31-12-2008, como sucedeu (página 10 do processo administrativo digitalizado);

  6. A modalidade desta segunda fusão foi a transferência da globalidade do património pelo respectivo valor contabilístico, dos elementos activos e passivos, da sociedade incorporada para a sociedade incorporante, com extinção da sociedade incorporada e a consequente atribuição aos sócios desta, de participações de capital social da incorporante (página 10 do processo administrativo digitalizado);

  7. Em 31-12-2007, o grupo onde se integrava a Requerente era constituído da seguinte forma (documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):

– A "B…, S.A." era detida em 99,9% pela sociedade norueguesa “G”;

– A sociedade norueguesa “G” era detida em 100% pela sociedade sueca “H”;

– A sociedade sueca “H” era detida em 100% pela sociedade sueca “I”;

– A sociedade sueca “I” era detida a 100% pela sociedade do Reino Unido “J”;

  1. Em 31-12-2007, o grupo em que se integrava a “F” era constituído da seguinte forma (documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):

– A “F” era detida em 99% pela sociedade francesa “K”;

– a “K” era detida em 99% pela sociedade francesa “L”;

  • a “L” era detida em 100% pela sociedade francesa “M”;

  • Em 31-12-2007, o capital social da Requerente, de € 4.268.999,89, era detido em 99,99% pela sociedade norueguesa “G” e o capital social da “F” era de € 1.375.000,00, detido em 100% pela sociedade francesa “K” (documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e Relatório na página 20 do processo administrativo digitalizado);

  • Em 13-3-2008 a sociedade sueca “I”, cabeça do grupo “N”, foi adquirida em 100% pela sociedade francesa “K”, integrada no grupo “O” (Relatório, na página 20 do processo administrativo e documentos n.ºs 5 a 8, 15, 40, 50 e 52 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e requerimento de 3-6-2013, cujos teores se dão como reproduzidos);

  • Em 18-11-2008 foi elaborado, em conjunto pelas administrações da "B…, S.A." e da "… Industriais, S.A.", um projecto de fusão dessas sociedades (documento n.º 8B, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  • A Requerente era, antes da fusão:

1. Proprietária de 116 imóveis (documento n.º 9, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

2. Detentora do título de emissão de gases com efeitos de estufa n.º … .01 (documento n.º 10, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

3. Detentora de uma licença de coincineração (documento n.º 11, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

4. Detentora de uma licença de utilização de recursos hídricos, rejeição de águas residuais e instalações industriais (documento n.º 12, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

5. Parte de contratos de concessão de benefícios fiscais e de investimento, de acordo com a Resolução do Conselho de Ministros n.º …/2005, de … de Março (documento n.º 13, , junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. A “F” era, antes da fusão, proprietária de 3 imóveis (documento n.º 13A, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  2. Em 01-10-1989, a sociedade incorporante, “N”, iniciou a actividade comercial e industrial de extracção de argila e caulino - CAE 14220, actividade que manteve até 31-12-2007 (página 17 do processo administrativo digitalizado);

  3. Em 06-3-2008, consequência da revisão do Código das Actividades Económicas, Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de Novembro, a sociedade incorporante, “N”, foi enquadrada oficiosamente, pelo documento PA… da mesma data, na actividade principal de fabricação de produtos minerais não metálicos diversos - CAE 23992, e actividade secundária de fabricação de produtos de betão para a Indústria - CAE 23610 (página 17 do processo administrativo digitalizado);

  4. A sociedade incorporada, “F”, esteve enquadrada desde 13-11-1985 na actividade designada por outras indústrias transformadores diversas não especificadas - CAE 36636 (página 17 do processo administrativo digitalizado);

  5. Em 06-3-2008 a sociedade incorporada, “F”, foi oficiosamente enquadrada, pelo documento PA …, na actividade principal de fabricação de tintas vernizes mástiques e produtos similares - CAE 20301, e actividade secundária de fabricação de óleos, massas lubrificantes com exclusão das efectuadas nas refinarias - CAE 20593 (página 17 do processo administrativo digitalizado);

  6. Em 11-11-2008 a sociedade incorporada, “F”, alterou o seu CAE principal para fabricação de argamassas - CAE 23640 (página 17 do processo administrativo digitalizado);

  7. Em 3-12-2009 a Requerente, alterou o registo do seu CAE principal de fabricação de produtos minerais não metálicos diversos para fabricação de argamassas (página 17 do processo administrativo digitalizado);

  8. As vendas de argila e caulino (leca) representavam 67,46% do volume de negócios da sociedade incorporante, “B”, em 2007 (cfr. quadro 12 da página 14 do Relatório e documento n.º 40 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

  9. As vendas de argamassas e colagem representavam 87,32% do volume de negócios da sociedade incorporada, “F”, em 2007 (quadro 12 da página 14 do Relatório e documento n.º 40 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

  10. As vendas de argamassas e colagem passaram a representar 60,56% e 62,07% do volume de negócios da Requerente, … , S.A., em 2008 e 2009, respectivamente, representando a extracção de argila e caulino (leca), 22,99% e 21,82%, nos mesmos anos (quadro 12, página 14 do Relatório e documento n.º 40 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

  11. Em 2011, os serviços de Inspecção Tributária decidiram iniciar um procedimento de inspecção à Requerente, sendo emitida a ordem serviço externa …, com base em despacho de 22-3-2011 (página 5 do “Relatório”);

  12. A carta foi enviada à Requerente em 27-4-2011 e a acção de inspecção teve início em 21-6-2011, data em que a recepção foi assinada pela técnica oficial de contas da Requerente, Dr.ª … (página 5 do Relatório e 45 do processo administrativo digitalizado);

  13. O procedimento inspectivo foi objecto de duas prorrogações sancionadas por despachos de 25-11-2011 e de 21-2-2012 (fls. 50 a 58 do processo administrativo digitalizado e documentos n.ºs 34 e 35, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  14. Os actos de inspecção terminaram em 20-6-2012 (fls. 30 do processo administrativo, a que corresponde a página 46 do processo administrativo digitalizado);

  15. Na inspecção apurou-se que a Requerente deduziu ao lucro tributável de 2008 e 2009 prejuízos fiscais totais, respectivamente, no valor de € 1.900.785,30 e € 1.387.744,63 (linhas 12 e 13 do quadro 3 do Relatório), tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira aceites prejuízos reportados à sociedade incorporada NIPC … - “E”, no valor de € 62.510,75 e € 102.979,78, pelo que os prejuízos reportados pela Requerente deduzidos naqueles exercícios foram de € 1.838.274,55 e € 1.284.764,85 (folhas 13 e verso do Relatório, reproduzidas nas páginas 23 e 24 do processo administrativo digitalizado);

  16. Os prejuízos fiscais referidos na alínea anterior referem-se aos anos de 2004, 2005 e 2006 (campos 305, 306 e 307 da declaração relativa ao ano de 2008, cuja cópia consta do documento n.º 26, e campo 306 da declaração relativa ao ano de 2009, cuja cópia consta do documento n.º 27, ambos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos, sendo que os campos 305, 306 e 307 se destinam à indicação dos prejuízos dos anos “Exercício 4”, “Exercício 3” e “Exercício 2”, respectivamente);

  17. Em 2008, exercício em que ocorreu a segunda fusão, o resultado liquido obtido foi negativo de € 330.970,24, e a rentabilidade líquida das vendas foi também negativa em 0,65% (coluna 5 linha 25 e 26 do quadro 4 do Relatório, páginas 11-12 do processo administrativo digitalizado);

  18. Em 2009, exercício posterior ao da fusão, o resultado líquido foi positivo em € 3.133.751,41, e a rentabilidade líquida das vendas foi 7,17% (coluna 6 linha 25 e 26 do quadro 4 do Relatório, páginas 11-12 do processo administrativo digitalizado);

  19. Em 31-12-2007, o capital social da sociedade incorporante (a Requerente então denominada “B”), era detido em 99,99% pela sociedade norueguesa “G”. (linha 1 coluna 4 do quadro n.º 6 do Relatório, páginas 12 e 13 do processo administrativo digitalizado), e o capital social da sociedade incorporada (“F”) era detido em 99,99%, pela sociedade francesa, “K” (linha 1 coluna 4 do quadro n.º 7 do Relatório);

  20. Em 31-12-2008, o capital da Requerente, sociedade incorporante … P, S.A., no valor de € 5.650.000,00 passou a ser detido em 74,16% pela sociedade “K”, e em 25,83 % pela Sociedade norueguesa “G” (linha 1 e 6 coluna 4 do quadro 10 do Relatório);

  21. Em 31-12-2009 a Requerente, … , S.A., passou a ser detida em 99,99% pela sociedade “P” (sociedade detida directamente a 78,67% pela “K”, sendo os restantes 21,33% detidos pela sua casa mãe, “L”) que adquiriu às referidas titulares do capital em 31-12-2008 (Relatório a páginas 13 do processo administrativo digitalizado, reproduz9ndo informação prestada pela própria Requerente);

  22. Do Relatório Final da inspecção resultam correcções no montante total de € 2.332.537,26 com respeito ao ano de 2008 e de € 778.302,38 com respeito ao ano de 2009;

  23. A Requerente pagou parte das quantias liquidadas, mas, por não ter procedido ao pagamento integral, foram instaurados os processos de execução fiscal n.º …, no valor de € 656.046,70, relativo ao IRC de 2008, e n.º … (documentos n.ºs 41.º e 42, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  24. A Requerente, para obter suspensão dos processos de execução fiscal referidos na alínea anterior, requereu a prestação de garantia através da hipoteca de imóveis (documentos n.ºs 43 e 44, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  25. A Requerente foi notificada pelo Serviço de Finanças de …, em 5-3-2013, para no prazo de 15 dias prestar garantia idónea no valor de € 916.661,95 (já considerando o pagamento parcial que efectuou), podendo tal garantia ser efectuada sobre bens imóveis (documento n.º 58, junto com o requerimento de 4-6-2013, cujo teor se dá como reproduzido);

  26. Por escritura pública outorgada a 7-3- 2013, a Requerente constituiu a favor da AT hipoteca voluntária unilateral sobre dezasseis imóveis de que é proprietária, e onde estabeleceu como montante máximo garantido o valor de € 916.661,95, correspondente à soma dos valores patrimoniais tributários constantes das cadernetas prediais dos referidos imóveis (documento n.º 59, junto com o requerimento de 4-6-2013, cujo teor se dá como reproduzido);

  27. Em 7-3-2013, a Requerente pagou a quantia de € 7.388,63 relativa a custos notariais para reforço de hipoteca (documento n.º 60, junto com o requerimento de 4-6-2013, cujo teor se dá como reproduzido);

  28. A Requerente e a “F”, antes da fusão, comercializavam produtos distintos, mas para idênticas necessidades de construção civil, tinham estruturas de venda semelhantes, tinham grande parte dos clientes comuns e disputavam o mesmo segmento do mercado (depoimentos das testemunhas … e …);

  29. Antes da fusão, a Requerente já produzia argamassas em que também usava leca, que a “F” produzia (depoimentos das testemunhas … e …);

  30. O Relatório da inspecção foi elaborado em 26-9-2012, tendo nesta mesma data sido proferido despacho pelo Senhor Director de Finanças Adjunto de … manifestando concordância com o seu teor (relatório a fls. 2 e seguintes do processo administrativo digitalizado);

  31. A Requerente foi notificada do Relatório da Inspecção em 3-10-2012 (página 40 do processo administrativo, a que corresponde a página 56 do processo administrativo digitalizado);

  32. O objecto social da Requerente que era produção comercialização, importação de argilas expandidas, de materiais e equipamentos para a construção civil, para o ambiente e para a reabilitação de edifícios, construção civil e obras públicas não foi alterado após a segunda fusão (Relatório, página 19 do processo administrativo digitalizado);

  33. A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, para fundamentar a não aceitação de dedução de prejuízos fiscais que, com a fusão de 2008, foi substancialmente alterada a natureza da actividade principal da sociedade incorporante exercida até 2007, sendo que, a actividade dominante e mais representativa do volume de negócios, passou a ser actividade exercida até aquela data, pela sociedade incorporada “F” (fabricação de argamassas e cimentos cola) (Relatório, página 19 do processo administrativo digitalizado).

 

 

2.2. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os juízos probatórios nos documentos referidos sobre cada ponto e nos depoimentos das testemunhas … e …, que mostraram ter conhecimento do funcionamento da Requerente e aparentaram depor com isenção.

No que concerne à aquisição, em 13-3-2008, da sociedade sueca “I”, cabeça do grupo “N”, pela sociedade francesa “K”, integrada no grupo “O”, para além dos documentos referidos, relativamente aos quais a Autoridade Tributária e Aduaneira não requereu que fosse apresentada tradução, é especialmente relevante o facto de no próprio relatório da inspecção se admitir ter sido efectuada (página 16 do relatório, na página 20 do processo administrativo).

Não se deu como provado que a Requerente tenha constituído uma hipoteca voluntária (para além da escritura de reforço de hipoteca referida na matéria de facto) para suspender os processos de execução fiscal instaurados para cobrança das quantias liquidadas que são objecto do presente processo, nem que a Requerente tenha pago a quantia de € 7.640,83 para tal constituição, por não ser junto qualquer documento comprovativo. Designadamente, nas suas alegações, a Requerente indica como elemento de prova do pagamento daquela quantia um “doc. n.º 4 junto ao requerimento apresentado em 4 de Abril de 2013”, mas não apresentou qualquer documento nesta data e, mesmo que se entenda pretende aludir ao requerimento de 4-6-2013, não é junto com ele qualquer documento n.º 4 (estão numerados de 50 a 54 e outro com a designação “ SKonica Pis13060320570”) e a quantia referida não aparece indicada em qualquer documento que juntou com este requerimento.

Quanto à data da notificação do relatório da inspecção, é a que a Requerente indica (3‑10-2012, a fls. 22 das alegações) e de aceitar, já que tal afirmação não é contrariada pela Autoridade Tributária e Aduaneira e se harmoniza com a data em que foi proferida decisão sobre as propostas feitas no relatório, poucos dias antes (26-9-2012).

Não há outros factos relevantes para decisão que não se tenham provado.

 

3. Questão da competência deste Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de reembolso de quantia

 

A Requerente defende, em suma, que o reembolso da quantia de € 136.895,94, que pretende, corresponde ao que entende ter a receber com consequência da anulação da liquidação de 2009. Isto é, em vez de ter de pagar, a Requerente entende que deveria ter recebido a quantia referida.

Embora o artigo 2.º do RJAT apenas atribua explicitamente aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências para declarar a ilegalidade de actos, a intenção legislativa de atribuir ao processo arbitral tributário a natureza de “meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária” que é assinalada no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que concedeu ao Governo a autorização legislativa em se baseou para aprovar o RJAT, leva a concluir que o objecto dos processos arbitrais é idêntico ao que tem o processo de impugnação judicial.

O processo de impugnação judicial é essencialmente um meio contencioso de mera anulação, como decorre dos artigos 99.º e 124.º do CPPT, visando-se com ele eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais.

Tem-se entendido, porém, desde a reforma fiscal de 1958/1965 que podem ser proferidas condenações no pagamento de juros indemnizatórios, hoje por força do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, sendo usual também determinar a devolução de quantias pagas em cumprimento do decidido no acto ilegal (para além de indemnizações por garantia indevida, por força do disposto no artigo 171.º, n.º 1, do CPPT).

No caso em apreço, porém, o reembolso que a Requerente pretende não se enquadra na eliminação dos efeitos produzidos pelos actos impugnados, pois não se trata de uma quantia que a Requerente tenha pago por força dos actos de liquidação impugnados. Na verdade, a Requerente pagou aquilo que entendeu que devia pagar e não pagou o que entendeu não dever pagar, o que levou à instauração de execuções.

Assim, não se tratando de reembolso de uma quantia paga em cumprimento do decidido nos actos impugnados, o que a Requerente pretende é uma decisão declarativa de um direito ao reembolso que não se enquadra no âmbito da eliminação dos efeitos produzidos pelos actos que são objecto do presente processo e, por isso, não pode ser objecto de processo de impugnação judicial e do presente processo que tem idêntico âmbito.

Tem, pois, razão a Autoridade Tributária e Aduaneira quanto a esta questão, pelo que se declara a incompetência material deste Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de reembolso de quantia que não foi paga em cumprimento de acto ilegal.

Pelo exposto, julgar-se procedente a excepção de incompetência suscitada e absolve-se a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância, quanto a esse pedido de reembolso.

 

4. Questão da incompetência para apreciar o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida

 

A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.

Como resulta da matéria de facto fixada, a Requerente constituiu hipoteca sobre imóveis, para obter suspensão dos processos de execução fiscal relativos à cobrança das quantias liquidadas, na parte em que não foram pagas.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

Como se referiu, embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.

Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT, estabelece que “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda” e que “a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a “legalidade da dívida exequenda”, pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no art. 3.º do RJAT, ao falar em “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.

Improcede, assim, a excepção da incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

 

5. Questão da ilegalidade do procedimento de inspecção

 

Entende que o procedimento de inspecção é ilegal por ter perdurado durante 15 meses, quando, por força do disposto nos artigos 36.º, n.ºs 2 e 3, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, pode, no máximo, ser prorrogado até 12 meses.

O artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) estabelece, no que aqui interessa o seguinte:

 

2 - O procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início.

3 - O prazo referido no número anterior poderá ser ampliado por mais dois períodos de três meses, nas seguintes circunstâncias:

a) Situações tributárias de especial complexidade resultante, nomeadamente, do volume de operações, da dispersão geográfica ou da integração em grupos económicos nacionais ou internacionais das entidades inspeccionadas;

b) Quando, na acção de inspecção, se apure ocultação dolosa de factos ou rendimentos;

c) Nos casos em que a administração tributária tenha necessidade de recorrer aos instrumentos de assistência mútua e cooperação administrativa internacional;

d) Outros motivos de natureza excepcional, mediante autorização fundamentada do director-geral dos Impostos.

 

Resulta dos n.º 2 e 3 deste artigo que, como defende a Requerente, o prazo do procedimento de inspecção não pode exceder 12 meses, sendo de seis meses o prazo normal e podendo haver duas prorrogações por três meses.

No caso em apreço, o procedimento de inspecção iniciou-se em 21-6-2011, com a assinatura da ordem de serviço pela técnica oficial de contas da Requerente [alínea cc) da matéria de facto fixada], pois é a assinatura desta pelo sujeito passivo ou obrigado tributário ou o seu representante, que determina, para todos os efeitos, o início do procedimento externo de inspecção (artigo 51.º, n.º 2, do RCPIT).

Por isso, considerando que houve duas prorrogações, para ser dado cumprimento ao limite máximo de 12 meses previsto no artigo 36.º o procedimento teria de estar terminado em 21-6-2012.

Os actos de inspecção terminaram em 20-6-2012 [alínea ee) da matéria de facto fixada], data a notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento (artigo 61.º, n.º 1, do RCPIT).

No entanto, a notificação do relatório final apenas foi efectuada em 3-10-2012, como se refere na alínea vv) da matéria de facto fixada.

Conclui, assim, que foi excedido o prazo legal máximo, pois o relatório final tem de ser notificado ao contribuinte, “considerando-se concluído o procedimento na data da notificação” (artigo 62.º, n.º 2, do RCPIT).

Esta ilegalidade, porém, não determina a caducidade nem invalida o procedimento de inspecção e os actos de correcção da matéria tributável e de liquidação que o tiveram como pressuposto, pois a consequência especial prevista na lei para o excesso de prazo é a eliminação do efeito de suspensão da caducidade do direito de liquidação (artigo 46.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), a que pode cumular-se a responsabilização civil e disciplinar dos funcionários a quem o atraso seja imputável. ( 1 )

Esta interpretação não é materialmente inconstitucional, à face do princípio constitucional da proporcionalidade/necessidade, pois não deixa de ser atribuída à ilegalidade uma consequência positiva para o contribuinte e esta é adequada em face da relevância pública geral fundamental que tem a cobrança de tributos. ( 2 )

Assim, os actos cuja declaração de ilegalidade é pedida não enfermam de vício derivado de ter sido excedido o prazo da inspecção, susceptível de invalidar o respectivo processo.

 

6. Questão da desconsideração dos prejuízos fiscais anteriores à fusão de 2008

 

No domínio do direito comercial societário, a fusão consiste na reunião de duas ou mais sociedades numa só (art. 97.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais), podendo realizar-se, no que aqui importa destacar, “mediante a transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra e a atribuição aos sócios daquelas de partes, acções ou quotas desta” (art. 97.º, n.º 4, alínea a), do CSC). Esta hipótese é comummente designada de fusão-incorporação.

No domínio tributário, no que aqui concerne, esta surge definida no art. 73.º, n.º 1, do CIRC, particularmente na sua alínea a), que dispõe que “a transferência global do património de uma ou mais sociedades (sociedades fundidas) para outra sociedade já existente (sociedade beneficiária) e a atribuição aos sócios daquelas de partes representativas do capital social da beneficiária e, eventualmente, de quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal das participações que lhes forem atribuídas”.

A Requerente, após a fusão de 2008, deduziu ao lucro tributável, no ano de 2008, prejuízos fiscais não aceites pela Autoridade Tributária e Aduaneira no montante de € 1.838.274,55 e, no ano de 2009, prejuízos fiscais no montante de € 1.284.764,85 [alínea ff) da matéria de facto fixada].

Esses prejuízos fiscais referem-se aos anos de 2004, 2005 e 2006 [alínea gg) da matéria de facto fixada], anteriores à fusão de 2008.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, na sequência da fusão de 2008, a Requerente não podia deduzir prejuízos fiscais relativos a anos anteriores à fusão, à face do preceituado no artigo 52.º, n.ºs 1 e 8, do CIRC, que, nas redacções vigentes em 2008 e 2009 estabeleciam o seguinte:

 

1 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis períodos de tributação posteriores.

(...)

8 – O previsto no n.º 1 deixa de ser aplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efectuada a dedução, que, em relação àquele a que respeitam os prejuízos, foi modificado o objecto social da entidade a que respeita ou alterada, de forma substancial, a natureza da actividade anteriormente exercida ou que se verificou a alteração da titularidade de, pelo menos, 50 % do capital social ou da maioria dos direitos de voto.

 

Como se vê, o art. 52.º, n.º 8, do CIRC prevê o afastamento da possibilidade de dedução de prejuízos fiscais, nos termos do n.º 1, sempre que se verifique qualquer uma das três situações aí previstas. Assim, em regime de alternatividade, não poderão ser deduzidos prejuízos fiscais “quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efectuada a dedução, que, em relação àquele a que respeitam os prejuízos”:

i) “foi modificado o objecto social da entidade a que respeita”; ou

ii) “alterada, de forma substancial, a natureza da actividade anteriormente exercida”; ou

iii) “que se verificou a alteração da titularidade de, pelo menos, 50% do capital social ou da maioria dos direitos de voto”.

O preenchimento de um destes requisitos legais é, por si só, suficiente para o afastamento da possibilidade de dedução de prejuízos fiscais prevista naquele artigo. Neste quadro, a Administração Tributária e Aduaneira invoca que a Requerente, em resultado da fusão, alterou de forma substancial a natureza da actividade desenvolvida e que se alterou a titularidade de mais de 50% do capital social.

 

6.1. Questão da alteração substancial da actividade

 

A Classificação das Actividades Económicas (CAE) consiste numa classificação elaborada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). A sua actual versão, CAE-Rev.3, foi publicada no Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de Novembro, encontra-se harmonizada com a Nomenclatura Estatística das Actividades Económicas na Comunidade Europeia (NACE-Rev.2), instituída pelo Regulamento da (CE) n.º 1893/2006, do Parlamento e do Conselho, de 20 de Dezembro de 2006.

Decorre, de forma inequívoca, tanto do preâmbulo do Decreto-Lei como do Regulamento, que estas classificações têm uma finalidade estatística, visando a harmonização assegurar a fiabilidade e a comparabilidade dos dados estatísticos nacionais e comunitários: “Uma nomenclatura actualizada como a NACE Rev. 2 é central para os actuais esforços da Comissão no sentido de modernizar a produção das estatísticas comunitárias; espera-se contribuir, através de dados mais comparáveis e relevantes, para uma melhor governação económica a nível comunitário e nacional” (preâmbulo do Regulamento). O art. 1.º, n.º 2, do Regulamento, é taxativo: “O presente regulamento aplica‑se unicamente à utilização da nomenclatura para fins estatísticos”.

No âmbito tributário, para efeitos do art. 52.º, n.º 8 do CIRC, importa aferir, não se houve uma alteração da classificação da actividade económica, mas antes se houve uma efectiva e substancial alteração da natureza da actividade exercida.

Conforme se retira da matéria de facto dada como provada, as vendas de argila e caulino (leca) representavam, em 2007, 67,46% do volume de negócios da sociedade incorporante, “N”. Por sua vez, em 2007, as vendas de argamassas e colagem representavam 87,32% do volume de negócios da sociedade incorporada, “F”.

Após a fusão, as vendas de argamassas e colagem passaram a representar 60,56% e 62,07% do volume de negócios da Requerente, … Portugal, S.A., em 2008 e 2009, respectivamente, representando a extracção de argila e caulino (leca), 22,99% e 21,82%, nos mesmos anos.

Objectivamente houve uma alteração da produção e das vendas, patente quando comparada a produção e vendas da sociedade incorporante (antes da fusão) e a da sociedade após a fusão. A importância e predominância de uma produção sobre a outra é clara: as vendas de argila e caulino (leca) representavam, antes da fusão, 67,46% do volume de negócios da sociedade incorporante e passaram a representar apenas, 22,99% e 21,82% nos anos subsequentes à fusão. Assim sucedeu, desde logo, por a sociedade incorporada ter um maior volume produtivo, mas também por produzir, primordialmente, algo diferente.

A opção por incorporar a “F” na “N”, apesar do volume produtivo da primeira ser consideravelmente superior ao da segunda, foi uma opção consciente e planeada, como os Requerentes explicitam nos arts. 21.º a 29.º do pedido de pronúncia arbitral e reiteram no ponto 19 da parte 1.1. das suas alegações finais, que em seguida se sumarizam. Assim, "diversas circunstâncias práticas" contribuíram para a tomada de decisão, quanto à estrutura da operação a levar a cabo:

1) A sociedade incorporante "era proprietária, àquela data, de 116 imóveis […] sendo que a transferência da propriedade de tais imóveis para a “F” (caso a operação a levar a cabo fosse estruturada como incorporação da Requerente, então “N”, na “F”) implicaria realizar e custear o registo da transferência da propriedade de todos os 116 imóveis (o que não se verificava em sentido inverso na medida em que o património imobiliário da “F” era muito inferior em número de imóveis)", ao que acresciam problemas registrais insusceptíveis de serem resolvidos num curto espaço de tempo;

2) A sociedade incorporante "tinha uma licença de coincineração", "uma licença de utilização de recursos hídricos, rejeição de águas residuais e instalações industriais" e havia-lhe sido concedido o título de emissão de gases com efeitos de estufa n.º 219.01;

3) A sociedade incorporante era parte de contratos de concessão de benefícios fiscais e de investimento (Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2005 de 1 de Março de 2005).

 

Sumariando as densas descrições da Requerente, reiteradas pelas testemunhas apresentadas, explicitando a natureza da actividade e dos produtos fabricados e vendidos: a leca consiste numa matéria prima que tanto pode ser vendida por si só como pode ser utilizada na composição de argamassas; no mercado português de construção civil existe uma preferência pela mistura posterior, o que justifica a popularidade da venda de leca “por si só”; tanto a leca como a argamassa, que inclui ou pode incluir leca na sua composição, são soluções diferentes para o mesmo problema, pelo que a actividade haverá de ser tida, genericamente, tanto num caso como no outro, como uma actividade de fabrico e comercialização de materiais para a construção civil com funcionalidades similares.

Acresce que ambas as sociedades eram concorrentes directas, tendo a fusão sido objecto de consideração pelas autoridades competentes tanto a nível europeu com a fusão dos grupos “O” e “N”, como a nível nacional, com a fusão destas sociedades.

Nestes termos, não configura uma alteração substancial da natureza da actividade uma alteração produtiva que, mesmo que implique diferentes matérias primas, como também equipamentos industriais e conhecimentos técnicos diferentes, não represente uma alteração da funcionalidade alvo. Isto é, houve, de facto uma alteração da actividade económica, mas não pode considerar-se substancial por a Requerente ter continuado a fornecer produtos para as mesmas necessidades dos seus clientes.

Assim, não tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira ao afastar a possibilidade de dedução de prejuízos fiscais com base em ocorrência de alteração substancial da actividade económica.

 

6.2. Questão da alteração da titularidade de, pelo menos, 50 % do capital social

 

Como se referiu, nos termos do n.º 8 do art. 52.º do CIRC, não é permitida a dedução de prejuízos fiscais, “quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efectuada a dedução, que, em relação àquele a que respeitam os prejuízos... se verificou a alteração da titularidade de, pelo menos, 50 % do capital social”.

Como ressalta linearmente dos termos desta norma, a comparação da titularidade do capital social que se tem de fazer é entre os períodos de tributação a que respeitam os prejuízos (neste caso, os anos de 2004, 2005 e 2006) e as datas de termo de cada um dos períodos de tributação em que foi efectuada a dedução (no caso em apreço, 31-12-2008 e 31-12-2009, para a dedução de prejuízos em cada uma destes anos).

Por isso, no caso em apreço, para aplicação daquele n.º 8 do artigo 52.º não está em causa saber se ocorreu uma alteração da titularidade do capital da Requerente, económica ou jurídica, durante o ano de 2008, mas sim saber se ocorreram alterações da titularidade do capital entre 31-12-2008 e os anos de 2004 a 2006, a que respeitam os prejuízos deduzidos no período de tributação de 2008, e entre 31-12-2009 e o ano de 2006, a que se referem os prejuízos deduzidos em 2009.

No que concerne ao ano de 2008, constata-se que, em 31-12-2008, a sociedade “K” era titular da maior parte do capital social da Requerente (74,16%) [alínea kk) da matéria de facto fixada] que, por si e por sociedades que eram titulares do seu capital (“L” e “M”, segundo o documento n.º 14, junto pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral) não era detentora de qualquer parte do capital da Requerente antes de 2008, designadamente nos anos de 2004, 2005 e 2006 em que se geraram os prejuízos que a Requerente deduziu em 2008.

O facto de, em 13-3-2008, a sociedade sueca “I”, cabeça do grupo “N”, em que se integrava a Requerente, ter sido adquirida em 100% pela sociedade francesa “K”, integrada no grupo “O” não afasta, antes confirma, aquela conclusão, de que, até essa data, esta sociedade “K” França não tinha qualquer participação directa ou indirecta no capital da Requerente, designadamente nos anos de 2004, 2005 e 2006, “a que respeitam os prejuízos”, que são os que relevam para efeitos de comparação da titularidade do capital social, à face do n.º 8 do art. 52.º do CIRC.

O mesmo sucede em relação ao ano de 2009, pois a única alteração da titularidade do capital social da Requerente que sucedeu nesse ano foi a aquisição de 99,99% desse capital pela sociedade “P” (sociedade detida directamente a 78,67% pela “K” França), que também não tinha qualquer participação directa ou indirecta no capital da Requerente nos anos de 2004, 2005 e 2006.

Assim, só com uma autorização nos termos do no n.º 9 do art. 52.º do CIRC poderia ser assegurado o direito ao reporte dos prejuízos fiscais da Requerente.

No que concerne à orientação administrativa veiculada pelo Despacho de ..-1-2008 do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, proferido no processo n.º 104/2006, a que alude nas suas alegações ( 3 ), em nada prejudica o que ficou referido, pois ela não tem aplicação directa ao caso em apreço.

Na verdade, a doutrina aí inserta é a seguinte:

O n.º 8 do artigo 47.º do Código do IRC deve ser interpretado no sentido de que a limitação do direito de dedução de prejuízos decorrente da alteração da titularidade de, pelo menos, 50% do capital social ou da maioria dos direitos de voto não será aplicável nas situações em que se verifique que os novos titulares do capital já anteriormente detinham indirectamente a maioria do capital e a alteração da titularidade decorra de uma operação de reestruturação efectuada ao abrigo do regime especial de neutralidade estatuído nos artigos 67º e seguintes do Código do IRC. ( 4 )

 

No caso em apreço, os titulares de capital em 31-12-2008 e 31-12-2009 nem mesmo indirectamente detinham o capital da Requerente em 2004, 2005 e 2006, que são os anos em que se verificaram os prejuízos a reportar e que se devem ter em conta para aferir da identidade da titularidade.

Isto é, não ocorreu uma mudança da titularidade indirecta do capital social da Requerente com a fusão de Dezembro de 2008, mas ela ocorreu antes, só tendo a “K” passado a ser titular indirecta de capital da Requerente após a aquisição, em 13-3-2008, da sociedade sueca “I”, cabeça do grupo “N”, pela sociedade francesa “K”, integrada no grupo “O” [alínea o) da matéria de facto fixada]. Há, assim, no final de 2008 e no final de 2009, alteração da titularidade do capital social da Requerente em relação à que existia nos anos de 2004, 2005 e 2006, o que obsta à aplicação do regime do n.º 1 do artigo 52.º do CIRC.

Pelo exposto, conclui-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão ao invocar este fundamento de alteração da titularidade do capital da Requerente em mais de 50% relativamente aos períodos de tributação a que respeitam os prejuízos para afastar a aplicação do regime do n.º 1 do artigo 52.º do CIRC nos anos de 2008 e 2009.

 

6.3. Conclusão

 

Bastando que se verifique um dos fundamentos previstos no artigo 52.º, n.º 8, para ter suporte jurídico o afastamento da dedução de prejuízos fiscais prevista no n.º 1 do mesmo artigo, conclui-se que, verificando-se em 31-12-2008 e 31-12-2009 alterações da titularidade do capital da Requerente em mais de 50% relativamente aos períodos de tributação de 2004 a 2006, a que respeitam os prejuízos, têm fundamento jurídico as correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e as liquidações que nelas se basearam.

Consequentemente, têm de julgar-se improcedentes os pedidos de declaração de ilegalidade e anulação das liquidações adicionais de IRC com os n.ºs 2012… e 2012…, relativas aos exercícios de 2008 e 2009, respectivamente, bem como o pedido de indemnização por garantia indevida que tem como pressuposto a declaração de ilegalidade das liquidações referidas.

 

 

7. Decisão

 

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar improcedentes os pedidos de declaração de ilegalidade e anulação da liquidações adicionais de IRC com os n.ºs 2012… e 2012…, relativas aos exercícios de 2008 e 2009, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira daqueles pedidos;

– julgar improcedente o pedido de indemnização por garantia indevida e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do respectivo pedido;

– absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira quanto ao pedido de reembolso da quantia de € 136.895,94, decorrente da correcção resultante de ajustamentos de dívidas de terceiros

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 742.399,82.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10.710,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa 25-9-2013

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(António Carlos dos Santos)

 

 

(António Américo Coelho)

 

1(  ) Neste sentido tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos acórdãos de 29-11-2006, processo n.º 0695/06; de 27-2-2008, processo n.º 0955/07; de 4-6-2008, processo n.º 0103/08; e de 10-12-2008, processo n.º 080/08.

2(  ) Nesta linha, podem ver-se os acórdãos do Tribunal Constitucional: n.º 457/2008, de 25-9-2008; 514/2008, de 22-10-2008; e 566/2008, de 25-22-2008.

3(  ) A Requerente indica o «Despacho P 104/2004, de 4 de janeiro de 2008» (página 29 das alegações), mas tratar-se-á de lapso, pois o despacho que alude será o que se encontra reproduzido na «Ficha Doutrinária» que consta do «Portal das Finanças» em

http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/2542ECFD-BB08-4435-BA0C-1D40B95B6229/0/Nao_aplicacao_limitacao_prevista_n_8_artigo_47_CIRC.pdf

4(  ) Aos artigos 47.º e 67.º e seguintes do CIRC, na redacção vigente em Janeiro de 2008, correspondem os artigos 52.º e 73.º e seguintes do mesmo Código, após a renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.