Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 793/2022-T
Data da decisão: 2023-08-25   
Valor do pedido: € 51.420,56
Tema: IVA – Transmissão intracomunitária; Prova da saída dos bens do território nacional.
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CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º:793/2022-T

Tema: IVA – Transmissão intracomunitária; Prova da saída dos bens do território nacional.

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SUMÁRIO:

1-O  reembolso do IVA por meio do procedimento  especificamente regulado pelo Despacho Normativo nº 18-A/2010, de 1/7 do Ministro das Finanças  não impede que,  sobre os mesmos factos e períodos de tributação, incidam novas ações inspetivas,  não abrangidas pelo  no nº 4 do art. 63º da LGT,  com as consequentes correções impostas na lei,  que devem respeitar o prazo geral  de caducidade do direito de liquidação. .

2-Constituí  pressuposto da isenção de IVA das transmissões intracomunitárias , prevista no nº 1 do art. 14º do RITI ,   a saída física    dos bens do território nacional para o território de outro Estado membro da União Europeia, não sendo suficiente o início da expedição ou transporte.

3- Para  demonstração dessa saída física dos bens do território nacional, são admissíveis todos os meios de prova legalmente admitidos em cada Estado membro,  compatíveis com a Diretiva IVA.

4- O ónus de prova da saída dos bens do território nacional é ao sujeito passivo do IVA, ao qual incumbiria a liquidação do imposto se a operação não estivesse isenta e deve ser satisfeito operação a operação, independentemente das caraterísticas  genéricas da atividade em causa.

5 -Quando seja o sujeito passivo ou terceiro por sua conta a efetuar o transporte dos bens , a  saída dos bens do território nacional presume-se,   a partir de 1/1/2020, data da entrada em vigor do  art.  45º  - A do  Regulamento de Execução (UE) n.o 282/2011 , aditado pelo  art. 1º do Regulamento de Execução(EU) 2018/19º,  da posse de  dos dois tipos de  documentos relacionados com o transporte ou a expedição dos bens,  que podem ser     uma fatura emitida pelo transportador dos bens ou uma fatura do transporte aéreo  e  uma apólice de seguro, documentos bancários, documentos oficiais emitidos por uma entidade pública ou  documento de receção que conforme a armazenagem dos bens no  Estado-Membro do destino .

6- Quando o transporte seja efetuado pelo adquirente ou terceiro por sua conta, acresce à obrigatoriedade desses requisitos a posse de declaração emitida pelo adquirente, indicando que os bens foram por ele transportados ou expedidos ou por terceiros agindo por conta do adquirente, mencionando o Estado-Membro de destino dos bens e a data de emissão, o nome e o endereço do adquirente, a quantidade e a natureza dos bens e, no caso de entregas de meios de transporte, o NIF da pessoa que aceita os bens por conta do adquirente 

7. Uma declaração de expedição , para efeitos do  nº 1 do art. 14º do RITI , faz parte integrante do  contrato de transporte  desde que  contenha  as indicações referidas no nº 1 do art. 6º da Convenção  relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, concluída em Genebra a 18/5/56 .

8- Em caso de  não  apresentação dos meios de prova previstos no art. 45º- A do  Regulamento de Execução (UE) nº 282/2011 ,   a saída  dos bens do território nacional   pode ser demonstrada por quaisquer outros meios de prova  idóneos admitidos no  direito nacional , desde que não incompatíveis com o Direito da União Europeia e não pelos meios de prova referidos no art. 45- A desse Regulamento, quando insuficientes.

9- Para esse efeito, não se considera idóneo o meio de prova consistente exclusivamente num único tipo de documento entre os referidos no nº 3 desse art. 45º- A, que não seja completado por outro  documento de prova igualmente idóneo, com a consequente não elisão da presunção de transmissão intracomunitária isenta do nº 1 desse art..

10- Caso  o legislador tivesse pretendido essa solução, à   prova da saída dos bens do território nacional bastaria sempre um só documento, entre os aí mencionados, desde             que credível, não se compreendendo a solução encontrada da exigência de outro meio de prova.

11- Um Documento T2L ,  emitido pela  sucursal da estância aduaneira, no local onde ocorreram  o carregamento e a movimentação  das mercadorias,  utilizado no transporte de mercadorias comunitárias entre portos da União Europeia, tanto por via marítima quanto aérea , prova que a mercadoria a que respeita está abrangida pelo estatuto da EU, mas não demonstra qualquer exportação do bem para países terceiros, abrangida pela isenção da alínea a) do n 1 do art. 14 do CIVA, por não preencher os requisitos do n 8 do art. 29º do CIVA.

12- De acordo com a jurisprudência do TJUE, quando, segundo o modelo de transação  internacional  adotado pelas partes, o   adquirente beneficie do poder dispor do bem como proprietário no território do Estado-Membro de entrega e lhe incumbir transportar esse bem para o Estado-Membro de destino, tornando-se, assim, sujeito passivo do imposto  ,a omissão pelo adquirente do dever de declaração  da aquisição intracomunitária no Estado da residência não deve prejudicar o direito à isenção do vendedor, salvo quando este tiver  dolosa ou intencionalmente contribuído para essa omissão.

13-Quando, por outro lado , é do conhecimento público ou resulte das relações comerciais regulares mantidas com o cliente que este  está estabelecido e exerce efetivamente a sua atividade noutro Estado membro, é, em princípio, do adquirente  e não do vendedor  o dever de controlar a circulação do bem a partir da expedição , até ao termo do transporte, sob pena de, em caso de incumprimento dessa obrigação, eventualmente ser considerado devedor do imposto.

 

 

I – Relatório

 

  1. Requerente.

A… , SA, número de pessoa coletiva …, Zona Industrial de …, lotes … a …, …-… ….  

  1. Requerida

Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

3- Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral.

 

3.1. O pedido de pronúncia arbitral (PI) foi apresentado  a 27/12/2023  e aceite no mesmo dia, nos termos regulamentares aplicáveis, tendo a  Requerente optado pela não designação de árbitro.

 

3.2. A  29/12/2023, o pedido seria notificado  à AT.

 

3.3- A 3/1/2023, a AT designaria para a representarem no processo os juristas B… e C… .

 

3.4. A 10/2/2023, o presidente do Conselho Deontológico do CAAD designaria, no âmbito do presente processo arbitral,  como árbitro singular , António Barros Lima Guerreiro.

 

3.5 A 18/2/2023; o Presidente do CAAD, nos termos do nº 7 do art. 11º do RJAT, comunicaria às partes a constituição do Tribunal Arbitral;

 

3.6. Nesse dia, nos termos do art. 17º do RJAT, o Tribunal Arbitral notificaria a AT para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, requerer prova adicional, caso entenda, e juntar o Processo Administrativo  (PA).

 

3.8. A 8/4/2023, a Requerida apresentou a sua Resposta e procederia à junção do Processo Administrativo (PA).

 

3.7. A 17/5/2023 e 22/5/2023, a Requerente juntaria novos documentos.

 

4- O Pedido .

 

A Requerente pretende a  anulação  do indeferimento da reclamação graciosa nº …, relativa aos atos de liquidação do IVA do ano de 2020  n ºs …, de 20/01, . …,  de 20/02,  …  , de 20/03, …  de 20/04,  … , de 20/05,  …  de 20/06, …  de 20/07,    …  de 20/08,  … de 20/09,  … de 20/10 , … de 20/11,  e …  de 20/12.

 

Solicita também a anulação do indeferimento da reclamação graciosa nº …, relativa aos atos de liquidação do IVA do ano de 2021 n ºs … ,de 21/01, …  de 21/02,  …, de 21/03, … , de 21/04, , e …  de 21/05, no valor somado de € 51.420,56 (cinquenta e um mil quatrocentos e vinte euros e cinquenta e seis cêntimos).

 

Requer igualmente, em caso  de procedência do presente pedido de pronúncia arbitral   e consequente  anulação das liquidações de IVA  anteriormente identificadas subsequentes ao indeferimento do pedidos de  reembolso do  crédito de imposto deduzido pela requerente na declaração periódica de Maio de 2021 , o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do n 1 do art. 43º da LGT . sobre esse montante de € 51.420,56, contados da data desse indeferimento até ao seu pagamento.

 

  1. Posição da Requerente

 

A Requerente chama a atenção, em primeiro lugar,  para que  o procedimento de inspeção que teria alegadamente dado origem aos subsequentes  atos de liquidação agora  impugnados ter tido  por objeto períodos  de tributação relativamente aos quais havia já tinham  sido anteriormente  emitidos reembolsos por parte da administração fiscal, abrangidos pelo nº 4  do art. 63º da LGT, e períodos de tributação posteriores  a essa emissão , fora do âmbito de aplicação dessa norma.

 

É o que vem admitido a  pg. 26 do   Relatório Final  de Inspeção Tributária (RIT), segundo o qual,  “nos períodos de 2017 09 e 2019 08 foram solicitados e concedidos à sociedade outros reembolsos de IVA (de 330.000 € e 400.000 €, respetivamente)”

 

Em conformidade com esse facto, as correções efetuadas pela inspeção  tributária  recaíram sobre  os créditos de IVA apurados nos anos de 2017, 2018 e parte do ano  de 2019 ,  que originaram   tais reembolsos ,  solicitados nas declarações periódicas respetivamente  de setembro de 2017 e agosto de 2019, bem como sobre os créditos posteriores apurados na declaração periódica de  maio de 2021.

 

Assim, o pedido de reembolso de IVA no montante de  € 210.000,00  solicitado  na declaração periódica do mês de maio de 2021  não poderia ter abrangido créditos de IVA apurados nos anos de 2017, 2018 e parte do ano  de 2019 ,  que então já tinham  anteriormente  sido pagos à Requerente, pelo que já não poderiam ser reportados na declaração periódica de maio de 2021.

 

Ainda assim , caso  a AT pretendesse sindicar o crédito de imposto  que originou os reembolsos em causa poderia  ter aberto ,  nos termos do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária(RCPIT)  procedimento de inspeção específico interno ou externo relativo à legalidade dos reembolsos solicitados nas declarações periódicas de setembro de  2017 e de agosto de 2019, o que não  teria feito.

 

No âmbito da isenção do nº 1 do art. 14º do RITI, viria o nº  2 do  art. 45.º-A do Regulamento de Execução (EU) n.º 282/2011 do Conselho, ,estabelecer, a partir de 1/1/2020,  uma presunção de  transporte dos bens para fora do território nacional se o vendedor ou adquirente  tiverem na sua posse os seguintes documentos:

 

-Quando os bens são transportados ou expedidos pelo vendedor ou por terceiro agindo por sua conta - dois elementos de prova não contraditórios (declaração de expedição CMR, apólice de seguro relativa ao transporte ou à expedição dos bens, documento oficial de autoridade pública que confirme a chegada dos bens ou um recibo emitido por um depositário no Estado membro de destino, que confirme a armazenagem dos bens nesse Estado membro);

 

- Quando os bens são transportados ou expedidos pelo adquirente – para além dos dois elementos de prova atrás descritos, uma declaração escrita do adquirente dos bens, indicando que os bens foram por ele transportados ou expedidos, com as menções indicadas no referido preceito legal ( Estado membro de destino, nome e endereço do adquirente, quantidade e natureza dos bens, etc.).

 

Admite a Requerente  não ter apresentado a  totalidade  desses documentos na inspeção tributária  a que foi sujeita .

 

Contudo, como resulta da 2ª parte do n 1 desse art 45.º-A do Regulamento de Execução(EU) nº 282/2011, , a referida exigência de prova vale meramente para efeitos de presunção da expedição, não podendo ao contribuinte ser negada a apresentação de outros meios de prova da saída dos bens do território nacional.

 

Aliás, seria  o próprio RIT que  assim admitiria  ao referir que “Caso o vendedor não possua os elementos de prova exigidos pelo Artigo 45.º-A do Regulamento de Execução  (EU) nº 282/2011, para que possa beneficiar da presunção relativa à expedição ou transporte dos bens nas transmissões intracomunitárias posteriores a 01/0172021, cabe-lhe a ele demonstrar por outros meios de prova, perante as autoridades fiscais, que a condição relativa ao transporte dos bens se encontra cumprida e que os bens foram efetivamente transportados do território nacional para outro Estado Membro”.

 

Admite o RIT a Requerente ter logrado  apresentar perante a AT , no âmbito do procedimento inspetivo a que foi sujeita, declarações emitidas pelos adquirentes e agentes transitários “Certificados de Receção do Transitário” (“FCR”), declarações de expedição (“CMR”) e declarações T2L, relacionada com as exportações e  transmissões intracomunitárias de bens efetuadas .

 

Tais  declarações  seriam , segundo a Requerente,  prova cabal de que os bens foram efetivamente expedidos para outro Estado Membro:  os próprios adquirentes  dos bens e agentes transitários envolvidos nas operações  confirmam nesses documentos  que os bens foram expedidos de Portugal para outro Estado-Membro.

 

No entanto, divergindo da Requerente,  a AT concluiria, a pg. 14 do RIT,   que essas declarações  “não contêm todos os elementos previstos na subalínea i) da alínea b) do n.º 1 do art.  45-A do Regulamento de Execução  (EU) nº 282/2011”, exigíveis para prova dessas operações.

 

Objeta a Requerente  que  as referidas declarações dos adquirentes e dos transitários não foram facultadas para efeitos de concretização da presunção prevista no art. 45.º-A do Regulamento de Execução EU) nº 282/2011, mas sim como meio alternativo de prova da expedição, como, aliás, refere o RIT, que a administração fiscal deveria ter aceite.

 

Assim, a AT teria  transformado   uma mera regra de presunção elidível de expedição numa obrigação imperativa de apresentação de dados documentos, o que não teria sido o propósito do atual  45.º-A do Regulamento de Execução( EU) nº 282/2011, de acordo com a interpretação anteriormente exposta .

 

Ainda que se considerasse insuficiente a documentação apresentada   , sempre deveria ter sido a própria AT, ao abrigo do princípio do inquisitório e da busca da verdade material, , nos termos do art. 58º da LGT , a providenciar,, junto dos adquirentes ou agentes transitários, da documentação comprovativa da realização das exportações e transmissões intracomunitárias de bens isentas, a que se referem os nº s 2 a 7 desse art. 45- A  do Regulamento de Execução  (EU) nº 282/2011, que não foi o caso.

 

Refere a Requerente , por último, que a própria Comissão Europeia,  comentando a redação do referido art.45.º-A do Regulamento de Execução( EU) nº 282/2011, fez menção à possibilidade de a prova da expedição poder ser efetuada através de outros meios que não aqueles especificamente previstos nessa  nor.

 

Com efeito, consta expressamente do ponto 5.3.3 das notas explicativas do comité do IVA  sobre o alcance dessa norma  o seguinte:

 

“O que significa se as condições para presunção da expedição dos bens previstas no artigo 45º-A não estão cumpridas? Significa que nesse caso a isenção de IVA das transmissões intracomunitárias de bens prevista no artigo 138º da Diretiva IVA não se aplica?

 

O facto das condições previstas nas alíneas a) ou b) do nº 1 do artigo 45º-A do Regulamento de Execução ( EU) nº 282/2011 não estarem cumpridas, tal não significa que automaticamente a referida isenção de IVA das transmissões intracomunitárias de bens prevista no artigo 138º da Diretiva IVA não se aplicará. Nesse caso, caberá ao vendedor provar, para satisfação das exigências da autoridade tributária, que as condições para a aplicação da referida isenção (transporte incluído) do IVA estão cumpridas” .

 

A Requerente apresentou como única testemunha a diretora financeira D…,  não identificando a PI os factos sobre os quais pretende que  deponha.

  1. Posição da Requerida.

 

Segundo a Requerida,  a Requerente não  comprovou  adequadamente   a expedição ou transporte dos bens pelo vendedor, conforme requisito da alínea a) do n.º 1 do art.º 14º do RITI, para que possa beneficia a  isenção do imposto nessa norma. prevista  Essa comprovação deveria ter sido efetuada documentalmente, nos termos do art. 45º-A do Regulamento de Execução m 282/2011, não podendo a prova em falta ser substituída por prova testemunhal.

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Tal incumprimento foi justificado de acordo com os princípios gerais que regulam a fundamentação dos atos tributários ou em  matéria tributária,  segundo os quais esse dever visa permitir ao destinatário do ato conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo deste, permitindo-lhe ficar a saber quais os motivos que levaram a Administração à sua prática e a razão por  que decidiu nesse sentido e não noutro

 

Fundamentar um ato não significaria uma exaustiva descrição de todas as razões que  determinaram a sua prática, mas esclarecer devidamente o seu destinatário dos  motivos que estão na sua génese e das razões que sustentam o seu concreto conteúdo , com a descrição expressa das  premissas em que assenta.

 

Como demonstra a PI, a Requerente foi devidamente esclarecida dos fundamentos da decisão, que integralmente  compreendeu e contestou.

 

O argumento  da Requerente de  que  os créditos de IVA relativos aos anos de 2017, 2018 e parte de 2019,foram  entretanto  validados pela AT com a consequente concretização dos reembolsos consequentes dessa validação ,  não reflete, em especial . o facto de tais reembolsos terem sido  concedidos essencialmente  em função da  matriz de risco da Requerente,  nos estritos termos do Despacho Normativo do Ministro das Finanças  nº  18-A/2010, de 1/7 , com base na documentação apresentada .

 

Tal validação não implica uma apreciação definitiva sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo do IVA, tendo apenas por base um juízo de probabilidade elevada sobre os pressupostos desses reembolsos..

 

Inexiste, assim,  qualquer impedimento legal a que a AT abra  procedimento para os  períodos anteriores da tributação , com vista a confirmar  a  veracidade os valores declarados dos  créditos de imposto  gerados naqueles períodos e posteriormente reportados para o exercício em que os reembolsos foram solicitados, maio de 2021.

 

Nos termos do n 11 do art. 22º do CIVA,   com efeito, os  pedidos de reembolso  apenas são indeferidos quando não forem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, bem como quando o imposto dedutível for referente a um sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspenso ou cessado a sua atividade no período a que se refere o reembolso.

 

O facto de  os pedidos de reembolso terem sido  deferidos a com base na documentação do sujeito passivo  comprovativa da legitimidade  não prejudica  a possibilidade de posteriormente, serem  objeto de correção, caso se verifiquem incoerências ou ilegalidades, dentro  naturalmente do prazo de caducidade do direito de liquidação.  

A prova testemunhal oferecida pela Requerente não pode finalmente  substituir a prova legal da expedição ou transporte dos bens, pelo que carece de justificação a audição da testemunha apresentada.

 

6- Saneamento

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos previstos na alínea a) do nº 1 do art. 2º do RJAT.   e as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão legalmente representadas

Não foram invocadas quaisquer nulidades ou anulabilidades de que o Tribunal deva conhecer de imediato e o pedido é tempestivo.

7- Decisão

I. Fundamentação de fato.

1.1-Factos provados.

 

1.1.1.A Requerente está  enquadrada no regime geral, em sede de IRC, e no regime normal mensal, em sede de IVA, consistindo a sua   atividade  essencialmente, na transformação de produtos da pesca e congelados em conservas e patés (CAE Principal 10203 – Conserv. Prod. Pesca e Aquic. em azeite, Óleos Veg. e Out.),efetuada em instalações na zona industrial do concelho de ….

 

1.1.2. Para além da produção, procede ao embalamento e comercialização das  conservas e patés das suas marcas próprias, além de os produzir para serem comercializados com as marcas dos clientes.

 

1.1.3 Iniciou  atividade a  10/10/1950.

 

1.1.4. Tem-se mantido numa posição de crédito de imposto perante a administração fiscal que resulta de a maioria da operações que realiza estar abrangida pela taxa reduzida da verba 1.3.2. da Lista I anexa ao CIVA ou serem exportações ou transmissões intracomunitárias de bens, abrangidas respetivamente no na alínea a) do nº 1 do art. 14º do CIVA e  na alínea a) do nº 1 do art. 14º  do RITI, ao passo que a maioria dos bens ou serviços destinados  à sua atividade é tributada à taxa normal de 23 %., . nomeadamente investimentos de valor significativo, embalagens, serviços de transporte, pagamentos a cadeias de hipermercados relativas a campanhas, etc..

 

1.1.5. Nos anos mais recentes a Requerente solicitou reembolsos  nas declarações   periódicas  de IVA de setembro  de 2013, maio de 2016, setembro de 2016 e agosto de 2019 , concedidos no âmbito de procedimentos internos de inspeção

 

1.1.6 O ultimo pedido de reembolso que foi objeto  de exame e confirmação  pela inspeção tributária  consta da declaração periódica  de maio de 2016.

 

1.1.7.Na declaração periódica de maio de 2021, de cujo processamento resultaria um crédito de imposto de €234.701,05., a Requerente    solicitou um reembolso de €210.000,00, que originou  ações inspetivas também meramente  internas e de âmbito parcial , promovidas a coberto das Ordens de Serviço n.ºs OI 2020…, OI 2020…, OI 2020… OI2021… e OI2021… , para verificação dos seus pressupostos. Tais Ordens de Serviço foram emitidas nos termos dos Despachos DI 101331, relativo aos exercícios de 2016 a 2019, e DI 2021…,relativo aos exercícios de 2020 e 2021.  

 

1.1.8 Os Serviços de Inspeção Tributária da direção de finanças do distrito de Faro  verificaram  a origem e legitimidade dos  créditos de IVA constituídos  no período compreendido entre junho de 2016  e maio de 2021, procedendo para esse efeito à análise dos elementos contabilísticos relativos às operações ativas e passivas nomeadamente balancetes analíticos,  ao cruzamento entre os valores constantes dos extratos contabilísticos, as declarações periódicas e recapitulativas de IVA e os respetivos documentos de suporte, na sua totalidade e ainda ao cruzamento entre os montantes constantes do SAF-T de faturação e os registados contabilisticamente, recorrendo ainda aos  dados constantes do sistema informático da AT.

 

1.1.9 As ações de inspeção iniciaram-se em 28/07/2021 e foram concluídas em 22/11/2021, com a notificação nesta data  do relatório final  e das inerentes correções à matéria tributável  e as liquidações consequentes do indeferimento parcial do pedido de reembolso seriam notificadas a 7/12/2021 .

 

1.1.10-No exercício do direito de audição, a Requerente apresentou um conjunto de documentação que considera  comprovativa da isenção das operações e foi considerada na decisão final..

 

1.1.11- A administração fiscal reduziu, no entanto,  para € 188.288,98 o crédito a reembolsar, consequência da dedução aos referidos €234.701,05 apurados na declaração periódica de maio de 2021 do reporte apurado em agosto de 2019 de € 302,90  e das correções aos meses de setembro de 2019 a maio de 2021, no montante de 51.157,25.

 

1 1.12. Foi fundamento dessas correções, expresso na decisão final do procedimento inspetivo, em primeiro lugar, a ausência de prova pelos meios legais de  exportações isentas, nos meses de maio  de 2017, no montante de € 229,61,  no mês de agosto de 2017, no montante de € 510,00, no mês de novembro  de 2018, no montante de € 267,12 e no mês de  novembro de 2109, no montante de € 143,75, num total de  €  1.150, 48, já que não seriam de considerar como tais as declarações T2L na posse da Requerente.

 

1.1.13- Foi igualmente fundamento das correções a ausência de prova pelos meios legais  das transmissões intracomunitárias isentas já que não seriam suficiente para esse efeito  os Certificados de Receção do Transitário” (CRTs), na posse da Requerente.

 

1.1.14. Relativamente às transmissões intracomunitárias realizadas em 2020 e 2021 , nos casos em que os bens  foram expedidos pelo adquirente, a Requerente não apresentou declaração escrita do adquirente deste , indicando que os bens foram por ele transportados ou expedidos, com as menções   do Estado membro do país do   destino, nome e endereço do adquirente, quantidade e natureza dos bens e outras.

 

1.1.15. Os Anexos 9 a 13 do RIT relacionam as aquisições intracomunitárias,  respetivamente  dos anos de 2017, 2018, 2019, 2020 e janeiro a maio de 2021,  abrangidas pela isenção da alínea a) do n 1 do art. 14 do RITI.

 

1.1.16- O indeferimento das reclamações graciosas das  correções aos exercícios de 2017 e 2018 a que essa ação inspetiva deu origem  seria impugnado no processo arbitral n 795/2022- T,  já decidido a 11/7/2023, em sentido desfavorável à ora igualmente Requerente. 

1.2- Factos não provados

Não se consideram provados quaisquer outros factos relevantes para o conhecimento da causa não referidos a 1.

1.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do art.º 123.º do CPPT e n.º 3 do art.º 607.º do Código de Processo Civil – CPC - aplicáveis “ex vi” alíneas a) e e) do nº 1 do art.º 29º do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. n.º 1 do art.º 511.º do CPC, correspondente ao atual art.º 596.º, aplicável “ex vi” da alínea e) do n.º 1 do art.º 29.ºdo RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do art.º 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

2. Fundamentação de direito

 

A Requerente apresentou no presente processo uma única testemunha , a diretora financeira D…, à qual está , por isso, ligada por  uma evidente  relação funcional. Não indicou , por outro lado,   factos concretos e específicos  sobre os quais essa testemunha  devesse  depor.

 

Estão em causa, por outro lado, meras  questões de direito e não a prova de quaisquer factos, caso em  que a prova testemunhal poderia, ou não, ter interesse. .

 

Ao contrário do que parece ser o entendimento da Requerente,  por outro lado,  o  reembolso do IVA por meio do procedimento  especificamente regulado pelo Despacho Normativo nº 18-A/2010, de 1/7,  do Ministro das Finanças,   não impede que,  sobre os mesmos factos e períodos de tributação, incidam novas ações inspetivas,  não abrangidas pelo  no nº 4 do art. 63º da LGT,  com as consequentes correções impostas na lei, desde que dentro  do prazo de caducidade do direito de liquidação. regulado no art. 45º  da LGT  .

 

Em particular, o facto de os reembolsos terem sido  concedido essencialmente em função da   matriz de risco da Requerente, com base na documentação apresentada por este   nos termos do art. 2 º do Despacho Normativo do Ministro das Finanças  n 18-A/2010, de 1/7, não prejudica que os pressupostos do  crédito do imposto reportado sejam  reapreciados a quando do reembolso do imposto, sem que o facto implique qualquer violação do caso resolvido. Apenas as liquidações consequentes do  indeferimento total ou parcial do pedido de reembolso têm de respeitar o prazo de caducidade.

 

Tal reapreciação , a ter lugar , só estaria limitada caso o procedimento inspetivo  anterior que  suscitou o  reembolso tivesse natureza externa, o que acontece  apenas, nos termos da alínea b) do art. 13º do RCPIT, quando os atos de inspeção se efetuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.

 

Apenas quando o procedimento inspetivo tivesse natureza externa,  seria  aplicável o n 4 do art. 63º da LGT, de acordo com o qual o  procedimento da inspeção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objetivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se o procedimento visar apenas a consulta, recolha de documentos ou elementos ou a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspeção ou inspeções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas

 

No entanto , figura entre os Factos Provados, a 1.1.5., que, nos anos mais recentes a Requerente solicitou reembolsos  nas declarações   periódicas  de IVA de setembro  de 2013, maio de 2016, setembro de 2016 ,  agosto de 2019  e maio de 2021, concedidos no âmbito de procedimentos internos de inspeção, com a consequente inaplicabilidade do nº 4 do art. 63º da LGT.

 

É certo que, segundo o Acórdão do STA de 9/3/2022, proc. 0415/13.4BELRS, os atos de liquidação adicional consequentes da decisão dos procedimentos da reembolso da IVA estão sujeitos ao prazo de caducidade  de 4 anos  ,  regulado no art. 45º da LGT. Nos termos do n 3 dessa norma, o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no  IVA  e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

 

Resulta do Facto Provado 1.1.9  que as liquidações impugnadas, consequentes da recusa parcial do reembolso,  se realizaram dentro do prazo de caducidade, cuja eventual violação não é, aliás, quando não alegada pela parte interessada, do conhecimento oficioso  do tribunal arbitral.

 

É à Requerente, que, nos termos do n 1 do art. 74 da LGT, provar os pressupostos das isenções a que pretende ter direito.

 

Tal obrigação abrange as exportações e as transmissões intracomunitárias de bens. Tal prova deve ser efetuada operação a operação, através , em princípio, da apresentação da documentação apropriada, o que a Requerente não fez, pelo menos com o rigor exigido.

Nos termos  do n 8 do art. 29 do CIVA, as transmissões de bens e as prestações de serviços isentas ao abrigo das alíneas a) a j), p) e q) do n.º 1 do art. 14.º e das alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do art. 15.º devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou, não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhes irá ser dado.

Por documento alfandegário apropriado não pode ser considerado  o chamado documento T2L,  emitido em cada sucursal da estância aduaneira,  utilizado no transporte de mercadorias comunitárias entre portos da União Europeia, tanto por via marítima quanto aérea. Tal documento  não titula  qualquer exportação, mas apenas demonstra  o estatuto aduaneiro da mercadoria, consequente da sua sujeição ao regime de trânsito comunitário (ver o Manual de Trânsito de 19/4/2021, da Direção- geral da Fiscalidade e União Europeia da EU, pg. 88, disponível TAXUD/A1/TRA/005/2020-1-PT ).

 

Com tal doc.T2l,  a mercadoria apenas  entra em regime de trânsito comum  que prevê  a suspensão  dos direitos  aduaneiros e dos impostos especiais sobre o consumo, do IVA e de  outras imposições  sobre as mercadorias durante a sua circulação, desde a estância aduaneira de partida até  estância aduaneira de destino, nos termos do nº 2 do art. 119º  do Regulamento Delegado (UE) 2015/2446, da Comissão  de 28/7/ 2015 que completa o Regulamento (UE) n  952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, com regras pormenorizadas relativamente a determinadas disposições  do Código Aduaneiro da União.

 

Durante esse regime , a mercadoria pode sair provisoriamente do espaço aduaneiro da UA, mas tal saída não é uma exportação, não dando lugar ao pagamento definitivo dos direitos devidos.  

 

Nessa medida, considera-se que a Requerente não demonstrou os pressupostos da isenção da alínea a) do nº 1 do art. 14ºdo CIVA: o documento apresentado não prova qualquer exportação, mas apenas que os bens indicados podem circular dentro do espaço aduaneiro da EU e temporariamente fora desse espaço, sem que a reentrada neste implica qualquer nova obrigação aduaneira..

 

Como é sabido , o ´ Regulamento de Execução (UE) 2018/1912 do Conselho, de 4/12/2018 aditou ao Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011 do Conselho, de 15 /3, o arr  45.º-A, o qual vem estabelecer novas regras, de aplicação comum em todos os Estados-membros, com vista à prova dos requisitos necessários à isenção do IVA nas transmissões intracomunitárias de bens -
 

As novas regras referentes aos elementos de prova para a aplicação da isenção de IVA a essas transmissões.  entraram  em vigor a partir de 1/1/ 2020 para os operadores económicos nacionais, pelo que são integralmente aplicáveis ao reembolso solicitado pela Requerente através da declaração periódica de maio de 2021.

.
Nos termos do  regime anterior , até 31 /12/2019, as transmissões de bens efetuadas por um sujeito passivo de IVA, apenas poderiam beneficiar da isenção referida na alínea a) do art. 14.º do RITI, quando estivessem reunidas cumulativamente as seguintes condições:

:
-Os bens fossem expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado-membro;


-O adquirente estivesse registado para efeitos do IVA noutro Estado-membro, tivesse  indicado o respetivo número de identificação fiscal(NIF )e aí se encontrasse abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.
 

Adicionalmente, o Ofício-Circulado n.º 30 009/1999, de 10 /12 , da Direção de Serviços do IVA, esclareceria  quais os meios de prova que eram aceites para efeitos da aplicação da isenção prevista na alínea a) do art. 14.° do RITI:

 de .
A partir de 1 /1/2020, como  já referiu e admitiria a Requerente, ,  a comprovação da isenção passou  a ter que ser efetuada através de dois elementos emitidos por entidades independentes (antes apenas era necessário um meio de prova), do fornecedor e do adquirente, que comprovem a expedição dos bens com destino ao outro Estado-membro e, adicionalmente uma declaração emitida pelo adquirente, quando seja este a efetuar o transporte.

 

Quando seja o sujeito passivo ou terceiro por sua conta a efetuar o transporte dos bens , a  saída dos bens do território nacional presume-se,   a partir de 1/1/2020, como se torna a referir data da entrada em vigor do  art.  45º  - A do  Regulamento de Execução (UE) n.o 282/2011 , aditado pelo  art. 1º do Regulamento de Execução(EU) 2018/19º,  da posse de  dos dois tipos de  documentos relacionados com o transporte ou a expedição dos bens,  que podem ser     uma fatura emitida pelo transportador dos bens ou uma fatura do transporte aéreo( 1º Tipo de Documento)  e  uma apólice de seguro, documentos bancários, documentos oficiais emitidos por uma entidade pública ou  documento de receção que conforme a armazenagem dos bens no  Estado-Membro do destino( 2º Tipo de Documento) .

 

Quando o transporte seja efetuado pelo adquirente ou terceiro por sua conta, acresce à obrigatoriedade desses requisitos a posse de declaração emitida pelo adquirente, indicando que os bens foram por ele transportados ou expedidos ou por terceiros agindo por conta do adquirente, mencionando o Estado-Membro de destino dos bens e a data de emissão, o nome e o endereço do adquirente, a quantidade e a natureza dos bens e, no caso de entregas de meios de transporte, o NIF da pessoa que aceita os bens por conta do adquirente 

 

Em caso de  não  apresentação dos meios de prova previstos no art. 45º- A do  Regulamento de Execução (UE) nº 282/2011 ,   a saída  dos bens do território nacional   pode ser demonstrada por quaisquer outros meios de prova  idóneos admitidos no  direito nacional , desde que não incompatíveis com o Direito da União Europeia e não pelos meios de prova que o legislador rejeitou, em virtude de insuficientes, de acordo com os critérios adotados.

 

Caso  o legislador tivesse admitido  essa possibilidade , da admissão da prova da saída dos bens do território nacional  por todos os meios ,  à   prova da saída dos bens do território nacional bastaria sempre um  dos tipos de documento previstos no nº 3 do art. 45º- A ,  não se compreendendo, assim, a razão de ser das exigências adicionais do legislador

 

Um Certificado de Receção do Transitário (CRT ), como aqueles pelos quais a Requerente pretende demonstrar a existência de transmissões intracomunitárias isentas, através do qual o vendedor pretende demonstrar que cumpriu as suas obrigações perante o comprador /adquirente,  nos termos do INCOTERMS FHW, não é, segundo a fundamentação das correções efetuadas . um documento de transporte internacionalmente aceite, para efeitos dos  arts. 19º a 25º da Convenção sobre os Usos e Regras Uniformes relativos aos Créditos Documentários da Câmara do Comércio internacional. Tal não quer dizer, no entanto, que não seja apto a justificar a saída dos bens do território nacional, ao contrário do que pretende a Requerida..

 

Integra, sem dúvida, a consignação de um bem com instruções irrevogáveis de despacho para o consignado.

 

 

No entanto, de acordo com a jurisprudência do TJUE, quando, segundo o modelo de transação  internacional  adotado pelas partes,  no presente caso o INCOTERMs  o   adquirente beneficie do poder dispor do bem como proprietário no território do Estado-Membro de entrega e lhe incumbir transportar esse bem para o Estado-Membro de destino, tornando-se, assim, sujeito passivo do imposto  ,a omissão pelo adquirente do dever de declaração  da aquisição intracomunitária no Estado da residência, que, no caso, não vem contestada pela Requerente,  não deve prejudicar o direito à isenção do vendedor, salvo quando este tiver  dolosa ou intencionalmente contribuído para essa omissão.

 

É certo que, nos termos do  Acórdão C- 273/11, a isenção da entrega intracomunitária de um bem só é aplicável quando o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente, o que é um requisito inerente a qualquer entrega de bens, independentemente do carácter comunitário ou não da operação, ou seja, é necessário que o fornecedor ou adquirente prove que esse bem foi expedido ou transportado para outro Estado-Membro e um ou outro demonstrem também que, na sequência dessa expedição ou desse transporte, o mesmo saiu fisicamente do território do  Estado-Membro de entrega.

 

No entanto, quando seja  do conhecimento público ou resulte das relações comerciais regulares mantidas com o cliente que este  está estabelecido e exerce efetivamente a sua atividade noutro Estado membro, é, em princípio, do adquirente  e não do vendedor  o dever de controlar a circulação do bem a partir da expedição , até ao termo do transporte, sob pena de, em caso de incumprimento dessa obrigação, eventualmente ser considerado devedor do imposto.

 

Não se vislumbra, assim, como o fato de o CRT não ser um documento de transporte, bem como a falta de declaração do adquirente do transporte dos bens, possam justificar as correções efetuada, a não ser em caso de indícios de fraude da Requerente, que esta não demonstrou( ver em sentido idêntico a Decisão Arbitral nº 26/2021- T)..

 

 

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8-   Decisão

 

 

O Tribunal Arbitral concede provimento parcial à impugnação do  indeferimento da reclamação graciosa nº …, relativa aos atos de liquidação do IVA do ano de 2020  n ºs …, de 20/01, . …,  de 20/02,  …  . de 20/03, …  de 20/04,  … , de 20/05,  …  de 20/06, …  de 20/07,    …  de 20/08,  … de 20/09,  … de 20/10 , … de 20/11,  e …  de 20/12.

 

Concede também provimento parcial  à impugnação do indeferimento da reclamação graciosa nº …, relativa aos atos de liquidação do IVA do ano de 2021 n ºs … ,de 21/01, …  de 21/02,  …, de 21/03,, … , de 21/04, , e …  de 21/05, no valor somado de € 51.420,56 (cinquenta e um mil quatrocentos e vinte euros e cinquenta e seis cêntimos).

 

São devidos juros indemnizatórios em função do decaimento da Requerida, a fixar em execução do julgado.

 

9. Valor do processo

 

 Fixa-se o valor do processo  em €51.420,56 (cinquenta e um mil quatrocentos e vinte euros e cinquenta e seis cêntimos) nos termos da alínea a) do nº 1 do  97.º-A, n.º 1,do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT)

10. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €  2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente e pela Requerida na proporção do respetivo decaimento de cada uma das partes, nos quais 96 % devem ser pagos pela Requerida e 4% pela Requerente, uma vez que o pedido foi julgado parcialmente procedente, nos termos do nº 2 do art. 12.º, n.º 2, e do nº 4 do  22.º ambos do RJAT.

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 25/8/ 2023

 

O Árbitro Singular

 

(António de Barros Lima Guerreiro)