Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 801/2022-T
Data da decisão: 2023-07-03  IRC  
Valor do pedido: € 184.790,95
Tema: IRC; organismos de investimento coletivo; liberdade de circulação de capitais; os juros de empréstimo; discriminação de não residentes.
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SUMÁRIO

 

  1. A liberdade de circulação de capitais é estabelecida pelo artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) como uma liberdade fundamental do mercado interno.
  2. A liberdade de circulação de capitais goza de primazia normativa sobre o direito interno, cabendo aos poderes públicos legislativos e administrativos a tomada das medidas internas de transposição, execução e aplicação, consoante os casos, do direito primário e secundário relevante, de forma a assegurar a efetividade da livre circulação de capitais.
  3. O TJUE decidiu no processo C-545/19, entre ALLIANZGI-FONDS AEVN e a Autoridade Tributaria e Aduaneira, quanto aos dividendos: “O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”
  4. Esta decisão, proferida relativamente aos dividendos, aplica-se igualmente a outros rendimentos, incluindo juros de empréstimos, pois o n.º 3 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) remete genericamente os rendimentos enquadráveis no artigo 5.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), i.e. rendimentos de capitais.
  5. Assim, a norma que isenta de tributação os juros de empréstimos pagos a OIC que se constituam e operem ao abrigo da lei portuguesa, obrigando à sujeição a Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Coletivas (IRC) dos mesmos rendimentos se pagos a OIC comparáveis residentes em outros Estados-Membros da União Europeia, é desconforme com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o seu artigo 63.º que garante a liberdade de circulação de capitais.

 

Os Árbitros, José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Catarina Gonçalves e Jesuíno Alcântara Martins (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 28 de fevereiro de 2023, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

  1. Relatório

 

É Requerente A…, fundo de investimento com sede em …, …, Alemanha, titular do número de identificação fiscal português … e do número de identificação fiscal alemão …, representado pela sociedade gestora B…, com sede em …, …, Alemanha, com o número de identificação fiscal alemão …, doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo.

 

É Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.

 

O Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, notificada a AT.

 

O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou comos Árbitros, José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Catarina Gonçalves e Jesuíno Alcântara Martins (Árbitros Vogais).

 

Em 10 de fevereiro de 2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

 

Desta forma, o Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído em 28 de fevereiro de 2023, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a AT, para, querendo, se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

 

Por Despacho de 3 de maio de 2023, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, e conferida às partes a possibilidade de apresentação de alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias.

 

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Argumentos das partes

 

O ora Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação dos atos de retenção na fonte, no total de € 184.790,95 (cento e oitenta e quatro mil setecentos e noventa euros e noventa e cinco cêntimos), respeitantes a IRC do período compreendido entre Dezembro de 2019 e Dezembro de 2021.

 

A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte:

  1. O Requerente é um fundo de investimento constituído ao abrigo da lei alemã e residente para efeitos fiscais na Alemanha.
  2. Em 5 de janeiro de 2015, foi celebrado um contrato de suprimentos entre o Requerente e a C…, S.A., sociedade de direito português, titular do número de matrícula e de pessoa coletiva …, naquela data detida pelo Requerente em 99,998% do respetivo capital (percentagem entretanto incrementada para 100%).
  3. Ao abrigo desse contrato foram pagos pela C…, S.A. ao ora Requerente juros anuais, sobre os quais, no período compreendido entre Dezembro de 2019 e Dezembro de 2021, foi pago IRC, no valor de € 184.790,95.
  4. Conclui o Requerente sustentando:
    1. A liberdade de circulação de capitais é uma das liberdades fundamentais da UE, dispondo o artigo 63.º, n.º 1, do TFUE que “são proibidas todas as restrições aos movimentos de capital entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”.
    2. Um Fundo de Investimento residente em Portugal que tivesse auferido exatamente os mesmos rendimentos encontrar-se-ia isento de IRC quanto aos mesmos, nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 3, do EBF, uma vez que os juros integram expressamente o conceito de rendimentos de capitais delimitado pelo artigo 5.º do CIRS.
    3. Sendo tal Fundo de Investimento residente em Portugal tributado apenas em sede de Imposto do Selo, de acordo com o artigo 1.º, n.º 1, e a verba 29.2 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo, numa base trimestral, a uma taxa de 0,0125%, sobre os ativos líquidos.
    4. Esta diferença entre a natureza e a magnitude da tributação num e noutro cenários conduz inevitavelmente a situações de evidente discriminação entre residentes e não residentes.
    5. Os Fundos de Investimento residentes e não residentes encontram-se, no que diz respeito à atividade praticada em Portugal, numa situação comparável, não sendo possível invocar eventuais distinções regulatórias ou de forma para sustentar a diferença de tratamento em causa.
    6. Assim, o artigo 22.º, n.º 3, do EBF, ao reservar para os Fundos de Investimento nacionais a isenção de IRC no mesmo prevista, constitui uma restrição à livre circulação de capitais, que não pode ser justificada nem pela ausência de comparabilidade entre Fundos de Investimento residentes e não residentes, nem por qualquer razão imperiosa de interesse geral.
    7. No acórdão AllianzGI-Fonds AEVN, de 17 de março de 2022, no âmbito do processo C-545/19, o TJUE pronunciou-se sobre a (in)compatibilidade do artigo 22.º, n.º 3, do EBF com o Direito da União Europeia (DUE).
    8. O Requerente entende plenamente fundamentada a solicitação da anulação dos atos de retenções na fonte sofridos sobre os juros auferidos nos anos de 2019, 2020 e 2021, por ilegalidade, em função da violação do DUE, mais concretamente da livre circulação de capitais consagrada no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE e inconstitucionalidade da dimensão normativa resultante da articulação entre os artigos 22.º, n.º 3, do EBF e os artigos 94.º, n.º 1, alínea c), e 87.º, n.º 4), do CIRC, por violação do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição, que consagra o primado do DUE.

 

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

  1. Através do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, procedeu-se à reforma do regime de tributação dos OIC, alterando a redação do art.º 22.º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, conforme resulta do n.º 1 do art.º 22.º do EBF.
  2. Com a nova redação, estabeleceu o legislador, para esses sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos art.º 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme resulta do n.º 3 do referido art.º 22.º do EBF e, uma isenção das derramas municipal e estadual, nos termos do n.º 6 da referida norma legal.
  3. Tal exclusão não é aplicável ao Requerente - pessoa coletiva de direito alemão -, por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do art.º 22.º do EBF.
  4. Tal interpretação decorre do elemento teleológico, ou seja, aos objetivos que o legislador pretendeu alcançar com tal previsão legal, in casu, o aumento da captação de capital estrangeiro e da competitividade dos OIC portugueses no plano internacional.
  5. A consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medidas restritivas da mesma, encontra-se consagrada nos art.ºs 63.º e seguintes do TFUE.
  6. Não obstante, conforme resulta da al. a) do n.º 1 do art.º 65.º do TFUE, é permitido que os Estados-Membros apliquem “(…) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”, tendo em conta a sua soberania fiscal.
  7. Não compete à AT avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, e tão-pouco apreciar a sua constitucionalidade.
  8. Não pode a AT aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação da compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o DUE.
  9. Conclui dever o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.
  10.  

Ambas as partes apresentaram alegações, reiterando as posições já assumidas.

 

  1. Fundamentação

 

  1. Fundamentação De Facto

 

Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar, de seguida, a matéria de facto relevante, baseada nos factos que não mereceram impugnação e na prova documental constante dos autos.

 

  1. O Requerente é um OIC constituído ao abrigo da lei alemã sob a forma de fundo de investimento e residente para efeitos fiscais na Alemanha.
  2.  O Requerente é representado pela sociedade gestora B…, com sede na Alemanha.
  3. Entre o Requerente e a sociedade de direito Português C…, S.A., sua subsidiária, foi celebrado um contrato de suprimentos ao abrigo do qual foram pagos pela segunda à Requerente juros anuais.
  4. A C…, S.A., como agente responsável pela retenção na fonte, reteve imposto na fonte  à taxa liberatória de 25% (nos termos do disposto nos artigos 94.º, n.º 1, alínea c), e 87.º, n.º 4, do Código do IRC) quanto aos juros relativos a dezembro de 2019 e aos primeiros três trimestres de 2020, passando a aplicar a partir do trimestre subsequente a taxa liberatória de 15%, de acordo com o previsto no artigo 11.º, n.º 2, da Convenção para evitar a Dupla Tributação em vigor entre Portugal e a Alemanha (CDT).
  5. Relativamente às retenções na fonte referentes a dezembro de 2019 e aos primeiros dois trimestres de 2020, o Requerente solicitou separadamente, através da apresentação do competente certificado de residência fiscal e do formulário 21-RFI aplicável, o reembolso do imposto correspondente à diferença entre a taxa doméstica de 25% e a taxa de 15% resultante da aplicação da CDT.
  6. Ou seja, o valor efetivamente suportado pelo Requerente de IRC a título de retenção na fonte, referente ao período compreendido entre dezembro de 2019 e dezembro de 2021, foi de € 184.790,95.
  7. Não se conformando com os referidos atos de retenção na fonte, o Requerente apresentou Reclamação Graciosa em 23 de dezembro de 2021.
  8. Através do Ofício n.º …, de 23 de fevereiro de 2022, o Requerente foi notificado do projeto de decisão da Reclamação Graciosa para, querendo, exercer o direito de audição prévia, o que não fez.
  9. Consequentemente, através do Ofício n.º …, de 3 de outubro de 2022, o Requerente foi notificado da Decisão de Indeferimento, que convolou em definitivo o Projeto de Decisão.

 

  1. Factos Não Provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.

 

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

  1. Fundamentação Da Fixação Da Matéria De Facto

 

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

  1. Matéria De Direito

 

  1. Delimitação das questões a decidir

 

Atenta a posição das partes, constituem questões a dirimir:

 

  • Anulação dos atos de retenção na fonte, no total de € 184.790,95 (cento e oitenta e quatro mil setecentos e noventa euros e noventa e cinco cêntimo), respeitantes a IRC do período compreendido entre dezembro de 2019 e dezembro de 2021, consubstanciados nas guias que se indicam no quadro que segue:

 

Uma imagem com texto, captura de ecrã, número, Tipo de letra

Descrição gerada automaticamente

 

  • Condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

 

A questão decidenda consiste assim em determinar se a retenção na fonte em IRC sobre os juros pagos por sociedades residentes em Portugal a OIC estabelecido noutro Estado Membro da União Europeia (in casu, Alemanha), simultaneamente isentando de tributação os juros pagos a OIC’s estabelecidos e domiciliados em Portugal, viola, ou não, o artigo 63.º do TFUE.  E saber sobre o direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

  1. Sobre a ilegalidade das liquidações de IRC

 

O Requerente é um OIC, constituído ao abrigo da lei alemã sob a forma de fundo de investimento, sendo sujeito passivo de IRC não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, gerido pela sociedade gestora B…, também com sede na Alemanha.

 

O presente pedido de pronúncia arbitral visa aferir da legalidade das liquidações em crise, por retenção na fonte, em virtude da compatibilidade ou não com o DUE dos normativos nacionais que, nos termos do artigo 22.º, do EBF, isentam de tributação, em sede de IRC, os juros pagos por entidades com sede em Portugal a OIC com sede neste país, constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa, tributando à taxa de 25%, por retenção na fonte a título definitivo, os juros pagos à Requerente, nos termos dos artigos 3.º, n.º 1, alínea d), 4.º, n.ºs 2 e n.º 3, alínea c), 87.º, n.º 4 e 94.º, n.º 1, alínea c), n.º 3, alínea b), n.º 5 e n.º 6, todos do Código do IRC.

 

Neste sentido, relembre-se a legislação fiscal portuguesa e comunitária com interesse para a decisão, em vigor à data dos factos:

 

Estatuto dos Benefícios Fiscais

 

“Artigo 22.º - Organismos de Investimento Coletivo

1 - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional. (…)

3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.ºA do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1. (…)

6 - As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

7 - Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.

8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime. (…)

10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1. (…)

14 - O disposto no n.º 7 aplica-se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.

15 - As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba. (…)”.

 

Código do IRC

 

“Artigo 3.º - Base do imposto

1 - O IRC incide sobre: d) Os rendimentos das diversas categorias, consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, os incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito por entidades mencionadas na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior que não possuam estabelecimento estável ou que, possuindo-o, não lhe sejam imputáveis. (…)”

 

“Artigo 4.º - Extensão da obrigação de imposto

(…) 2 - As pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos.

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam: c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado: 3) Outros rendimentos de aplicação de capitais; (…)”

 

“Artigo 87.º Taxas

(…) 4 - Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%, (…).”

 

“Artigo 88.º Taxas de tributação autónoma

(…) 11 - São tributados autonomamente, à taxa de 23 %, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. (…)”

 

“Artigo 94.º Retenção na fonte

1 - O IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português: c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade; (…)

3 - As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, exceto nos seguintes casos em que têm carácter definitivo: b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis. (…)

5 - Excetuam-se do disposto no número anterior as retenções que, nos termos do n.º 3, tenham carácter definitivo, em que são aplicáveis as correspondentes taxas previstas no artigo 87.º

6 - A obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código do IRS ou, na sua falta, na data da colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas e essa entrega ser feita nos termos estabelecidos no Código do IRS ou em legislação complementar. (…)”

 

Código do Imposto do Selo – Tabela Geral

 

“29 - Valor líquido global dos organismos de investimento coletivo abrangidos pelo artigo 22.º do EBF: 29.1 - Organismos de investimento coletivo que invistam, exclusivamente, em instrumentos do mercado monetário e depósitos - sobre o referido valor, por cada trimestre: 0,0025 % 29.2 - Outros organismos de investimento coletivo - sobre o referido valor, por cada trimestre: 0,0125 %.”.

 

Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)

 

Artigo 63.º

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

Artigo 65.º

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros: a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido; b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º”

 

Adicionalmente, há que analisar as decisões sobre o tema já proferidas no âmbito da jurisprudência comunitária e nacional.

 

Em especial, apreciemos o Acórdão do TJUE, no processo C-545/19, entre ALLIANZGI-FONDS AEVN e a AT, no âmbito do qual foram colocadas para apreciação as seguintes cinco questões:

 

“1. O artigo 56.º [CE] (atual artigo 63.º TFUE), relativo à livre circulação de capitais, ou o artigo 49.º [CE] (atual artigo 56.º TFUE), relativo à livre prestação de serviços, opõem-se a um regime fiscal como o que está em causa no litígio no processo principal, constante do artigo 22.º do EBF, que prevê a retenção na fonte de imposto com caráter liberatório sobre os dividendos recebidos de sociedades portuguesas a favor de OIC não residentes em Portugal e estabelecidos noutros países da UE, ao mesmo tempo que os OIC constituídos ao abrigo da legislação fiscal portuguesa e residentes fiscais em Portugal podem beneficiar de uma isenção de retenção na fonte sobre tais rendimentos?

 

2. Ao prever uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção de retenção na fonte, a regulamentação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes, uma vez que a estes últimos não lhes é dada qualquer possibilidade de aceder a semelhante isenção?

 

3. O enquadramento fiscal dos detentores de participações dos OIC será relevante para efeitos de apreciação do caráter discriminatório da legislação portuguesa, tendo presente que esta prevê um tratamento fiscal autónomo e distinto (i) para os OIC (residentes) e (ii) para os respetivos detentores de participações dos OIC? Ou, tendo presente que o regime fiscal dos OIC residentes não é, de todo, alterado ou afetado pela circunstância de os respetivos participantes serem residentes ou não residentes em Portugal, a apreciação da comparabilidade das situações para fins de determinar o caráter discriminatório da referida regulamentação deve ser realizada apenas por referência à fiscalidade aplicável ao nível do veículo de investimento?

 

4. Será admissível a diferença de tratamento entre OIC residentes e não residentes em Portugal, tendo em conta que as pessoas singulares ou coletivas residentes em Portugal, que sejam detentoras de participações de OIC (residentes ou não residentes) são, em ambos os casos, igualmente sujeitas (e, em regra, não isentas) a tributação sobre os rendimentos distribuídos pelos OIC, sujeitando os detentores de participações em OIC não residentes a uma fiscalidade mais elevada?

 

5. Tendo em consideração que a discriminação em análise no presente litígio diz respeito a uma diferença na tributação do rendimento relativamente a dividendos distribuídos pelos OIC residentes aos respetivos detentores de participações nos OIC, é legítimo, para efeitos da análise da comparabilidade da tributação sobre o rendimento considerar outros impostos, taxas ou tributos incorridos no âmbito dos investimentos efetuados pelos OIC? Em particular, é legítimo e admissível, para efeitos da análise de comparabilidade, considerar o impacto associado a impostos sobre o património sobre despesas ou outros, que não estritamente o imposto sobre o rendimento dos OIC, incluindo eventuais tributações autónomas?”

 

Em relação à liberdade de circulação de capitais, de salientar os seguintes considerandos proferidos pelo TJUE no Ac.ALLIANZGI-FONDS AEVN.

 

«36      Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (-).

 

37      No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.

 

38      Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

 

39      Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (-).

 

40      Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

 

41      Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» (-).

 

42      O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral (-).

 

71   No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no nr 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

 

72   Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.o 58 e jurisprudência referida).

 

73   Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

 

74   Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.»

 

A decisão do TJUE foi, assim, no seguinte sentido:

 

“O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.”

 

Ainda neste contexto, salientar que se constata a existência de jurisprudência arbitral consolidada relativa à questão decidenda, segundo a qual o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a OIC constituídos segundo a legislação nacional, excluindo do mesmo OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados-Membros da UE, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE. A título de exemplo, as decisões proferidas no CAAD nos processos 129/2022-T; 121/2022-T; 821/2021-T; 817/2021-T; 816/2021-T; 717/2021-T; 711/2021-T, 624/2021-T; 623/2021-T; 621/2021-T; 620/2021-T, 593/2021-T; 368/2021-T; 214/2021-T, 166/2021-T; 135/2021-T; 133/2021-T; 130/2021-T; 28/2021-T; 545/2022-T;128/2022-T.  

 

Em concreto, e no que respeita a juros de empréstimos, de salientar as decisões nos processos 133/2021-T, 134/2021-T, 128/2022-T, 129/2022-T, que este coletivo acompanha. Todas elas no sentido que a decisão proferida pelo TFUE relativamente aos dividendos deve também aplicar-se aos juros de empréstimos, “pois são as mesmas as normas aplicáveis, inclusivamente enquadráveis no artigo 5.º do CIRS, para que remete o n.º 3 do artigo 22.º do EBF, porquanto, em qualquer dos casos, se está perante rendimentos de capitais.

 

Em conclusão, face à legislação e jurisprudência comunitária e nacional constante e uniforme, entende também este Tribunal verificar-se a existência de um tratamento discriminatório e uma restrição da liberdade de circulação de capitais, proibida pelo disposto no artigo 63.º do TFUE, porquanto o Requerente, na sua qualidade de entidade não residente em Portugal, foi sujeito a uma retenção na fonte em Portugal sobre os juros de empréstimo obtidos em Portugal, ao passo que os OICs constituídos e a operar ao abrigo da lei portuguesa estão isentos.

 

Por tudo o quanto vai exposto, o regime previsto no art. 22.º do EBF não pode ser considerado conforme com o DUE, já que origina uma disparidade na tributação dos juros auferidos por OIC residentes e não residentes.

 

Concluindo-se, assim, que as liquidações em apreço, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

  1. Pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

O Requerente pede reembolso do imposto retido indevidamente, no montante de € 184.790,95, acrescido de juros indemnizatórios.

 

A procedência do pedido de anulação dos atos de retenção na fonte objeto do pedido de pronúncia arbitral tem por consequência vincular a AT nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui, para além da restituição do indevido, “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.

 

Igual consequência decorre do disposto no n.º 1 do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que estabelece “1 - A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

 

Nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º, da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, com entrada em vigor no dia imediato ao da sua publicação e com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2011, “São também devidos juros indemnizatórios (…) d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.

 

No caso dos autos, estando em causa a declaração de ilegalidade da legislação nacional, máxime, do n.º 1 do artigo 22.º, do EBF, por violação do disposto no artigo 63.º, do TFUE, e, reflexamente, do n.º 4 do artigo 8.º, da CRP, há que reconhecer o direito da Requerente a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT.

 

Conforme resulta do Acórdão proferido pelo STA no PROCESSO: 0735/19.4BEBRG, no caso em que os juros indemnizatórios sejam devidos nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, os mesmos são devidos desde o pagamento indevido do tributo, nos termos do estatuído no artigo 61.º n.º 5 do CPPT.

 

Assim, na sequência da anulação das retenções na fonte, o Requerente tem direito a ser reembolsado das quantias retidas, no valor total de € 184.790,95, o que é consequência da anulação, e de juros compensatórios nos termos do artigo 43.º n.º 3, alínea d) da LGT.

 

  1. Decisão

 

Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular as retenções na fonte impugnadas quanto ao montante de € 184.790,95 (cento e oitenta e quatro mil setecentos e noventa euros e noventa e cinco cêntimos), bem como anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
  3. Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias pagas no valor de € 184.790,95 (cento e oitenta e quatro mil setecentos e noventa euros e noventa e cinco cêntimos) e condenar a Administração Tributária a pagar este montante à Requerente;
  4. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante do imposto indevidamente pago, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT.

 

5. Valor do Processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 184.790,95 (cento e oitenta e quatro mil setecentos e noventa euros e noventa e cinco cêntimos), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada.

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da AT.

 

*****

 

Notifiquem-se as Partes, bem como Digno Representante do Ministério Público, nos termos e para os efeitos dos artigos 280.º, n.º 3, da Constituição e 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, do 185.º-A, n.º 2, do CPTA subsidiariamente aplicável, e do artigo 17.º, n.º 3, do RJAT.

 

Lisboa, 3 de julho de 2023.

 

Árbitro Presidente

 

(José Poças Falcão)

 

 

Árbitros-vogais

 

 

(Catarina Gonçalves)

 

 

(Jesuíno Alcântara Martins)