Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 805/2022-T
Data da decisão: 2023-05-23  IRS  
Valor do pedido: € 72.612,89
Tema: IRS – Dever de fundamentação – Capacidade contributiva – Inutilidade superveniente da lide.
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Sumário:

I - O acto tributário impugnado pelo Requerente foi revogado pela AT, o que implica a inutilidade e impossibilidade deste Tribunal declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação de um acto que já se encontra suprimido da ordem jurídica. 

II – Com a referida revogação o Requerente atingiu a totalidade dos efeitos pretendidos com o presente pedido de pronúncia arbitral. 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Guilherme W. d´Oliveira Martins, Hélder Faustino e Mariana Vargas, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

 

I. Relatório

 

1.     O Requerente A..., contribuinte n.º..., residente na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, na área territorial do serviço periférico local do Serviço de Finanças de Lisboa-..., veio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL, nos seguintes termos e fundamentos: 

a)     No dia 9 de Julho de 2021 o Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2021 ... com um montante a pagar de € 7.232,94 (sete mil duzentos e trinta e dois euros e noventa e quatro cêntimos), em consequência da declaração apresentada. 

b)    Alegadamente, no dia 26 de Julho de 2021, foi o Requerente notificado da alegada existência de divergências relativamente aos rendimentos de Categoria B auferidos (tal notificação não consta do via CTT do Requerente), resultando tal divergência na emissão da declaração oficiosa n.º 2020-...-... -... .

c)     Da supra mencionada declaração oficiosa resultaram por sua vez os actos de liquidação em crise no presente pedido. 

d)    Não se conformando com os referidos actos de liquidação, o Reclamante apresentou, no dia 22 de Fevereiro de 2022, Reclamação Graciosa contra os mesmos – de que ora se junta cópia como Documento n.º 6, alegando a sua ilegalidade com base na falta de fundamentação dos actos praticados e manifesta violação do princípio da capacidade contributiva do Requerente. 

e)     Tendo sido notificado, no dia 6 de Julho de 2022 para exercer o seu direito de Audição Prévia, o Requerente procedeu, na pessoa do seu mandatário e contabilista certificado, ao pedido de uma reunião com o Serviço de Finanças de Lisboa-... para efeitos de apresentação dos elementos contabilísticos que, no entender da AT, permitiriam reverter os actos de liquidação em crise. 

f)     Tal reunião viria a suceder no dia 21 de Julho de 2022, tendo nessa sede sido apresentados os elementos documentais justificativos das despesas efetuadas durante o ano de 2020 e afetas à atividade do Requerente, que resultaram no prejuízo fiscal inicialmente declarado. 

g)    Não obstante, no dia 3 de Outubro de 2022, foi o Requerente novamente notificado, na pessoa do seu mandatário, da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada. 

h)    Tal indeferimento encontra a sua justificação no facto de os elementos apresentados pelo Requerente não serem suficientes e idóneos para documentar o prejuízo fiscal verificado, porquanto se encontravam em falta “os extratos de conta da contabilidade de 2020, Balanço de 2020, Demonstração de Resultados de 2020, Balancetes de abertura, de regularizações e de encerramento de 2020, entre outros”

i)      Prossegue a AT na sua decisão referindo que ao abrigo do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, cabe ao contribuinte fazer prova dos factos que invoca, razão pela qual mantém a decisão de indeferimento referindo que não é suficiente a prova carreada em sede de Reclamação Graciosa. 

j)      Note-se, neste ponto, que além da submissão da sua declaração anual de rendimentos, o Requerente procedeu também, no dia 30 de Junho de 2021 à submissão da IES, da qual constam desde logo o seu balanço de demonstração de resultados para o exercício em questão. 

k)    Note-se ainda que a AT termina a sua consideração sobre os meios de prova que consideram suficientes com a expressão “entre outros”, ou seja, sem estabelecer de forma concreta qual a prova que permitiria efetivamente ao Requerente fazer valer a sua pretensão. 

l)      É ainda de notar, por último, que a AT jamais logrou provar perante o Requerente quais os rendimentos que “de acordo com a Base de Dados da AT” justificam o montante de rendimentos de Categoria B assumido na declaração oficiosa. 

m)   Ou seja, a actuação dos serviços padece, mesmo depois dos devidos esclarecimentos prestados pelo Requerente, dos mesmos vícios que inicialmente se lhe apontavam: a falta de fundamentação dos valores liquidados e a violação do princípio da capacidade contributiva do Requerente. 

n)    Com efeito, a AT vem desconsiderar a prova documental e contabilística apresentada pelo Requerente mantendo na ordem jurídica um facto altamente lesivo dos seus interesses e garantias. 

o)    Não pode, por conseguinte, manter-se a decisão da AT, porquanto a mesma se encontra em pleno prejuízo da verdade material e violação do princípio da capacidade contributiva, conforme melhor se aduz de seguida. 

p)    Conforme referido, os actos de liquidação aqui em crise resultam de correcções oficiosas ao rendimento do Requerente por referência ao ano de 2020, as quais nunca foram justificadas pela AT – quer no que concerne ao racional subjacente quer no que concerne aos montantes apurados. 

q)    Com efeito, nem a notificação dos actos de liquidação aqui em crise, nem a fundamentação do despacho que motivou a audiência prévia, nem a do despacho de indeferimento que agora motiva o presente pedido de pronúncia arbitral, explicam quais os factos concretos que necessitam de comprovação e quais os comprovativos em falta, tendo em conta que o Requerente já juntou documentação devidamente comprovativa dos factos constitutivos dos seus direitos. 

r)     Sem as necessárias explicações, não é permitido ao Requerente perceber as razões de facto e de direito que motivam concretamente a correção. 

s)     Neste sentido, considera o Requerente que a decisão supra viola os princípios da colaboração e da participação dos contribuintes na formação das decisões em matéria tributária, pelo que a apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral visa obter a revisão da decisão e a conformação do procedimento aos princípios enunciados, permitindo uma verdadeira participação do contribuinte na formação da decisão. 

t)      Subsidiariamente, vem o Requerente requerer a notificação da fundamentação legalmente exigida ou da passagem de certidão que os contenha. 

u)    Assim, pode concluir que a decisão da AT não se encontra devidamente fundamentada, pelo que deve ser atendido o pedido do Requerente de declaração de ilegalidade das liquidações aqui em crise. 

v)    Conforme anteriormente referido, não só do vício de ilegalidade por omissão do dever de fundamentação padecem as liquidações em crise, como também do vício de ilegalidade por violação do princípio da capacidade contributiva do Requerente. 

w)   Conforme se encontra por demais explicitado, o Requerente não concebe, nem pode conceber, como podem os serviços da AT imputar ao seu ano de 2020 rendimentos de € 232.039,70. 

x)    Dos elementos disponíveis na base de dados da AT, nomeadamente da consulta aos recibos verdes e faturas emitidos pelo Requerente durante o ano de 2020 não constam quaisquer montantes de bens ou serviços prestados durante esse período. 

y)    Tal resulta, também, dos elementos de prova carreados pelo Requerente em sede de audição prévia e juntos aos presentes autos. 

z)     Ora, imputar ao Requerente tais rendimentos – e tributá-los como se efetivamente recebidos – consiste em presumir para o Requerente um montante de rendimentos que, pura e simplesmente, inexiste. 

aa)  Inexistindo rendimentos, inexiste capacidade contributiva – corolário essencial do nosso sistema fiscal. 

bb) Por conseguinte, não pode senão a AT proceder à anulação das Liquidações de IRS identificadas no introito, assim se repondo o mais elementar respeito pelo direito e pela justiça! 

 

2.     A AT, na sua resposta, argumenta o seguinte: 

a)     O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto o indeferimento expresso da reclamação graciosa autada com o n.º ...2022..., o qual manteve na ordem jurídica a liquidação n.º 2021..., referente a IRS de 2020, com o valor final a pagar de € 72.612,89, referente a imposto e juros compensatórios, a qual tem origem no procedimento de análise às divergências detetadas relativamente à declaração de rendimentos entregue pelo Requerente para aquele ano de imposto.

b)    O Requerente pede a anulação daqueles actos tributários, na parte ora controvertida, invocando, para o efeito, preterição de formalidade essencial e vício de violação de lei por erro da AT quantos aos factos e quanto ao direito.

c)     A Requerida, por sua vez, entende que os actos controvertidos consubstanciam uma correcta aplicação do direito aos factos, devendo, como tal, manter-se na ordem jurídica.

d)    Quanto aos factos com interesse para a boa decisão da causa, atento o alegado pelas partes e a prova documental junta, máxime o processo administrativo, será de considerar assente no probatório o seguinte:

e)     O Requerente foi notificado no âmbito de uma análise de divergências à sua declaração de IRS de 2020 para prestar esclarecimentos

f)     Esta notificação foi efetuada através da via CTT, conforme resulta do print extraído do SECINNE e constante do processo de divergências, mais concretamente da sua parte 6, onde se demonstra que a notificação foi colocada na caixa postal eletrónica do Requerente a 08/07/2021, considerando-se este notificado a 26/07/2021.

g)    A notificação/pedido de esclarecimentos teve por base a informação recolhida junto do sistema eletrónico de faturação a que a AT tem acesso e do qual constam 23 faturas emitidas pelo Requerente num total de 304.544,88, sendo 17.238,36 de IVA e € 287.306,52 de matéria tributável, todos juntos ao processo de divergências.

h)    Em face da ausência de resposta e de quaisquer esclarecimentos por parte do Requerente, o Serviço de Finanças de Lisboa ... notificou-o, através de carte registada com aviso de receção, endereçada à sua morada fiscal e aí rececionada a 30/12/2021 (conforme processo de divergências parte 19) para exercer o seu direito de audição prévia.

i)       O Requerente não exerceu o seu direito de audição prévia, tendo os serviços, em consequência, emitido a correspondente liquidação adicional de imposto com base nos elementos previamente notificados ao Requerente.

j)      Notificado da liquidação de IRS ora controvertida, o Requerente apresentou reclamação graciosa, a qual foi autuada com o nº ...2022... .

k)    No âmbito desta reclamação graciosa foram apresentados diversos esclarecimentos, inclusive em reunião dos serviços da Requerida com o Requerente, tendo o Requerente protestado juntar todos os elementos evidenciadores daquilo que alega, exercendo, inclusive, o seu direito de audição prévia.

l)      Não obstante, os documentos apresentados não se afiguraram suficientes para efetuar a prova pretendida, motivo pelo qual a reclamação graciosa, mesmo após a análise ao exercício do direito de audição, decidiu pelo indeferimento da pretensão do Requerente.

m)   Posto isto, e considerando que na presente instância arbitral não são apresentados novos elementos de prova que afastem as conclusões alcançadas em sede de reclamação graciosa, mantém-se o entendimento ali expresso, para o qual se remete e que passa a fazer parte integrante da presente RESPOSTA.

Impugnando especificadamente

n)    Desde logo, quanto ao aduzido no art. 10.º da PI, impugna-se que a notificação efetuada no âmbito do processo de divergências, e supra referida no ponto, não conste do VIACTT do contribuinte.

o)    A demonstrar o contrário do alegado está, justamente, o documento extraído do SECINNE, o qual resulta da interação entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e o VIACTT.

p)    Trata-se de um documento digital que espelha as interações/operações efetuadas pelos intervenientes deste sistema eletrónico de notificações e no qual constam registadas as operações por estes efetuadas,

q)    Designadamente, e para o que ao caso interessa, consta do mesmo que o documento em causa foi colocado na plataforma a 06/06/2021, foi assinado a 07/06/2021, enviado para o VIACTT a 08/07/2021 sendo que o VIA CTT o aceitou/integrou, fazendo a sua entrega ou integração na caixa postal eletrónica do Requerente, o qual teve acesso ao documento, mediante acesso à sua caixa postal eletrónica via CTT, no dia 09/06/2021, considerando-se notificado a 26/07/2021.

r)      Quanto à notificação do Requerente para o procedimento de análise a divergências detetadas na sua declaração de IRS de 2020, resulta forçoso concluir que de acordo com os dados constantes do sistema de registo eletrónico «SECINNE - Serviço Eletrónico de Citações e Notificações - Gestão de Comunicações», o Requerente foi notificado eletronicamente, via CTT, a 08/07/2021, considerando-se notificado a 26/07/2021.

s)     Posteriormente, já em sede de exercício do direito de audição, foi também o Requerente notificado, conforme carta registada assinada constante do processo de divergências, endereçada ao seu domicílio fiscal.

t)      De assinalar, ainda, que da notificação efetuada com vista à obtenção de esclarecimento do Requerente consta expressamente, conforme se transcreve, que “Decorrido o prazo mencionado, sem a regularização da situação detetada, o procedimento prosseguirá para correção dos valores declarados”,

u)    Mais se informando o Requerente que “poderá obter informação mais detalhada no endereço acima referido”.

v)    Quanto ao aduzido no art. 20.º da PI, que remete para a falta de fundamentação da liquidação em crise e para a falta de demonstração dos rendimentos que serviram de base à correção em apreço,

w)   Veja-se que os mesmos se encontram juntos ao processo de divergências, o qual foi devidamente notificado ao Requerente, conforme supra se disse, pelo que o Requerente não estava impedido de proceder à sua consulta junto dos serviços e de solicitar os esclarecimentos que entendesse, presencialmente ou por escrito, e, desse modo, tomar conhecimento das razões de facto e de direito subjacentes ao mesmo.

x)    Quanto ao aduzido nos art. 21.º a 27.º da PI, impugna-se a inexistência de fundamentação da liquidação controvertida e que em sede de reclamação graciosa a Requerida não tivesse atendido aos esclarecimentos apresentados pelo Requerente.

y)    Antes do mais, quanto ao deduzido no ponto 28.º da PI, importa salientar que a presente instância arbitral não é o meio próprio para o Requerente solicitar a fundamentação dos actos tributários em crise, existindo, para o efeito, o mecanismo contemplado no art. 37.º do CPPT.

z)     De todo o modo, não se verifica qualquer falta de fundamentação dos actos tributários em crise e a mesma foi objeto da devida notificação ao Requerente, tal como supra se explicitou.

aa)  Existindo falta de notificação da fundamentação do acto tributário em crise, que não se confunde com a falta de notificação da fundamentação, uma vez que aquela afeta eficácia do acto enquanto esta afeta a sua validade,

bb) Sempre aquela alegada falta de notificação da fundamentação dos actos seria de considerar sanada uma vez que no prazo de 30 dias a contar da notificação da liquidação em crise, expressamente previsto naquele art. 37.º do CPPT, o Requerente não requereu que a fundamentação lhe fosse notificada, facto este que, cumpre salientar, não o impediu de apresentar reclamação graciosa contra o mesmo.

cc)  No que respeita ao exercício do direito de participação no âmbito da reclamação graciosa, também aqui se entende que o Requerente não tem razão, com o devido respeito por opinião contrária, uma vez que a decisão definitiva procedeu à análise dos elementos apresentados explicando a razão pela qual os mesmos se afiguravam insuficientes para a prova que se impunha efetuar e cujo ónus compete ao Requerente.

dd) Prosseguindo, mais se impugna que a AT não tivesse cumprido com os seus deveres de pronúncia, o que resulta devidamente comprovado nos autos, sendo, ainda, que a fundamentação da decisão que indeferiu a reclamação graciosa se apresenta clara, suficiente e congruente, dando a conhecer ao Requerente as razões de facto e de direito que lhe estão subjacentes e, consequentemente, facultando-lhe a possibilidade de exercer o seu direito de defesa, como resulta da presente instância arbitral.

ee)  De todo o modo é entendimento pacífico na jurisprudência que os vícios que possam afetar a decisão proferida em sede de reclamação graciosa não são suscetíveis de afetar a validade dos actos tributários que lhe são anteriores, produzidos a montante.

ff)   Quanto ao aduzido no art. 42.º e seguintes da PI, impugna-se, por não provado, que os rendimentos auferidos não correspondam aos rendimentos que serviram de fundamento à liquidação controvertida.

gg) Nesta sede reitera-se quanto se disse em sede de reclamação graciosa, salientado o ónus probatório do Requerente no esclarecimento da sua situação jurídico-tributária com referência a 2020 e a insuficiência dos elementos apresentados com vista à demonstração pretendida.

hh) Nos termos supra expostos, deve a pretensão do Requerente ser julgada improcedente com as devidas e legais consequências.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 29-12-2022, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 30-12-2022. Em 15-02-2023, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 15-02-2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 06-03-2023, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data em cumprimento do disposto no artigo 17.º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

A AT apresentou Resposta, em tempo, em 17-04-2023.

 

Em 21-04-2023 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

“1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito.

2. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

3. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite da prolação da decisão final.

4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

 

Em 18-05-2023, a Requerida veio requerer a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, uma vez que o acto ora impugnado, na parte controvertida, foi objeto de revogação. 

 

 

II. Saneamento

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

O processo não enferma de nulidades. 

 

 

III. Fundamentação

 

III.1. Matéria de facto

 

Factos dados como provados

a)     No dia 9 de Julho de 2021 o Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2021 ... com um montante a pagar de € 7.232,94 (sete mil duzentos e trinta e dois euros e noventa e quatro cêntimos), em consequência da declaração apresentada. 

b)    Alegadamente, no dia 26 de Julho de 2021, foi o Requerente notificado da alegada existência de divergências relativamente aos rendimentos de Categoria B auferidos (tal notificação não consta do Via CTT do Requerente), resultando tal divergência na emissão da declaração oficiosa n.º 2020-...-...-..., com resultado na liquidação n.º 2021..., referente a IRS de 2020, com o valor final a pagar de € 72.612,89, referente a imposto e juros compensatórios, a qual tem origem no procedimento de análise às divergências detetadas relativamente à declaração de rendimentos entregue pelo Requerente para aquele ano de imposto.

c)     Da supra mencionada declaração oficiosa resultaram por sua vez os actos de liquidação em crise no presente pedido. 

d)    Não se conformando com os referidos actos de liquidação, o Reclamante apresentou, no dia 22 de Fevereiro de 2022, Reclamação Graciosa contra os mesmos. 

e)     Tendo sido notificado, no dia 6 de Julho de 2022 para exercer o seu direito de Audição Prévia, o Requerente procedeu, na pessoa do seu mandatário e contabilista certificado, ao pedido de uma reunião com o Serviço de Finanças de Lisboa-... para efeitos de apresentação dos elementos contabilísticos que, no entender da AT, permitiriam reverter os actos de liquidação em crise. 

f)     Tal reunião viria a suceder no dia 21 de Julho de 2022, tendo nessa sede sido apresentados os elementos documentais justificativos das despesas efetuadas durante o ano de 2020 e afetas à atividade do Requerente, que resultaram no prejuízo fiscal inicialmente declarado. 

g)    Não obstante, no dia 3 de Outubro de 2022, foi o Requerente novamente notificado, na pessoa do seu mandatário, da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada. 

 

Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

 

 

III. 2. Matéria de Direito

 

Tendo sido revogado o acto de liquidação impugnado pelo Requerente nos presentes autos, cumpre apreciar a utilidade da apreciação do pedido. 

A respeito da inutilidade superveniente da lide pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 30 de Julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 0875/14, no qual referiu que “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277o do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”

É também este o sentido que a doutrina tem conferido ao conceito em análise, referindo LEBRE DE FREITAS, RUI PINTO e JOÃO REDINHA, em Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(...) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.

Ora, conforme resulta da matéria de facto dada como provada nos presentes autos, o acto tributário impugnado pelo Requerente foi revogado pela AT, o que implica a inutilidade e impossibilidade deste Tribunal declarar a ilegalidade e determinar a consequente anulação de um acto que já se encontra suprimido da ordem jurídica. Com a referida revogação o Requerente atingiu a totalidade dos efeitos pretendidos com o presente pedido de pronúncia arbitral. 

Em face do exposto entende este Tribunal que se verifica a inutilidade superveniente da lide quanto à apreciação da legalidade e consequente anulação do acto tributário impugnado pelo Requerente, de tal forma que se julga extinta a instância nos termos e para os efeitos previstos no artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. 

 

 

IV. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

a)  Julgar extinta a instância; 

b)  Absolver a Requerida da instância; 

c)  Condenar a Requerida nas custas do processo. 

 

V. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 72.612,89 (setenta e dois mil seiscentos e doze euros e oitenta e nove cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VI. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 2.448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), a pagar pela Requerida, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 23 de maio de 2023.

 

Os Árbitros,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

 

(Hélder Faustino)

 

 

 

 

(Mariana Vargas)

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.