Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 809/2022-T
Data da decisão: 2023-05-08  IRS  
Valor do pedido: € 69.933,16
Tema: IRS – Artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS - regime de exclusão de mais valias.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Professor Doutor Menezes Leitão e Dra. Ana Rita do Livramento Chacim, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 6 de março de 2023, acordam no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO
  1. Identificação das Partes

Requerentes: A..., com o número de identificação fiscal ..., residente em..., ..., ..., ..., ..., e B..., com o número de identificação fiscal ..., residente em..., ..., ..., Bruxelas, Bélgica, doravante designados por “Requerentes” e individualmente “o Requerente” e “a Requerente”.

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de “Requerida” ou “AT”.

Os Requerentes apresentaram o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, do n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por “RJAT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 30.12.2022, e em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, tendo sido notificada nessa data a Autoridade Tributária (AT).

Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT, o Conselho Deontológico, designou os árbitros do Tribunal Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a sua aceitação, nos termos legalmente previstos.

Em 15.02.2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea c), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Coletivo foi regularmente constituído em 06.03.2023, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.

Por despacho de 14.04.2023, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada, bem como a apresentação de alegações, indicando-se o dia 16.05.2023 para a prolação da decisão arbitral.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria
n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Pedido

Os Requerentes deduziram pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), peticionando a anulação das decisões de indeferimento parcial proferidas das reclamações graciosas, com os números ...2021... e ...2020..., e, em consequência, a anulação dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), com os números 2020... e 2020..., relativos ao período de tributação de 2019, que apuraram um montante de imposto a pagar de € 31.966,58, pelo Requerente, e de € 31.966,58 pela Requerente.

 

  1. Causa de Pedir

A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes alegaram, com vista à declaração de anulação dos atos de liquidação acima identificados, o seguinte:

Os Requerentes foram residentes fiscais em Portugal durante toda a sua vida, até, respetivamente os dias 15.07.2019 (a Requerente) e 04.02.2020 (o Requerente), datas em que alteraram a sua residência fiscal para a Bélgica, na ..., ..., ..., em Bruxelas.

Referem que o seu último domicílio fiscal, que constituía a sua habitação própria e permanente, foi um imóvel descrito pela fração autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao quarto andar “A”, do prédio urbano sito em “...”, lote cento e dezanove, Freguesia da ..., Concelho de Cascais, descrito na Matriz Predial Urbana, daquela Freguesia e Concelho, sob o número ... .

O referido imóvel foi adquirido pelos Requerentes, em compropriedade, mediante outorga de escritura pública de compra e venda e empréstimo com hipoteca, em 03.04.2004, pelo montante de € 139.663,42. Valor para o qual teria sido contratado o respetivo empréstimo bancário, para a sua aquisição, junto do Banco Comercial Português, S.A., em igual montante ao do valor de aquisição do imóvel.

Explicam os Requerentes que o mesmo imóvel foi alienado mediante outorga de escritura pública de 08.03.2018, pelo montante de € 425.000,00, ou seja, em data anterior à referida alteração de residência fiscal.

Na sequência da alienação deste imóvel, os Requerentes procederam à aquisição do imóvel, onde atualmente residem, pelo montante de € 680.000,00.

Com referência a 2019, a Requerente alega que foi parcialmente residente em Portugal até 15.07.2019, tendo a mesma procedido à entrega “Declaração Modelo 3 de IRS” em 27.11.2020. Deste modo, indicou no campo 8 da respetiva declaração de rendimentos a sua qualidade de não residente e, no subcampo C o período de residência parcial, que se verificou entre 01.01.2019 e 15.07.2019.

Todavia, entende a Reclamante que, por referência aquele período, a Declaração de Rendimentos deveria ter sido preenchida na qualidade de residente fiscal em Portugal, e não na qualidade de não residente.

Acresce que, a Reclamante preencheu a sua declaração de rendimentos, nomeadamente no “Anexo G”, no qual não procedeu ao preenchimento dos valores de aquisição do imóvel alienado, bem como do montante de despesas de encargos suportados com a sua alienação e dos montantes correspondentes à liquidação dos créditos à habitação que dispunha à data da alienação do imóvel.

No que respeita ao Requerente, o mesmo alega que, durante o ano de 2019 foi residente fiscal em Portugal, tendo procedido à entrega “declaração modelo 3 de IRS” em 29.06.2020. Contudo, refere que indicou, erroneamente, no campo 8 que era não residente fiscal em Portugal.

Refere ainda que no respetivo “Anexo G”, não procedeu ao preenchimento dos valores de aquisição do imóvel alienado, bem como do montante de despesas de encargos suportados com a sua alienação e dos montantes correspondentes à liquidação dos créditos à habitação que dispunha à data da alienação do imóvel.

Na sequência da apresentação das suas declarações de rendimentos, os Requerentes foram notificados dos atos de liquidação de IRS aqui identificados, por referência ao ano de 2019, a qual apurou o montante de imposto a pagar no valor de € 31.966,58 (a cada um).

Por considerarem que as declarações de rendimentos em causa enfermavam de um erro que, em consequência, deu origem à emissão dos atos, os Requerentes procederam à apresentação de reclamação graciosa, sobre as quais foram notificados das respetivas decisões de indeferimento parcial.

No que concerne à decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, tendo sido aceites as correções ao quadro 4 do Anexo G da declaração de rendimentos, alega que deveria ter sido reconhecido à Requerente o efetivo reinvestimento do valor de realização obtido na aquisição do imóvel localizado na Bélgica, e com isso beneficiar da isenção de tributação de mais-valias imobiliárias em sede de IRS.

Explica a Requerente que procedeu à liquidação da totalidade do montante dos créditos em dívida, e ao montante do valor de realização que correspondia à quota da propriedade que a Reclamante detinha na propriedade alienada, indica que reinvestiu a totalidade do valor de realização na aquisição do imóvel localizado na Bélgica, o qual constitui a sua nova habitação própria e permanente. Entende assim que a AT não considerou que a dedução dos campos 5005 e 5006 correspondia integralmente ao montante preenchido no campo 5008, da declaração de rendimentos entregue pela Requerente.

Alega ainda a Requerente que teria sempre a possibilidade de proceder a qualquer alteração ou aditamento ao montante de reinvestimento do valor de realização, num prazo mais dilatado do que aquele em resultou a emissão da liquidação de IRS que constitui o objeto da reclamação graciosa entregue.

Refere que o entendimento da AT se centrou na insuficiência dos elementos disponibilizados pela Requerente, as quais não foram suficientes para demonstrar que a mesma tenha procedido ao reinvestimento em habitação própria e permanente. Em concreto, não foi possível verificar qual o exato montante pelo qual o imóvel que veio a constituir a nova habitação própria da Requerente foi adquirido e, por outro lado, não foi possível verificar, em sede das demonstrações de transferências financeiras apresentadas, qual a fração de reinvestimento realizada sem recurso ao crédito por parte da Requerente.

Relativamente à decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente, que aqui se contesta, refere que, de acordo com o seu entendimento, as decisões proferidas pela AT se prendem com a falta de prova careada para os autos por parte dos Requerentes. Aqui se incluindo a prova efetiva de que a sua residência efetiva coincidia com a morada do imóvel alienado para poder beneficiar da isenção de tributação de mais-valias imobiliários, em virtude do reinvestimento do valor de realização do imóvel alienado.

Sobre o entendimento da AT, alegam os Requerentes que lograram demonstrar todos os requisitos necessários para que pudessem beneficiar do regime de isenção de tributação sobre mais-valias imobiliárias.

Neste sentido, recordam o disposto no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS, referindo que através desta norma, o legislador fiscal acabou por consagrar um regime de exclusão de tributação das mais-valias realizadas na transmissão de imóveis destinados à habitação própria e permanente. Sendo que, tal exclusão é efetiva quando o produto da alienação seja objeto de reinvestimento na aquisição ou melhoramento do imóvel destinado ao mesmo fim, e dentro de determinado horizonte temporal. Em síntese, a aplicação deste regime de exclusão de incidência encontra-se dependente da verificação de três requisitos fundamentais: i) realização do reinvestimento do valor de realização, em imóvel destinado à habitação própria e permanente; ii) afetação do imóvel adquirido à habitação própria e permanente; iii) prazo para a realização desse reinvestimento.

Requisitos esses, que no entendimento dos Requerentes, foram integralmente cumpridos aquando da entrega da declaração de rendimentos Modelo 3, do ano de 2019.

Sobre o primeiro requisito, salientam que o reinvestimento de parte do valor de realização na aquisição de um imóvel não faz precludir a possibilidade de reinvestir o seu remanescente em obras de melhoramento e ampliação desse mesmo imóvel, sem que isso envolva a perda do benefício de isenção da tributação de mais-valias imobiliárias. Desde que o sujeito passivo o faça no prazo legalmente previsto para o efeito, tal como sucedeu no caso vertente.

No que concerne ao segundo requisito, alegam que ficou demonstrado que os Reclamantes afetaram o imóvel adquirido à habitação própria e permanente, dentro do prazo de doze meses após a realização do reinvestimento.

Por seu turno, e sobre o terceiro requisito identificado, a concretização do reinvestimento do valor de realização dentro de determinados prazos, isto é, entre os 24 meses anteriores ao da realização, ou até 36 meses depois desta data.

Sendo claro o disposto no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS, a qual configura uma norma de exclusão tributária, salientam os Requerentes que a AT se encontra sujeita ao cumprimento do princípio da legalidade.

Salientam ainda os Requerentes o facto de a comprovação do reinvestimento poder ocorrer no prazo de 36 meses posteriores à realização da mais-valia. Acrescentam que o momento escolhido pela AT para proceder à correção da sua declaração de rendimentos referente ao ano de 2019, não se encontra sequer em conta com as orientações administrativas existentes nesta matéria. Neste âmbito, identificam o disposto nos Ofícios circulados n.º 9/93, de 12 de julho, e n.º 20 054, de 11 de outubro de 2001, nos termos dos quais, no caso de incumprimento das exigências de reinvestimento, o sujeito passivo deverá apresentar declarações de substituição relativas ao ano da transmissão onerosa do imóvel de partida, retirando da declaração os elementos relativos à intenção de reinvestimento que de acordo com os critérios legais, não tenha vindo a concretizar-se válida. Entendem assim, que a apresentação de tais declarações de substituição apenas poderá ocorrer após o término do prazo estipulado para a realização do reinvestimento – 36 meses após a data da realização, obtida através da alienação de um imóvel destinado à habitação própria e permanente.

Em suma, argumentam os Requerentes que a AT, em momento algum, logrou demonstrar que os valores de reinvestimento declarados não estariam conformes. Acrescentam ainda que constitui objeto de pronúncia por parte do Tribunal, clarificar se caberia à AT, antes de proceder à correção da liquidação inicialmente emitida com base nas declarações entregues pelos Requerentes, afastar a presunção de veracidade que recaía sobre as referidas declarações, por força do disposto no artigo 75.º da LGT.

 

  1. Da resposta da Requerida

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese, alegou o seguinte:

Começa por sintetizar os principais aspetos em que assenta o pedido dos Requerentes, referindo, em suma que, os requerentes, casados, adquiriram em 2004 no regime de compropriedade, o imóvel identificado sob art. ...- fração I (anterior art... – fração I) sito em Cascais/..., nele fixando a sua residência, tendo para o efeito contraído empréstimo na totalidade do preço junto de uma instituição financeira.

Em março de 2019, o imóvel foi objeto de alienação, pelo preço de € 425.000.

Os Requerentes optaram pela tributação separada, sendo apresentadas as respetivas declarações de rendimentos do ano de 2019, incluindo o respetivo anexo G, cuja informação inscrita constituiu suporte às liquidações objeto do presente processo.

No que respeita à Requerente, refere a AT que a mesma entregou a declaração de rendimentos modelo 3 com a indicação de “não residente” e no anexo G a informação quanto aos valores de aquisição, realização e encargos inscritos igualmente vieram a revelar-se com incorreções, o mesmo sucedendo quanto à pretensão manifestada de reinvestimento do valor de aquisição em 145.000€, com concretização parcial logo nesse ano no valor de 70.995,44€ em imóvel sito em Bruxelas, sendo de 69.379€ o montante do empréstimo ainda remanescente.

Na análise concretizada, tendo a Requerente suscitado a questão de que, na realidade havia deslocado a residência para a Bélgica a partir de 15.07.2019, foi aceite a situação de residência parcial no ano de 2019, cumprindo referir que a alteração de domicílio junto do Sistema de Gestão de Registo de Contribuintes (SGRC) apenas ocorreu em julho de 2020, ainda que com efeitos retroativos a julho de 2019.

No que se refere ao valor de realização (VR), necessariamente considerando a quota parte de 50% da propriedade do imóvel, o montante aceite foi de 212.500€ (total do preço de alienação foi 425.000€).

Quanto ao valor de aquisição (VA) e em consonância com o art.º 46, nº 1 Código do IRS, teve de ser introduzida correção ao valor inscrito, uma vez que os serviços averiguaram que em 16.11.2006 foi emitida liquidação adicional de IMT resultante de avaliação superior ao valor base da liquidação inicial, cujo total foi de €179.280, pelo que o montante a considerar teria de ser €89.640 (50%), com a necessária ponderação do fator de correção monetária aquando da liquidação imposto.

Sendo que, nos termos do art.º 51º, a acrescer ao VA serão consideradas despesas/encargos se comprovados, mas, porque não foram apresentados quaisquer elementos comprovativos do valor inscrito pela requerente de mais de 14.000€, a AT apenas pode aceitar os 50% do total de 4.649,60€ correspondente ao valor de IMT pago pelos comproprietários.

Acresce que no anexo G da modelo 3, a Requerente veio manifestar a intenção de reinvestimento do VR de € 145.000, inscrevendo ser de € 69.379 o valor do empréstimo ainda em dívida e a efetivação logo no ano da realização do reinvestimento de € 70.955 na aquisição em junho de 2019, de novo imóvel, sito na Bélgica, tendo em vista constituir a sua habitação própria e permanente.

Porém, os serviços tributários verificaram em sede de reclamação graciosa, tendo por base a informação disponível e elementos que a própria entendeu carrear para os autos, que não foi apresentado qualquer elemento que comprovasse o montante do empréstimo pago e que a nova aquisição sita em Bruxelas terá sido, pelo documento que titula a aquisição, pelo preço de 640.000€ (ao invés dos 680.000€ que alegou na petição de RG).

E que os diversos elementos apresentados para documentar os factos inscritos e alegados não permitiam aferir qual o preço pago que não se encontrava coberto por empréstimo bancário e dos pagamentos realizados para esse preço nenhum ocorreu de uma conta bancária titulada pela contribuinte requerente, com a conclusão necessária de que não se poderia aceitar o benefício previsto no art.º 10º, n.º 5 Código do IRS.

Relativamente ao Requerente, refere a AT que a declaração modelo 3 foi entregue com a indicação de “não residente”, o que por si só afastava qualquer ponderação de um eventual reinvestimento, tendo a liquidação sido emitida.

No entanto, em sede de reclamação graciosa, o Requerente veio alegar um lapso, sem apresentar qualquer prova, porquanto durante o ano de 2019 foi residente em Portugal, apenas tendo alterado essa situação em fevereiro de 2020, ao fixar o seu domicílio no imóvel que havia adquirido/reinvestido em conjunto com a sua mulher, sito na Bélgica.

Contudo, verificaram os serviços tributários que de acordo com a informação interna, o Requerente já era “não residente” desde novembro de 2014, apenas tendo ocorrido a sua renovação em 2020, pelo que não podia esta alegação ser aceite.

Relativamente aos valores de aquisição, realização e despesas, a informação inscrita foi idêntica à constante do modelo declarativo apresentado pela Requerente, sendo os mesmos os documentos apresentados ou em falta, pelo que foi idêntica a correção introduzida e com os mesmos fundamentos.

Por outro lado, embora manifestada a pretensão de reinvestimento, nos mesmos termos que a Requerente, o certo é que a morada do bem alienado gerador de rendimentos de mais valias não é coincidente com o domicílio do requerente que se situava na Bélgica à data da alienação, não tendo este vindo comprovar o contrário quando o ónus da prova recai sobre si (art.º 74.º da LGT), pelo que não se encontravam preenchidos os pressupostos básicos do art.º 10º, n.º 5 do Código do IRS.

Expõe a AT o facto de, na situação em concreto, os documentos carreados para os autos, bem como os passíveis de serem conhecidos pelos serviços, serem idênticos aos constantes dos procedimentos de reclamação graciosa e aí objeto de análise.

 

 

Sobre a matéria suscitada pelos Requerentes, relativamente à inversão do ónus da prova, carece, de acordo com a Requerida, de base legal, não devendo ser considerada, devendo considerar-se que a correção introduzida pela AT foi espoletada pelos próprios Requerentes aquando da interposição das reclamações graciosas, pelo confronto entre os factos inscritos e os meios de documentação destes.

No que respeita à nova aquisição, a AT expressa que não se duvida que esta tenha sido concretizada e que a mesma tenha como destino nela se situar a residência de ambos os contribuintes, sendo aqui considerada, ainda que a título de presunção, a situação de casados. Recorda o facto de se alegar, para o mesmo período, residências sitas em países distintos.

De acordo com a AT, a problemática prende-se com a ausência do devido suporte documental, não se entendendo se houve um empréstimo contraído para a aquisição, qual o valor, que montante foi pago pela própria peticionária se nenhum dos pagamentos teve origem numa conta titulada pela Requerente.

No caso do Requerente, acresce ainda a questão de que, contrariamente ao que por si é alegado, a sua domiciliação na Bélgica não se encontra demonstrada ter ocorrido apenas em 2020, porquanto a comunicação de não residência constava já dos registos de contribuintes em ano muito anterior. Desta forma, não tendo o Requerente logrado contrariar esta realidade,
mantêm-se as informações constantes dos serviços da AT, demonstrado que se encontrava como “não residente” em data anterior à venda do imóvel gerador de mais-valia.

Entende a AT que não se pode exigir a esta entidade o conhecimento da situação pessoal dos sujeitos passivos em cada momento da sua vivência, tendo de se socorrer dos diversos elementos passiveis de serem conhecidos, remetendo, em particular, para o disposto no art.º 19.º, n.º 1, a) e o n.º 3 e n.º 4 da LGT, isto é, a presunção de que o domicílio fiscal comunicado coincide com o da residência onde é fixado o centro de interesses do Requerente. Sendo que, no presente caso, a comunicação como “não residente” data desde 2014.

Em Portugal o imóvel detido em 50% poderia ser uma sua residência, mas o dispositivo do
art.º 10.º, n.º 5, tal como acima referido, não visa a proteção de toda e qualquer residência detida pelos contribuintes e dos ganhos decorrentes da sua alienação.

  1. Por despacho de 13.04.2022 proferido pelo Presidente do presente Tribunal Arbitral, com a concordância dos Co-Árbitros, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 19.º e 29.º, n.º 2 do RJAT, determinou-se a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como da apresentação de alegações, tendo sido indicado o dia 16.05.2023 para prolação da decisão arbitral.
  2. Por despacho de 04.05.2023 proferido pelo Presidente do presente Tribunal Arbitral, com a concordância dos Co-Árbitros, a AT procedeu à junção aos autos do processo administrativo relativo à reclamação graciosa n.º ...2021... apresentada pela Requerente.

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 5.º, nºs. 1 e 3 ambos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, nº 2, ambos do RJAT.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

Não foi suscitada matéria de exceção.

Admite-se a cumulação de pedidos e a coligação de autores, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pelos Requerentes depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).

O processo não enferma de nulidades.

Cumpre apreciar e decidir.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO

III. 1. Matéria de facto

  1. Factos provados

Para a decisão da causa submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar os factos relevantes que se julgam provados nos documentos juntos ao presente processo.

  1. O Requerente submeteu a declaração de rendimentos modelo 3 de IRS referente ao ano de 2019, com a identificação ...-...-... (2020-06-19), inscrevendo a situação de não residente para efeitos fiscais;
  2. A Requerente submeteu a declaração de rendimentos modelo 3 de IRS referente ao ano de 2019, com a identificação ...-...-... (2020-11-27), como não residente para efeitos fiscais;

 

a Requerente

Identificação da declaração ...-...-... (2020-11-27)

o Requerente

Identificação da declaração ...-...-...
(2020-06-19)

Valor de realização (50%)

€ 215.500,00

Valor de realização (50%)

€ 215.500,00

Valor de aquisição

€ 69.831,71

Valor de aquisição

€ 69.831,71

Valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem

€ 69.379,07

Valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem

€ 69.379,07

Valor de realização indicada como intenção para reinvestimento

€ 145.000,00

Valor de realização indicada como intenção para reinvestimento

€ 145.000,00

Despesas e Encargos

€ 14.985,26

Despesas e Encargos

€ 14.985,26

Valor de realização reinvestido no ano da declaração após data da alienação (sem recurso a crédito)

€ 70.955,44

Valor de realização reinvestido no ano da declaração após data da alienação (sem recurso a crédito)

€ 70.955,44

Valores relevantes declarados no anexo G das declarações de rendimentos modelo 3 de IRS de 2019 identificadas nos autos (documentos integrados no processo administrativo apenso ao processo).

  1. Os Requerentes lograram provar o valor de aquisição do imóvel identificado pelo montante de € 139.663,42 (cf. conforme declaração de liquidação de Imposto Municipal sobre Transações Onerosas de Imóveis (IMT).

 

  1. A propriedade do referido imóvel era dos Requerentes, conforme informação constante da escritura pública de compra e venda de 08.03.2018 apensa ao processo administrativo.

 

  1. Alienação do imóvel descrito pela fração autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao quarto andar “A”, do prédio urbano sito em “...”, lote cento e dezanove, Freguesia da ..., Concelho de Cascais, descrito na Matriz Predial Urbana, daquela Freguesia e Concelho, sob o número ..., conforme cópia da escritura pública de compra e venda de 08.03.2018, pelo montante de € 425.000,00

 

 

  1. Celebração de empréstimo com hipoteca com data de 03.05.2004, no montante de
    € 85.336,58, conforme cópia da respetiva escritura celebrada com a instituição de crédito.

 

 

 

  1. Apresentação de reclamação graciosa, respetivamente, pelo Requerente com o
    n.º ...2020... e pela Requerente com o n.º ...2021... .
  2. Os Requerentes lograram provar a aquisição do imóvel sito na Bélgica através de documento redigido na língua francesa, no qual consta o preço de € 640.000 (documento n.º 9 do processo administrativo).

 

  1. Factos não provados

Não há factos não provados que relevem para a decisão da causa.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.

 

III. Questões decidendas

Atentas as posições assumidas pelas Partes pelos argumentos apresentados e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir sobre a ilegalidade dos atos tributários objeto do presente PPA, respeitam ao cumprimento do regime constante do artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS, identificando-se, em concreto:

  1. Validade dos montantes de reinvestimento, bem como despesas e encargos apresentados nos termos do artigo 51.º do Código do IRS, para efeitos de determinação do valor de aquisição.
  2. Com efeito na aplicação do referido regime jurídico de exclusão tributária, saber se o Requerente cumpre com os requisitos legais para ser considerado como residente em território português, no ano de 2019.
  3. Nos termos de aplicação das regras do ónus da prova, presentes no artigo 74.º da LGT, clarificar se haveria lugar à sua inversão no sentido caber à AT, antes de proceder à correção da liquidação inicialmente emitida com base nas declarações entregues pelos Requerentes, afastar a presunção de veracidade que recaía sobre as referidas declarações, por força do disposto no artigo 75.º da LGT.

IV. 2. Matéria de Direito

  1. Da exclusão tributária consagrada no art.º 10.º, n.º 5 do Código do IRS

A análise das questões a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral referentes aos atos de liquidação de IRS oportunamente identificados, relativos ao ano de 2019, implica primeiramente a compreensão do regime de exclusão tributária consagrado no art.º 10.º, n.º 5 e 6 do Código do IRS.

O referido regime estabelece as condições legais para a exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo, ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

“a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;”.

Estabelece ainda o artigo 10.º, n.º 6 do Código do IRS que, “Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando: a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento; (…)”.

Sendo certo que “O ganho sujeito a IRS é constituído: a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nas situações previstas nas alíneas a), b), c) e i) do n.º 1; (…).” [cf. art.º 10.º, n.º 4 do Código do IRS].

 

  1. Validação de montantes para efeitos de determinação do valor de aquisição

No que respeita à Requerente, resulta do procedimento administrativo anterior, a situação de residência parcial no ano de 2019, tendo a mesma indicado que residiu em Portugal entre 01.01.2019 e 15.07.2019, data em que altera a sua residência para a Bélgica. Sendo esta uma matéria não controvertida, a AT vem apenas esclarecer que a alteração de domicílio fiscal junto do sistema de registo cadastral (SGRC) ocorreu em julho de 2020, ainda que com efeitos retroativos a julho de 2019.

Desta forma, cabe inicialmente analisar a matéria controvertida nos presentes autos para efeitos de aplicação do referido regime de exclusão, a qual assenta em considerações factuais que são comuns a ambos os Requerentes.

Reconduz-se a referida matéria à validade das despesas e encargos, nos termos do artigo 51.º do Código do IRS, e aos valores de reinvestimento realizado, conforme declarados pela Requerente para efeitos de determinação do valor de aquisição.

Em concreto, as correções em causa referem-se: 1) à liquidação adicional efetuada em sede de IMT resultante da avaliação superior ao valor base da liquidação inicial, cujo total foi de
€ 179.280,00, pelo que o montante a considerar corresponderia a € 89.640; 2) não terem sido apresentados quaisquer elementos comprovativos do valor inscrito pela Requerente de
€ 14.985,26, pelo que a AT apenas aceitou 50% do total de € 4.649,60 correspondente ao valor de IMT pago pelos comproprietários; 3) manifestação de intenção de reinvestimento do valor de realização de €145.000, inscrevendo o montante de € 69.379 correspondente ao valor do empréstimo ainda em dívida e a efetivação logo no ano da realização do reinvestimento de
€ 70.955 na aquisição em junho de 2019, de novo imóvel, sito na Bélgica, tendo em vista a constituição da sua nova habitação própria e permanente.

A AT considera que se mantém nos presentes autos a não prestação de qualquer elemento que comprove o montante do empréstimo pago e que a nova aquisição sita em Bruxelas terá sido, pelo documento que titula a aquisição, pelo preço de €640.000 (ao invés dos 680.000 alegados pela Requerente). Acresce o facto de os diversos elementos apresentados para documentar os factos inscritos e alegados não permitirem aferir qual o preço pago que não se encontrava coberto por empréstimo bancário e que os pagamentos realizados para esse preço não ocorreram de uma conta bancária titulada pela contribuinte requerente, com a conclusão necessária de que não se poderia aceitar o benefício previsto no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS.

Cumpre analisar.

Sobre a questão da demonstração probatória das despesas e encargos de valorização a que se reporta o artigo 51.º do Código do IRS, socorremo-nos do entendimento constante da decisão arbitral sobre o Processo n.º 326/2022-T do CAAD, no qual se salienta que: “Sobre esta questão, o legislador não impõe (…) qualquer regime de limitação ou de prova vinculada. Neste sentido, estabelece o artigo 128º do CIRS: Obrigação de comprovar os elementos das declarações.

1 – As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija. (…)

Da leitura da versada norma legal, é possível estabelecer e assentar que o legislador exige aos sujeitos passivos de IRS a obrigação de apresentar junto da AT da documentação comprovativa dos elementos por aqueles declarados nas suas declarações de IRS.

Sendo que, da referido normativo, não se colhe qualquer limitação quanto à natureza do ou dos documentos comprovativos dos valores declarativamente expressos.

De resto, o legislador, no seu n.º 4, prevê igualmente a possibilidade dos contribuintes, ante a impossibilidade de apresentação dos documentos a que se reporta o n.º 1, não impedir que estes possam efetuar essa mesma prova por outros elementos probatórios, o que deixa bem evidenciado o propósito legislativo em não limitar do ponto de vista probatório o leque de prova a apresentar em ordem a suportar o teor do declarado em sede de Modelo 3 e respetivos anexos.

Se da referida norma vinda de citar, não se vislumbra qualquer indício sobre a versada limitação legislativa quanto aos meios de prova suscetíveis de confirmar os elementos declarados e tendo presente que no caso em apreço se está sempre perante prova documental, idêntica conclusão não poderá deixar de se efetuar da leitura do artigo 51º do CIRS, o qual igualmente se já deixou citado e no âmbito do qual o legislador não procede a qualquer densificação sobre qual ou quais os meios ou os elementos de prova suscetíveis de comprovar as despesas e os encargos de valorização, como aquele que se encontra em apreciação nestes autos.

Ora, sendo certo que não foi colocada em causa pela AT a aquisição do imóvel na Bélgica e que esta tenha sido efetuada com o objetivo de constituir a residência dos aqui Requerentes, salienta este Tribunal a falta de meios probatórios apresentados (documental ou testemunhal), pelos quais se permita validar o total das despesas/encargos pretendido. Excetuando-se apenas as liquidações de IMT, as quais, tendo natureza oficiosa, constituem elementos de prova em poder da administração tributária.

Efetivamente, não foram apresentados elementos probatórios que permitissem ao Tribunal comprovar os montantes inscritos e declarados para efeitos de determinação do valor de aquisição, incluindo outras despesas ou encargos que não o IMT, bem como no que respeita ao reinvestimento efetuado. Salienta-se a apresentação de um documento em língua francesa pelo qual se entende titular a aquisição do imóvel na Bélgica, e no qual consta o preço de €640.000, conforme alegado pela Requerida (e não, € 680.000).

  1. Do Requerente: preclusão do regime por não residência fiscal em Portugal

No que respeita ao Requerente, para efeitos de aplicação do referido regime de exclusão, coloca-se a questão prejudicial de saber se o mesmo seria residente para efeitos fiscais em Portugal, no período em questão, ou seja, em 2019.

Entende a AT que a morada do bem alienado não corresponde ao domicílio fiscal do Requerente, sendo que de acordo com a informação constante no sistema cadastral da AT, o Requerente já era “não residente” desde novembro de 2014, apenas tendo ocorrido a sua renovação em 2020. Afasta desta forma a alegação do Requerente, de acordo com o qual este terá indicado erroneamente a sua situação como “não residente” na respetiva declaração de rendimentos modelo 3 de IRS referente ao ano de 2019. Afirma o Requerente que seria residente fiscal em Portugal no ano de 2019.

Perante a referida discussão, e considerada a informação cadastral indicada, importa analisar se o Requerente preencheu os pressupostos e condições previstos no artigo 16.º do Código do IRS, suscetível de determinar a sua residência fiscal em território português no ano de 2019, suscitando-se, assim, o respetivo enquadramento do conceito de residência fiscal, já por várias vezes objeto de pronúncia por este Tribunal.

Nestes termos, reportamo-nos ao quadro legal relevante no que respeita à determinação da residência fiscal das pessoas singulares.

O art.º 19.º, n.º 1 da LGT estabelece as regras de determinação do domicílio fiscal, definindo que “1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário: a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual; (…)”. O artigo não desenvolve a noção de residência habitual, concretizando as regras associadas ao domicílio fiscal. Neste sentido, estabelece que “O domicílio fiscal integra ainda o domicílio fiscal eletrónico, que inclui o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, bem como a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital e no serviço público de caixa postal eletrónica”. (n.º 2).

Por razões atendíveis de organização administrativa necessárias ao exercício de direitos processuais, prevê-se ainda que “3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária (…)” sendo “(…) ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.”

Deste modo, “Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas colectivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a actividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional” (n.º 6).

A distinção fundamental entre os dois conceitos reside no facto de, enquanto o conceito de residência fiscal integra as normas fiscais materiais ou substantivas, as quais determinam a existência e a extensão do poder de tributar, o domicílio fiscal determina, como regra geral, a competência com fins processuais (em razão do território dos órgãos da administração fiscal e dos tribunais tributários). É nesse local que o sujeito passivo pode ser contactável pela administração fiscal[1].

O conceito de residência fiscal para as pessoas singulares encontra a sua previsão no art.º 16.º do Código do IRS, estabelecendo-se no seu n.º 1 que “São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;

d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.”

Socorremo-nos do entendimento constante da decisão arbitral sobre o Processo
n.º 846/2021-T do CAAD, no qual se salienta que “O conceito de residência assume no Direito Fiscal e, em particular, na tributação do rendimento, uma particular importância. Desde logo, (a) agora restringindo a análise ao CIRS, a residência é o critério adoptado para estabelecer o âmbito de aplicação do IRS, sendo os residentes sujeitos a um princípio de tributação de base mundial por contraposição com os não residentes, que apenas são sujeitos a tributação relativamente aos rendimentos obtidos em Portugal (cf. art. 15.º do CIRS). Se o critério previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS se cinge à presença física (corpus), em Portugal, considerando residentes os indivíduos que “permaneçam mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa”, já a alínea b), exigindo uma ligação física menos qualificada, uma permanência inferior, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva relevante com o território português. Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado numa perspetiva objetiva, isto é, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.”

Sobre a relevância da comunicação do domicílio à administração tributária, nos termos do
art.º 19.º, n.º 3 da LGT, acompanhamos o entendimento exposto na Decisão arbitral prolatada no Processo n.º 36/2022-T do CAAD, na qual se entende que: “(…) a circunstância de o Requerente não ter comunicado à AT nem a mudança do seu domicílio fiscal, nem a alteração do seu estatuto de residência – no ano de 2017, o Requerente estava registado no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da AT como residente em Portimão, Portugal (cf. facto provado f))–, não pode fundar qualquer tributação, nem pode substituir-se às regras que definem a residência fiscal. A “ineficácia” da mudança de domicílio – repare-se que se diz “domicílio” e não “residência” – referida no artigo 19.º, n.º 4, da LGT não tem, por si só, o alcance de converter o contribuinte em residente para efeitos fiscais, se o mesmo fizer prova em sentido contrário; (…).”

E continua aquele Tribunal concluindo que “(…) pois inexiste qualquer norma legal, nomeadamente no Código do IRS, que condicione/limite os meios de prova de que o contribuinte se pode servir para comprovar a sua residência fiscal, designadamente exigindo a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais de outro país.

Mais refere que, “Acresce que, apenas o preenchimento dos pressupostos de cada um dos critérios de residência fiscal decorrentes do artigo 16.º do Código do IRS, maxime das alíneas a) e b) do seu n.º 1, permite que uma pessoa seja considerada residente fiscal em Portugal; ou seja, a mera declaração do sujeito passivo não tem a virtualidade de determinar, seja em que sentido for, a sua residência fiscal ou, visto doutra perspetiva, um erro declarativo como o existente no caso concreto não é suscetível de transformar/alterar, seja em que sentido for, uma situação factual subjacente que resulte comprovada.

Em síntese, refere-se o Acórdão do TCAS, de 08.07.2021, proferido no processo
n.º 803/05.0BESNT, que parcialmente se transcreve:

“(…) III. Saber de alguém é ou não residente em Portugal não está dependente do domicílio fiscal, por este não constituir, no plano internacional, qualquer presunção de residência.

IV. O conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, enquanto o domicílio fiscal projecta-se em consequências processuais.”

Neste contexto, e para efeitos da presente análise, acolhemos o entendimento exposto na decisão arbitral sobre o Processo n.º 326/2022-T do CAAD, segundo o qual, “Do normativo legal exposto resulta que para beneficiar da exclusão da tributação de mais-valias, deverá o sujeito passivo preencher vários requisitos cumulativos, dos quais relevamos para o presente caso os seguintes:

  1. Quer o imóvel alienado (imóvel de partida), quer o imóvel adquirido (imóvel de chegada) destinar-se à habitação própria e permanente “do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”;
  2. Que o reinvestimento do valor de realização do imóvel de partida, para os fins indicados, ocorra dentro do prazo máximo de 36 meses, na aquisição de novo imóvel com o mesmo destino exclusivo, e,
  3. Que o novo imóvel (imóvel de chegada) seja afeto à habitação própria do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

Face à factualidade assente nos presentes autos, e ao anteriormente decidido, resulta que no momento da alienação a Requerente não dispunha o seu domicílio fiscal no imóvel alienado, bem como era não residente em território nacional no ano de 2020.

Deste modo, coloca-se a seguinte questão, não tendo a Requerente o domicílio fiscal no imóvel alienado, deve ser considerado como não sendo a sua habitação própria e permanente?

A resposta a essa questão é negativa, o sujeito passivo pode comprovar qual é a sua habitação própria e permanente, afastando essa presunção, se não vejamos.

Sobre a questão do domicílio fiscal e da habitação própria e permanente, a Lei n.º 82-E/2014 de 31 de Janeiro, veio clarificar a questão com o aditamento ao artigo 13.º do CIRS, do qual se transcrevem o disposto nos números 10 a 13:

“10 - O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.

11 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto, designadamente quando o sujeito passivo

a) Faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; ou

b) Faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente.

12 - A prova dos factos previstos no número anterior compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei.

13 - Compete à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova mencionados no número anterior ou das informações neles constantes.”

Com efeito, com o aditamento ao art.º. 13º, a questão ficou resolvida de forma clara, permitindo ao sujeito passivo ilidir a presunção, através de qualquer meio de prova.

Entendimento que é defendido pela jurisprudência, designadamente dos processos TCAS de 8/10/2015, proc. 6685/13, bem como, entre outras, as seguintes decisões Arbitrais proferidas no CAAD a saber: n.º 721/2015-T; 92/2016-T; 21/2017-T.

Decorre sucintamente da jurisprudência anteriormente indicada, que a não comunicação dos sujeitos passivos da mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a exclusão para reinvestimento, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio, a morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através “factos justificativos” de que o sujeito passivo fixou no prédio o centro da sua vida pessoal.

Decorre do exposto, a presunção de que o domicílio fiscal do sujeito passivo é a sua habitação própria e permanente, contudo o sujeito passivo pode a todo o tempo, apresentar prova em contrário, e a AT pode demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova ou das informações neles constantes.

É assim entendido, que o sujeito passivo pode demonstrar mediante prova documental e testemunhal que a sua habitação própria e permanente era no imóvel em questão, quer do imóvel alienado ou o imóvel adquirido. [nosso sublinhado]

Retornando aos presentes autos temos que a Requerente não dispunha o seu domicílio fiscal no imóvel alienado que gerou a mais-valia, e não produziu prova em como a sua habitação própria e permanente corresponde ao imóvel alienado.

Perante o exposto, sendo uma condição essencial para efeitos do direito à exclusão de tributação prevista no art.º 10º nº 5 do CIRS, que o imóvel alienado seja destinado à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, não foi cumprida pela Requerente essa condição, não beneficiando dessa exclusão.

Ora, a Requerente ao não preencher essa condição, mostra-se prejudicada a análise das restantes condições enumeradas.

Nestes termos, o Tribunal decide pela improcedência do pedido da Requerente, em sede de mais-valias, porquanto não preenche os critérios que lhe permitem beneficiar da exclusão dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo, prevista no n.º 5 do art.º 10.º CIRS.”

Atento o caso sub judice, importará assim apreciar se o Requerente era residente fiscal em Portugal no ano de 2019, considerando que o Requerente indicou a sua situação como “não residente” na respetiva declaração de rendimentos modelo 3 de IRS referente ao ano de 2019, alegando que o fez erroneamente. Ou seja, se foram apresentados elementos que permitam a este Tribunal aferir pela residência fiscal do Requerente em Portugal, no ano de 2019, mediante o preenchimento dos pressupostos e condições previstos no artigo 16.º do Código do IRS aqui oportunamente explicitados. Sendo ainda de salientar que a análise para efeitos de qualificação da residência fiscal é efetuada individualmente, sendo assim aferida em relação a cada sujeito passivo do agregado.

Ora, considerando o disposto na alínea a) [do artigo 16.º, n.º 1 do Código do IRS], o Requerente não adicionou elementos que permitissem fazer prova, desde logo, de que permaneceu em território nacional mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em 2019 (designadamente, documentos relativos à sua atividade profissional).

A aplicação do disposto na alínea b) [do artigo 16.º, n.º 1 do Código do IRS], no qual se estabelece como residente quem “(…) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual; (…)” depende da verificação cumulativa de três requisitos, no ano a que respeitam os rendimentos (no caso, 2019): (i) a permanência em Portugal por um período inferior a 183 dias, com referência ao disposto na alínea a) acima referida; (ii) a disposição de uma habitação; e (iii) a verificação de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual.

A presente alínea exige assim uma ligação física menos qualificada, impondo uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território. Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.

Conforme bem se explica na decisão arbitral sobre o Processo n.º 457/2021-T do CAAD “Se a qualidade de residente, nos termos da al. a) resulta, automaticamente, de um critério fáctico, meramente numérico, a presença em Portugal, a al. b) exige, pela falta de maior presença no território, um elemento adicional de intenção. O referido artigo impõe, assim, a vontade de estar regularmente presente no território nacional, utilizando, para o efeito, uma determinada habitação. A residência habitual é, assim, igualmente um critério fáctico determinado pela permanência regular (habitual) numa determinada habitação e, onde, como tal se presume ter organizada a sua vida.

Sobre o entendimento do preceito legal, acompanhamos a doutrina oportunamente citada na Decisão arbitral prolatada no Processo n.º 332/2022-T do CAAD: “Importa, então, analisar a verificação do terceiro requisito, a existência de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual. A este respeito verificamos, contudo, que o legislador não densifica como deve ser aferida a intenção do indivíduo, não fornecendo, igualmente, critérios a partir dos quais o aplicador do direito deva formar a sua convicção quanto ao que se entende por residência habitual.

Na falta de uma definição legal será necessário efetuar uma análise casuística, devendo o elemento volitivo (a intenção de manter e ocupar um determinado local como residência habitual) ser aferido através de manifestações externas de vontade. A intenção de manter e ocupar uma dada habitação enquanto residência habitual deve, desta feita, ser reconstituída a partir de elementos objetivos que façam supor, com clareza, a vontade do indivíduo. Nas palavras de ALBERTO XAVIER “[a] intenção de manter e ocupar a habitação como residência habitual, não é objecto de prova directa, antes resulta de condições objectivas que a façam supor.” (Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2.ª Edição Actualizada, Coimbra: Almedina, 2007, p. 286).

O referido artigo impõe, assim, a vontade de estar regularmente presente no território nacional, utilizando, para o efeito, uma determinada habitação.

Como sustenta MANUEL FAUSTINO, o referido critério legal “(…) ao integrar-se na previsão a manutenção e ocupação dessa casa como residência habitual desde logo se excluem da condição de residentes os que dispõem em Portugal de uma simples habitação secundária (desde que nela não permaneçam mais de 183 dias por ano) ou de férias, bem como aqueles que, nomeadamente os emigrantes, dispondo aqui de uma habitação que poderão vir a ocupar como sua residência habitual quando, em definitivo, regressarem a Portugal, apenas a ocupam por ocasião das suas férias ou em deslocações pontuais e fortuitas.” (Cf. Manuel Faustino, “Os residentes…” op. cit., pp. 124-125 e, no mesmo sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/24/2011, proferido no processo 876/10). Para que exista uma residência habitual deverá resultar claro que a habitação mantida em Portugal, pelas suas características, se destina a uma permanência duradoura e não a uma mera passagem de curta duração (Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário…op. cit. 286).”[2][3]

Ora, no que respeita à permanência em Portugal no período em referência, e sem que fosse factualmente controvertido, o Requerente reconhece o sentido do entendimento da AT no que respeita à falta de prova careada, incumbindo-lhe realizar prova efetiva de que a sua residência efetiva coincidia com a morada do imóvel alienado para poder beneficiar da isenção de tributação de mais-valias imobiliárias.

Contudo, o Requerente nada acrescenta ou explica, não sendo apresentados documentos (ou outros meios de prova) suscetíveis de convencer da veracidade dos factos, permitindo a este Tribunal promover uma análise factual à luz dos critérios de residência estatuídos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS. Resulta apenas do exposto que durante o ano de 2019, a Requerente (sua esposa) foi residente parcial em Portugal entre 01.01.2019 e 15.07.2019. Pelo exposto, é convicção deste Tribunal de que o Requerente não pode ser considerado fiscalmente residente em Portugal, no ano de 2019, o mesmo poderá usufruir da exclusão tributária consagrada no n.º 5, do art.º 10.º, do CIRS.

  1. Dos termos do ónus de prova dos factos

Tendo sido suscitado os termos de aplicação das regras do ónus da prova, presentes no artigo 74.º da LGT, e se haveria lugar à sua inversão no sentido de clarificar se caberia à AT, antes de proceder à correção da liquidação inicialmente emitida com base nas declarações entregues pelos Requerentes, afastar a presunção de veracidade que recaía sobre as referidas declarações, por força do disposto no artigo 75.º da LGT, importa analisar os termos de aplicação do respetivo regime.

Dispõe o artigo 74.º da LGT que “1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. 2 - Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária.” Da referida regra, destaca-se o disposto no
n.º 3 nos termos do qual “Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.”

Sobre a função das regras do ónus da prova referem Diogo Leite Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa[4] que “O procedimento tributário deve culminar com uma decisão da administração tributária, que tem de assentar em pressupostos de facto”. Ora, sendo possível que a AT fique com dúvidas sobre qualquer ponto da matéria de facto, estabelecem-se regras do ónus da prova. Nesta medida, entende-se o ónus da prova é da responsabilidade dos Requerentes, pois, é constitutivo do direito que pretende beneficiar e não o tendo provado terá de ser valorada contra si. (neste sentido, pode ler-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 02/25/2016, prolatado no processo 0415/10.6BEPNF).

Sendo certo que o artigo 75.º, n.º 1 da LGT estabelece uma presunção legal de veracidade das declarações apresentadas pelos contribuintes à AT, o mesmo implica que a mesma deixe de se verificar (cessação ou inversão) quando esteja em causa a obtenção da verdade material ou quando exista norma especial que imponha aos sujeitos passivos o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização dos direitos que pretendem valer, para que a AT possa decidir, competindo, neste caso, aos Requerentes apresentar prova suscetível de convencer da veracidade dos factos.

Isso mesmo se resulta no n.º 1 do artigo 128.º do CIRS que estabelece, especificamente para prova dos elementos declarados para efeitos de IRS, que «as pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija».

No que em concreto respeita à situação de residência do Requerente, para beneficiar da exclusão de incidência tributária relativa às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis teria de alegar e provar que tinha habitação própria e permanente no imóvel (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 02/25/2016, prolatado no processo 0415/10.6BEPNF), o que não logrou. 

O mesmo sucede com as despesas declaradas pelos Requerentes que não foram aceites pela AT e com hipotéticas despesas em obras de melhoramento e ampliação a que os Requerentes aludem no artigo 70.º do pedido de pronúncia arbitral, pois não foi apresentada qualquer prova documental.

 

  1. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos formulados de anulação das decisões de indeferimento parcial proferidas das reclamações graciosas, com os números ...2021... e ...2020..., e, em consequência, a anulação dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, com os números 2020... e 2020..., relativos ao período de tributação de 2019, nos termos da qual se apurou imposto a pagar no valor de € € 31.966,58, cada Requerente;
  2. Condenar os Requerentes no pagamento das custas do processo.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

Nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 69.933,16 (sessenta e nove mil, novecentos e trinta e três mil e dezasseis cêntimos).

  1. CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 2.448,00 (dois mil, quatrocentos e quarenta e oito euros), cujo pagamento fica a cargo da Requerente.

Notifique-se.

 

Lisboa, 8 de maio de 2023

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Ana Rita do Livramento Chacim)

(Relatora)

 

 

 

(Professor Doutor Luís Menezes Leitão)



[1]     A este respeito, acompanhamos o entendimento de Diogo Leite Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa quando referem a respeito da falta de designação de um representante, que “(…) nada impedirá que o contribuinte, diretamente ou por representante, exerça os direitos tributários, nomeadamente os de reclamação, recurso ou impugnação. Trata-se de garantias constitucionais que não podem ser afastadas por uma mera disposição da lei.” - Diogo Leite Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª edição, 2012, pág. 199.

[2]     Processo n.º 332/202-T do CAAD.

[3]     Neste sentido, entende o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão n.º 3/2020 (Série I), de 4 de março de 2020, Processo n.º 1679/13.9 BALSB do Contencioso Tributário - Pleno da Secção.

[4]     Cfr. Diogo Leite Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª Edição, 2012, páginas 655 e seguintes.