Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 695/2019-T
Data da decisão: 2020-11-29  IVA  
Valor do pedido: € 30.996,81
Tema: IVA – Prestações de Serviços de Nutrição – Isenção – Artigo 9.º, n.º 1) do CIVA.
Recurso de revisão de decisão arbitral; Instância internacional de recurso – Decisão arbitral (anexa à decisão).
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SUMÁRIO: O TJUE, intervindo em sede de reenvio prejudicial, não pode ser entendido como uma instância internacional de recurso para efeito da interposição do recurso de revisão, com fundamento no artigo 696.º, alínea f), do CPC.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1.            A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de revisão da decisão arbitral proferida no presente processo, ao abrigo do disposto no artigo 696.º, alínea f), do CPC, aplicável por remissão do artigo 293.º, n.º 1, do CPPT, com fundamento no acórdão do TJUE tirado no Processo n.º C-581/19, no âmbito do reenvio prejudicial suscitado no processo arbitral que tramitou sob o n.º 504/2018-T no CAAD.

 

Em requerimento avulso apresentado sem prévio despacho arbitral, a Requerente pronunciou-se no sentido do indeferimento liminar do recurso de revisão por falta de fundamento legal, não podendo o TJUE ser tido como uma instância de recurso, quando intervenha em sede de reenvio prejudicial e que in casu o trânsito em julgado da decisão arbitral não é recorrível.

 

2.            Conforme a tramitação regulada no artigo 699.º do CPC, “o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão” (n.º 1), havendo lugar à notificação pessoal do recorrido para responder apenas quando o recurso seja admitido (n.º 2).

 

E, assim sendo, previamente ao processamento do recurso, cabe proferir decisão liminar sobre a sua admissibilidade.

 

Refere o citado artigo 696.º, alínea f), do CPC, que a decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando “seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português”.

 

No entanto, o TJUE, intervindo em sede de reenvio prejudicial, não pode ser entendido como uma instância internacional de recurso para efeito da legislação processual portuguesa, constituindo antes um mecanismo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e europeus para garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito europeu (LUÍSA LOURENÇO, “O reenvio prejudicial para o TJUE e os pareceres consultivos do tribunal EFTA”, in Revista Julgar n.º 35, página 189).

 

Mesmo o Tribunal de Justiça tem entendido que o artigo 234.° CE (actual artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) (TFUE) não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente num tribunal nacional e que não basta, portanto, que uma das partes alegue que o litígio suscita uma questão de validade do direito comunitário para que o tribunal em questão seja obrigado a considerar que se suscita uma questão nos termos do artigo 234.°(acórdão do TJUE de 10-01-2006, processo n.º C-344/04, parágrafo 28).

 

Basta considerar que o reenvio prejudicial não pode ser solicitado directamente pelas partes, mas apenas invocado pelo tribunal nacional em caso de dúvida sobre a interpretação do direito europeu, e a interpretação que venha a ser formulada pelo TJUE é sempre feita sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio quanto à factualidade aplicável ao caso, pelo que é sempre o tribunal nacional que decide o litígio.

 

Com efeito, o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça na sequência da questão prejudicial formulada pela jurisdição nacional não vai resolver o litígio que decorre perante o tribunal nacional. O sentido da resposta dada pelo Tribunal de Justiça é o de fornecer elementos para a interpretação ou a apreciação da validade de uma norma de direito europeu, sendo que o esse tribunal não interfere directa e imediatamente na solução do caso concreto (MIGUEL GORJÃO HENRIQUES, Direito Comunitário, 4.ª edição, Coimbra, pág. 367).

 

Certo é que o acórdão do STA de 2 de Julho de 2014 (Processo n.º 0360/13) considerou que, com a nova alínea f) do artigo 771º do CPC (actual artigo 696.º), o legislador pretendeu estender o recurso de revisão não só aos casos em que decisão interna seja inconciliável com uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como também aos casos em que se verifique inconciabilidade com qualquer decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português. E, nesse sentido, concluiu que um acórdão proferido pelo TJUE no âmbito de processo por incumprimento movido contra Portugal assume carácter vinculativo para o Estado Português e pode ser invocado como fundamento de recurso revisão ao abrigo da alínea f) do artigo 771º do CPC, verificados que sejam os demais pressupostos, nomeadamente a inconciabilidade com decisão interna transitada em julgado.

No entanto, na situação do caso, estava em causa um acórdão proferido pelo TJUE no âmbito de uma acção por incumprimento movido contra Portugal, que assume carácter vinculativo para o Estado Português (artigo 260.º do TFUE), o que não é aplicável quando se trata de acórdão proferido em reenvio prejudicial.

 

Acresce que, como se assinalou nos acórdãos proferidos nos processos n.º s 159/2019 e 161/2019, este último em que foi árbitro vogal o presente signatário, em situação similar à dos autos, os fundamentos de revisão de sentença previstos no artigo 696.º do CPC são taxativos e tratando-se de normas excepcionais que permitem eliminar a força do caso julgado, não são passíveis de aplicação analógica a situações não previstas.

 

Há assim lugar ao indeferimento liminar do recurso de revisão por não se verificar o pressuposto a que se refere o artigo 696.º, alínea f), do CPC, uma vez que a decisão do TJUE invocada como fundamento do recurso não deve ser entendida como tendo sido proferida por uma instância internacional de recurso.

 

3.            Termos em que se indefere o requerimento de recurso de revisão apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique.

 

Lisboa, 29 abril de 2021.

 

O árbitro

Henrique Nogueira Nunes

 

 

 

SUMÁRIO:

As prestações de serviços no âmbito do acompanhamento nutricional constituem prestações de serviços independentes na aceção da Diretiva IVA, que não dependem da apreciação, para efeitos de IVA, dos serviços de fitness ou de ginásio.

A opção pela subscrição do pacote completo constituído pelos serviços de fitness/ginásio e pelo acompanhamento nutricional, não implica a indissociabilidade da prestação dos mesmos, pois os serviços são prestados em âmbitos distintos no tempo e no espaço por pessoal diferente e em que o cliente do ginásio percepciona tratarem-se de duas prestações independentes e separadas.

Relativamente ao facto de nem sempre esses serviços serem efetivamente utilizados pelos clientes, tal não significa a descaracterização dos mesmos e a consequente perda do regime de isenção, pois a partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o cliente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços disponibilizados de ginásio/fitness).

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Dr. Henrique Nogueira Nunes, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 7 de Janeiro de 2020, acorda no seguinte:

 

1.                            RELATÓRIO

1.1. A..., LDA, pessoa coletiva número..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-..., ...- Matosinhos, adiante designada por “Requerente”, vem, por pedido de 17 de Outubro de 2019, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos conjugados do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. 

1.2. A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de IRC referente ao exercício de 2015, com os números 2019..., no valor de € 305,49, correspondente a IRC, no período compreendido entre 01-01-2015 a 31-12-2015; com o n.º 2019..., no valor de € 32,35, correspondente aos juros compensatórios, a título de IRC, no período compreendido entre 01-01-2015 a 31-12-2015; perfazendo um valor total de € 337.84.

1.3. Pretende, igualmente, a anulação dos seguintes actos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e respetivos juros compensatórios:

1.            Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 1.085,86, no período compreendido entre 01-02-2015 a 28-02-2015.

2.            Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 178,25, no período compreendido entre 01-02-2015 a 28-02-2015.

3.            Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 2.984,02, no período compreendido entre 01-03-2015 a 31-03-2015.

4.            Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 479,73, no período compreendido entre 01-03-2015 a 31-03-2015.

5.            Nº da compensação 2019..., no valor de € 3.776,94, no período compreendido entre 01-04-2015 a 30-04-2015.

6.            Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 594,37, no período compreendido entre 01-04-2015 a 30-04-2015.

7.            Nº da compensação 2019..., no valor de € 2.300,85, no período compreendido entre 01-05-2015 a 31-05-2015.

8.            Liquidação n.º 2019..., Nº de compensação 2019..., no valor de € 354,77, no período compreendido entre 01-05-2015 a 31-05-2015.

9.            Nº da compensação 2019..., no valor de € 2.179,74, no período compreendido entre 01-06-2015 a 30-06-2015.

10.          Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 328,69, no período compreendido entre 01-06-2015 a 30-06-2015.

11.          Nº da compensação 2019..., no valor de € 2.430,79, no período compreendido entre 01-07-2015 a 31-07-2015.

12.          Liquidação n.º 2019..., Nº de compensação 2019..., no valor de € 358,29, no período compreendido entre 01-07-2015 a 31-07-2015.

13.          Nº da compensação 2019..., no valor de € 1.969,57, no período compreendido entre 01-08-2015 a 31-08-2015.

14.          Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 283,40, no período compreendido entre 01-08-2015 a 31-08-2015.

15.          Nº de compensação 2019..., no valor de € 2.375,93, no período compreendido entre 01-09-2015 a 30-09-2015.

16.          Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 334,32, no período compreendido entre 01-09-2015 a 30-09-2015.

17.          Nº da compensação 2019..., no valor de € 2.100,83, no período compreendido entre 01-10-2015 a 31-10-2015.

18.          Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 288,70, no período compreendido entre 01-10-2015 a 31-10-2015.

19.          Nº da compensação 2019..., no valor de € 2.593,67, no período compreendido entre 01-11-2015 a 30-11-2015.

20.          Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 347,33, no período referido entre 01-11-2015 a 30-11-2015.

21.          Nº da compensação 2019..., no valor de € 2.213,45, no período compreendido entre 01-12-2015 a 31-12-2015.

22.          Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 289,14, no período compreendido entre 01-12-2015 a 31-12-2015.

Tudo (IVA e IRC) no valor total de € 30.996,81.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

1.4. Como fundamento da sua pretensão a Requerente alega vícios de ordem formal e de ordem material.

(i) Imputa vícios de errada qualificação dos rendimentos, vícios de falta de fundamentação de facto e de direito e violação do princípio de legalidade fiscal.

(ii) Entende que estão preenchidos os requisitos legais para estar isenta de IVA, quer em termos do previsto no artigo 9º do Código do IVA, quer no Decreto- Lei nº 261/93 de 24 de Julho, quer em termos das informações vinculativas emitidas pela Autoridade Tributária (nºs 3366 de 17-07-2012 e 9215 de 19-08-2015), alegando que os serviços prestados de nutrição e diatética se encontram isentos de IVA, por se tratarem de serviços paramédicos.

                (iii) E que a Autoridade Tributária, ao não concluir como referido e ao liquidar adicionalmente IVA, no ano de 2015, violou o artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, o qual dispõe que “Os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

                (iv) O mesmo entende que se verifica relativamente ao artigo 77.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, alegando que também este artigo foi violado pela Autoridade Tributária, aquando da inspeção tributária, já que o relatório final faz mera remessa para o projeto de relatório.

(v) E que a Autoridade Tributária violou o artigo 153.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), ex vi artigo 2.º, alínea c), da Lei Geral Tributária, porquanto a Autoridade Tributária fundamentou erradamente, de forma parcial e obscura o relatório final, que serviu de base para as liquidações adicionais em sede de IRC e de IVA que se seguiram.

(vi) E que, in casu, a fundamentação foi parcial e incompleta baseou-se em apenas e só em considerações e interpretações da Autoridade Tributária sem fundamentação e sem prova documental ou outra.

(vii) E que a Autoridade Tributária ignorou ainda as declarações que deveria ter recolhido junto dos sócios /clientes, em termos de beneficiar ou não do serviço de nutrição antes de concluir como concluiu no Relatório Final da Inspeção.

(viii) E que ao não ouvir âmbito desta inspeção os seus sócios, o nutricionista, nem o TOC, a Autoridade Tributária não atuou de forma a procurar a verdade material, nem ao abrigo do princípio da imparcialidade.

(ix) E com a sua actuação a Autoridade Tributária contradizeu a lei, em concreto, o artigo 9.º do CIVA e D. Lei nº 261/93 de 24 de Julho, em especial o nº 5 do Anexo ao D. Lei, ao chegar à conclusão de que os serviços de nutrição prestados não eram isentos de IVA.

(x) Face ao acima exposto, concluiu que houve falta de fundamentação da Autoridade Tributária no relatório final e consequentemente falta de fundamentação das correções propostas e das liquidações adicionais de IVA que se seguiram, e, por outro lado, que houve violação do princípio da legalidade fiscal.

(xi) Pois que os serviços de nutrição foram sempre contratualizados, prestados ou disponibilizados, entre si e os seus sócios/ clientes e faturados em conformidade.

(xii) Concluindo pela falta de fundamentação de facto e de direito e pela violação do princípio da legalidade fiscal e errada qualificação dos rendimentos, considerados os mesmos não isentos, quando efetivamente o são.

(xiii) E que a interpretação da Autoridade Tributária extravasa a letra da lei e, portanto, não é permitida, quanto à qualificação dos rendimentos, nos termos em que deveriam ter sido qualificados, ao abrigo do n.º 1 do artigo 9.º do CIVA, e do D. Lei nº 261/93 de 24 de Julho, em especial o nº 5 do seu anexo que refere que a diatética é aplicação de conhecimentos quer em situação de bem-estar, quer na doença, por isso os serviços de nutrição são isentos por prestados e /ou disponibilizados aos sócios clientes, que podem ou não usufruir deles, e por prestados quer numa situação e prevenção de doença, quer na própria doença.

(xiv) Pugna, a final, pela errónea qualificação dos rendimentos, já que as liquidações adicionais de iva não são devidas, porque isenta a actividade da nutrição, como actividade paramédica e, bem assim, por falta de fundamentação, por fundamentação insuficiente e parcial do relatório final, que deu origem às liquidações adicionais de IVA, dado que as conclusões retiradas pela autoridade tributária tiveram por base suposições erróneas de simulação contabilística, que no caso não ocorreu, e que não procurou conhecer as declarações dos sócios beneficiários do serviço de nutrição, nem do nutricionista nem do contabilista do sujeito passivo.

(xv) Devendo a Autoridade Tributária ser condenada a anular de todos e quaisquer processos de execução fiscal e de contra-ordenação, juros e coimas associados que correm contra si, e levantar o penhor por esta entretanto prestado para suspender os processos executivos por esta instaurada.

1.5. A Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, respondeu, em síntese, como segue:

(i) Vem defender-se por impugnação e requer a suspensão da instância até à decisão do TJUE no processo Frenetikexito, ao abrigo do processo n.º 504/2018-T, e que diz versar sobre matéria análoga, tendo o Tribunal Arbitral constituído nesse processo acedido a esse pedido.

(ii) E que ao abrigo do Princípio da Confiança Jurídica entende que impõe-se que o Tribunal suspenda a instância até pronúncia sobre as questões supra elencadas referentes ao processo pendente, uma vez que foram suscitadas dúvidas interpretativas em sede arbitral, sob pena do litígio em presença poder ser dirimido ao arrepio do direito da União Europeia, em violação do princípio do primado do direito europeu.

(iii) Já por impugnação, para além de reproduzir – in totum - excertos do RIT constante do processo administrativo, vem dizer que a fundamentação dos atos tributários que consta do RIT reflete o que tem sido a interpretação da AT sobre o âmbito de aplicação da isenção da alínea 1) do art.º 9.º do Código do IVA no que diz respeito aos serviços de nutrição, e traduz uma correta aplicação ao caso concreto do entendimento da Direção de Serviços do IVA (DSIVA).

(iv) Que as conclusões aduzidas pelos SIT estão em linha com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) mencionada no RIT, entre outra, que estabelece que deve ser efetuado o exercício específico de determinar se o sujeito passivo fornece uma prestação única num caso concreto em particular e de fazer todas as apreciações de facto definitivas quanto a isso, em obediência aos critérios facultados por este Tribunal quanto à identificação de uma operação complexa.

(v) Com efeito, alega que apenas devem ser vistas como independentes as prestações que não possam ser objetivamente consideradas indissociáveis ou acessórias relativamente à prestação principal, apresentando apenas um nexo artificial com a referida operação principal isenta do IVA.

(vi) Que os contratos efectuados entre a Requerente e os seus clientes são contratos inominados, sem qualquer discriminação de valores dos serviços, pelo que as contraprestações deles emergentes deveriam estar sujeitas à taxa normal do IVA, respeitante à prestação contratualizada relativa à atividade física/desportiva do ginásio.

(vii) Perante o método de faturação utilizado, de desdobramento da mensalidade/decomposição artificial do preço, sustenta que é inevitável e correta a distinção estabelecida pelos SIT, ou seja, consultas de nutrição versus acompanhamentos nutricionais faturados mensalmente pela Requerente de forma associada à mensalidade pela utilização das instalações físicas/desportivas, considerando, por esse facto, como uma atividade acessória à atividade física, como resulta também do seguinte ponto do RIT: “Analisando a faturação do sujeito passivo para o ano em análise, retira-se também que a componente de nutrição é faturada à quase totalidade dos clientes/sócios do A..., Lda. (99,2% em 2015) independentemente do tipo de contratos celebrados, pelo que está-se assim perante uma situação em que é incorporado, por defeito, a componente de nutrição nos pacotes apresentados aos clientes/sócios, simultaneamente com a componente de atividade física, tratando-se assim de um serviço unitário”.

(viii) No que se refere à atividade de nutricionista tem sido entendimento da AT que as prestações de serviços efetuadas por esses profissionais podem ser abrangidas pela isenção prevista na al. 1) do art.º 9.º do Código do IVA, na medida em que sejam cumpridas as condições enumeradas no Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho e no Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de agosto e se refiram a operações abrangidas no item 5 do anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93 (descrição prevista para a atividade de “dietética”).

(ix) E que os serviços relacionados com os cuidados de saúde devem ser entendidos como uma terapêutica necessária e com um propósito de prevenção, tratamento e, se possível, de cura das doenças ou outros distúrbios de saúde.

(x) Com base no que caracteriza estes serviços de “acompanhamento nutricional”, no caso concreto, não é, concomitantemente, admissível, alega, a sua subsunção na al. 1) do art.º 9.º do Código do IVA.

(xi) E que é assim decisivo para a aplicação da isenção prevista na alínea. 1) do art.º 9.º do Código do IVA, que estejam em causa serviços que se consubstanciem na administração direta dos cuidados de saúde ao utente, pressupondo que os mesmos sejam efetivamente realizados.

(xii) Não se inserindo no conceito de prestações de serviços médicos como tal definido na jurisprudência do TJUE, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista na alínea. 1) do art.º 9.º do Código do IVA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas, passíveis de tributação à taxa normal prevista no art.º 18.º do Código do IVA.

(xiii) Não é, também, no seu entendimento, de acolher a argumentação que foi seguida na decisão arbitral n.º 454/2017- T, de 2018-04-02, proferida pelo Tribunal Arbitral Tributário sobre IVA – Ginásios - Serviços de nutrição - “Pacotes” de serviços (CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa), pois que o argumento inovador em matéria de IVA de que os serviços faturados como serviços de acompanhamento nutricional, e, portanto, meramente disponibilizados e não efetivamente realizados, constituem uma prestação de meios e não de resultados não tem qualquer influência, em sede deste imposto, na natureza de uma prestação de serviços, que não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do direito de beneficiar das condições contratualizadas (conforme jurisprudência reiterada do TJUE, de que é paradigmático o recente acórdão de 2018-11-22, processo C-295/17).

(xiv) Sobre os vícios de errada qualificação dos rendimentos, de falta de fundamentação de facto e de direito e violação do princípio de legalidade fiscal, alega que não há falta de fundamentação do RIT que, como disse, reflete o que tem sido o entendimento da Direção de Serviços do IVA sobre a matéria, ou seja, de que somente devem ser reconhecidas como operações isentas de IVA, ao abrigo do disposto na al. 1) do art.º 9.º do Código do IVA, as respeitantes a consultas de nutrição efetivamente prestadas pelo nutricionista, constantes da sua agenda.

(xv) E que os valores faturados pela Requerente aos seus clientes a título de “acompanhamento nutricional” quando desacompanhados da prestação efetiva de consulta não podem ser consideradas operações isentas do imposto, por falta de intervenção do profissional competente.

(xvi) Pugna, a final, pela suspensão da instância até à decisão do TJUE no processo Frenetikexito, ou, não se entendendo assim, pela improcedência do pedido, por não provado.

 

1.6. Por requerimento apresentado a 24 de Fevereiro de 2020 veio a Requerente exercer o seu contraditório quanto à dispensa da prova testemunhal e indeferimento das declarações de parte suscitado pela Requerida na sua Resposta, e, bem assim, sobre o pedido de reenvio prejudicial para o TJUE.

1.7. Por despacho datado de 14 de Setembro de 2020, o Tribunal Arbitral determinou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT para o dia 1 de Outubro de 2020, com inquirição das testemunhas e depoimento de parte, por entender existir matéria com relevo para a decisão, passível de prova testemunhal.

1.8. Ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar Alegações simultâneas, querendo, tendo a Requerente optado por fazê-lo confirmando/reforçando a sua argumentação.

1.9. Foi fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral até ao dia 30 de Novembro de 2020, após uma prorrogação nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT.

 

                                                        * * *

 

                O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

                As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não foram identificadas nulidades no processo.

 2.           MATÉRIA DE FACTO

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

A) A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas, a qual tem por atividade, de acordo com as suas informações cadastrais, a seguinte: “ATIVIDADES DE GINÁSIO (FITNESS)”, com o CAE 93130 - Cfr. RIT junto aos autos.

B) A Requerente tem também como atividades no seu objeto social as seguintes: “OUTRAS ATIVIDADES DE SAÚDE HUMANA, N.E.”, com o CAE 86906, bem como “OUTROS ESTABELECIMENTOS DE BEBIDAS SEM ESPETÁCULO” com o CAE 56304 e “ART. DESPORTO” com o CAE 47640 - Cfr. RIT junto aos autos.

C) A Requerente dedica-se a duas atividades, essencialmente e a título principal, o ginásio (fitness) e igualmente a nutrição e diatética - Cfr. Declarações da Requerente não contrariadas pela Requerida.

D) A Requerente foi objeto de uma inspeção tributária no ano de 2019, com natureza externa, de âmbito parcial, em sede dos impostos de IRC e IVA, de acordo com a ordem de serviço n.º OI2017..., e que incidiu sobre o exercício de 2015 - Cfr. RIT junto aos autos.

E) No exercício da sua atividade, a Requerente proporciona aos seus sócios a prática de ginásio e diversos outros serviços, como Nutrição – Cfr. RIT e depoimento das testemunhas.

G) A Requerente no ano de 2015 (ano em causa nos autos) desenvolvia a sua atividade com a designação comercial inicial de “B...”, que mais tarde alterou para a denominação comercial de “A...”, atividade de nutrição e ginásio em ...- Matosinhos. Cfr. RIT junto aos autos.

H) Para fazer face ao dinamismo do mercado de fitness, a Requerente adicionou a componente da nutrição à sua oferta comercial - Cfr. Depoimento das testemunhas.

I) A Requerente introduziu mudanças que conduziram à introdução da oferta de serviços mais abrangentes, na área da saúde, entre eles, com especial destaque, a nutrição e a diatética – Cfr. Declarações da Requerente não contrariadas pela Requerida.

J) A Requerente procedeu a uma alteração do seu conceito enquanto ginásio, tendo passado de um conceito de ginásio dito do tipo tradicional FIT-CLUB para um HEALTH-CLUB - Cfr. Declarações da Requerente não contrariadas pela Requerida.

K) A Requerente desenvolveu e implementou no seu espaço de fitness serviços de nutrição e acompanhamento nutricional, através das consultas presenciais agendadas e não agendadas – Cfr Declarações da Requerente não contrariadas pela Requerida.

L) Os sócios / clientes da Requerente podiam optar por aderir ao pacote conjunto-fitness e nutrição ou ainda às mensalidades só de ginásio/fitness, ou só de nutrição, com consultas avulsas – Cfr. Declarações da Requerente não contrariadas pela Requerida e Depoimento das testemunhas.

M) O gabinete de nutrição da Requerente ocupa uma sala com 15 a 20 m2, mas com possibilidade de utilização de toda a área do ginásio/fitness para efeitos de consulta dinâmica – Cfr. Declarações da Requerente não contrariadas pela Requerida e Depoimento das testemunhas.

N) Decorre da NOP 002/2019 – Norma de Orientação Profissional: Atuação do Nutricionista em Estabelecimentos Destinados à Prática de Exercício Físico e Desporto – emitida pela Ordem dos Nutricionistas em 01.08.2019, cuja página 09 de 20 que expressamente refere: “A dimensão mínima requerida para um gabinete de consulta de nutrição deve ser de 7m2 e a porta de acesso deve ter uma largura mínima de 0,77m;” – Cfr. Documento n.º 8 junto pela Requerente.

O) Na altura da inspeção ao estabelecimento “A...” este possuía a designação comercial de “B...”, sendo os referidos serviços de nutrição prestados por um nutricionista, o Dr. D..., e sendo este licenciado em dietética e nutrição inscrito na Ordem dos Nutricionistas com a cédula n.º ...N, conforme resulta do contrato de trabalho celebrado com a Requerente, bem como dos documentos da segurança social e a declaração sob compromisso de honra do referido Dr. D...– Cfr. Documentos juntos pela Requerente com o seu pedido arbitral.

P) A Requerente encontrava-se inscrita em 2015 junto da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), com a denominação “A... Lda” – Cfr. Declarações da Requerente e RIT.

Q) A oferta de serviços da Requerente aos seus sócios consistia num pacote de serviços, o qual incluía a disponibilização de consultas de nutrição e o acompanhamento nutricional aos seus sócios, podendo os seus sócios/clientes acederem só à modalidade ginásio (“fitness”) e, igualmente, só nutrição, através de consultas avulsas – Cfr. Depoimento das testemunhas.

R) A Requerente fixava os preços que entendia por adequados à modalidade de ginásio e de nutrição, tendo, in casu, decidido na modalidade “...pioneiro” - de valor mensal de € 22,90 (IVA incluído) – de considerar 50% afecto à consulta de nutrição mensal que o sócio tinha direito e os restantes 50% à frequência de ginásio e sendo que a componente nutrição era facturada à quase totalidade dos seus clientes – Cfr. RIT.

S) A Requerente juntou diversas declarações dos seus sócios /clientes do Clube nas quais estes afirmam ter beneficiado nos meses de 2015 em causa no RIT de diversas consultas de nutrição mensais fornecidas pelo Requerente – Cfr. Documento n.º 17 junto pela Requerente com o seu pedido arbitral.

T) A Requerente junta um Parecer emitido pela Sra. Professora Doutora X…, a pedido da Associação Portuguesa de Ginásios-AGAP- Portugal Ativo - Cfr. Documento n.º 15 junto pela Requerente com o seu pedido arbitral e igualmente 2 PIV’s emitidos pela AT – Cfr. Documentos juntos pela Requerente com o seu pedido arbitral.

U) Do respetivo RIT junto aos autos pela Requerente e Recorrida consta a descrição dos factos fiscalmente relevantes que alteraram os valores declarados pela Requerente, meios de prova e fundamentação legal de suporte das correções efetuadas, nos termos do n.º 3 do art.º 62.º do Regime Complementar de Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), entre os quais se destacam os seguintes pontos transcritos infra:

“11.3.2.                Descrição da atividade exercida

Consultadas as informações cadastrais organizadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), verifica-se que a  A..., Lda. dedica-se de forma principal ao exercício da atividade com o código de atividade económica CAE) 93130 — "Atividades de ginásio (fitness)", desenvolvendo secundariamente a atividade de "Outros estabelecimentos de bebidas sem espetáculo" (CAE 56304), "Outras atividades de saúde humana, n.e."(CAE 86906) e "Comércio retalho artigos desporto, campismo e lazer, estabelecimentos especializados" (CAE 47640).

No contrato de sociedade, reportado a 2014-10-31, fixou-se que a mesma teria como objeto "Proporcionar ao público em geral ou a uma categoria determinada de utentes, a prática de atividades físicas e desportivas, comportando ainda instalações complementares e equipamentos específicos designadamente saunas e outros dispositivos de hidroterapia, que se destinam à prática individual ou coletiva de atividades físicas ou desportivas, em regime supervisionado ou livre, e dirigidas para a manutenção ou desenvolvimento da aptidão física, da saúde, da qualidade de vida, bem-estar e lazer ou treino de qualidades físicas".

Até à data da realização do projeto de relatório, não houve mais nenhuma alteração ao contrato de sociedade onde constasse a inclusão de atividades complementares relacionadas com a saúde humana, nomeadamente os serviços de acompanhamento nutricional.

 Na prática, tanto quanto nos foi dado a observar na visita ao espaço e tendo em consideração as alocações das áreas totais a cada uma das atividades oferecidas, bem como os equipamentos instalados, a entidade inspecionada dedica-se essencialmente à atividade de ginásio. Esta atividade é levada a cabo na ..., n.°..., ...-... ..., Matosinhos.

A designação comercial do estabelecimento, no ano em análise, era de "B...", no entanto no início de 2017 até à data, a designação comercial passou a ser "A...".

(….)

 

 1.3.5.    Breve análise dos valores declarados para efeitos de IRC

 

 

Apresenta-se de seguida a demonstração dos resultados por natureza, para o exercício de 2015, com vista à contextualização temporal dos valores no exercício alvo de análise.

Os valores declarados, pelo sujeito passivo, para efeitos de IRC, no ano em análise, de acordo com as declarações Modelo 22 e declarações anuais (IES) entregues são os seguintes:

Quadro 7:

Demonstração de Resultados    2015 (€)

Venda de produtos / Prestações de serviços       299.980,84

Subsídios à exploração  7.305,31

Outros rendimentos e ganhos   157,75

TOTAL DOS RENDIMENTOS         307.443,90

Custo mercadorias vendidas e matérias consumidas (CMVMC)  5.553,32

Gastos com o Pessoal    76.922,45

Fornecimento e serviços externos — FSE             201.570,05

Outros gastos e perdas 12.428,87

Juros e gastos similares suportados        1.053,59

Amortizações e ajustamentos do exercício          11.723,61

TOTAL DOS GASTOS       309.251,89

Imposto sobre o rendimento do período              45,00

RESULTADO LÍQ EXERCÍCIO         -1.852,99

Correções Quadro 07 Modelo 22              1.208,60

LUCRO /PREJUIZO TRIBUTÁVEL -644,39

 

Tendo em conta a análise dos quadros acima verifica-se que o sujeito passivo apresentou um prejuízo tributável no ano em análise no montante de 644,39 €.

De forma a obter este resultado, destacam-se do lado dos rendimentos as rubricas referentes às receitas provenientes de prestações de serviços relacionadas com o ginásio/fitness e nutrição que ascendem ao montante de 293.777,35 €, representando cerca de 95,5% da totalidade dos proveitos e ganhos do período em análise.

Do lado dos gastos, o fornecimento e serviços externos é a rubrica com maior peso na estrutura de gastos do sujeito passivo (65,2% da totalidade dos gastos). Dentro desta rubrica destaca-se os gastos incorridos pelo sujeito passivo em honorários, energia e fluidos e rendas e alugueres, que representam cerca de 89,1% dos gastos em fornecimento e serviços externos.

 

De realçar que na análise efetuada à rubrica de outros gastos e perdas, verificou-se a existência de gastos contabilizados na conta 68.1.2.01.02 — Outros gastos e perdas — Impostos — Impostos indiretos — Sobre o consumo — Imposto sobre o valor acrescentado, referente à afetação realizada pelo contribuinte do IVA dedutível e não dedutível, ou seja, era realizado uma afetação do IVA à área do ginásio e à área da nutrição. O montante global dos gastos assumidos pelo contribuinte nesta afetação e que tiveram um impacto direto na obtenção do resultado líquido negativo em 2015, ascendeu a 6.000,17€.

 

III. Descrição dos factos e fundamentos das correções de natureza meramente aritméticas

111.1. ISENÇÃO INDEVIDA — ACONSELHAMENTO NUTRICIONAL

111.1.1.                Enquadramento tributário

Vejamos então qual o enquadramento fiscal referente aos serviços de saúde em sede de IVA.

O IVA dá cumprimento ao compromisso, assumido no artigo 93° do Tratado que institui a Comunidade Europeia, de harmonização das legislações relativas aos impostos sobre o volume de negócios, aos impostos especiais de consumo e a outros impostos indiretos.

A Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa a harmonização das legislações sobre os Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios criou o Sistema comum sobre o valor acrescentado. Objeto de várias revisões, encontra-se atualmente em vigor o texto publicado através da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006.

Incluído no capítulo 2 — designado de "Isenções em benefício de certas atividades de interesse geraf' da Diretiva 2006/112/CE, o artigo 132° prevê-se a isenção de determinadas operação elencadas nas alíneas a) a q) do n.° 1.

No que respeita a serviços de saúde são duas as isenções previstas.

Na alínea b) do n.°1 do artigo 132° prevê-se as designadas isenções em meio hospitalar nos seguintes termos "A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos".

Quanto à alínea c) do n.° 1 do artigo 132° prevê-se as designadas isenções fora do meio hospitalar nos seguintes termos "As prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado—Membro em causa".

As isenções previstas no artigo 132° são de interpretação estrita, dado que constituem exceções ao princípio geral de tributação em IVA, não visam isentar de IVA qualquer atividade interesse geral, mas unicamente as que aí são enumeradas e descritas de maneira muito detalhada.

No caso presente, é notória a não aplicação da alínea b) do n.° 1 do artigo 132°, pelo que nos limitaremos a analisar a norma prevista a alínea c) do n.° 1 do artigo 132° da Diretiva 2006/112/CE.

A aceção de que a isenção prevista na alínea c) do n° 1 do artigo 132° da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006, opera independentemente da forma jurídica do sujeito passivo que fornece as prestações médicas ou paramédicas, isto é, tanto é aplicável às pessoas singulares como às pessoas coletivas, decorre necessariamente da interpretação desta disposição imposta pelo TJUE.

No acórdão de 10 de Setembro de 2002, proferido no processo C-141100 (caso Kugler, Colet. P. 1-6833, n.° 26) é afirmado, a respeito dessa disposição comunitária, que a mesma tem um carácter objetivo, definindo as operações isentas em função da natureza dos serviços prestados, sem mencionar a forma jurídica do prestador, pelo que basta tratarem-se de prestações de serviços médicos ou paramédicos e que sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.

Resulta da diversa jurisprudência emanada pelo TJUE que "as prestações de serviços de assistência", previstas na alínea c) do n.° 1 do artigo 132° da Diretiva 2006/112/CE, tenham como finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias da saúde, ou seja, terem finalidade terapêutica (acórdão de 06 de novembro de 2003, Dornier, Processo C-45/01, n.° 48).

Tal princípio de necessidade de finalidade terapêutica foi também expresso no acórdão de 14 de setembro de 2000, D., C-384/98, n.° 18 e n.° 22, em que se colocava a questão de saber se os serviços prestados por um médico na determinação da afinidade genética para efeitos de um processo de averiguação de paternidade, estavam isentas de IVA. A resposta dada por este acórdão foi inequívoca, no sentido na não isenção. No n.° 18 do referido acórdão declara-se que "conceito de «prestações de serviços de assistência» não se presta a uma interpretação que inclua as intervenções médicas conduzidas com um objetivo que não o de diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde." Concluindo no n.° 22 que a norma da alínea c) do no 1 do artigo 132° "deve ser interpretado no sentido de que não caem sob a alçada de tal disposição as prestações médicas que não consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer outra anomalia de saúde ..."

No direito interno as normas previstas nas alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 132a encontram-se transpostas nos n.°s 1) e n.° 2) do artigo 9° do CIVA.

As isenções em meio hospitalar no n.° 2 do artigo 9° do CIVA nos seguintes termos "as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares".

As isenções fora do meio hospitalar no n.° 1 do artigo 9° do CIVA nos seguintes termos "as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédica?.

A doutrina administrativa nacional no que se refere às operações previstas no n.° 1 do artigo 9° do CIVA, tal com a jurisprudência do TJUE, condiciona a isenção ao fim terapêutico da prestação de serviço, veja-se a informação vinculativa, processo n° 3251, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Diretor - Geral, em 2012-06-28, cuja fundamentação segue a linha de ideias invocadas no acórdão de 14 de setembro de 2000, D., C-384198, já aqui mencionado.

Quanto à definição de profissões paramédicas esta não se encontra regulada na legislação europeia, mas sim na legislação nacional.

Na legislação interna, o exercício das atividades paramédicas, encontra-se regulado no Decreto-Lei n.° 261/93, de 24 de Julho, sendo que estas, conforme o artigo 1° deste diploma, "compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação". O diploma dispõe em anexo de uma lista das atividades que podem ser consideradas enquanto tal.

O ponto 5 do anexo deste diploma inclui a atividade de dietética e defini-a como sendo a "aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares."

 O artigo 2° do referido diploma estabelece as condições necessárias para o exercício das atividades paramédicas, a titularidade de curso reconhecido nos termos legais e titularidade de carteira profissional. Para o caso da dietética, o respetivo curso ministrado em estabelecimento do ensino oficial ou particular ou cooperativo, bem como a inscrição na ordem dos nutricionistas.

O n.° 4 do artigo 4° do CIVA estabelece que "quando a prestação de serviços for efetuada por intervenção de um mandatário agindo em nome próprio, este é, sucessivamente, adquirente e prestador do serviço".

Decorre daqui que sendo a entidade inspecionada prestador de serviços de nutrição, terá forçosamente de ser adquirente desses serviços junto de profissionais inscritos na ordem dos nutricionistas

Adicionalmente, para o funcionamento de estabelecimento prestador de cuidados de saúde, de acordo com o previsto no Decreto-Lei n° 279/2009, de 06 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 164/2013 de 6 de Dezembro e nos termos do Decreto-Lei n° 127/2009, de 27 de Maio e da Portaria 52/2011, de 27 de Janeiro, é obrigatório o registo na Entidade Reguladora de Saúde (ERS).

De acordo com o disposto no n.° 1 do art.° 2.° do Decreto-Lei 279/2009, "a abertura ou funcionamento de uma unidade privada de serviços de saúde depende da obtenção de licença emitida pela administração regional de saúde (ARS) territorialmente competente..., e do registo na Entidade Reguladora da Saúde (ERS), nos termos do Decreto-Lei n.° 127/2009, de 27 de Maio."

O sujeito passivo informou, em auto de declarações de 03-01-2019, que está inscrito na ERS desde final 2014.

111.1.2.Atividade declarada versus atividade exercida

111.1.2.1. Quadro de pessoal e demais colaboradores

A realidade cadastral do sujeito passivo referida no ponto 11.3.2. também se encontra refletida no quadro de pessoal da empresa, entendido num sentido amplo, como o conjunto de pessoas a quem foram pagos rendimentos das categorias A e B (tal como são definidas no código do IRS).

Efetivamente do quadro de pessoal da empresa (rendimentos da categoria A), fazem parte 13 pessoas durante o ano de 2015.

Deste grupo de pessoas, destaca-se o Dr. D..., que em 5 de fevereiro de 2015 celebrou com a entidade inspecionada contratos de trabalho a termo certo resolutivo e tempo parcial para efetuar no ginásio A..." serviços de apoio nutricional aos clientes que frequentavam este estabelecimento.

Para além das pessoas que formalmente integram o quadro de pessoal, a entidade inspecionada socorreu-se ainda de 39 indivíduos em 2015, a quem pagou rendimentos da categoria B.

Com base nas declarações mensais de rendimentos (DMR) e modelo 10 entregues pela entidade inspecionada nos anos em análise relativamente aos rendimentos de categoria A e B, conclui-se que os encargos suportados pelo sujeito passivo referentes ao nutricionista representam em 2015 apenas 3,4% da totalidade dos encargos com pessoal suportado, conforme se pode verificar no quadro seguinte:

 

Quadro 8:

                2015      %

Nutricionista (Cat. A)      4.166,56               3,4%

Restante Pessoal (Cat. A, B)        119.973,20          96,6%

TOTAL   124.139,76          100,0%

 

 

Daqui conclui-se que das 52 pessoas em 2015 (39 pessoas categoria B + 13 pessoas categoria A) arregimentadas pela sociedade A..., Lda., para levar a cabo as prestações de serviços que faturou, apenas uma delas trabalhou como nutricionista.

111.1.2.2. Instalações e equipamentos

Tomando como fonte informativa o balancete analítico, verifica-se que, no ano em análise, a entidade inspecionada estava apetrechada com instalações e equipamentos com um valor contabilístico registado ou valor de aquisição de E 101.563,18 em 2015.

Analisados os mapas de reintegrações e amortizações, verificamos que praticamente a totalidade do investimento realizado pelo sujeito passivo, está relacionado com o setor de atividade do ginásio, nomeadamente através dos investimentos em máquinas e equipamentos de ginásio.

 111.1.2.3. Áreas afetas

De acordo com o sujeito passivo, o estabelecimento "A..." localizado na Praceta ..., n.° ..., ...-... ..., Matosinhos, no ano em análise, era composto por uma área coberta/interior de aproximadamente 1.300 m2 (composta da seguinte forma: receção, seis balneários - dois para clientes, 2 para staff e 2 para pessoas de mobilidade reduzida, três estúdios, sala de musculação/cardio, gabinete de médico/nutrição, dois gabinetes de avaliação física e um escritório).

O gabinete de nutrição onde se realizam as respetivas consultas ocupa apenas, entre 15 a 20 m2.

111.1.2.4. Análise dos valores declarados para efeitos de IVA

Em termos cadastrais, o sujeito passivo encontra-se enquadrado no regime normal mensal por opção com transações que conferem o direito à dedução. Os valores declarados para efeitos de IVA pelo sujeito passivo, encontram-se refletidos nos seguintes quadros:

Quadro 9:

Tmo da Vak,r     Janeiro 20113

(C)          Fevereiro

201618)                Marco 2015 (C) Abr1120161E)    Maio 2015 (C)   junho 2011 ( ( 1 Julho 2015 (41 Agosto 2016

18)         Setembro

20113(61             Outubro 2018

19)         Novembro

20113(g                Dezembro

201614)                ' TOTAL Declarado (6)

a».

Tributável           Taxa Inlarmádia                $             130.23   ISSO       116.71   91,35     67.13     100.19   9622       125.19   13758                103.71   119.05   85.85     1.24923

                Taxa Kbren 81    3             13 956.20            10.747.62             13 641.98            15 225.17            13 982.73             13 063.32   17 19475              11 467.54            12 126 46            3.323.03               16 363.94            11533.32              164 652»

                Op le a nua a/ doado à 4.a,cão               9             9703.64                1266.50                11.863.94             12 560.48                12.427,13             12565.00              12 93521              11.782,13             11 676.46            12 440,85             13.3W.36                12863.22              142 5a8.75

                kl 13. • Liquidado p/ Declara.     12           0.00       0.00        33 453,00            0.00       651000  900         0.00       0.00                0.00       900         0.00       0,00       40.C60,00

                Pr e e L Serv. len 9. Liquidado p/ 12e clara.          111         321.80   900         0,00       0.00       107.07   0,00       0.00                0,00       0,00        900         0,00       0,00       426,67

                TOTAL   90.2        24.111.67            19.131,31            69327,33              211Q0   33.164,04            '2,14.M 36,225,21                23.354,96             24 07250              26 $10,39            .               23.193,96            26.455.42            349,144,64

impo.,

Licp.ndado         Ta. Inte no Edia 11           17.07    15,31     15.40     12.05     11,47     13.21     12.58     1941       6.92       1403     

15,75     11,72     163.98

                Taxa Normal      4             3 206 97              2 470.30               3182.48                35.6l      3217,69                3T6.05   3 95421    2637.31                2 785,59               3 C63,76              3752.14                1112.41                37 905.41

                Ala .. Liquidado p/ Declara.         13           0.00       0,00        7 700,40               0.00       1511.10                0.00       0.00                900         0.00        900         0,00       0.00       9211.50

                Pr e el. Serv. trop. Liquidado p/ Declara.               17           73.97     000         0.00       0.00       24 63     0,00       0,00                000         0,00        0.00       900         0.00       9910

                Re gulariaap6a s               41           900         20925    296.69   3.67       7.10       1630      0,00       0.00        0.00       13.07                900         16729    732.57

                Quadro 4 . Ana xo 1        85           0,00       0,00       0.00        900         2.06       900         2,42       0,00        0,00       0,00                900         0,00        4.50

                TOTAL   92           3.29901

106935  ' 2191.0

259.19   11.197,17

6.765.34               3 51963

503.75   4 774,07

1111.19                ., 3.03754

271.10   3.989,21

0,00       ....2 463,72

0.00       ,              2.797,61

0,00       339994

0,00       3 77049

0,00       9311,42

000         4911856

14 505.42

Impo.*

04 duzido            Imobilizado        20                                                                                                                                                                                                      

                Faial t.x. Inlerm adia       23           9.42       9.93       535         3,76       9.77       172         9.13       7,06        7,30       1.91                10.50     154         61.62

                Exi st Taxa Normal           22           7 7 .02  137,41   4979       43.36     5051      0,00       2220      000         33.33     900                32,91     0.00        450.53

                Outro. bana e serviço    24           1 23905                553.77   1.328,21               1.158.46               976.41   675.61   73831                705,70   510.17   806.14   453,00   801,29   10 248.64

                Reg. 1    Suj. ito Paz a Ivo               40           117,47   43,78     95,07     29.00     223.53   43.20     106,13   15.17     6.93                24,14     55,58     13.69     51902

                %porta pardo anta rior  II             2 440,06               3654.86                2,266.85               1.327.47               0,00       000                0.00       0,00        900         0,00       0.00       0,00       0.00

                TOTAL   kl             6.962,67               4955,74                12132454             1044W  2.386,41               9114,13                875,22                727,173                139751  832,24   662,07 '                $111,72 '             313.730.27 '

In, po. to a 5.4016            33           900         0,00       900         44999    1.39966                2.043.43               3.013853                1.325,79               213970  225970  3 22652                2.432,70               111 670»

Impo.. a Recuperar         94           1.954,86               2.294.09               1221,47                900         0,00       0,00        0.00       0,00                0»           0,00        0.00       0,00      

Ne Po,. 9.0.P.     '               38           165453  , 2298.6                1327,47 ,             O»          ..,            ....900 ›.,..           , ›... 0,00              , 050 , , 0,00       „              0,00       0»           ,              0,00       0,00        ,

                Sarviços da Conatu cio civil          102110  0.00       596.87   330.00   1.500.00               900         0,00        0,00       479,17                900         900         900         0,00       2905M

                Soma 0o Quadro 054      '               loe..73  0.00 <   ~e .>      ...'300,06             .'             '3.5)0.00"r-         -"r" 0,00               '               900         ' '-'          6190     ''              9.-17‘"« ',            o,Ocl      ''              000         900         0,00       3.90554

 

Foi efetuado a comparação dos valores contantes dos ficheiros SAFT's da faturação entregues pelo sujeito passivo, com os valores constantes da contabilidade onde não foram detetadas divergências materialmente relevantes.

Os valores evidenciados no campo 9 (operações isentas sem direito à dedução) das declarações periódicas de IVA, correspondem a valores cobrados aos clientes/sócios relativamente às prestações de serviços de nutrição, em que o sujeito passivo não liquidou IVA por alegadamente se tratarem de operações isentas enquadradas na alínea 1) do art.° 9.° do CIVA. Por outro lado, pelos serviços relacionados com as "atividades de bem-estar físico" (ginásio) o sujeito passivo liquidou o IVA à taxa normal de 23%. Adicionalmente, os montantes inscritos no campo 5 (taxa intermédia) são referentes à venda de produtos sujeitos à taxa de 13% nomeadamente a venda de garrafas de água.

Contrariando a informação cadastral prestada pela sociedade A..., Lda., assim como a composição do seu "quadro de pessoal", a afetação das instalações e dos equipamentos e ainda as atividades oferecidas, a faturação do sujeito passivo evidencia que a atividade isenta tem um peso significativo no volume de negócios da sociedade: 46,81% em 2015 conforme se pode verificar no quadro seguinte:

Quadro 10:

               

                2015

(€)          %

Taxa Intermédia - Vendas de produtos vários     1.244,99               0,41%

Taxa normal Madeira - Comissão vendas              37,13     0,01%

Taxa normal - Vendas de produtos vários             6.152,87               2,04%

Taxa Normal - Ginásio    152.630,62          50,72%

Op. Isentas s/ direito à dedução - Nutrição          140.861,36          46,81%

Total Base tributável      300.926,97          100,00%

 

 

Da faturação depreende-se que a entidade inspecionada apresenta um perfil que se enquadra ao de um sujeito passivo misto. Espelho disto são os mapas que se retirou da contabilidade do contribuinte, os mapas em questão eram efetuados com uma periodicidade mensal pelo seu contabilista certificado, nos quais realizava a afetação do IVA dedutível e não dedutível, ou seja, era realizado uma afetação do IVA que estava afeto à área do ginásio e à área da nutrição.

Da análise a esses mapas retira-se que nos anos objeto de análise o contribuinte deduziu praticamente a totalidade do IVA suportado na aquisição de bens e serviços, considerando que as mesmas estão afetas ao setor sujeito a IVA — ginásio, conforme se pode verificar no quadro seguinte.

Quadro 11:

Descrição

2015 (€)               %

IVA dedutível    26.100,90             81,31%

IVA não dedutível           6.000,17               18,69%

TOTAL   32.101,07             100,00%

 

No entanto, tal comportamento (dedução de praticamente a totalidade do IVA suportado na aquisição de bens e serviços), contraria completamente a faturação emitida, em que a componente isenta tem um peso muito significativo na globalidade do volume de negócios.

111.1.2.5. Tabela de preços e contratos de adesão

111.1.2.5.1. Tabela de preços

De acordo com os esclarecimentos prestados pelos responsáveis da sociedade, a mensalidade paga pelos clientes inclui uma parcela referente à frequência do ginásio bem como uma outra parcela relativa à frequência das consultas de nutrição que os clientes/sócios tem direito mensalmente, incluindo os valores de IVA correspondentes.

Quando questionado o sujeito passivo para apresentar a tabela de preços de 2015, este informou que não tem na sua posse a tabela de preços para o ano em análise.

No entanto, mais declarou que a maioria dos montantes cobrados aos clientes seria de aproximadamente 22,90 € por mês caso os clientes optassem por um pagamento através de débito direto ou transferência bancária.

A distribuição dos montantes faturados aos clientes entre a componente de ginásio e a componente de nutrição é de 50%-50%.

Esta distribuição foi confirmada após consulta ao SAFT-Faturação, em que se verificou que as faturas

emitidas referentes às mensalidades, trimestralidades ou anualidades faturadas e comunicadas pela empresa à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), contêm sempre e de forma indiscriminada duas parcelas:

                Uma parcela sujeita à taxa normal de IVA de 23% referente à utilização do espaço (com uma percentagem de 50%);

                Outra parcela isenta de IVA nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 9° do CIVA e relativa a consulta de nutrição (com uma percentagem de 50%).

Tendo em conta o exposto, o valor atribuído às consultas de nutrição ou acompanhamento nutricional varia em função da modalidade escolhida pelo cliente e consequentemente do valor a pagar que no geral corresponde a cerca de 50% do valor total, ou seja, o valor da consulta de nutrição não tem um valor fixo e é determinado em função da opção do cliente. Sendo assim, está-se perante um valor para a consulta de nutrição perfeitamente arbitrário.

111.1 .2.5.2. Contratos de adesão/Fichas de inscrição

Para a frequência nos estabelecimentos do sujeito passivo, os seus clientes tornam-se sócios do "B..." (identificação comercial da empresa no ano em análise), mediante a assinatura de um contrato de adesão, pagamento de inscrição e suportando uma mensalidade, semestralidade ou anualidade, paga de forma antecipada, cujo valor depende essencialmente dos serviços disponibilizados pela entidade inspecionada, do n.° de vezes ou horários que os clientes/sócios têm direito de frequentar os estabelecimentos comerciais do sujeito passivo e das modalidades de pagamento (transferência mensal, semestral ou anual, débito bancário ou pagamento ao balcão).

Os contratos celebrados com os clientes incluem: acesso dos clientes ao ginásio tendo em conta a periodicidade contratada, avaliações/reavaliações físicas aos clientes e acesso dos clientes às várias aulas/modalidades promovidas pelos ginásios (cyding, bodypump, bodycombat, etc).

No decurso do procedimento inspetivo solicitámos ao responsável da empresa, cópia dos contratos de adesão estabelecidos com os clientes.

Analisados os contratos, constata-se que apenas indicam o valor global da mensalidade contratualizada, correspondente ao valor do cartão escolhido pelo cliente, não ocorrendo qualquer discriminação de valores atribuídos a ginásio e nutrição, sendo essa repartição efetuada apenas no momento da faturação, de um modo unilateral, pela entidade inspecionada, como se pode verificar no exemplo seguinte representativo dos contratos celebrados no ginásio:

 

(…)

 

Assim, o sujeito passivo contratualiza com o cliente uma prestação única, não ocorrendo qualquer discriminação de valores atribuídos a ginásio e nutrição, sendo essa repartição efetuada apenas no momento da faturação, de um modo unilateral, pela entidade inspecionada.

111.1.2.6. Faturação a clientes

Conforme exposto no ponto anterior, o sujeito passivo contratualiza com os seus clientes uma mensalidade única, sem discriminação de valores referentes a ginásio e nutrição. No entanto, o que se verifica na prática é que na faturação há uma posterior manipulação, pelo sujeito passivo, destes montantes através da desagregação dos preços contratualizados com os clientes em duas parcelas distintas, com regimes de IVA diferenciados. Com base no exemplo do ponto anterior, essa desagregação é efetuada da seguinte forma:

1.            Primeira parcela no montante de € 11,45 por mês relativo à consulta de nutrição - o sujeito passivo considera esta parcela como isenta de IVA, ao abrigo da alínea 1) do art.° 9•0 do CIVA;

2.            Segunda parcela que corresponde a € 11,45 por mês que sujeito passivo atribuí à frequência do ginásio - esta parcela foi sujeita à taxa normal de IVA de 23%, prevista na alínea c) do n.° 1 do artigo 18° do CIVA.

As únicas exceções à prática anteriormente exposta, tratam-se das frequências nas aulas de Hip Hop infantil, denominada por "Cartão Hip Hop Infantil", neste caso o sujeito passivo cobrou IVA à taxa normal de 23% pela totalidade dos montantes cobrados, pelo que não houve posterior manipulação destas verbas através da desagregação em duas parcelas distintas com regimes de IVA diferenciados.

Com base na análise aos procedimentos de faturação (ver quadro seguinte), é possível verificar o anteriormente exposto:

Ano       Mês       Descrição Produto          Faturação sem

IVA (€)  IVA (E)  Faturação com

IVA (€)

2015      1             AVALIAÇÃO FÍSICA          7,32       1,68       9,00

2015      1             ... PIONEIRO      9,31       2,14       11,45

2015      1             NUTRIÇÃO ...     11,45     0,00       11,45

2015      1             SEGURO SEMESTRAL      6,50       1,50       8,00

Total janeiro      34,58     5,32       39,90

2015      2             ...PIONEIRO       9,31       2,14       11,45

2015      2             NUTRIÇÃO ...     11,45     0,00       11,45

Total fevereiro 20,76     2,14       22,90

2015      3             ... PIONEIRO      9,31       2,14       11,45

2015      3             NUTRIÇÃO ...     11,45     0,00       11,45

Total março       20,76     2,14       22,90

2015      4             ... PIONEIRO      9,31       2,14       11,45

2015      4             NUTRIÇÃO ...     11,45     0,00       11,45

Total abril           20,76     2,14       22,90

2015      5             ...PIONEIRO       9,31       2,14       11,45

2015      5             NUTRIÇÃO ...     11,45     0,00       11,45

Total maio          20,76     2,14       22,90

2015      6             ... PIONEIRO      9,31       2,14       11,45

2015      6             NUTRIÇÃO ...     11,45     0,00       11,45

Total junho        20,76     2,14       22,90

2015      7             ... PIONEIRO      9,31       2,14       11,45

2015      7             NUTRIÇÃO ...     11,45     0,00       11,45

2015      7             SEGURO SEMESTRAL      6,50       1,50       8,00

Total julho          27,26     3,64       30,90

2015      8             ...PIONEIRO       9,31       2,14       11,45

2015      8             NUTRIÇÃO ...     11,45     0,00       11,45

Total agosto      20,76     2,14       22,90

2015      9             ...PIONEIRO       9,31       2,14       11,45

2015      9             NUTRIÇÃO ...     11,45     0,00       11,45

Total setembro 20,76     2,14       22,90

2015      10           ... PIONEIRO      9,31       2,14       11,45

2015      10           NUTRIÇÃO ...     11,45     0,00       11,45

Total outubro   20,76     2,14       22,90

2015      11           ... PIONEIRO      9,31       2,14       11,45

2015      11           NUTRIÇÃO ...     11,45     0,00       11,45

Total novembro               20,76     2,14       22,90

2015      12           ... PIONEIRO      9,31       2,14       11,45

2015      12           NUTRIÇÃO ...     11,45     0,00       11,45

Total dezembro 20,76     2,14       22,90

 

Como se pode atestar no quadro acima, as somas das duas parcelas com as designações "... Pioneiro" e "Nutrição ..." perfazem o montante contratualizado com a cliente, ou seja, 22,90€.

Coloca-se ainda a questão de saber, se as operações subjacentes aos serviços contratados são constituídas por uma prestação de serviços única ou por duas prestações de serviços distintas e independentes, que importa apreciar separadamente para efeitos de IVA.

Em matéria de IVA, as regras vigentes em cada um dos Estados-Membros têm por base a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006. Pelo que importa responder à questão colocada tendo em conta a posição da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

A este respeito, a jurisprudência emanada pelo TJUE, consagra que se está em presença de uma prestação única quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indivisível, que seria artificial separar.

Está-se também, de acordo com a jurisprudência do TJUE, perante uma única prestação de serviço quando uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e a outra ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias, a que se aplica o tratamento fiscal da prestação principal.

Em particular, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas um meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador.

Pelo que importa averiguar os elementos característicos da operação em causa2 para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações principais distintas ou uma prestação única.

Analisemos então a características das operações, procurando perceber a sua razão económica.

Em termos da estrutura da sociedade em apreço, verificamos que a quase totalidade dos gastos estão associados ao setor sujeito a IVA (ginásio), sendo que os gastos afetos ao setor isento de IVA (nutrição) são reduzidíssimos:

 

Quadro 13:

Descrição            2015(€) %

Gastos setor sujeito a IVA (ginásio)         266.030,98          86,02%

Gastos setor isento de IVA (nutrição)     43.220,91            13,98%

TOTAL   309.251,89          100,00%

 

Para os montantes dos gastos afetos ao setor isento (nutrição) foram tidos em conta os gastos com as remunerações do nutricionista assim como os gastos patentes nos mapas da contabilidade do contribuinte, onde era realizado a afetação dos gastos relativos à área do fitness e a área da nutrição e, finalmente, o IVA que foi considerado pelo contribuinte como afeto à nutrição, ou seja, o IVA não dedutível que se encontra contabilizado na conta de gastos 68.1.2.01.02 — Outros gastos e perdas — Impostos — Impostos indiretos — Sobre o consumo - IVA.

Analisados os mapas de reintegrações e amortizações, verificamos que praticamente a totalidade do investimento realizado pelo sujeito passivo, está relacionado com o setor de atividade do ginásio, nomeadamente através dos investimentos em máquinas e equipamentos de ginásio pelo que a os gastos com amortizações e ajustamentos do exercício estão considerados no setor sujeito a IVA (ginásio).

No que diz respeito aos rendimentos da sociedade, tendo em conta o SAFT Faturação, os valores referentes ao setor sujeito a IVA e ao setor isento são bastante diferentes dos apresentados no quadro anterior referente aos gastos:

Quadro 14:

Descrição            2015 (€)               %

Rendimentos setor sujeito a IVA (ginásio)            160.065,61          53,19%

Rendimentos setor isento de IVA (nutrição)        140.861,36          46,81%

TOTAL   300.926,97          100,00%

 

Ora, o que se verifica na entidade inspecionada é que aquando dos outputs a formação do preço é completamente desvirtuada. Um setor isento da nutrição que nos inputs tem um peso de 13,98% em 2015, passa nos outputs para um peso de 46,81% 2015, situação desvirtuada de qualquer racionalidade económica.

Com base no exposto, a realidade patente na estrutura de gastos, é diametralmente oposta à verificada na análise aos rendimentos da sociedade.

Esta análise, para além de evidenciar um negócio desvirtuado de qualquer racionalidade económica, indica que o negócio principal do sujeito passivo é efetivamente o ginásio (sujeito a IVA a 23%) e não a nutrição, pois ao contrário dos rendimentos (que podem ser manipulados pelo sujeito passivo através das tabelas de preços, de forma a dar uma maior importância à componente de nutrição e assim beneficiar da isenção de IVA), a estrutura de custos não é tão facilmente manipulável.

111.1.2.7. Faturação — Ginásio e Nutrição

Após consulta ao SAFT-Faturação do ano de 2015, o sujeito passivo apresenta os seguintes valores, ao nível das transações sujeitas a IVA e ao nível das transações isentas de IVA:

Quadro 15:

                Sujeito (€)           Isento (€)            TOTAL (€)

2015      160.065,61          140.861,36          300.926,97

%            53,19% 46,81%  100,00%

 

 

(…)

 

111.1.2.8. Prestação de serviços de nutrição

O colaborador que prestou os serviços de aconselhamento nutricional durante o ano de 2015, foi o seguinte:

• Dr. D..., NIF ..., inscrito na Ordem dos Nutricionistas com o n.° ...N.

Para a realização das consultas de nutrição, o sujeito passivo celebrou em fevereiro de 2015 um contrato de trabalho a termo certo resolutivo e tempo parcial com o nutricionista em questão, no qual encontra-se definido um salário mensal de 280 € para um horário de trabalho de 20 horas semanais.

A atividade de nutrição (consultas e acompanhamento) são prestadas nas instalações do sujeito passivo, mais propriamente no gabinete de nutrição. As consultas de nutrição são realizadas sob uma pré-marcação, não existindo um horário pré-definido.

(…)

 

CONCLUSÃO:

Assim é possível concluir estarmos perante operações cuja natureza foi simulada, para efeitos de enquadramento tributário, ainda que parcialmente, não correspondendo tais faturas a operações que tenham tido efetivamente lugar, pelo menos nos termos que decorrem das mesmas faturas.

Daqui resulta a invalidação das faturas como suporte comprovativo dos requisitos para o direito à isenção, uma vez que foram faturadas prestações de serviços de aconselhamento nutricional que não poderiam ter existido.

É jurisprudência assente que o ónus da prova da verificação dos requisitos à isenção de imposto recai sobre quem a invoque. A este propósito veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 7/6/2011 (Processo: 04434/10), de que se passa a citar um excerto.

"Que cabia à ora recorrente o ónus da prova da verificação destes requisitos para conferir o direito a tal isenção de imposto nessas operações, nem a mesma vem, diretamente, colocar em causa, tendo aceite a fundamentação da sentença recorrida, aliás, fundada em doutrina e jurisprudência que igualmente assim têm entendido, cujo ónus bem se compreende, como direito a que se arroga, nos termos do disposto no art.° 74.°, n.° 1 da LGT, que sobre os respetivos factos constitutivos produza a pertinente prova em ordem a demonstrar a respetiva existência — cfr. art.° 341.° do Código Civil — o qual assenta, em critérios de disponibilidade e de facilidade probatória ..."

Acerca da repartição do ónus da prova, em resultado disposto no art.° 74.°, n.° 1 da LGT, veja-se ainda, entre muitos outros, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 24/01/2017 (Processo: 01744/07.1BEPRT).

Sendo assim, o sujeito passivo faturou consultas de nutrição que não foram efetivamente prestadas. A referência nas faturas a "Nutrição" corresponde na realidade, a uma disponibilização do direito de usufruir de uma consulta de aconselhamento nutricional mensal, não a uma consulta realizada.

Esta mera disponibilização dos serviços (direito de usufruir de uma consulta) não se insere no conceito de prestação de serviço médico ou paramédico, conforme descrito no ponto 111.1.1 deste relatório, pois tais serviços não tiveram em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, não existe finalidade terapêutica, pelo que não está isenta de imposto ao abrigo alínea 1) do artigo 9° do CIVA.

Assim sendo, e face ao que antes se deixou escrito, fica demonstrado que a sociedade A..., Lda. isentou indevidamente uma parte do valor dos serviços que faturou a título de serviços de nutrição.

 

111.2. GASTOS REFERENTES AO IVA NÃO DEDUTIVEL

Conforme referido anteriormente, a entidade inspecionada assumiu um perfil que se enquadra ao de um sujeito passivo misto. Espelho disto são os mapas existentes na contabilidade do contribuinte, os mapas em questão eram efetuados com uma periodicidade mensal pelo seu contabilista certificado, nos quais realizava a afetação do IVA dedutível e não dedutível, ou seja, era realizado uma afetação do IVA que consideraram relativo à área do ginásio e à área da nutrição.

Os gastos considerados pela entidade inspecionada como IVA não dedutível, foram contabilizados na conta de gastos 68.1.2.01.02 — Outros gastos e perdas — Impostos — Impostos indiretos — Sobre o consumo — IVA e ascenderam a um total, em 2015, de 6.000,17€ distribuídos da seguinte forma:

Quadro 23:

Período Conta 68.1.2.01.02 — Outros

gastos e perdas — Impostos —

Impostos indiretos — Sobre o

consumo - IVA (€)

Janeiro 342,86

Fevereiro            360,31

Março   631,87

Abril      403,63

Maio     470,67

Junho   645,87

Julho     382,88

Agosto 669,91

Setembro           404,02

Outubro              659,39

Novembro         326,30

Dezembro          702,46

TOTAL   6.000,17

 

Tendo em conta a conclusão no presente projeto de relatório que a sociedade A..., Lda. isentou indevidamente uma parte do valor dos serviços que faturou a título de serviços de nutrição, também se retira que o sujeito passivo considerou indevidamente como gasto o IVA suportado na aquisição de bens e serviços, considerando que estas aquisições estavam afetas ao setor isento de IVA — nutrição.

Sendo assim, o montante contabilizado na conta de gastos 68.1.2.01.02 — Outros gastos e perdas — Impostos — Impostos indiretos — Sobre o consumo — IVA que ascende a um montante global de 6.000,17 €, não pode ser considerado para o cálculo do lucro tributável do período em análise.”.

V) A Requerente exerceu o seu direito de audição sobre o projecto de RIT, o qual, depois de apreciado, não foi susceptível de levar à alteração da decisão por parte da AT – Cfr. Documento n.º 1 junto pela Requerente com o seu pedido arbitral.

W) Na sequência foi a Requerente notificada do Relatório de Inspeção, no qual a AT concluiu que as prestações de serviços de nutrição realizadas pela Requerente aos seus sócios/requerentes devem ser consideradas acessórias em relação à prestação de serviços principal, constituída pela utilização das instalações desportivas (ginásio) e, por essa razão, não podem beneficiar da isenção de IVA considerada pela Requerente e que, por outro lado, se trataram de uma mera disponibilização de serviços (direito de usufruir de uma consulta) que não foram prestadas na sua grande maioria– cf. RIT.

X) Subsequentemente, a Requerente foi notificada dos seguintes actos tributários, no montante total de € 30.996,81, a seguir discriminados:

 -             Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 1.085,86, no período compreendido entre 01-02-2015 a 28-02-2015.

 -             Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 178,25, no período compreendido entre 01-02-2015 a 28-02-2015.

 -             Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 2.984,02, no período compreendido entre 01-03-2015 a 31-03-2015.

 -             Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 479,73, no período compreendido entre 01-03-2015 a 31-03-2015.

 -             Nº da compensação 2019..., no valor de € 3.776,94, no período compreendido entre 01-04-2015 a 30-04-2015.

 -             Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 594,37, no período compreendido entre 01-04-2015 a 30-04-2015.

 -             Nº da compensação 2019..., no valor de € 2.300,85, no período Compreendido entre 01-05-2015 a 31-05-2015.

 -             Liquidação n.º 2019..., Nº de compensação 2019..., no valor de € 354,77, no período compreendido entre 01-05-2015 a 31-05-2015.

 -             Nº da compensação 2019..., no valor de € 2.179,74, no período compreendido entre 01-06-2015 a 30-06-2015.

 -             Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 328,69, no período compreendido entre 01-06-2015 a 30-06-2015.

 -             Nº da compensação 2019..., no valor de € 2.430,79, no período compreendido entre 01-07-2015 a 31-07-2015.

 -             Liquidação n.º 2019..., Nº de compensação 2019..., no valor de € 358,29, no período compreendido entre 01-07-2015 a 31-07-2015.

 -             Nº da compensação 2019..., no valor de € 1.969,57, no período compreendido entre 01-08-2015 a 31-08-2015.

 -             Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 283,40, no período compreendido entre 01-08-2015 a 31-08-2015.

 -             Nº de compensação 2019..., no valor de € 2.375,93, no período compreendido entre 01-09-2015 a 30-09-2015.

16.          Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019 ..., no valor de € 334,32, no período compreendido entre 01-09-2015 a 30-09-2015.

 -             Nº da compensação 2019..., no valor de € 2.100,83, no período compreendido entre 01-10-2015 a 31-10-2015.

 -             Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 288,70, no período compreendido entre 01-10-2015 a 31-10-2015.

 -             Nº da compensação 2019..., no valor de € 2.593,67, no período compreendido entre 01-11-2015 a 30-11-2015.

 -             Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 347,33, no período referido entre 01-11-2015 a 30-11-2015.

 -             Nº da compensação 2019..., no valor de € 2.213,45, no período compreendido entre 01-12-2015 a 31-12-2015.

 -             Liquidação n.º 2019..., Nº da compensação 2019..., no valor de € 289,14, no período compreendido entre 01-12-2015 a 31-12-2015.

Cfr. Documentos juntos pela Requerente com o seu pedido arbitral.

Y) Em discordância com as liquidações de IVA e de IRC identificadas supra, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 17 de Outubro de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

3.            FACTOS NÃO PROVADOS

                Não existem outros factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.

 

 4.           FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

                Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

                De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pela Requerente enquanto autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).

                Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos e, sempre que aplicável, nos depoimentos das testemunhas inquiridas, em particular do sócio-gerente da Requerente, E..., e dos colaboradores à data dos factos tributários em causa nos autos, D... e F..., G..., TOC da Requerente a partir de 2017, mas que acompanhou a inspecção tributária em causa nos autos e de uma cliente da Requerente à data, H... .

No primeiro caso, o depoimento de parte do sócio-gerente da Requerente o qual declarou que era possível aos sócios do Ginásio adquirir só serviços de ginásio, só nutrição ou ambos combinados, e que o Ginásio tinha uma área específica dedicada apenas à nutrição, e que em certos planos o sócio tinha direito a uma consulta mensal de nutrição. No segundo caso, a testemunha foi colaborador da Requerente entre 2015 a 2017, sendo seu nutricionista, tendo declarado que realizava consultas de nutrição no ginásio, em espaço próprio para o efeito, embora nem todos os sócios contactados acabassem por realizar as referidas consultas, e que era possível marcar no ginásio consultas de nutrição para sócios e não sócios. A terceira testemunha é Directora Técnica e coordenadora dos professores de ginásio da Requerente, tendo declarado que a maioria dos sócios queriam a nutrição aquando da inscrição no ginásio e que as actividades de ginásio e de nutrição eram percepcionadas pelos sócios como sendo prestações distintas. A quarta testemunha, G..., declarou que a nutrição e ginásio estavam separados na factura disponibilizada ao cliente e que 50% do valor do plano mensal proposto aos sócios estava afecto à nutrição e os restantes 50% afectos ao ginásio. A quinta testemunha, cliente do ginásio desde 2014/2015, sendo sócia pioneira, declarou que um dos seus objectivos principais por frequentar o ginásio passava por ter igualmente acesso a nutrição e que tinha as consultas no ginásio, usufruindo pelo preço de € 22,90 de acesso ao ginásio e de consultas de nutrição.

Os respetivos depoimentos foram objetivos, consistentes e revelaram conhecimento dos factos relatados.

Os depoimentos foram consensuais no sentido da confirmação da criação de uma área de negócio autónoma, de nutrição, a somar a já existente de ginásio, bem como da utilização de profissional inscrito na Ordem dos Nutricionistas para poder exercer essa actividade. As testemunhas descreveram em que é consistia a actividade de nutrição e como esta ocorria e que foi intenção da Requerente oferecer um serviço de wellness aos seus sócios consistindo este em vários serviços, que não só o da frequência de ginásio.

 

5.            DO DIREITO

Antes de se entrar na apreciação da questão central em causa nos autos, cumpre apreciar o pedido formulado pela Requerida de reenvio prejudicial para o TJUE com a inerente suspensão da instância.

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia  (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757. de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602. de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

Quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os Tribunais nacionais devem colocar a questão ao TJUE através de reenvio prejudicial. No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia a interpretação do Direito da União Europeia resulta já da jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como este Tribunal concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Processo n.º 283/81.

A obrigatoriedade ou não de efetuar o reenvio prejudicial não resulta da vontade das Partes nem pode ser decidida de forma genérica, dependendo apenas do juízo que o Tribunal nacional que tem de proferir a decisão fizer sobre a sua necessidade para decidir os litígios, como tem sido repetidamente afirmado pelo TJUE: «Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça » [...].

Conforme referido pela Requerida esta solicitou na sua Resposta o reenvio prejudicial de 3 questões ao TJUE, tendo requerido a suspensão da instância com base no reenvio prejudicial ao TJUE efetuado no processo arbitral 504/2018-T e por esse Tribunal Arbitral aceite.

Porém, no entendimento deste Tribunal Arbitral não há dúvida razoável sobre a solução de direito europeu quanto ao enquadramento da consulta de nutrição no âmbito da prestação de serviços paramédicos, quanto à possível acessoriedade dos serviços de nutrição relativamente aos serviços de ginásio e quanto à exigência da efetivação de serviços ou da sua mera disponibilização, conforme se verá pela solução de direito a conferir ao caso.

Efetivamente entende o Tribunal que a jurisprudência do TJUE esclarece, em termos suficientes, as questões suscitadas nos presentes autos arbitrais e, em consequência, permite a este Tribunal decidir da interpretação correta do direito da União Europeia e a sua aplicação à matéria de fato que importa para a decisão da causa.

Nestes termos, afigura-se que a situação em análise, que já se encontra suficientemente desenvolvida pela jurisprudência do TJUE, não suscita nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar a jurisprudência do TJUE ao caso concreto.

Por outro lado um pedido de reenvio judicial efetuado num processo arbitral não obriga um outro tribunal arbitral a determinar a suspensão da instância, visto que esse é um poder discricionário do árbitro nas suas funções de julgador.

Deste modo, e pelo exposto, indefere-se o pedido de reenvio prejudicial apresentado pela Requerida, com a inerente suspensão da instância.

Apreciando agora o dissídio central.

O aqui Árbitro signatário foi Árbitro no processo CAAD com o n.º 161/2019-T, com Decisão Arbitral datada de 31 de Outubro de 2019, em Tribunal Arbitral Coletivo, processo este onde se discutiu e decidiu questão relacionada com a prestação de serviços de nutrição em sede de IVA e com a qual, apesar de decorrido um ano, não tem o árbitro qualquer dúvida em aderir à solução de direito que então se decidiu no âmbito desse processo, pois está em causa situação de facto similar à dos presentes autos.

Efectivamente, aí, como aqui, estava essencialmente em causa apreciar uma única questão jurídica central que respeita à qualificação das prestações de serviços de nutrição como acessórias em relação aos serviços de utilização de instalações desportivas, por parte dos clientes da Requerente. O caráter acessório de tais serviços (nutrição), invocado pela Requerida e contestado pela Requerente, implica a sua perda de autonomia e o correspondente enquadramento na prestação dita “principal” - os serviços de ginásio -, deixando de ser abrangidos pela isenção de IVA. Por outro lado apreciou-se, de igual modo, a questão levantada pela AT de mera disponibilização/ realização das consultas de nutrição.

Invoca a Requerente que in casu ocorreu vício de falta de fundamentação, porquanto teria ocorrido uma fundamentação insuficiente e parcial do relatório final, dado que as conclusões retiradas pela AT tiveram por base suposições erróneas de simulação contabilística, que no caso alegam não ter ocorrido, e porque, por outro lado, esta não procurou conhecer as declarações dos sócios beneficiários do serviço de nutrição, nem do nutricionista, nem do seu contabilista, pois, diz, a AT fundamentou a sua posição de forma parcial e incompleta, ignorando as declarações que devia ter recolhido junto dos seus sócios/clientes.

A exigência de fundamentação de atos administrativos lesivos consta do n.º 3 do artigo 268.º da CRP, em que se estabelece que “os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Especialmente para a fundamentação dos atos tributários, o artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, estabelece que “a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária” e que “a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Neste âmbito, interessa salientar que o dever de fundamentação desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão administrativa, permitindo o controlo da sua validade, através da análise dos respetivos pressupostos, e o acesso à garantia contenciosa, dando a conhecer ao sujeito passivo o itinerário.

Nesta sede, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, em jurisprudência uniforme, que a fundamentação do ato administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação .

Compulsados os autos, constata-se que o Relatório de Inspeção contém, de forma clara e com suficiente grau de detalhe os argumentos, de facto e de direito, nos quais a Requerida alicerçou as correções de IVA e de IRC impugnadas.

O itinerário seguido pela AT, o seu sentido e alcance, foram devidamente compreendidos pela Requerente, que se multiplicou em apresentar provas e fundamentos de direito a refutar a posição da Requerida. 

                Razões pelas quais improcede o vício de falta de fundamentação suscitado pela Requerente.

Apreciando agora o vício apontado de erro nos pressupostos de direito e tendo em mente o artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, o qual estabelece que «nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito». Este «tratamento análogo» justifica-se acentuadamente em situações como a presente em que as situações fácticas e o enquadramento jurídico são idênticos e as questões a apreciar são as mesmas.

Na Decisão Arbitral em que participou como árbitro (processo n.º 161/2019-T) e com o qual segue mantendo o entendimento proferido nesse aresto, foi entendido o seguinte:

“ 2.3.  QUESTÃO MATERIAL

No que se refere à questão decidenda aqui em causa – qualificação das prestações de serviços de nutrição como acessórias em relação aos serviços de utilização de instalações desportivas – considerando a matéria de facto provada, este Tribunal concorda plenamente com a decisão do Tribunal Arbitral Coletivo no processo 373-2018-T, em tudo aplicável ao caso concreto, cujo teor se passa a transpor por facilidade de referência e de economia processual: 

“2.3. A ISENÇÃO DE IVA APLICÁVEL AOS SERVIÇOS DE NUTRIÇÃO - ENQUADRAMENTO

O exercício das atividades profissionais na área da saúde designadas por atividades paramédicas, encontra-se regulamentado pelo Decreto-lei n.º 261/93, de 24 de julho, que estabelece as respetivas condições e naquelas inclui a Dietética, definida como a “[a]plicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares.” – artigo 1.º, n.º 3 do referido diploma e  n.º 5 da Lista anexa.

De acordo com o artigo 1.º, n.º 1 do citado Decreto-lei n.º 261/93, as atividades paramédicas “compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação”, visando assim, quer a fase de tratamento de um problema, quer a sua prevenção, sendo este último aspeto particulamente importante e sensível no domínio das doenças crónicas como a hipertensão e a diabetes, verdadeiros flagelos de saúde pública das sociedades modernas, cuja relação com a obesidade e a manutenção de hábitos sedentários é por todos conhecida.

Adicionalmente, o Decreto-lei n.º 320/99, de 11 de agosto, em concretização da base I da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto (“Lei de Bases da Saúde”), veio definir os princípios gerais “em matéria do exercício das profissões de diagnóstico e terapêutica” e proceder à sua regulamentação, incluindo de forma expressa no seu âmbito a profissão de Dietista.

O exercício da profissão denominada de “nutricionista” ou “dietista” está dependente de título profissional, atualmente atribuído pela Ordem dos Nutricionistas, criada pela Lei n.º 51/2010, de 14 de dezembro , e sujeita às correspondentes regras técnicas e deontológicas. 

A Ordem dos Nutricionistas abrange os profissionais licenciados na área das Ciências da Nutrição e ou Dietética, podendo a profissão de nutricionista ou dietista “ser exercida de forma liberal, quer a título individual quer em sociedade, ou por conta de outrem” – cf. artigos 2.º e 3.º n.º 1. Conforme dispõe o Regulamento de Inscrição na Ordem dos Nutricionista, n.º 308/2016, de 15 de março, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 58, de 23 de março, podem inscrever-se como “nutricionistas” os licenciados em ciências da nutrição, dietética ou em dietética e nutrição.

De acordo com a definição constante da página eletrónica da Ordem dos Nutricionistas, o “nutricionista é um profissional de saúde que dirige a sua ação para a salvaguarda da saúde humana através da promoção da saúde, prevenção e tratamento da doença pela avaliação, diagnóstico, prescrição e intervenção alimentar e nutricional a pessoas, grupos, organizações e comunidades, bem como o planeamento, implementação e gestão da comunicação, segurança e sustentabilidade alimentar, através de uma prática profissional cientificamente comprovada e em constante aperfeiçoamento. Incorpora ainda as atividades técnico-científicas de ensino, formação, educação e organização para a promoção da saúde e prevenção da doença através da alimentação.”  – cf. http://www.ordemdosnutricionistas.pt/ver.php?cod=0A0D.

Os serviços de nutrição inserem-se, desta forma, na prestação de cuidados de saúde, sendo a sua área de atuação a alimentação humana, com o objetivo de prevenir e tratar as doenças associadas a uma incorreta alimentação, em linha com as políticas de saúde promovidas pelo Governo e por organizações com competências na área, como a Organização Mundial de Saúde.

Como salienta X… no parecer junto aos presentes autos, que se acompanha: “quer a nível internacional, quer a nível nacional o nutricionismo e a prática de atividade física são vistos individualmente como imprescindíveis para a implementação de estratégias transversais para a promoção da saúde pública numa ótica de complementaridade para a adoção de estilos de vida saudáveis e não de acessoriedade, consubstanciando-se neste contexto a obesidade como um dos grandes flagelos do século XXI.”

A prestação de serviços de aconselhamento nutricional através de consultas presenciais ou por meios telemáticos é, nos termos da legislação acima referida, enquadrável no âmbito da prestação de serviços paramédicos e, em consequência, subsumível à norma de isenção de IVA constante do artigo 9.º, 1) do Código deste imposto, segundo o qual:

“Artigo 9.º

Isenções nas operações internas

Estão isentas do imposto:

1) As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas;

[…]”

Esta norma constitui a transposição do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, publicada no JO L 347, de 11 de dezembro de 2006, que estabelece a disciplina do “sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado” na União Europeia, adiante designada por “Diretiva IVA”. Dispõe a referida norma de direito europeu que são isentas (pelos Estados-Membros) “[a]s prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado–Membro em causa”.

Esta isenção provém da anterior Sexta Diretiva  [(artigo 13.º, A), n.º 1, alínea c)] que harmonizou as legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios e que a consagrava nos seus exatos termos, com a diferença das “profissões médicas e paramédicas” serem então referidas por “actividades médicas e paramédicas”, e insere-se nas isenções em benefício das atividades de interesse geral, que visam reduzir o custo dos cuidados de saúde, tornando-os mais acessíveis aos particulares, como reiteradamente afirmado pelo Tribunal de Justiça – cf., a título de exemplo, os casos Dornier, C-45/01, de 6 de novembro de 2003, e Kügler, C-141/00, de 10 de setembro de 2002.

As isenções de IVA são delimitadas por conceitos autónomos do direito europeu que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro. No que respeita à isenção em análise, aplicável aos serviços efetuados no exercício de profissões paramédicas, importa considerar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça estes têm de se configurar como serviços de assistência com uma finalidade terapêutica, i.e. de “diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde” –Acórdãos Ygeia, C-394/04, de 1 de dezembro de 2005; Dornier, C-45/01; Kugler, C-141/00; e D. e W., C-384/98, de 14 de setembro de 2000.

O Tribunal de Justiça esclarece ainda que a finalidade terapêutica não tem de ser compreendida numa aceção particularmente restrita, considerando que as prestações efetuadas para fins de prevenção, que visem proteger a saúde humana, também são abrangidas.

Com efeito, mesmo nos casos em que as pessoas sejam objeto de exames ou de outras intervenções médicas e paramédicas de carácter preventivo e não sofram de qualquer doença ou anomalia de saúde, a inclusão das referidas prestações nos conceitos de assistência é conforme ao objetivo de redução do custo dos cuidados de saúde subjacente à isenção do artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA. “Portanto, as prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, incluindo manter ou restabelecer, a saúde das pessoas beneficiam da isenção” – Acórdãos L.u.P., C-106/05, de 8 de agosto de 2006; Unterpertinger, C-212/01, de 20 de novembro de 2003; D’Ambrumenil, C-307/01, de 20 de novembro de 2003; e Comissão/França, C-76/99, de 11 de janeiro de 2001. (realce nosso)

Relativamente à forma jurídica do sujeito passivo que fornece as prestações médicas ou paramédicas previstas na isenção de IVA, que no caso em apreciação é uma sociedade comercial, o Tribunal de Justiça também clarificou que a isenção não se limita às pessoas singulares, pois tal restrição não resulta do elemento gramatical e contraria o objetivo da isenção que é justificado pela necessidade de reduzir as despesas médicas e de favorecer o acesso à proteção da saúde, para além de que não se coordena ao princípio da neutralidade fiscal que postula idêntico tratamento para as pessoas singulares e para as pessoas coletivas. Segundo o Tribunal de Justiça, “basta que sejam preenchidas duas condições, a saber, que se trate de prestações médicas e que estas sejam fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.” – Acórdão Kugler, C-141/00.

No caso concreto, as consultas de nutricionismo prestadas pela Requerente consubstanciam prática clínica e foram realizadas por profissionais de saúde, nutricionistas, por aquela contratados e inscritos na respetiva ordem profissional, com observância das regras definidas pelo legislador nacional. É inequívoco que tais serviços visam a proteção da saúde dos clientes, numa conceção holística do conceito de saúde que reclama a promoção de estilos de vida saudáveis e uma abordagem multissetorial que conjuga, entre outros fatores, um regime alimentar adequado com atividade física.

Desta forma, encontram-se reunidos os requisitos indispensáveis e suficientes à aplicação da isenção de IVA prevista no artigo 9.º, 1) do CIVA, que transpõe o artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA, nos termos preconizados pela jurisprudência europeia e pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA Sul”), de 23 de março de 2010, processo n.º 3816/10.

Relativamente ao facto de nem sempre esses serviços serem efetivamente utilizados pelos clientes subscritores, tal não significa a descaracterização dos mesmos e a consequente perda do regime de isenção. Conforme assinalado por X... no parecer supra citado “[a] partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e faturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de atividades físicas).”

Aliás, a questão que se poderia colocar a este propósito não seria a de tais serviços passarem a ser tributados em IVA, por não terem sido utilizados, mas, ao invés, a de não serem sequer sujeitos a imposto, porque precisamente não foram prestados (com a eventual restituição da remuneração paga pelos clientes). Em qualquer caso, esta última hipótese não procede, porque o serviço em causa consiste na disponibilização das consultas, pelo que se considera prestado com essa disponibilização, tal como sucede, entre outros, com os serviços de ginásio, telecomunicações ou de transporte aéreo.

Neste sentido, se pronunciou o Tribunal de Justiça, designadamente nos casos Air France-KLM, C-250/14, de 23 de dezembro de 2015, e MEO, C-295/17, de 22 de novembro de 2018. Segundo o tribunal europeu, com a assinatura do contrato de prestação de serviços o cliente adquire o direito de beneficiar do “cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito”.

Conclui-se, desta forma, que o facto de os clientes por vezes não usufruírem dos serviços contratados não implica que se considere que a prestação de serviços não foi realizada pelo prestador e/ou que a qualificação desses serviços e respetivo regime de IVA sofram modificações.

2.4. O CARÁTER NÃO ACESSÓRIO DOS SERVIÇOS DE NUTRIÇÃO

                Sem prejuízo de no Relatório de Inspeção se suscitarem alguns pontos relativos à interpretação da norma de isenção escrutinada, a AT não questionou a existência e o cumprimento dos requisitos necessários ao exercício dos serviços de nutrição, que confirmou e considerou serem válidos. Os serviços de nutrição prestados pela Requerente, se considerados autonomamente são, também para a AT, enquadráveis como ¬¬¬operações isentas de IVA.

O que vem verdadeiramente questionado é o caráter autónomo desses serviços. Segundo a Requerida, as “prestações de serviços dietéticos devem ser consideradas acessórias em relação à prestação principal – utilização de instalações desportivas – e, por essa razão, estão sujeitas a IVA à taxa de 23%, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA”.

                Interessa notar que os critérios de determinação do caráter acessório de uma operação relativamente a outra dita “conexa” e considerada como “principal” têm sido recortados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar-se com frequência sobre esta matéria, dadas as dificuldades derivadas da indeterminação concetual.

                O princípio geral que constitui o ponto de partida é o de que cada prestação de serviços deve ser normalmente considerada distinta e independente, como, a título de exemplo, assinalam os Acórdãos Levob Verzekeringen, C-41/04, de 27 de outubro de 2005, e CPP, C-349/96, de 25 de fevereiro de 1999.

                O regime-regra pode, porém, ser afastado e uma prestação ser considerada acessória em relação a uma prestação principal e partilhar do regime (de IVA) desta, “quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador” – Acórdãos CPP, C-349/96, e Madgett e Baldwin, C-308/96 e C-94/97, de 22 de outubro de 1998. Em determinadas circunstâncias, “várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes” – Acórdão Part Service, C-425/06, de 21 de fevereiro de 2008. (realce nosso)

Para determinar se as prestações fornecidas constituem várias prestações independentes ou uma prestação única, importa averiguar os elementos característicos da operação em causa. Contudo, não existe uma regra absoluta para determinar o alcance de uma prestação para efeitos de IVA, sendo, para tal, necessário tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrola – Acórdãos BGŻ Leasing, C-224/11, de 17 de janeiro de 2013, Field Fisher Waterhouse, C-392/11, de 27 de setembro de 2012, e demais jurisprudência acima citada.

                O Tribunal de Justiça apela ao padrão do “consumidor médio” como ponto de vista a partir do qual se pode concluir estarmos perante uma prestação única.

Segundo este Tribunal atenta a “dupla circunstância de que, por um lado, do artigo 2.°, n.º 1, da Sexta Diretiva [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) da Diretiva IVA] decorre que cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente e que, por outro, a operação constituída por uma única prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA, importa assim, em primeiro lugar, procurar encontrar os elementos característicos da operação em causa para determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor, entendido como um consumidor médio, diversas prestações principais distintas ou uma prestação única […]. O mesmo se passa quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao consumidor, entendido como consumidor médio, estão tão estreitamente conexionados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição teria natureza artificial – Levob Verzekeringen, C-41/94. No mesmo sentido, veja-se o caso Aktiebolaget NN, C-111/05, de 29 de março de 2007 . (realce nosso)

A realização, a título oneroso, de uma prestação que não é indispensável para atingir o objetivo visado pela prestação “principal”, se bem que possa ser considerada muito útil para essa prestação, não será considerada uma prestação estreitamente conexa, conforme preconiza o Tribunal de Justiça no caso Ygeia, C 394/04, de 1 de dezembro de 2005.

Acresce que se o cliente tiver a faculdade de escolher os seus prestadores e/ou as modalidades de utilização dos bens ou serviços em causa, as prestações relacionadas com estes bens ou serviços podem, em princípio, ser consideradas distintas da operação dita “principal” – Acórdão Wojskowa Agencja Mieszkaniowa, C-42/14, de 16 de abril de 2015.

Retomando a análise concreta, a Requerente presta nas suas instalações múltiplos serviços, todos relacionados com a manutenção de um estilo de vida saudável e bem-estar, como a atividade física, a estética, a nutrição ou o SPA. Apesar de todos estes serviços se orientarem a um denominador comum, numa abordagem multidisciplinar, a conjugação dos diversos serviços apresenta-se complementar e não acessória.

Com efeito, as prestações de serviços das diversas áreas são perfeitamente autonomizáveis e existem independentemente umas das outras. Os clientes mantêm a faculdade de escolha dos prestadores e das modalidades de utilização dos serviços em causa. O facto de a Requerente, por razões comerciais, ter estabelecido condições vantajosas que fomentam e promovem a adesão aos novos serviços de nutrição, tendo em vista o arranque dessa nova área de atividade e assegurar uma oferta mais vasta de serviços, com o intuito de fidelização dos clientes, não conduz à consideração destes como meramente acessórios à utilização do ginásio. A prática de exercício físico é independente da adoção ou não determinado regime alimentar, pelo que devem ser consideradas prestações de serviços distintas.

Não se verifica, pois, a indissociabilidade das consultas de nutrição relativamente à prática de exercício físico e de utilização das instalações desportivas da Requerente, nem aquelas consultas são condição indispensável para atingir o objetivo visado pela utilização do ginásio, pelo que não devem ser consideradas estreitamente conexas, sem prejuízo de poderem, em ambos os casos, potenciar uma melhor condição física.

As referidas consultas valem por si, têm objetivos próprios e o seu sentido não advém estritamente da melhoria dos serviços de ginásio. Aliás, existem sócios que não aderiram aos referidos serviços de nutrição e, por outro lado, a Requerente presta serviços de nutrição a não sócios, que não utilizam o ginásio. Refira-se que a esta conclusão chega, de igual modo, a Decisão Arbitral, de 2 de abril de 2018, proferida no processo do CAAD n.º 454/2017-T, que versa sobre situação análoga.

                No que se refere à forma de faturação, a concessão de um desconto equivalente ao preço dos serviços de nutrição na mensalidade do ginásio é uma opção comercial que não pode ser sindicada pela AT, por se inserir na liberdade de gestão da Requerente, que pode determinar o preço dos seus serviços. De salientar que os referidos preços não são dirigidos a entidades relacionadas, sendo aplicados à generalidade dos seus clientes e ao público em geral.

                Por outro lado, a diferente codificação “SDIET” e “NUT” aplicável às consultas de nutrição abrangidas pelo Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos e às consultas de nutrição adquiridas avulso não afetam a natureza exatamente idêntica dos serviços prestados.

                Trata-se de uma codificação que visa facilitar a análise/comparabilidade das consultas geradoras de receita incremental (up-selling), representando uma forma de tratamento da informação de gestão da Requerente que não patenteia ou indicia realidades diferenciadas, sendo inidónea a suportar uma re-caracterização das operações. Ficou demonstrado que as consultas, independentemente da forma como são remuneradas – na mensalidade ou de forma avulsa – são prestadas exatamente da mesma forma, com os mesmos objetivos, pelos mesmos profissionais e nas mesmas instalações.

                À face do exposto, conclui-se pela não acessoriedade das consultas de nutrição prestadas pela Requerente relativamente aos serviços de utilização de instalações desportivas e, em consequência pela aplicabilidade da isenção prevista no artigo 9.º, 1) do Código do IVA, enfermando os atos tributários impugnados de erro de direito, pelo que devem ser anulados.”

                Mais recentemente, em Outubro de 2020, foi publicado a posição da Advogada-Geral Juliana Kokott, nas conclusões apresentadas em 22 de outubro de 2020, no Processo C‑581/19, precisamente no pedido de decisão prejudicial apresentado pelo CAAD ao abrigo do qual a Requerida formulou pedido de suspensão da instância negado por este Tribunal, num dissídio idêntico ao caso sub judice  e em que considerou a Advogada-Geral que “estão em causa prestações distintas e independentes” infra se transcrevendo os excertos mais relevantes:

“ a)      Inexistência de uma situação de prestação complexa única

51.      Existe uma prestação de serviços complexa única quando a prestação a cargo do sujeito passivo é composta por dois ou mais elementos tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja apreciação separada teria caráter artificial (56). Constituem indícios neste sentido a indissociabilidade dos elementos da prestação (n.os 25 e segs.), a acessibilidade separada das prestações (n.° 29), o caráter indispensável dos elementos de prestação para o objetivo da prestação (n.os 30 e 31) e a faturação separada (n.os 32 e 33). Estes indícios não se verificam no caso em apreço.

52.      Mesmo que os clientes optem pelo pacote completo constituído pelos serviços de fitness e pelo acompanhamento nutricional, os diferentes elementos da prestação (fitness e nutrição) não estão indissociavelmente ligados. Afinal, os serviços são prestados em âmbitos distintos no tempo e no espaço por pessoal diferente. Uma apreciação separada para efeitos de IVA não se afigura, portanto, artificial, dado que o cliente médio do ginásio deve partir do pressuposto de que estão em causa duas prestações.

53.      As prestações de fitness e de acompanhamento nutricional são igualmente acessíveis ao beneficiário da prestação de forma separada. Cada cliente pode subscrever as duas prestações conjugadamente ou cada um delas. A realização do acompanhamento nutricional também não é indispensável para efetuar adequadamente um treino de fitness. Isto é demonstrado, desde logo, pelo facto de a requerente disponibilizar planos de fitness com ou sem acompanhamento nutricional.

54.      Por último, a faturação separada leva também aqui a concluir pela existência de duas prestações independentes. Embora seja verdade que deve ser pago um preço global mensal pela subscrição conjunta dos serviços de fitness e do acompanhamento nutricional, dá se uma discriminação separada dos valores que a requerente apresenta na fatura.

b)      Inexistência de uma prestação acessória não independente

55.      Os critérios de uma prestação acessória não independente também não estão preenchidos no caso em apreço. Uma prestação deve ser considerada uma prestação acessória de uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas o meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador (57). São indícios desta função instrumental a relação de valor entre cada uma das prestações (n.os 39 e 40) ou a inexistência de um interesse económico autónomo para o destinatário da prestação (n.os 41 e segs.). Estes indícios também não se verificam no caso em apreço.

56.      Que o acompanhamento nutricional não constitui uma prestação acessória não independente negligenciável é demonstrado, desde logo, pela relação de valor entre as prestações na área do fitness e na área da nutrição. Como sustenta a República Portuguesa, 40 % do valor global mensal a pagar é imputado à componente acompanhamento nutricional. Nesse sentido, o montante a pagar pelo acompanhamento nutricional não é uma parte marginal do valor global.

57.      O destinatário da prestação também tem um interesse económico autónomo no acompanhamento nutricional. Como vimos, o objetivo económico de uma prestação acessória não independente só pode ser alcançado em conjugação com a prestação principal correspondente. Não é precisamente o que sucede no caso em apreço. O objetivo da alimentação saudável prosseguido com o acompanhamento nutricional não depende dos serviços de fitness. Uma alimentação saudável e uma atividade física suficiente são ambos elementos de um estilo de vida saudável, mas cobrem contudo, de acordo com a perceção do público, diferentes aspetos da vida humana. Por conseguinte, o acompanhamento nutricional não complementa os serviços de fitness.

4.      Conclusão

58.      Em conclusão, as prestações de serviços fornecidas pela requerente no processo principal no âmbito do acompanhamento nutricional constituem prestações de serviços independentes na aceção da Diretiva IVA, que não dependem da apreciação, para efeitos de IVA, dos serviços de fitness.”.

É igualmente entendimento do Tribunal que in casu as consultas de nutricionismo prestadas pela Requerente consubstanciam a realização de uma prática clínica e foram realizadas por profissionais de saúde, nutricionista, por aquele contratado e inscrito na respetiva ordem profissional, com observância das regras definidas pelo legislador nacional e em linha com os entendimentos administrativos emitidos pela AT nos PIV’s junto aos autos . É inequívoco que tais serviços visam a proteção da saúde dos seus clientes e sócios, numa conceção holística do conceito de saúde que reclama a promoção de estilos de vida saudáveis e uma abordagem multissetorial que conjuga, entre outros fatores, um regime alimentar adequado à prática da actividade física, devendo, por isso mesmo, aproveitar a aplicação da isenção de IVA prevista no artigo 9.º, 1) do CIVA, que transpõe o artigo 132.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva IVA.

De facto seria redundante que apenas se pretendesse fazer abranger pela referida isenção a pré-existência de uma patologia clínica associada. Para este Tribunal a existência destas consultas destinam-se precisamente a impedir, evitar ou prevenir doenças, lesões ou anomalias de saúde, na justa medida em que se realizam anualmente check-ups de modo a prevenir a saúde sem que a isso esteja associada concretamente uma patologia pré-existente e nem por isso se pondo em causa a isenção de IVA nesses actos precisamente por serem do foro clínico ou médico.

No que se refere às liquidações de IRC na medida em que considera o Tribunal que não está em causa a isenção indevida de IVA ao valor dos serviços que a Requerente faturou a título de serviços de nutrição, decai a correcão efectuada pela AT quanto à desconsideração do gasto do IVA suportado na aquisição de bens e serviços, considerando que estas aquisições estavam afetas ao setor isento de IVA — nutrição.

Quanto aos pedidos feitos pela Requerente para que o Tribunal condene a Requerida “a anular de todos e quaisquer processos de execução fiscal e de contra-ordenação, juros e coimas associados que correm contra a sociedade contribuinte, ora impugnante, e levantar o penhor por esta entretanto prestado para suspender os processos executivos por esta instaurados” tratar-se-á, certamente, de um lapso, pois tanto o procedimento de contraordenação identificado pela Requerente, quer os processos de execução fiscal, não fazem parte (nem podem fazer) dos autos arbitrais, pelo que não pode o Tribunal tomar conhecimento dos mesmos e cumprir com o peticionado nos exactos termos em que o foi pela Requerente.

A competência dos Tribunais Arbitrais tributários que funcionam no CAAD restringe-se, para o que aqui interessa, à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta (cfr. art.º 2.º, n.º 1 do RJAT).

O contencioso tributário (onde se insere o arbitral) é um contencioso de mera anulação visando a apreciação, sequencialmente, dos vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado (aqui as liquidações adicionais de imposto) e dos vícios arguidos que conduzam à sua anulação – art.º 124, n.º 1 do CPPT, ou seja, a impugnação judicial (e nesta sede a arbitral) visa a anulação de actos, é este o seu objecto, até por razões de optimização da tutela jurisdicional dos administrados.

No entanto, e não obstante o acima referido, deve a AT no âmbito da sua actuação cumprir com o disposto no artigo 24º, nº 1 do RJAT.

                Em suma e nos termos melhor fundamentados no segmento decisório, os atos tributários de liquidação de IVA e de IRC e de juros em crise nestes autos, são anuláveis por vício de violação de lei por erro nos pressupostos, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.

 

6.            DECISÃO

                Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral Singular em:

 - Indeferir o pedido de suspensão da instância apresentado pela Requerida (pedido de reenvio prejudicial no processo Frenetikexito);

- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral na parte referente à anulação dos actos tributários de liquidação de IVA e de IRC e de juros supra identificados, com as legais consequências;

- Julgar improcedente o pedido de condenação da AT em anular todos e quaisquer processos de execução fiscal e de contra-ordenação que correm contra a Requerente, e levantar o penhor por esta prestado para suspender os processos executivos.

* * *

                Fixa-se ao processo o valor de € 30.996,81, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

                Custas no montante de € 1.836,00, a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 29 de Novembro de 2020

 

O árbitro,

Dr. Henrique Nogueira Nunes

 

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.