Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 698/2019-T
Data da decisão: 2020-10-14  IMI  
Valor do pedido: € 207.261,00
Tema: IMI/AIMI - Valor da utilidade económica do processo, terrenos para construção, ato de fixação do valor patrimonial tributário
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SUMÁRIO:

 

I.             Nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, o valor atendível, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, quando se impugne o ato de fixação de valores patrimoniais tributários corresponde ao valor concretamente contestado.

II.            Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto.

III.          O artigo 45.º do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

IV.          O coeficiente de qualidade e conforto, fator multiplicador do valor patrimonial tributário contido na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser suscetível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto.

 

Acordam os Árbitros Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Árbitro Presidente), Jorge Carita e Adelaide Moura, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            Em 17 de outubro de 2019, A..., S.A, NIPC..., com sede na Av. ..., n.º ..., em Lisboa, doravante designada por “Requerente”, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos das alíneas b) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista à declaração de ilegalidade do ato de fixação de valor patrimonial tributário praticado na sequência da apresentação de pedido de segunda avaliação relativamente ao terreno para construção inscrito na matriz da União de Freguesias de ... e ..., concelho e distrito do Porto sob o artigo ..., e à sua respetiva anulação.

2.            A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelos seus mandatários, Dr. B... e Dr.ª C..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelos juristas, Dr.ª D... e Dr.ª E... .

3.            Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, os signatários que aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado.

4.            O presente Tribunal foi constituído no dia 13 de janeiro de 2020, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral coletivo que se encontra junta aos presentes autos.

5.            A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 18 de fevereiro de 2020.

6.            O Tribunal, por despacho de 20 de fevereiro de 2020, notificou as partes da data designada para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com vista a delimitar o objeto do pedido e fixar o valor da causa, para o dia 11 de março de 2020, o qual foi adiado por duas vezes, a primeira, por despacho de 21 de fevereiro de 2020, por impossibilidade do Tribunal e, a segunda, por despacho de 13 de março de 2020, na sequência do despacho conjunto do Presidente do CAAD e do Presidente do Conselho Deontológico que propunha, no âmbito do plano de contingência do COVID-19, a suspensão de diligências processuais a realizar no CAAD.

7.            No dia 4 de junho de 2020, o Tribunal, por despacho, notificou as partes da data designada para a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, com as finalidades indicadas em 6. supra, para o dia 30 de junho de 2020.

8.            A Requerente, mediante requerimento que apresentou, no dia 18 de junho de 2020, face ao contexto pandémico em que se vive atualmente, solicitou a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por meios telemáticos, ao abrigo do regime processual transitório e excecional constante do n.º 1 da alínea a) do n.º 3 do artigo 6.º -A da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 16/2020, de 29 de maio.

9.            Pedido este que o Tribunal Arbitral aceitou, por despacho proferido a 22 de junho de 2020, mais informando as partes da possibilidade de participarem na referida reunião através de meios próprios ou a partir das instalações do CAAD em Lisboa.

10.          Por requerimento de 23 de junho de 2020, a Requerida informou o Tribunal Arbitral que a sua participação da aludida reunião seria feita diretamente das instalações do CAAD.

11.          No dia 30 de junho de 2020, realizou-se a reunião do artigo 18.º do RJAT, tendo a mesma tido lugar com a presença, nas instalações do CAAD, da representante da Requerida e do árbitro, Jorge Carita, e por via Cisco Webex Meeting, dos árbitros Carlos Fernandes Cadilha e Adelaide Moura e a representante da Requerente.

12.          Na supramencionada reunião, o Tribunal notificou a Requerente e Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, determinou a prorrogação do prazo referido no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, por dois meses a contar do término daquele, bem como a comunicação de tal circunstância ao Conselho Deontológico do CAAD, por força do n.º 3 do artigo 11.º do Código Deontológico, determinada designadamente em virtude do período de férias judiciais a ocorrer entre o dia 16.07.2020 e 31.08.2020, da tramitação processual subsequente e da grave e notória situação pandémica em que o país vive desde março de 2020,  designou o dia 18 de outubro de 2020 para o efeito de prolação de decisão arbitral, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, e por último advertiu a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.

13.          Nesta sequência, no dia 17 de julho de 2020, a Requerente apresentou alegações escritas, e a Requerida apresentou as suas no dia 17 de setembro de 2020.

 

II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:

 

1.            A Requerente sustenta o seu pedido de declaração de ilegalidade do ato de fixação de valor patrimonial tributário praticado na sequência da apresentação de pedido de segunda avaliação relativamente ao terreno para construção inscrito na matriz da União de Freguesias de ... e ..., concelho e distrito do Porto sob o artigo ..., e à sua respetiva anulação, invocando:

a)            ERRÓNEA QUANTIFICAÇÃO DO VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO (VPT), com fundamento na errada interpretação e aplicação das normas que regulam a determinação do VPT dos terrenos para construção. Defende a Requerente quanto a esta matéria que é «totalmente ilegal o ato de fixação do VPT contestado, na parte em resultam da consideração dos coeficientes de localização e de afetação e, bem assim, na parte em que resultam da aplicação da majoração do valor médio de construção, critérios / elementos que estão estabelecidos nos artigos 38.º e seguintes do Código do IMI exclusivamente para efeitos de aplicação de prédios edificados.».

b)           Subsidiariamente, PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES ESSENCIAIS RESULTANTES DE VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, defendendo que «após a primeira avaliação, o contribuinte apresentou pedido de segunda avaliação invocando que o VPT fixado se apresentava distorcido relativamente ao valor de mercado, tendo a AT mantido integralmente (em segunda avaliação) o VPT fixado aquando da primeira avaliação, sem em nenhum momento justificar as razões pelos quais assim decidiu.» Deste modo, segundo entende «o ato de fixação do VPT contestado padece de vício de manifesta falta de fundamentação por não conter qualquer justificação ou esclarecimento adicional que permita à Requerente compreender o iter cognoscitivo na origem da manutenção da fórmula de cálculo de fixação do VPT e do afastamento da posição adotada pela Requerente e corroborada, de forma reiterada e uniforme, pelos tribunais superiores e pela doutrina mais autorizada nesta matéria.»

 

2.            Peticionando, assim, a final, a anulação do «ato de fixação do VPT do terreno para construção contestado»

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

Rebate a Requerida os argumentos do Requerente, nomeadamente quanto aos vícios invocados, pugnando pela improcedência dos mesmos, concluindo, por um lado, no sentido de que «o VPT fixado para o terreno para construção em causa não padece de qualquer ilegalidade por ter sido apurado com base nas fórmulas e nos coeficientes a que se referem nos arts. 45.º, 41, 43.º e 38.º todos do CIMI» e por outro lado, que «(…) não tem qualquer sustentação a alegada falta de fundamentação do acto de fixação de valor patrimonial tributários impugnados.»

 

 IV. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. MATÉRIA DE FACTO

 

1.            Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

2.            Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

 

3.            Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral e alegações da Requerente e Resposta e alegações da Requerida), à prova documental e ao processo administrativo juntos aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

a.            Factos dados como provados

 

1.            Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A.           A Requerente é proprietária do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo matricial ... (em diante abreviadamente designado de “Terreno para Construção”) correspondente ao lote 4 do Alvará de Loteamento n.º ALV/.../.../DMU, de 04 de abril 2008 - cf. Doc. n.º 2 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral -;

B.            A Requerente estima iniciar as obras no referido Terreno para Construção em 2022 e concluir o projeto e as obras de construção nos referidos lotes (incluindo fecho da obra, telas finais e conclusão do licenciamento) até dezembro de 2024 – cf. sumário interno da Requerente relativo ao projeto em causa com calendarização preliminar para o desenvolvimento do projeto e obra no Terreno para Construção que se junta como Doc. n.º 3 e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

C.            Em 28 de dezembro de 2018, a Requerente submeteu, eletronicamente, uma Declaração Modelo 1 do IMI para o Terreno para Construção, com fundamento em mudança de afetação do prédio - cf. Doc. n.º 4 junto com o pedido de constituição do Tribunal Arbitral -;

D.           Na sequência da submissão da referida Declaração Modelo 1 do IMI e da apresentação do requerimento de validação da mesma, a Requerente foi notificada do resultado da avaliação do Terreno para Construção, da qual resultam os seguintes elementos: - cfr. Doc. n.º 6 junto com o pedido de constituição de Tribunal Arbitral - ;

 

ELEMENTOS DECLARADOS          Elementos(s) de qualidade e conforto

Área total do terreno     m2         4556,0000          

Área de implementação do prédio          m2         2966,0000           

Área bruta de construção            m2         31852,0000        

Área bruta dependente m2         10265,0000        

Data de passagem a urbano                       2008-04-04        

 

DEMONSTRAÇÃO DO CÁLCULO DO VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO

FÓRMULA: V5

Vt=Vc x [ ( Abc-Ab+Ab x 0,3) x Caj x % Ai + Ac x 0,025 + Ad x 0,005] x Ca x Cl x Cq

 

Vt Comércio (Vtc)

Vtc= 603 x [(4832,2)x 35% + 382,505 x 0,025 + 0 x 0,005] x 1,2 x 1,7 x 1

Vtc – EURO 2092228,23

 

Vt Habitação (Vth)

Vth= 603 x [(15015)x 35% + 1207,495 x 0,025 + 0 x 0,005] x 1 x 1,9 x 1

Vtc – EURO 6055525,60

 

(…)

Valor Patrimonial Tributário *: € 8.147.760,00

 

E.            No dia 15.04.2019, a Requerente apresentou um pedido de segunda avaliação do Terreno para Construção– cf. Doc. n.º 7 junto com o pedido de constituição de Tribunal Arbitral - ;

F.            No referido pedido de segunda avaliação, a Requerente solicitou expressamente a desconsideração dos coeficientes de localização e de afetação e da majoração de 25% aplicada sobre o valor médio de construção, da fórmula de cálculo do VPT dos Terrenos para Construção – cfr. Doc. n.º 7 junto com o pedido de constituição de Tribunal Arbitral - ;

G.           No referido pedido de segunda avaliação, indicado em E. supra, a Requerente designou igualmente a Perita que iria atuar como sua representante na reunião de peritos.

H.           No dia 3 de setembro de 2019, realizou-se a reunião de peritos no Serviço de Finanças do Porto-2, tendo sido elaborado o termo de avaliação, de onde consta que: «A avaliação decorreu nos termos do CIMI. A CA decidiu apreciar os elementos do processo de finanças nomeadamente o alvará de loteamento n.º ALV/.../.../DMU constam áreas por Lote e áreas construtivas por afetação de uso. A CA, decidiu por maioria, considerar na determinação do VPT o critério definido no CIMI, que: A determinação VPT de terrenos para construção segue o previsto no art 45º do CIMI; Trata-se de um lote de terreno destinado à edificações, com diferentes afetações, pelo que o valor patrimonial tributário (Vt) corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários (VTs) das diferentes afetações; O Coeficiente de localização (Cl) é em funcção da afetação; A área de aparcamento foi atribuída na mesma proporção das diferentes áreas afetadas; Vc - Valor base dos prédios edificados em 2018 é de 603 (Portaria 379/2017, de 19/12).”   - cfr. Doc. n.º 9 junto com o pedido de constituição de Tribunal Arbitral –

I.             No dia 17.09.2019, a Requerente foi notificada do resultado da segunda avaliação do Terreno para Construção, do qual resultou o seguinte: - cfr. Doc. n.º 1 junto com o pedido de constituição de Tribunal Arbitral -

 

ELEMENTOS DECLARADOS          Elementos(s) de qualidade e conforto

Área total do terreno     m2         4556,0000          

Área de implementação do prédio          m2         2966,0000           

Área bruta de construção            m2         31852,0000        

Área bruta dependente m2         10265,0000        

Data de passagem a urbano                       2008-04-04        

 

DEMONSTRAÇÃO DO CÁLCULO DO VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO

FÓRMULA: V5

Vt=Vc x [ ( Abc-Ab+Ab x 0,3) x Caj x % Ai + Ac x 0,025 + Ad x 0,005] x Ca x Cl x Cq

 

Vt Comércio (Vtc)

Vtc= 603 x [(5934+2821,85 x 0,3) x Caj x 35% + 473,0739 x 0,025 + 0 x 0,005] x 1,2 x 1,7 x 1

Vtc – EURO 2385488,37

 

Vt Habitação (Vth)

Vth= 603 x [(15653 + 7443,15 x 0,3) x Caj x 35% + 1152,9261 x 0,025 + 0 x 0,005] x 1 x 1,9 x 1

Vtc – EURO 5782391,15

 

(…)

Valor Patrimonial Tributário *: € 8.167.880,00

 

J.             No dia 17 de outubro de 2019, a Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral.

 

b.            Factos dados como não provados

 

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispõe o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Não existem factos dados como não provados, entendendo o presente Tribunal Arbitral que todos os factos dados como provados são os bastantes e relevantes para a apreciação do pedido.

 

VI- DO DIREITO

 

 - Questão prévia – Da utilidade económica do processo -

 

1.            Antes de avançarmos para a análise da questão de fundo nos presentes autos - que se prende com a apreciação da legalidade do ato de fixação do valor patrimonial tributário de um terreno para construção pertencente à Requerente – iremos apreciar, porque suscitada, a questão prévia respeitante ao valor da utilidade económica do pedido efetuado no presente processo.

 

2.            Ora, no pedido de pronúncia arbitral que apresentou, defende a Requerente, que «a utilidade económica a indicar no presente pedido de pronúncia arbitral corresponde ao montante das liquidações de imposto (IMI e AIMI) que a Requerente pretende obstar com a contestação do ato de fixação do VPT do Terreno para Construção, as quais são determináveis e foram corretamente indicadas pela Requerente,» no montante de € 207.261,00 (duzentos e sete mil, duzentos e sessenta e um euros), «(i.e., às liquidações de IMI e de AIMI a que a Requerente pretende obstar – ainda que parcialmente – até ao ano de 2024 no qual será concluído o projeto previsto para os Terrenos para Construção em análise).» -

 

3.            Alude, complementarmente, a Requerente que: «[e]m virtude da errónea quantificação do VPT do Terreno para construção (incluindo já a consideração do valor base dos prédios edificados de 603 ao invés do valor por metro quadrado de construção de 482,40), a AT emitiu, no presente ano de 2019, liquidações de:

(i) IMI em excesso por referência ao ano de imposto de 2018 no valor de aproximadamente €15.353 correspondente à aplicação da taxa de IMI aplicável no município de Porto em 2018 de 0,32% sobre o VPT máximo contestado (€15.353= € 4.797.700 * 0,32%);

(ii) adicional ao IMI (em diante abreviadamente designado de “AIMI”) em excesso no valor de aproximadamente € 19.191 correspondente à aplicação da taxa legal de 0,4% ao VPT máximo contestado (€19.191= € 4.797,700 * 0,4%).»

 

4.            Mais referindo que, «(…) a manterem-se os atos de fixação do VPT contestado, a AT deverá liquidar os seguintes montantes a título de IMI e de AIMI:

(i) Em abril de 2020, deverá liquidar IMI relativo ao ano de imposto de 2019 em excesso no valor de aproximadamente no valor de aproximadamente € 15.353 (resultante da aplicação da taxa fixada para o município de Porto de 0,32%);

(ii) Em agosto de 2020, deverá liquidar AIMI relativo ao ano de imposto de 2020 em excesso no valor de aproximadamente € 19.191 (considerando a taxa de AIMI atualmente em vigor de 0,4%);

(iii) Em abril de 2021, deverá liquidar IMI relativo ao ano de imposto de 2020 em excesso no valor de aproximadamente € 15.353 (assumindo a manutenção da taxa atualmente em vigor para o município de Porto de 0,32%);

(iv) Em agosto de 2021, deverá liquidar AIMI relativo ao ano de imposto de 2021 em excesso no valor de aproximadamente € 19.191 (assumindo a manutenção do AIMI e da taxa atualmente em vigor de 0,4%);

(v) Em abril de 2022, deverá liquidar IMI relativo ao ano de imposto de 2021 em excesso no valor de aproximadamente € 15.353 (assumindo a manutenção da taxa atualmente em vigor para o município de Porto de 0,32%);

(vi) Em agosto de 2022, deverá liquidar AIMI relativo ao ano de imposto de 2022 em excesso no valor de aproximadamente € 19.191 (assumindo a manutenção do AIMI e da taxa atualmente em vigor de 0,4

(vii) Em abril de 2023, deverá liquidar IMI relativo ao ano de imposto de 2022 em excesso no valor de aproximadamente € 15.353 (assumindo a manutenção da taxa atualmente em vigor para o município de Porto de 0,32%);

(viii) Em agosto de 2023, deverá liquidar AIMI relativo ao ano de imposto de 2023 em excesso no valor de aproximadamente € 19.191 (assumindo a manutenção do AIMI e da taxa atualmente em vigor de 0,4%);

(ix) Em abril de 2024, deverá liquidar IMI relativo ao ano de imposto de 2023 em excesso no valor de aproximadamente € 15.353 (assumindo a manutenção da taxa atualmente em vigor para o município de Porto de 0,32%); e,

(x) Em agosto de 2024, deverá liquidar AIMI relativo ao ano de imposto de 2024 em excesso no valor de aproximadamente € 19.191 (assumindo a manutenção do AIMI e da taxa atualmente em vigor de 0,4%).

Tudo - IMI e AIMI liquidado e a liquidar em excesso – no valor máximo agregado por referência aos três terrenos para construção de € 207.261 (em resultado da cumulação da desconsideração do coeficiente de localização e da consideração do valor médio de construção de 482,40 ao invés do valor de 603 que foi indevidamente considerado) nos termos acima enunciados (…)»

 

5.            Mais, alude, a Requerente, que «[n]o presente pedido de pronúncia arbitral, está em causa a legalidade da quantificação do VPT dos Terrenos para Construção e, em concreto, do montante do VPT agregado em excesso máximo de € 4.797.700.  A contestação do referido ato de fixação do VPT visa precisamente evitar liquidações de imposto (IMI e AIMI) no valor agregado máximo, determinável e corretamente determinado, de € 207.261.», pelo que, e «[e]m face do exposto, facilmente se depreende que a utilidade económica subjacente ao presente pedido arbitral e que a Requerente pretende fazer valer nos presentes autos corresponde ao montante total das liquidações que a mesma pretende obstar e que, no caso em apreço, ascende a € 207.261.»

 

6.            Na Resposta que apresentou, sustenta a Requerida que «a utilidade económica do pedido há-de corresponder ao valor das liquidações de IMI e de AIMI, emitidas com base no VPT impugnado nos autos, efetivamente notificadas à Requerente (pelo menos de uma nota de cobrança), e não um valor projectado, com base na soma de liquidações, futuras e incertas, que poderão ou não ser emitidas.».

 

7.            Sucede que, já em sede de alegações, vem a Requerente esclarecer e clarificar que «a Requerente não pretendeu contestar quaisquer liquidações de IMI e de AIMI emitidas no passado ( e, muito menos, quaisquer liquidações de IMI e AIMI a emitir no futuro) precisamente porque, tal como a Requerida afirma na sua Resposta, em caso de procedência da ação arbitral, as liquidações de IMI e AIMI já emitidas serão parcialmente anuladas sem necessidade de qualquer diligência adicional por parte da Requerente e as liquidações de IMI e AIMI a emitir no futuro já terão em conta os VPTs calculados de acordo com a fórmula correta. Aquilo que a Requerente fez foi demonstrar qual seria a utilidade económica máxima do pedido arbitral apresentado e, para esse efeito, teve em conta as liquidações de IMI e AIMI já emitidas no passado e a emitir no futuro até à data estimada de conclusão das obras no terreno para construção em análise. Assim, ao contrário do que alega (de forma contraditória) a Requerida na Resposta apresentada-cff. Artigos 61.º a 63.º da Resposta - , a Requerente não pretendeu contestar quaisquer liquidações de IMI e de AIMI emitidas relativamente ao Terreno para Construção, mas antes o ato destacável de fixação do VPT».

 

8.            Concluindo, assim que «[e]m face do exposto, deve concluir-se que o objeto do pedido arbitral é inequivocamente o ato de fixação do VPT, não pretendendo a Requerente contestar quaisquer liquidações de IMI e AIMI emitidas no passado ou a emitir no futuro nesta sede (conforme resulta evidente do pedido arbitral apresentado).»

 

9.            Ora, face às posições das partes acima enunciadas, ponderemos sobre o valor da utilidade económica do pedido, atendendo que se prende com a apreciação da legalidade do ato de fixação do valor patrimonial tributário de um terreno para construção.

 

10.            Na verdade, a aferição do valor da utilidade económica do pedido é imprescindível, atendendo a que, por um lado, deve constar do pedido de constituição arbitral, em conformidade com o disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT

 

11.          … e, por outro, como esclarece CLARA CASTELO TRINDADE  , porque (…) esta indicação do valor da utilidade económica do pedido é importante para aferir: (1) a competência do tribunal arbitral e (2) o valor a pagar a título de taxa de arbitragem inicial ou de taxa de arbitragem.»

 

12.          Com efeito, a utilidade económica do pedido é, como bem refere a Requerente, «um critério transversal de determinação do valor de um pedido ou de uma causa, quer em matéria civil ou administrativa».

 

13.          Nos ditames da matéria civil, encontramos o disposto no n.º 1 do artigo 296.º do Código de Processo Civil (CPC), o qual prevê que «[a] toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica do processo.»

 

14.          … e, em matéria administrativa, semelhante disposição consta do n.º 1 do artigo 31.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a qual dispõe que «[a] toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do processo.»

 

15.          No âmbito dos processos arbitrais em matéria tributária, o seu valor será aferido em conformidade com as regras do artigo 97.º-A do CPPT, ex vi do artigo 29.º do RJAT, uma vez que este último não contém qualquer critério de determinação dos valores dos litígios aplicável aos casos de pedido de atos de fixação da matéria tributável ou atos de fixação do valor patrimonial tributários, sendo, por isso, necessário recorrer ao direito subsidiário nele previsto.

 

16.          Dispõe, assim, o artigo 97.º -A do CPPT que:

«1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:

a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;

b) Quando se impugne o ato de fixação da matéria coletável, o valor contestado;

c) Quando se impugne o ato de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado;

d) No recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, o do valor da isenção ou benefício;

e) No contencioso associado à execução fiscal, o valor correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, exceto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior.

2 - (Revogado.)

3 - Quando haja apensação de impugnações ou execuções, o valor é o correspondente à soma dos pedidos.» (negrito nosso)

 

17.          Significa isto que, estando em causa a apreciação da legalidade de um ato de fixação dos valores patrimoniais, o valor a ter em conta para efeitos de utilidade económica será o correspondente ao valor contestado.

 

18.          Entendimento este que é sufragado no Acórdão do STA proferido no processo n.º 01146/15, de 03/02/2016, e que merece a nossa concordância, sentido de que:

«O legislador concretizou neste preceito legal as regras segundo as quais deve ser atribuído um valor concreto aos processos que corram os seus termos nos Tribunais Tributários e em que se discutam questões relativas a tributos.

(…)

Dispõe o artigo 296º, n.º 1 do CPC que, a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.

Da leitura conjugada destas duas disposições legais resulta com evidência que o valor da causa será determinado sempre em função do pedido, uma vez que é da sua procedência que o impugnante retirará um benefício económico imediato.

Ou seja, é pelo pedido, tal como vem formulado pelo autor, que deve ser aferida aquela utilidade económica imediata, porque outras utilidades haverá que resultarão da procedência do pedido de forma mediata ou indirecta, e às quais não haverá que atender para este efeito.

Assim, no caso de impugnação dos actos de fixação de valores patrimoniais de imóveis, aquela utilidade económica imediata traduz-se na diferença entre o valor fixado pela administração tributária e o valor que o interessado entende dever ter sido o fixado, ou dito de outro modo, a utilidade económica imediata do pedido reside na redução do valor patrimonial pretendida pelo impugnante, face ao valor encontrado pela AT, ou até na não fixação de qualquer valor patrimonial.»

 

19.          No caso dos autos, deparamo-nos com dissertações contraditórias da Requerente, em sede de pedido de constituição arbitral e em sede de alegações, quanto ao valor da utilidade económica a atribuir ao pedido e consequentemente ao valor do presente processo arbitral,

 

20.          … porquanto, no primeiro, refere, a Requerente, que o valor da utilidade económica «(…) a indicar no presente pedido de pronúncia arbitral corresponde ao montante das liquidações de imposto (IMI e AIMI) que a Requerente pretende obstar com a contestação do ato de fixação do VPT do Terreno para Construção, as quais são determináveis e foram corretamente indicadas pela Requerente,» no montante de € 207.261,00 (duzentos e sete mil, duzentos e sessenta e um euros), «(i.e., às liquidações de IMI e de AIMI a que a Requerente pretende obstar – ainda que parcialmente – até ao ano de 2024 no qual será concluído o projeto previsto para os Terrenos para Construção em análise);

 

21.          … e no segundo aduz que «deve concluir-se que o objeto do pedido arbitral é inequivocamente o ato de fixação do VPT, não pretendendo a Requerente contestar quaisquer liquidações de IMI e AIMI emitidas no passado ou a emitir no futuro nesta sede (conforme resulta evidente do pedido arbitral apresentado).».

 

22.          Ora, sucede que, o pedido formulado pela Requerente é no sentido de «ser anulado o ato de fixação do VPT do terreno para construção contestado» «[e]m face dos erros na aplicação e interpretação das normas jurídicas que contêm as regras de determinação do VPT dos terrenos para construção, o VPT do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ... foi fixado em € 8.167.880 ao invés do VPT correto de € 3.370.181. (artigo 6.º do pedido de constituição do tribunal arbitral).

 

23.          Assim sendo, seguindo a orientação jurisprudencial do STA acima enunciada, e tendo em consideração o pedido e a causa de pedir respetiva formulados nos presentes autos, entende o presente Tribunal Arbitral que o valor contestado (referente - como já se aludiu - ao ato de fixação do valor patrimonial do terreno para construção identificado), deverá ser o correspondente à diferença entre o valor apurado pela AT, por via da segunda avaliação (€ 8.167.880,00) e o valor que a Requerente entende como o correto (€ 3.370.181,00), ou seja, de € 4.797.699,00.

 

24.          Assim, o valor da utilidade económica do processo fixa-se em € 4.797.700 (quatro milhões setecentos e noventa e sete mil e setecentos euros), considerando ser este o valor contestado – atendendo a que a Requerente considerou, como correto, o valor de € 3.370.181,00, em contraposição ao valor determinado pela AT de € 8.167.880,00 -;

 

25.          … e não o valor das liquidações de IMI e AIMI, ainda não processadas ou emitidas pela AT, que a Requerente pretende obstar, estimadas, no montante de € 207.261,00 (duzentos e sete mil, duzentos e sessenta e um euros) por resultar de um valor incerto, em confronto às regras de atribuição de um valor certo a qualquer pedido e por não ter qualquer base legal que o suporte.

 

26.          Face ao exposto, entende o presente tribunal arbitral que o valor da utilidade económica do presente processo é de € 4.797.700,00 (quatro milhões, setecentos e noventa e sete mil e setecentos euros), nos termos aduzidos.

 

27.          Neste sentido, determina-se a alteração do valor atribuído à presente ação, com as consequentes implicações legais, nomeadamente em termos de custas processuais.

 

- Thema decidendum -

 

28.          Passemos, agora, à apreciação da questão de fundo dos presentes autos, a qual face às posições assumidas e aos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, consiste em saber se, na determinação do valor patrimonial de um terreno para construção, deverão ser tomados em consideração os coeficientes de afetação e localização a que se refere o artigo 38.º do Código do IMI.

 

29.          Ora, reputa a Requerente como «totalmente ilegal o ato de fixação do VPT contestado, na parte em resultam da consideração dos coeficientes de localização e de afetação e, bem assim, na parte em que resultam da aplicação da majoração do valor médio de construção, critérios / elementos que estão estabelecidos nos artigos 38.º e seguintes do Código do IMI exclusivamente para efeitos de aplicação de prédios edificados.».

 

30.          Defende, assim, que à avaliação dos terrenos para construção se aplica exclusivamente o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo qualquer remissão para as regras previstas no artigo 38.º do mesmo diploma,

 

31.          … porquanto, segundo entende, «[o] artigo 38.º do Código do IMI estabelece uma fórmula geral de avaliação dos prédios urbanos edificados, qual são individualmente considerados, designadamente, os coeficientes de afetação, de localização, de qualidade e conforto (que contribuem, em regra, para um aumento do VPT) e de vetustez (o qual está relacionado com a idade do prédio edificado e constitui, em regra, para a redução do VPT).»

 

32.          Mais, refere, a Requerente que «(…) não poderá ser aplicada a majoração estabelecida no artigo 39.º do Código do IMI para cálculo do valor base dos prédios edificados.», porquanto, «(…) a existência de regras especiais de avaliação dos terrenos para construção sem qualquer remissão intra-sistemática para o regime de avaliação dos prédios edificados afasta a aplicação da fórmula geral do artigo 38.º do CIMI, afastamento este que faz sentido uma vez que, de outra forma e a título meramente exemplificativo, o coeficiente de localização seria suscetível de influenciar duplamente o VPT de um terreno para construção.  Assim como afasta a aplicação do disposto no artigo 39.º do Código do IMI.»

 

33.          Concluindo no sentido de que «(…)por um lado, (…) os coeficientes de localização e de afetação, previstos no artigo 38.º do CIMI, não podem ser aplicados na avaliação dos terrenos para construção e, por outro lado, que o valor a considerar para efeitos do cálculo do VPT é o do custo médio de construção por metro quadrado sem qualquer majoração (i.e., 482,40 aplicável no ano de imposto de 2018) ao invés do valor base dos prédios edificados (603) que foi indevidamente aplicado pela AT no ato de fixação do VPT contestado.»

 

34.          A Requerida, na sua Resposta, contrapõe a posição da Requerente, com o entendimento de que «do art.º 45.º do CIMI decorre que na avaliação dos terrenos para construção, o legislador não afastou liminarmente a metodologia de avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo ter em consideração os coeficientes constantes no art.º 38.º do CIMI, tal imposição resulta, aliás, do referido n.º 2 do art.º 45.º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas (…)».

 

35.          Mais, aduzindo que «o valor dos prédios edificados corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor; (…) é determinado tendo em conta, nomeadamente, os encargos directos e indirectos suportados na construção do edifício, (…) sendo fixado anualmente nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 e n.º 3 do art.º 63.º do CIMI. Nessa medida, o valor base dos prédios edificados não pode deixar de ser considerado no VPT dos terrenos para construção, que tem por referência o valor de mercado, o que permite conferir maior uniformidade e imparcialidade.»

 

36.          Ora, a jurisprudência dos tribunais judiciais e arbitrais já teve oportunidade de ponderar a matéria em discussão nos presentes autos, tendo, designadamente, a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, em recurso por oposição de julgados – Acórdão proferido no processo n.º 01083/13, de 21/09/2016 -  sufragado, no seu sumário, o entendimento – que acompanhamos na integra - que:

«III - Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto.

V.           O artigo 45.º do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

VI.          O coeficiente de qualidade e conforto, fator multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser suscetível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto.»

 

37.          Estando impedido de o fazer, na verdade, também não vislumbra o presente Tribunal Arbitral motivos para alterar o sentido dessa orientação, por várias ordens de razão, a saber:

 

38.          O artigo 1.º do CIMI dispõe quanto à incidência objetiva do imposto, prevendo que: «(…) incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, constituindo receita dos municípios onde os mesmos se localizam.»

 

39.          Os conceitos de prédio, prédio urbano, prédio rústico e prédios mistos referido naquele artigo 1.º, são definidos nos artigos 2.º a 5.º do CIMI.

 

40.          O artigo 6.º do supramencionado diploma, sob a epígrafe “Espécies de prédios urbanos”, dispõe que:

«1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.

4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.»

 

41.          Mais, dispondo o n.º 1 do artigo 7.º do CIMI sob a epígrafe «valor patrimonial tributário» que: «o valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos do presente Código», remetendo, deste modo, para o capítulo VI – Do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos - .

 

42.          Dentro deste capítulo, encontramos, nos artigos 38.º a 44.º do CIMI, as orientações para determinar o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços,

 

43.          … e, nos artigos 45.º e 46.º do CIMI, as respeitantes à determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção e os prédios da espécie “outros”.

 

44.          Ora, o n.º 1 do artigo 38.º do CIMI prevê que: 

«1 - A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv

em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = coeficiente de afectação;

Cl = coeficiente de localização

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez.»

 

45.          …  o artigo 45.º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Valor patrimonial tributários dos terrenos para construção” prevê que:

«1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.»

 

46.          … e, o artigo 46.º dispondo quanto ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros”, prevê que:

«1 - No caso de edifícios, o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38.º, com as adaptações necessárias.

2 - No caso de não ser possível utilizar as regras do artigo 38.º, o perito deve utilizar o método do custo adicionado do valor do terreno.

3 – No caso dos terrenos, o seu valor unitário corresponde ao que resulta da aplicação do coeficiente de 0,005, referido no n.º 4 do artigo 40.º, ao produto do valor base dos prédios edificados pelo coeficiente de localização.

4 -O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos em ruínas é determinado como se de terreno para construção se tratasse, de acordo com deliberação da câmara municipal.»

 

47.          Ora, as disposições legais demonstram claramente que o legislador pretendeu definir critérios de determinação do valor patrimonial tributário por referência aos prédios classificados como “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços», como «terrenos para construção» e por último, como «outros», em conformidade com a tipologia definida no artigo 6.º do CIMI.

 

48.          Deste modo, e estando em causa a determinação do valor patrimonial tributário de um terreno para construção, como é o caso em apreço, a AT terá que se socorrer (obrigatoriamente) dos critérios estabelecidos no artigo 45.º do CIMI - por prever especificamente estes casos.

 

49.          Este artigo remete para:

a)            o valor da área de implantação do edifício a construir - o qual poderá ser, por um lado, variável entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas, e por outro, deverá ter em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º do CIMI, que se reportam à acessibilidade, proximidade de equipamentos sociais, serviços de transportes públicos e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário  – (n.º 2 e 3 do artigo 45.º do CIMI)  - 

b)           e para o valor adjacente à implantação – calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º do CIMI,

 

50.          … os quais somados permitem fixar e determinar o valor patrimonial tributário do terreno para construção.

 

51.          Conforme esclarece a decisão arbitral proferida no processo n.º 428/2018-T quanto a esta matéria: «[d]eterminando a lei os termos em que se calcula o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor da área adjacente à construção, cujo somatório permite fixar o valor patrimonial do terreno para construção, são esses os específicos critérios a que haverá de atender-se para efeitos de avaliação. Ao estabelecer que o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas, a lei não manda aplicar o coeficiente de localização definido no artigo 42.º para prédios urbanos destinados a comércio, indústria ou serviços, pretendendo explicitar apenas que, para efeitos de avaliação dos terrenos de construção, deve ser considerado um valor percentual entre esses dois limites, ponderado em função das características atinentes à localização do terreno. Ao utilizar a fórmula de cálculo da área de terreno livre dos prédios edificados, para a determinação do valor da área adjacente à construção, o legislador não pretende equiparar os terrenos para construção aos prédios edificados, mas unicamente aplicar um mecanismo de cálculo que se encontra previsto numa outra disposição do mesmo diploma legal. Como é bem de ver, as referências feitas no artigo 45.º ao regime específico do n.º 3 do artigo 42.º e do n.º 4 do artigo 40.º não representam uma remissão em bloco para os critérios de avaliação aplicáveis aos prédios edificados, mas apenas a integração no regime próprio de avaliação dos terrenos para construção, por efeito de um expediente de remissão intra-sistemática, de certos factores que são também considerados na avaliação de outros prédios urbanos.»

 

52.          Com efeito, não deixa de ser curioso que, enquanto o artigo 46.º do CIMI, na determinação do valor patrimonial tributários dos prédios da espécie ”outros”, manda aplicar, com as adaptações necessárias, o artigo 38.º do CIMI,

 

53.          … tal remissão não é feita no artigo 45.º quanto à determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, prevendo, este preceito legal, critérios próprios para o cálculo do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios.

 

54.          Refere, ainda, a decisão arbitral proferida no processo n.º 428/2018-T, já citada, «(…) uma interpretação do artigo 45.º com base na similitude de situação entre os terrenos para construção e os edifícios construídos não tem o mínimo apoio na letra da lei e não é sequer admissível o recurso à analogia, não só porque não existe nenhuma lacuna normativa que seja susceptível de integração analógica, como também porque a integração por meio de analogia é proibida no tocante a matérias abrangidas pela reserva de lei parlamentar (artigo 11.º, n.º 4, da LGT).».

 

55.          O sentido acima exposto tem suporte – como referido supra - na jurisprudência do STA que tem vindo a considerar, por um lado, não ser aplicável, na avaliação de terrenos para construção, os coeficientes de afetação e de qualidade e conforto, (cfr. acórdãos do STA proferidos no Processo n.º 0765/09, de 11/11/2009, Processo n.º 0824/15, de 20/04/2016, Processo n.º 0986/16. de 16/05/2018), por entender que tais fatores apenas podem ser aferidos em relação a prédios já edificados;

 

56.          … e por outro lado, que não contemplam igualmente coeficiente de localização, por considerar que o mesmo já se encontra observado na percentagem estabelecida no n.º 2 do artigo 45.º (cfr. acórdãos do STA proferidos no Processo n.º 01107/16, de 05/04/2017 e Processo n.º 0897/16, de 28/06/2017).

 

57.          Esclarecendo e clarificando a jurisprudência consolidada do STA  , quanto a esta matéria, aplicável também aos presentes autos, com as necessárias adaptações, que:

«O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de prédio urbano o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação directa (nº 2 do artigo 15 do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no nº 1 do artigo 38 do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no recurso 0824/15 disponível no site da DGSI)

(…)

Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios a regra específica constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.

Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (artº 45º nº 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projecto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc, se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros.»

 

58.          Face ao exposto, é manifesto que a fixação do valor patrimonial tributário de terreno para construção sindicado nos presentes autos, com base na aplicação de coeficientes de afetação, qualidade e conforto, e localização, previstos no artigo 38.º do CIMI, é ilegal, por erro na aplicação do direito, atenta a violação do artigo 45.º do Código do IMI.

 

59.            Nestes termos, procedendo o pedido de pronúncia arbitral da Requerente fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no presente processo. 

 

VIII. DECISÃO

 

Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim, julgar procedente o pedido de pronuncia arbitral e, em consequência, anular o ato de fixação do valor patrimonial tributário sindicado nos presentes autos.

 

Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 4.797.699,00 (quatro milhões setecentos e noventa e sete mil, seiscentos e noventa e nove euros), nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, c), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Custas a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 60.282,00 (sessenta mil, duzentos e oitenta e dois euro).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 14 de outubro de 2020

 

***

 

Os Árbitros

Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Árbitro Presidente),

Jorge Carita

Adelaide Moura