Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 708/2019-T
Data da decisão: 2020-09-24  IRS  
Valor do pedido: € 33.027,53
Tema: IRS - Crédito de imposto por dupla tributação internacional. Prova do imposto pago no Estado da fonte dos rendimentos de capitais.
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

RELATÓRIO

1. Pedido

A..., casado, titular do Cartão de Cidadão ..., válido até 17 de março de 2021, com domicílio em Rua ..., ...-... Lisboa, com número de identificação fiscal ..., e B..., casada, titular do Cartão de Cidadão ..., válido até 1 de julho de 2029, com domicílio em Rua ..., ...-... Lisboa, com número de identificação fiscal ... (adiante abreviadamente designados conjuntamente como “REQUERENTES”), apresentaram, em 21-10-2019, nos termos conjugados da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, da alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º, da alínea b) do n.º 2 do artigo 6.o e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), e do artigo 102.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), pedido de pronúncia arbitral, com vista:

1)            À anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano fiscal de 2015; 

2)            Anulação dos atos de acerto de contas e liquidação de juros praticados em consequência da liquidação de IRS n.º 2019...;

3)            A condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento à Requerente dos juros indemnizatórios calculados sobre o montante de imposto indevidamente cobrado.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida em 22-10-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação em 10-12-2019, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 13-01-2020.

A Requerente fundamenta o seu pedido, resumidamente, na seguinte argumentação:

             Na sua declaração conjunta de rendimentos referente ao ano fiscal de 2015, os Requerentes declararam rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro, por intermédio de entidades financeiras sedeadas na Suíça;

             Sendo notificados pela Autoridade Tributária para apresentarem documentos comprovativos dos impostos efetivamente pagos sobre esses rendimentos nos Estados da fonte dos rendimentos, os Requerentes apresentaram extratos bancários relativos às contas de investimentos financeiros (contas de portfolio financeiro) onde detinham os diversos valores mobiliários dos quais auferiram os rendimentos em diferentes Estados;

             Tais documentos não foram aceites pela Autoridade Tributária como comprovantes do imposto efetivamente pago nos Estados da fonte dos rendimentos por não serem emitidos nem autenticados pelas entidades competentes no respetivo Estado da fonte, nomeadamente, por não cumprirem o ponto n.º 2 do Ofício-Circulado n.º 20124 de 9 de maio de 2007, tratando-se somente de avisos de pagamentos de rendimentos, emitidos pelas instituições financeiras suíças onde os Requerentes detinham os seus portfolios financeiros.

             Em consequência, também não foi permitido aos Requerentes beneficiarem de crédito de imposto para eliminação da dupla tributação internacional.

             Contudo, os Requerentes têm direito ao crédito de imposto por dupla tributação internacional, o qual lhes é atribuído quer pelas convenções sobre dupla tributação internacional aplicáveis quer pela lei tributária portuguesa, e em face de tais normas jurídicas deve considerar-se provado, por parte dos Requerentes, o imposto pago nos Estados da fonte dos rendimentos, sem que a tais normas jurídicas se possam sobrepor as normas constantes do Ofício-Circulado n.º 20124 de 9 de maio de 2007, por se tratar este de uma simples instrução administrativa, sem força obrigatória geral.

             O pagamento do imposto nos Estados da fonte deve, desde logo, uma vez declarado, gozar de presunção de veracidade nos termos do artigo 75.º da LGT, nos termos do qual “presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei”.

             Além disso, os Requerentes ainda apresentaram como prova do pagamento do imposto nos Estados da fonte os documentos emitidos pelas entidades financeiras suíças custodiantes dos investimentos;

             Tais documentos foram emitidos nos termos da legislação nacional das entidades que os emitiram;

             Nos termos do nº 1 do artigo 365.º do CC, "os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respetiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal.".

             A AT por seu turno não questiona que seja outra a forma legal, prevista nos países de origem dos rendimentos, para que as entidades pagadoras de rendimentos reportem os rendimentos e retenções efetuados, permitindo aos seus titulares provar perante terceiros, incluindo autoridades fiscais, os referidos valores.

             A aceitação de tais documentos para prova do imposto pago resulta ainda do princípio de não discriminação consagrado nas convenções sobre dupla tributação internacional, das quais resulta que:

(i) a aplicação de normas domésticas para efeitos de eliminação de dupla tributação não pode derrogar o princípio geral nos termos do qual cabe ao Estado da residência eliminar a dupla tributação via crédito de imposto; e

(ii) o Estado da residência não pode impor “nenhuma tributação ou obrigação com ela conexa diferente ou mais gravosa do que aquelas a que estejam ou possam estar sujeitos os nacionais desse outro Estado que se encontrem na mesma situação”.

             Não sendo possível impor às autoridades fiscais estrangeiras uma obrigação que a própria AT não tem – nem tão pouco exige aos seus nacionais – também não poderá, via exigência de autenticação, procurar obter o mesmo efeito.

             São, assim, os ditos documentos prova idónea dos factos que visam demonstrar, pelo que será́ forçoso concluir que os aludidos documentos fazem prova suficiente de rendimentos e retenções para efeitos de crédito de imposto, tal como o fazem os mesmos documentos emitidos pelos bancos portugueses para titular os mesmos factos, emitidos a não residentes;

             Mas, admitindo por hipótese, que alguma dúvida séria subsistiria, então teria de ser a própria AT a usar dos mecanismos de troca de informações e das obrigações estabelecidas entre os Estados contratantes.

 

2. Comunicação de revogação parcial do ato de liquidação

Em 29-01-2020, a Requerida comunicou ao Tribunal a revogação parcial do ato de liquidação.

 

3. Resposta

Em 17-02-2020, subsequentemente a notificação para o efeito, a Requerida apresentou resposta ao pedido da Requerente, defendendo nela a legalidade da liquidação impugnada, na parte não revogada.

Em defesa da liquidação impugnada, na parte não revogada, a Requerida alega apenas que, no que respeita ao imposto “declarado nas linhas 816 dos quadros 8A de cada um dos anexos J (isto é, €605,80 x 2) não foi apresentado qualquer elemento de suporte probatório, ainda que tal juncão tenha sido prometida, pelo que esses valores não se revelam susceptíveis de aceitação.

 

4. Tramitação subsequente

Em 4 de junho de 2020, foi proferido despacho determinando a dispensa, por inútil, da reunião prevista no art. 18º do RJAT, e concedendo às Partes prazos sucessivos para apresentarem alegações finais escritas.

 

5. Alegações das Partes

Nas suas alegações, a Requerente alega a inutilidade superveniente da lide relativamente à parte não revogada do ato de liquidação, “nos termos e para os efeitos do artigo 277º, al. e) do CPC.”

Quanto à parte não revogada do ato de liquidação impugnado, a Requerente concede razão à Requerida.

A Requerida não apresentou alegações.

 

6. Saneamento

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

QUESTÕES A APRECIAR

Em vista da revogação parcial do ato de liquidação impugnado e da concessão de razão, por parte dos Requerentes, à Requerida, quanto à parte não revogada do mesmo ato, e em vista das alegações apresentadas pelos Requerentes, em que estes, por um lado, alegam a inutilidade superveniente da lide e, por outro, reconhecem razão à Requerida no que respeita à parte não revogada do ato, as questões a apreciar no presente processo são:

a.            A existência de inutilidade superveniente parcial da lide;

b.            A consequência dessa inutilidade superveniente parcial da lide;

c.            A consequência do reconhecimento, por parte dos Requerentes, de razão de procedência da impugnação da Requerida quanto à parte do ato não revogada.

d.            A legalidade da não aceitação, para efeitos de crédito de imposto em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, dos montantes indicados como imposto pago no estrangeiro, quando não se juntaram comprovativos desse pagamento 

MATÉRIA DE FACTO

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

1º.          Os Requerentes apresentaram, em 19-07-2016, declaração de substituição de rendimentos referentes ao ano 2015.

2º.          Nessa declaração, os Requerentes preencheram o quadro 8 (“Rendimentos de Capitais (Categoria E”)) do Anexo J (“Rendimentos Obtidos no Estrangeiro”), tendo preenchido, nesse quadro, os campos 801 a 818, com os seguintes valores:

Campo Código do rendimento  País da fonte     Rendimento bruto          Imposto pago no país da fonte

801         E11         250         3.376,92              1.013,08

802         E11         276         8.617,69              2.272,92

803         E11         372         173,90 34,78

804         E11         380         972,68 252,90

805         E11         724         14.453,95           2.857,06

806         E11         826         8.145,02              62,30

807         E11         840         1.954,22              548,57

808         E11         76           95.219,26           9.937,71

809         E11         528         1.495,20              224,28

810         E21         76           17.038,44          

811         E21         191         5.703,13             

812         E24         250         17.930,79          

813         E24         442         17.468,75          

814         E24         528         36.301,35          

815         E24         752         2.394,10             

816         E21         840         5.034,74              605,80

817         E21         528         45.318,75          

818         E23         756         54.645,84          

 

3º.          Foram submetidos dois anexos J, com o mesmo teor, correspondendo aos rendimentos de cada um dos Requerentes.

4º.          Com data de emissão de 10-08-2016, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação nº 2016... de imposto sobre o rendimento dos Requerentes referente ao ano 2015.

5º.          A liquidação nº 2016... determinou um valor de imposto a pagar € 159.023,98,

6º.          Em 03-08-2018, a Autoridade Tributária e Aduaneira notificou os Requerentes, para que, nos termos do n.º 1 do artigo 128.º do Código de IRS, remetessem à Direção de Finanças as declarações emitidas ou autenticadas pelas autoridades fiscais dos Estados onde os Requerentes haviam obtido rendimentos, das quais constasse a natureza dos rendimentos, o montante ilíquido auferido e o montante de imposto retido, bem como, a liquidação final desses impostos pagos nos Estado estrangeiro.

7º.          Em resposta a esta notificação, os Requerentes remeteram à Direção de Finanças de Lisboa, em 20 de agosto de 2018, extratos bancários relativos às contas de investimentos financeiros onde detinham os diversos valores mobiliários geradores dos rendimentos tributados.

8º.          Na sequência de tal comunicação, a Requerida notificou os Requerentes, através do Ofício n.º..., de 30-11-2018, para se pronunciarem, em audiência prévia, sobre projeto de ato de correção da sua liquidação de imposto sobre o rendimento de 2015 dos Requerentes, no valor de €17.809,40 a cada um dos Requerentes, num valor total de €35.618.80.

9º.          Com data de emissão de 08-06-2019, a Requerida emitiu nova liquidação (com o nº 2019...) sobre os rendimentos dos Requerentes referentes ao ano de 2015, na qual o montante de imposto foi corrigido por eliminação de deduções no montante de €35.618.80 referentes a imposto pago no estrangeiro sobre rendimentos de capitais.

10º.        A liquidação nº 2019... determinou um valor total de imposto a pagar de 192.213,61 euros.

11º.        Em 22-01-2020, na pendência do processo arbitral, a Requerida revogou parcialmente a liquidação com o nº 2019..., com a seguinte justificação:

 “Com efeito, a prova do imposto pago no estrangeiro deve ser efetuada através de documentos emitidos ou certificados pela autoridade fiscal do Estado de onde provêm os rendimentos, enquanto entidade responsável pela arrecadação da receita fiscal, na medida em que só́ esta entidade se encontra habilitada a certificar o imposto suportado a final no seu território, ou seja, o imposto apurado deduzido de quaisquer eventuais reembolsos.

Tal entendimento, aliás, é o que resulta das instruções de preenchimento do anexo J e da instrução administrativa (atualmente vigente) emitida com referência a essa matéria (Ofício-Circulado nº 20124 de 09 de Maio de 2007).

5. Acontece porém que, nos termos do nº 1 do artº 9 do Acordo celebrado entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça, em conformidade com a Diretiva no2003/48/CE (Diretiva Poupança), com vista à aplicação de medidas equivalentes às constantes na mesma, o Estado-Membro da residência fiscal (Portugal) deve aceitar os certificados emitidos pelos agentes pagadores suíços, como prova bastante do imposto ou da retenção na fonte, desde que a autoridade competente no Estado-Membro de residência fiscal possa obter da autoridade competente suíça a verificação das informações contidas nesses certificados emitidos pelos agentes pagadores suíços.

6. Ora, da leitura cruzada dos documentos apresentados, emitidos pela instituição bancária suíça C..., SA, confirma-se que os requerentes ( A..., com o NIF..., e B..., com o NIF..., são os co-titulares da conta a partir das quais foram pagos os rendimentos relativamente aos quais foi suportado na Suíça o imposto declarado para efeitos de eliminação da dupla tributação internacional (conta nº ...)

7. Confirmando-se igualmente os valores de imposto inicialmente declarados nas linhas 801 a 809 dos quadros 8A de cada um dos anexo J incluídos na declaração Mod.3 de substituição entregue (...– 68), aqui dados por reproduzidos, e que, assim, devem ser aceites.

8. No tocante ao imposto declarado nas linhas 816 dos quadros 8A de cada um dos anexo J (isto é, €605,80 x 2) não foi apresentado qualquer elemento de suporte probatório, ainda que tal juncão tenha sido prometida, pelo que esses valores não se revelam suscetíveis de aceitação.

9. Concluindo, e em face do exposto afigura-se que o pedido dos requerentes deve ser

parcialmente deferido, aceitando-se os montantes de imposto inscritos nas linhas 801 a 809do s quadros 8A de cada um dos anexo J incluídos na Mod.3 de substituição entregue (...– 68), não sendo possível aceitar os valores inscritos nas linhas 816 (€605,80 x 2).

Conclusão

Deste modo, após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que a liquidação no 2019..., referente ao ano de 2015, no valor de €33.027,53, deve ser revogada, e emitida uma nova, atendendo aos valores indicados no ponto 9 da presente informação.”

12º.        Em 09-07-2019, os Requerentes procederam ao pagamento do imposto liquidado, no montante de 33.189,63 euros.

13º.        Os Requerentes não apresentaram qualquer elemento de prova do efetivo pagamento dos montantes indicados, na linha 816 do quadro 8 dos anexos J da declaração, como correspondendo a imposto pago no estrangeiro.

 

Os factos dados como provados foram assim considerados com base na prova documental junta ao processo por ambas as Partes, ou por terem sido alegados por uma das partes sem que tenham sido contestados pela parte contrária.

 

FUNDAMENTAÇÃO

i.             Questão prévia - Inutilidade superveniente parcial da lide

A Requerida, já na pendência do processo arbitral, revogou parcialmente a liquidação impugnada pelos Requerentes.

A revogação parcial consistiu na aceitação dos valores inscritos pelos Requerentes nas linhas 801 a 809 do quadro 8 dos dois anexos J das declarações de rendimentos apresentadas pelos Requerentes em 19-07-2016, indicados como montantes de imposto pago no país da fonte dos rendimentos de capitais tributados.

A Requerida apenas não aceitou o montante de 605,80 euros inscrito na linha 816 do mesmo quadro nos dois anexos J.

Nas suas alegações finais, os Requerentes alegam a inutilidade superveniente da lide limitada à parte do pedido correspondente aos montantes aceites.

Em primeiro lugar, começa-se por referir que a revogação total ou parcial dos atos tributários na pendência do processo tributário está expressamente prevista no art. 13º do RJAT.

Nos termos do nº 1 desse preceito, “nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º”.

O nº 2 determina que “quando o ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral seja, nos termos do número anterior, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro, o dirigente máximo do serviço da administração tributária procede à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo o procedimento relativamente a esse último ato se o sujeito passivo nada disser ou declarar que mantém o seu interesse.”

No caso dos autos, a notificação à Requerida do pedido de constituição de tribunal arbitral teve lugar no dia 28 de outubro de 2019, pelo que a revogação parcial, emitida no dia 22-01-2020, foi praticada após o prazo de 30 dias previsto no nº 1 do art. 13º.

A consequência desse facto temporal foi a de não se tornar obrigatório o procedimento previsto naquele preceito.  Em tudo o mais, a revogação produziu os seus efeitos.

Sobre a inutilidade superveniente da lide, o Código de Processo Civil diz que ela é uma das causas da extinção da instância (art. 277º, al. e) CPC, aplicável ao processo arbitral ex vi do art. 29º, nº 1 al. e) do RJAT).

Como é consabido, e como ensina Alberto dos Reis, está-se perante uma situação de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, quando devido a novos factos, verificados na pendência do processo, não existe qualquer efeito útil na decisão a proferir, “quando já não é possível o pedido ter acolhimento ou quando o fim visado com a ação foi atingido por outro meio” (Alberto dos Reis, J., Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, Coimbra 1946, pp. 368-369).

Ora, afigura-se-nos que, tratando-se de uma causa de extinção da instância, não será próprio falar de inutilidade parcial superveniente da lide, porque, ou, após a produção dos factos supervenientes, não existe qualquer interesse na decisão ou se torna de todo em todo impossível obter através desta qualquer efeito útil, e então teremos um inutilidade “total” superveniente da lide; ou ainda persiste algum interesse na decisão a proferir, e nesse caso a instância tem de prosseguir para que se possa dar satisfação a esse interesse.

No caso dos autos, não se pode dizer que a revogação parcial do ato tenha originado a total inutilidade da lide. O que, sim, se verifica é que a lide perdeu grande parte do interesse, pois o interesse dos Autores foi satisfeito por via administrativa. Mas não se pode - o Tribunal não poderá, em todo o caso – dizer que a instância perdeu toda a utilidade.

Poder-se-ia dizer que se verifica inutilidade superveniente da lide se, por vir a reconhecer a procedência da impugnação da Requerida, os Requerentes tivessem desistido do pedido no que respeita à parte do ato de liquidação que não foi revogada.

Então sim, desistindo os Requerentes dessa parte do pedido, e tendo a parte restante já sido satisfeita pela via administrativa, não haveria qualquer interesse em prosseguir com a instância, pois não haveria já possibilidade de obter através da decisão, em nenhuma medida, a satisfação do interesse dos Requerentes.

Acontece, porém, que, tendo expressamente afirmado que reconhecem razão à Requerida quanto à defesa que esta faz da parte não revogada do ato impugnado, os Requerentes não retiram daí qualquer consequência processual, não requerendo, nomeadamente, a desistência do pedido.

Quanto ao Tribunal, este poderá, até certo ponto, interpretar os pedidos e pretensões apresentados pelas partes, mas não pode concluir pela existência de pretensões que não foram minimamente formuladas.

Sendo assim, não pode o Tribunal decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

 

ii.            Ilegalidade do ato de liquidação

Revogado parcialmente o ato de liquidação, e aceites pela Requerida, através dessa revogação, os montantes indicados pelos Requerentes nas linhas 801 a 809 do quadro 8 dos dois anexos J da sua declaração de rendimentos, fica apenas por apreciar a legalidade do ato respeitante à não aceitação dos montantes inscritos na linha 816 do quadro 8 dos mesmos anexos.

Quanto a este montante, a Requerida invoca que os Requerentes não apresentaram qualquer elemento de prova do efetivo pagamento dos montantes indicados.

A única questão que é discutida é a da aceitabilidade deste montante.

É certo, como aduzem os Requerentes, que vigora no nosso direito tributário o princípio da declaração (STA, acórdão de 13-12-2028, proc. nº 506/06.8BEVIS, Relator: Juiz Conselheiro Ascensão Lopes), segundo o qual se presumem verdadeiras as declarações do contribuinte, consagrado no art. 75º da Lei Geral Tributária e no art. 59º nº 1 do CPPT.

Contudo, a nossa lei tributária também determina, no art. 59º, nº1 do CPPT, a obrigação de os contribuintes fornecerem à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária.

A presunção de veracidade da declaração dos contribuintes não é, portanto, um princípio absoluto, que dispense os contribuintes de provarem os factos declarados.

No caso, a Autoridade Tributária pediu aos Requerentes que apresentassem prova do que os valores indicados como correspondendo a imposto pago nos países da fonte dos rendimentos haviam sido efetivamente pagos.

Os Requerentes apresentaram prova desse pagamento para a maioria dos rendimentos de capitais obtidos. Contudo, não apresentaram qualquer prova de efetivo pagamento dos rendimentos indicados na linha 816 do quadro dos dois anexos J juntos à declaração de rendimentos.

Assim sendo, e como os próprios Requerentes reconhecem expressamente nas suas alegações finais, é legítimo à Requerida desconsiderar, por não provado, o imposto alegadamente pago sobre esses rendimentos.

Pelo que, nessa parte, o ato de liquidação não sofre da ilegalidade que lhe é imputada pelos Requerentes.

 

iii.           Do pedido de juros indemnizatórios

O direito a juros indemnizatórios alicerça-se no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, determina que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso dos autos, não foi determinada no processo arbitral nenhuma ilegalidade em que possa ter concorrido “erro imputável aos serviços”, pelo que não pode proceder o pedido de juros indemnizatórios.

 

DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos que ficaram expostos, julga-se improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação, com o nº 2019..., de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, na parte que, após a revogação praticada pelo órgão competente da Administração Tributária, foi mantida na ordem jurídica.

 

VALOR DO PROCESSO

Nos termos da al. a) do nº 1 do art. 97.º-A do CPPT, aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em 35.618,80 euros (trinta e cinco mil, seiscentos e dezoito euros e oitenta cêntimos).

 

CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1.836,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo:

a.            Da Autoridade Tributária e Aduaneira em 1.773,58 euros;

b.            Da Requerente em 62,42 euros.

              

Porto, 24 de Setembro de 2020

 

O Árbitro

(Nina Teresa Sousa dos Santos Aguiar)