Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 707/2019-T
Data da decisão: 2020-03-09  IVA  
Valor do pedido: € 7.964.357,00
Tema: IVA – Indeferimento tácito de recurso hierárquico – Revisão oficiosa – Incompetência do tribunal arbitral.
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Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Cristina Coisinha e Dr. Arlindo José Francisco (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 13-01-2019, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

FUNDO ABERTO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO A..., doravante abreviadamente designado por “Requerente” ou “Fundo”, com o número de identificação fiscal ... e com sede na Avenida ...–...–..., ...-... ..., neste acto representado pela sua sociedade gestora B..., S.A., com o número de identificação fiscal ..., com sede na mesma morada, veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a anulação dos actos tributários de liquidação do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) efectuados pelas entidades que prestaram, ao Requerente, durante o ano 2015, serviços de construção civil, no montante global de € 79.643,57.

O Requerente formula os seguintes pedidos:

  1. Seja anulado o acto de indeferimento tácito do Recurso Hierárquico interposto do anterior acto de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado com referência às liquidações adicionais de IVA emitidas pela AT na sequência da acção inspectiva realizada junto do Requerente, porquanto os mesmos padecem de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito que regem a situação tributária do Requerente e das entidades que, durante o ano 2015, lhe prestaram serviços de construção civil;
  2. Sejam, consequentemente, anulados os actos tributários de liquidação de IVA efectuados pelos prestadores de serviços de construção civil, no valor de € 79.643,57;
  3. Seja restituído ao Requerente o valor do IVA pago em excesso, no montante global de € 79.643,57, seja a Autoridade Tributária e Aduaneira condenada no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legalmente estabelecida, até ao reembolso integral da quantia devida;
  4. Seja a Autoridade Tributária e Aduaneira condenada no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legalmente estabelecida, até ao reembolso integral da quantia devida;

 

Subsidiariamente,

  1. Sejam anulados os actos tributários de liquidação de IVA efectuados pelos prestadores de serviços de construção civil, no valor de € 79.643,57; por manifesta ilegalidade dos mesmos, em virtude de vício de duplicação de colecta.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 22-10-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 10-12-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 13-01-2020.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando as excepções de ilegitimidade processual, da ininteligibilidade do pedido, da caducidade do direito de acção e da incompetência material do Tribunal Arbitral.

Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 26-02-2020 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, tendo a Requerente possibilidade de responder às excepções.

Por mensagem de correio electrónico de 05-03-2020, a Requerente feio informar que «na sequência do despacho arbitral preferido no passado dia 26.02.2020, vimos, pelo presente, informar que não pretendemos produzir alegações, orais ou escritas, no âmbito do processo em referência».

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar prioritariamente as excepções suscitadas, começando pela de incompetência, de harmonia com o preceituado no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.  

 

2. Matéria de facto relevante para apreciar as exceções

 

 

  1. Foi realizada uma inspecção tributária à Requerente, relativa ao exercício de 2015, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que contas do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  2. Nessa inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, além do mais, que deveria haver lugar a correcções no que respeita à falta de autoliquidação de IVA no montante de € 79.643,57, em virtude da norma de reverse charge prevista na alínea j) do n.º 2 do artigo 2.º do Código do IVA, para a aquisição de serviços de construção civil;
  3. Ao abrigo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e do artigo 98.º do Código do IVA, a Requerente apresentou Pedido de Revisão Oficiosa dos actos tributários de liquidação de IVA efectuados pelas entidades que prestaram, ao Fundo, durante o ano 2015, serviços de construção civil;
  4. O referido Pedido de Revisão Oficiosa veio a ser indeferido pela AT, com fundamento na “(…) ilegitimidade do Fundo (…) atento ao disposto no artigo 9.º do CPPT”, nos termos que constam do Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte

5.     A Requerente dispõe de personalidade e capacidade tributárias, nos termos do preceituado nos artigos 15.º e 16.º, ambos da Lei Geral Tributária (LGT), e artigos 3.º do CPPT

6.     A Requerente integra o grupo dos contribuintes que na aceção do artigo 68º-B da LGT são considerados "contribuintes de elevada relevância económica  e fiscal",  cujo acompanhamento permanente e gestão tributária se encontram atribuídos â Unidade dos Grandes Contribuintes, constando do elenco previsto no Despacho n.º 977/2019, de 28 de janeiro. Nesses termos, face ao preceituado na alínea m) do n.º 2 do artigo 34.º da Portaria n," 320-A/2011, de 30 de dezembro, alterada e republicada pela Portaria n.º 155/2018, de 29 de maio, é competente para a decisão acerca do pedido de revisão oficiosa o Diretor da Unidade dos Grande Contribuintes.

7. A Requerente não é parte interessada no procedimento, não tendo legitimidade para a respetiva interposição ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 18.º da LGT e no n.º 1 do artigo 9.º do CPPT.

Senão vejamos,

DA ADMISSIBILIDADE DO PROCEDIMENTO DE REVISÃO OFICIOSA - DA LEGITIMIDADE

8.    Nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 196." do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável supletivamente por via da al. c) do art.º 2 º do CPPT, o pedido de revisão oficiosa deve ser rejeitado quando a Requerente careça de legitimidade.

9.    A legitimidade procedimental da Requerente constitui, dessa forma, um requisito de admissibilidade do pedido de revisão oficiosa, traduzindo-se a sua inobservância na impossibilidade de intervenção no procedimento, obstando â análise do mérito do recurso.

10.  Conforme decorre da al. c) do n.º 1 do art." 109.º do CPA ex vi al. c) do art.º 2 º do CPPT, o órgão competente para a decisão final, logo que estejam apurados os elementos necessários, conhece de qualquer questão que prejudique o desenvolvimento normal do procedimento ou impeça a tomada de decisão sobre o seu objeto, designadamente, a ilegitimidade da Requerente.

11.  Parece-nos ser o caso do presente pedido de revisão oficiosa.

12.  De acordo com o n." 1 do art." 9.º do CPPT, têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legítimo

13.  Assim sendo, importa aludir, que o sujeito passivo foi objeto de procedimento de inspeção externa de âmbito parcial, dirigido á análise do IVA, ao exercício fiscal de 2015, realizado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2016..., emitida pela Direção de Finanças de Lisboa a 30.08.2016, do qual resultaram, de entre outras, a seguinte correção:

(...)

III.1.1.3. IVA não liquidado na aquisição de serviços de construção civil - 79.643,57 euros.

Resulta do exposto no ponto anterior que os vários prestadores de serviços não deveriam ter efetuado a liquidação do IVA, uma vez que o verdadeiro devedor do imposto é o Fundo, na qualidade de adquirente de serviços de construção, contudo, como anteriormente se referiu, os mesmos foram induzidos à não aplicação da regra de inversão do sujeito passivo, na medida em que o Fundo não procedeu ao pedido de alteração dos seus elementos com vista ao correio enquadramento em sede de IVA.

O facto dos vários fornecedores terem liquidado imposto e essa liquidação não ser devida, não impede que a liquidação do imposto e o respetivo pagamento não tenha que ser feita por parte do Fundo, considerando que essas entidades poderão obter a devolução do referido imposto junto da Autoridade Tributaria. (...)"

14.  Importa referir, que relativamente ao IVA, não liquidado pela Requerente nos Serviços de Construção Civil, -€79.643,57, foram emitidas liquidações adicionais, nos termos legais validamente notificadas.

15.  Por  seu  turno,   em  2019.02.12,   apresentou   a   Requerente,  junto  da   Unidade  dos  Grandes Contribuintes, petição de revisão oficiosa, alegando que:   "(...) suportou duplamente o IVA devido pela aquisição dos serviços de construção civil no ano de 2015, quer, por um lado, por via do pagamento do IVA (indevidamente) liquidado pelos prestadores dos serviços de construção civil, quer, por outro lado, através do pagamento das liquidações adicionais de IVA emitidas pela AT, deverá o mesmo,  ou seja, o IVA incorretamente liquidado pelos prestadores de serviços de construção civil, ser anulado e restituído ao Fundo." e acrescenta " (...) vem nesta sede, solicitar, por via do presente pedido de revisão oficiosa, (...) a anulação da liquidação do IVA efetuada petos prestadores de serviços de construção civil e, bem assim, a restituição ao Fundo, dos montantes de imposto entregues pelos mesmos.

16.   Em resposta, ao anteriormente alegado, importa referir, que a Requerente não liquidou duplamente IVA, aquando da aquisição a vários prestadores de serviços de construção civil, porque estes é que liquidaram o IVA respetivo, tendo a Requerente deduzido o IVA relativo a essas prestações de serviços de construção civil,

17.  Ora, dispõe o n.º 2 do art.º 1.ºda Diretiva IVA o seguinte:

«O princípio do sistema comum do /VA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação. Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.» (sublinhado nosso)

18.   Os formatos do direito â dedução encontram-se previstos no artº 167.º e seguintes da Diretiva IVA, no qual destacamos o disposto na alínea a) do art.º 168.º.

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedores montantes seguintes:

a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo; (...)»

19.  Da parte do legislador nacional, não se verifica qualquer distorção em relação à Diretiva IVA, constando, pois, da alínea a) do n.º 1 art.º 20 do CIVA que:

«Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas; (  )»

20.  Em suma, resulta do sistema de IVA que para o apuramento do imposto devido, deve o sujeito passivo, no âmbito do exercício da sua atividade económica, deduzir o imposto suportado nas aquisições de bens e prestações de serviço incorridas, para a realização das operações tributáveis e não isentas.

21.  Isto, significa que a Requerente ao não aplicar o disposto no ofício circulado n.º 30101 da DSIVA, de 2007.05.24, liquidou e deduziu o IVA, relativamente às operações anteriormente referidas.

22.  Após a ação inspetiva que determinou a aplicação das regras de inversão do sujeito passivo -reverse charge - que determina que o IVA é devido pelo adquirente dos serviços de construção civil, o "FUNDO" liquidou IVA, atento ao disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, e ofício circulado n.º 30101 da DSIVA de 2007.05.24, o mesmo acontecendo relativamente ao exercício do direito à dedução.

23.   Face ao anteriormente exposto, e conforme é referido no Relatório de Inspeção, não obstante vários fornecedores terem liquidado imposto e essa liquidação não ser devida, não impede que a liquidação do imposto resultante da aplicação das regras de inversão do sujeito passivo e o respetivo pagamento não tenha que ser feita por parte do "Fundo", considerando que os prestadores de serviços de construção civil, poderão obter a devolução do referido imposto junto da Autoridade Tributária.

24.  De acordo com o n.º 3 do art.º 18.º da LGT, o sujeito passivo da relação tributária é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.

25.   Isto significa, que atendendo ao referido no n.º 1 do artigo 9.º do CPPT, que consigna que têm legitimidade  para  intervir  no  procedimento tributário os  contribuintes,  incluindo  substitutos e responsáveis, outros obrigados tributário, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido, o pedido de anulação do acto de liquidação do IVA efetuado   pelos   prestadores   dos   serviços   de  construção   civil,   não   compete   ao  "FUNDO", considerando-se que a  Requerente não tem legitimidade processual,  relativamente aos atos tributários praticados pelos prestadores de serviços de construção civil.

26.   Pode-se concluir, então, pela ilegitimidade do "FUNDO", uma vez que, estamos perante pedido de revisão oficiosa de IVA, relativamente ao IVA suportado na aquisição de serviços de construção civil indevidamente liquidado pelos respetivos prestadores de serviços, conforme refere a Requerente no ponto 5 º e 12.º da petição de Revisão Oficiosa.

27.   Face ao exposto, conclui-se pela improcedência dos argumentos invocados pela Requerente, atento ao disposto no artigo 9.º do CPPT e alínea c) do artigo 109.º do CPA, devendo ser indeferida a sua pretensão.

 

  1. Em 22-05-2019, a Requerente interpôs Recurso Hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa;
  2. O recurso hierárquico não foi decidido até 21-07-2019;
  3. No presente processo, a Requerente pede a apreciação da legalidade daquelas decisões de indeferimento e dos actos tributários de liquidação de IVA, no montante global de € 79.643,57, efectuados pelas entidades que prestaram, ao Fundo, durante o ano 2015, serviços de construção civil.

 

3. Excepção da incompetência material

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

– o acto que constitui o objeto imediato do pedido de pronúncia arbitral sub judice consubstancia-se na decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, que foi rejeitado liminarmente atenta a sua intempestividade;

– não foi apreciada na decisão do pedido de revisão oficiosa a legalidade de qualquer acto tributário de liquidação porquanto a mesma ficou prejudicada na medida em que faltava um pressuposto procedimental necessário à sua efetiva apreciação;

– estamos perante um acto administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do acto de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT;

– o processo arbitral tributário encontra-se estabelecido por referência e com objeto em tudo semelhante ao processo de impugnação judicial, em relação à qual deve constituir um meio processual alternativo;

– quer o pedido de revisão oficiosa quer o recurso hierárquico não apreciaram o acto de liquidação, nem formulam qualquer juízo sobre a legalidade do acto de liquidação.

 

 

3.1. Questão da incompetência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para conhecer de actos de segundo ou terceiro grau que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação

 

3.1.1. Competência para apreciar actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;

 

Para além da apreciação direta da legalidade de actos deste tipo, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos, designadamente de actos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas), aos «actos susceptíveis de impugnação autónoma» e à «decisão do recurso hierárquico».

            No artigo 2.º do RJAT, em que se define a «Competência dos tribunais arbitrais», não se inclui expressamente a apreciação de pretensões de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos tributários, pois, na redação introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, apenas se indica a competência dos tribunais arbitrais para «a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» e «a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais».

            Porém, o facto de a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de atos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele artigo 2.º do RJAT.

Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).

Mas, este mesmo argumento que se extrai da autorização legislativa conduz à conclusão de que estará afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando, no processo judicial tributário, não for utilizável a impugnação judicial ou a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Na verdade, sendo este o sentido da referida lei de autorização legislativa e inserindo-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre o «sistema fiscal», inclusivamente as «garantias dos contribuintes» [artigos. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] ( [1] ), e sobre a «organização e competência dos tribunais» [art. 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP], não pode o referido artigo 2.º do RJAT, sob pena de inconstitucionalidade, por falta de cobertura na lei de autorização legislativa que limita o poder do Governo (artigo 112.º, n.º 2, da CRP), ser interpretado como atribuindo aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para a apreciação da legalidade de outros tipos de actos, para cuja impugnação não são adequados o processo de impugnação judicial e a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

O acto de indeferimento de um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação constitui um acto administrativo, à face da definição fornecida pelo artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo [subsidiariamente aplicável em matéria tributária, por força do disposto no artigo 2.º, alínea d), da LGT, 2.º, alínea d), do CPPT, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constitui uma decisão de um órgão da Administração que, no exercício de poderes públicos visou produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta. Por outro lado, é também inquestionável que se trata de um acto em matéria tributária, pois é feita nele a aplicação de normas de direito tributário.

Assim, aquele acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa constitui um «acto administrativo em matéria tributária».

Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa (a que se reportam as referências recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação. ( [2] )

Eventualmente, como exceção a esta regra poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, pelo facto de haver uma norma especial, que é o n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. ( [3] ) Outras exceções àquela regra poderão encontrar-se em normas especiais, posteriores ao CPPT, que expressamente prevejam o processo de impugnação judicial como meio para impugnar determinado tipo de actos. ( [4] )

Mas, nos casos em que não há normas especiais, é de aplicar aquele critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa.

À face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes actos de autoliquidação. Se o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação não comporta a apreciação da legalidade deste será aplicável a acção administrativa para o impugnar. Trata-se de um critério de distinção dos campos de aplicação dos referidos meios processuais de duvidosa justificação, mas o certo é que é o que resulta do teor das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e tem vindo a ser uniformemente adotado pelo Supremo Tribunal Administrativo. ( [5] )

Por outro lado, esta constatação de que há sempre um meio impugnatório processual adequado para impugnar contenciosamente o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação, conduz, desde logo, à conclusão de que não se está perante uma situação em que no processo judicial tributário pudesse ser utilizada a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois a sua aplicação no contencioso tributário tem natureza residual, uma vez que essas acções «apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou interesse legalmente protegido» (artigo 145.º, n.º 3, do CPPT).

Uma outra conclusão que permite a referida delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa é a de que, restringindo-se a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao campo de aplicação do processo de impugnação judicial, apenas se inserem nesta competência os pedidos de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos autoliquidação que comportem a apreciação da legalidade destes atos.

A preocupação legislativa em afastar das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da diretriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta com clareza da alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objetos possíveis do processo arbitral tributário «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», pois esta especificação apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objetos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos actos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação.

            No caso em apreço, o motivo invocado para o indeferimento da revisão oficiosa foi a ilegitimidade da Requerente, o que, obviamente, não implica apreciação da legalidade ou não de qualquer acto de liquidação ou de autoliquidação.

            Porém, à face do critério de repartição dos campos do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial delineado pelas alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, não é necessário que a apreciação da legalidade de um acto de liquidação seja o fundamento da decisão procedimental ou que no pedido formulado se peça a apreciação da legalidade de um acto de liquidação, bastando que esse acto a comporte, o que, neste contexto, significa que no acto impugnado se inclua um juízo sobre a legalidade de um acto de liquidação, mesmo que não seja esse juízo o fundamento da decisão.

            Nas situações previstas nesta alínea d) do n.º 1 do artigo 97.º, justifica-se a utilização do processo de impugnação judicial porque na impugnação da decisão vai ser apreciado esse juízo sobre a legalidade da liquidação e, no caso de se concluir pela ilegalidade desta, ela vai ser anulada.

            Neste caso, a Requerente defende que se verifica uma situação em que a decisão do pedido de revisão oficiosa comporta a apreciação da legalidade de actos de liquidação porque nela se refere que «face ao anteriormente exposto, e conforme é referido no relatório da Inspecção,  não obstante vários fornecedores terem liquidado imposto e essa liquidação não ser devida, não impede que a liquidação do imposto resultante da aplicação das regras de inversão do sujeito passivo e o respectivo pagamento não tenha que ser feita por parte do “fundo”, considerando que os prestadores de serviços de construção civil, poderão obter a devolução o referido imposto junto da Autoridade Tributária».

            Neste excerto da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa a Autoridade Tributária e Aduaneira está a afirmar a legalidade da liquidação efectuada na sequência da inspecção, e não as efectuadas pelos fornecedores, que são as que a Requerente questiona no presente processo.

            Por outro lado, neste excerto reconhece-se que as liquidações efectuadas pelos fornecedores foram indevidas, mas entende-se que não se justifica a sua anulação, por os prestadores dos serviços poderem vir a obter a devolução do imposto indevidamente liquidado.

            Isto é, a controvérsia não tem por objecto a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação praticados pelos fornecedores, pois a ilegalidade é aceite pela Autoridade Tributária e Aduaneira, mas sim os efeitos dessa ilegalidade.

            O contexto em 1 a alínea d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT faz referência à «apreciação da legalidade do acto de liquidação» é o de essa apreciação ser objecto de impugnação por o impugnante dela discordar, pelo que se pressupõe que foi feito no acto impugnado um juízo positivo no sentido da sua legalidade, que vai ser questionado na impugnação e ser objecto desta, sendo a eventual procedência desta baseada no erro daquele juízo.

            Neste caso, afirmando a Autoridade Tributária e Aduaneira, em sintonia com o que defende a Requerente, que as liquidações efetuadas pelos fornecedores foram indevidas, não se está qualquer juízo positivo sobre a legalidade destas que possa ser objecto de impugnação, isto é, não está em causa no processo judicial saber se aquelas liquidações são ilegais, antes estando apenas em causa saber se, estando assente que as liquidações foram indevidas, elas devem ou não ser mantidas depois de terem sido efectuadas posteriores liquidações pela Requerente, nas condições em que esta pediu a revisão oficiosa.

            A resolução destas questões não envolve a apreciação da ilegalidade de actos dos tipos referidos no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT que define as  competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, restringindo-as, quanto a questões de mérito, «à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta» ou actos de segundo ou terceiro grau que incorporem actos desse tipo ( [6] ), não abrangendo a definição dos efeitos do reconhecimento administrativo de ilegalidades de actos desse tipo, matéria que é de natureza essencialmente executiva (designadamente à face do preceituado no n.º 2 do artigo 157.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

            Conclui-se assim, que a decisão do pedido de revisão oficiosa não é um acto em matéria tributária que comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação, nem a apreciação jurisdicional da sua legalidade se insere nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

           

 

3.1.2. Questão da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciação de indeferimentos tácitos de recursos hierárquicos

 

 A Requerente entende que «o acto de indeferimento tácito comporta, em certa medida, a apreciação indireta da legalidade do acto tributário, sendo, portanto, o processo de impugnação judicial (ou o processo arbitral) adequado para o apreciar».

São diferentes as situações em que ocorre o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa e aquele em que há indeferimento tácito de um recurso hierárquico.

O indeferimento tácito, que é um conceito que ainda vigora no contencioso tributário (depois de ter sido abandonado no contencioso administrativo, na reforma de 2002/2004), não constitui um acto, mas uma presunção destinada a permitir aos contribuintes a impugnação contenciosa ou administrativa, nos casos em que pretendem utilizar meios processuais que têm um acto como seu objeto, como se infere do preceituado no n.º 5 do artigo 57.º da LGT.

Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de acto de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de acto destinada a assegurar a impugnação contenciosa através de um meio processual que tem por objecto um acto, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.

No caso de impugnação administrativa directa de um acto de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do acto de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta negativa às questões de legalidade colocadas pelo impugnante. Por isso, presume-se que o indeferimento tácito de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objecto directo acto de liquidação se baseia em razões substantivas e não por razões formais. ( [7] )

Diferente é a situação nos casos em que se está perante o indeferimento tácito de um recurso hierárquico interposto de decisão expressa de prévia impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), pois, nestes casos, o recurso hierárquico  não tem por objecto directo um acto de liquidação, mas sim o anterior acto de indeferimento da impugnação administrativa. Se o acto expresso proferido na impugnação administrativa não conheceu da legalidade de acto de liquidação (por ter entendido existirem obstáculos formais, como a ilegitimidade ou a intempestividade), o indeferimento tácito presume-se ter mantido o acto anterior e, por isso, se este não comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação, o indeferimento tácito do recurso hierárquico também não a comporta. ( [8] )

É este o regime que resulta do preceituado no artigo 198.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT: o decurso do prazo para decisão do recurso hierárquico «sem que haja sido tomada uma decisão, conferem ao interessado a possibilidade de impugnar contenciosamente o acto do órgão subalterno ou de fazer valer o seu direito ao cumprimento, por aquele órgão, do dever de decisão».

É também neste sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre o indeferimento tácito de recurso hierárquico (à face do artigo 175.º, n.º 3, do Código do Procedimento Administrativo de 1991, que, para este efeito, tem alcance substancialmente idêntico ao artigo 198.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo de 2015), como pode ver-se pelo acórdão de 21-11-2007, processo n.º 0444/07, em que se entendeu: «Nos casos de indeferimento tácito de recurso hierárquico considera-se indeferido o recurso (art. 175.º, n.º 3, do CPA), pelo que, quando a decisão da reclamação graciosa impugnada conheceu da legalidade de acto de liquidação (no caso, deferindo parcialmente a pretensão formulada), aquele indeferimento tácito considera-se também ter por objecto a legalidade do acto de liquidação cuja legalidade foi apreciada na decisão da reclamação.»

Assim, nos casos de indeferimento tácito de recurso hierárquico interposto de acto expresso, é através do acto do subalterno, que se presume confirmado tacitamente no caso de o recurso hierárquico não ser decidido no prazo legal, que se afere a idoneidade do meio processual, designadamente para efeitos da adequação ou não do processo de impugnação judicial, à face do preceituado noas alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

No caso em apreço, pelo que se referiu, deverá entender-se que o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa não comporta a apreciação da legalidade de actos de liquidação, pelo que o indeferimento tácito do recurso hierárquico, que se presume, ter confirmado aquela anterior decisão expressa, também não a comporta.

Consequentemente, a apreciação do indeferimento tácito do recurso hierárquico também não se insere na competência deste Tribunal Arbitral.

 

3.2. Pedido subsidiário

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a questão da caducidade do direito de acção relativamente à impugnação directa dos actos de liquidação.

Não estão juntos aos autos os actos de liquidação praticados pelos fornecedores da Requerente, mas é evidente que eles foram do conhecimento da Requerente antes da data em que apresentou o pedido de revisão oficiosa, que foi decidido por despacho de 17-04-2019.

         Por isso, é manifestamente intempestiva a impugnação directa dos actos de liquidação referidos, pois não foi efectuada no prazo de efectuada no prazo de 90 dias a contar do conhecimento desses actos, que resulta do preceituado nos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e do artigo 102.º, n.º 1, alínea f), do CPPT.

Procede, assim, a excepção da caducidade do direito de acção quanto à impugnação directa dos actos referidos.

 

 

3.3. Consequência da procedência das excepções

 

A incompetência material e a intempestividade constituem excepções dilatórias, que implicam a absolvição da instância da Autoridade Tributária e Aduaneira e a extinção da instância [artigos 89.º, n.º 4, alíneas a) e k) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 278.º, n.º 1, alíneas a) e e), do Código de Processo Civil, aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT].

 

 

4. Decisão

 

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em: 

– julgar procedentes as excepções de incompetência material e intempestividade;

– absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

          5. Valor do processo

 

          De harmonia com o disposto no art. 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 79.643.57.

 

 

          6. Custas

 

          Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 09-03-2020

 

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(Cristina Coisinha)

 

 

 

 

(Arlindo José Francisco)

 

 



( [1] )         Embora no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, em que se define a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, se faça referência à criação de impostos e sistema fiscal, esta norma deve ser integrada com o conteúdo do n.º 2 do artigo 103.º da mesma, em que se refere que a lei determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, que constitui uma explicitação do âmbito das matérias incluídas naquela reserva, como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional.

A título de exemplo, indicam-se neste sentido, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:

– n.º 29/83, de 21-12-1983, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 338, página 201 (especialmente, páginas 204-205);

– n.º 290/86, de 29-10-1986, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8.º volume, página 421 (especialmente, páginas 423-424);

– n.º 205/87, de 17-6-1987, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9.º volume, página 209 (especialmente páginas 221-222);

– n.º 461/87, de 16-12-1987, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 372, página 180 (especialmente página 197);                                                                                                                                          

– n.º 321/89, de 29-3-1989, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 385, página 265 (especialmente página 281).

 

                O Tribunal Constitucional tem entendido também que a reserva de competência legislativa da Assembleia da República compreende tudo o que seja matéria legislativa e não apenas as restrições de direitos (neste sentido, pode ver-se o acórdão n.º 161/99, de 10-3-99, processo n.º 813/98, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 81.

( [2] )         No conceito de «liquidação», em sentido lato, englobam-se todos os atos que se reconduzem a aplicação de uma taxa a uma determinada matéria coletável e, por isso, também os atos de retenção na fonte (para além dos de autoliquidação e pagamento por conta, que não interessam para a decisão do presente processo).

( [3] )         Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STA de 2-4-2009, processo n.º 0125/09.

( [4] )         Exemplo de uma situação deste tipo é a do artigo 22.º, n.º 13, do CIVA, em que se prevê a utilização do processo de impugnação judicial para impugnar atos de indeferimento de pedidos de reembolso.

( [5] )         No sentido de o meio processual adequado para conhecer da legalidade de acto de decisão de procedimento de revisão oficiosa de acto de liquidação ser a ação administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do CPTA) se nessa decisão não foi apreciada a legalidade do acto de liquidação, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20-5-2003, processo n.º 638/03; de 8-10-2003, processo n.º 870/03; de 15-10-2003, processo n.º 1021/03; de 24-3-2004, processo n.º 1588/03, de 6-11-2008, processo n.º 357/08.

                Adotando o entendimento de que o processo de impugnação judicial é o meio processual adequado para impugnar atos de indeferimento de reclamações graciosas que tenham apreciado a legalidade de atos de liquidação, podem ver-se os acórdãos do STA de 15-1-2003, processo n.º 1460/02; de 19-2-2003, processo n.º 1461/02; e de 29-2-2012, processo n.º 441/11.

[6] Para além dos efeitos inerentes à eventual anulação de actos desses tipos, a nível de reembolso de imposto, juros indemnizatórios e indemnização por garantia indevida.

( [7] )         Essencialmente neste sentido podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 2-2-2005, processo n.º 1171/04; de 8-7-2009, processo n.º 306/09; de 23-9-2009, processo n.º 420/09; e de 12-11-2009, recurso n.º 681/09.

( [8] ) É a uma situação desse tipo, em que foi impugnado um indeferimento tácito interposto de um acto que não apreciou a legalidade de acto de liquidação, que foi objecto do processo que se reporta a decisão arbitral proferida no processo n.º 387/2019-T, que a Autoridade Tributária e Aduaneira cita, confundindo essa situação com a do indeferimento tácito de pedido de apreciação da legalidade de acto de liquidação.

Na verdade, nestes casos, tendo o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa por objecto os próprios actos de liquidação e não sendo seu objecto qualquer acto de segundo grau que não tenha comportado a apreciação da legalidade de acto de liquidação, não há qualquer fundamento para ficcionar um acto que não conheceu da legalidade de acto de liquidação.